Alguns dias simplesmente não são tão bons, apenas caóticos
A TENSÃO SE APODEROU DO ESCRITÓRIO de uma forma quase palatável, um sabor de desgosto e uma comunhão de horror. Se Dante brandisse a Rebellion certamente seria capaz de cortá-la ao meio de tão palpável que se encontrava. E pior de tudo, aquela altura, era o constrangedor momento que ficam te encarando como se tivesse algo estranho na sua cara.
Um memorável evento entre amigos.
O silêncio permaneceu absoluto — quiçá escutava as batidas do meu coração frenético de vergonha e irritação. Desci as escadas sob a vigilância cerrada de um meio-demônio, uma demônio puro e uma caçadora humana atentos a cada movimento que executava prontos para uma batalha. Engraçado disso é que eles ainda disfarçavam sempre que me virava para encará-los, vendo o mesmo: um Dante sonolento, uma Lady que distraía a bebê curiosa e uma Trish nada discreta. Todos fingindo, na cara de pau, fazer algo para que não notasse a estranheza sondando.
Eles são tão exagerados!
Não é como se eu, no apogeu dos meus hormônios turbulentos, causasse problemas por um mero infortúnio. Talvez, no máximo, iria desejar um chocolatinho e diria pro Dante fazer as tarefas domésticas para que ocupasse meu tempo livre com Beatrice.
Marchei até às duas mulheres, sem deixar de expressar que, independente da dor, ainda estava na ativa pra cuidar da menina. Beatrice, por sua vez, soltou um arroto alto e monstruoso para um bebê nos padrões normais.
— O que andaram dando a ela? — Dante perguntou.
Beatrice estendeu os bracinhos querendo a atenção de alguém. Prontamente me candidatei, porém, antes que tivesse a chance, Trish a pegou, fazendo com que eu ficasse no vácuo.
Já que não precisavam de mim no quesito — que eu denomino — “operação nana neném”, resolvi passar o tempo de bobeira com Dante. Largado e entretido no próprio cochilo vespertino, meu namorado estava mais do que em outro nível de preguiça. Não o julgava muito sobre ser um cara que funciona no modo economia de energia, mas queria mesmo atenção dele. Me acomodei na estrutura valentão da mesa e retirei a revista de sua face.
— Ei — Dante resmungou, seus olhos se semicerraram quando percebeu que quem havia atrapalhado seu sono era eu. — Ah, que foi doçura?
— Nada, queria ficar um pouquinho com meu namorado maravilhoso.
— Passar o tempo atrapalhando minha soneca?
— Me poupe que você nem dormindo estava — contestei, sentindo os primeiros efeitos da instabilidade hormonal — Acha que não senti vocês me vigiando como se eu fosse uma assassina de alta periculosidade?
— E não é?
Mesmo sem ver, sabia que Trish e Lady bateram em seus próprios rostos com o que Dante me disse, como se fosse a coisa mais estúpida e ameaçadora que ele já dissera.
— Dante. — sorrio com ar doce. — Acho que você não vai se importar de dormir no sofá, não é?
— Por que eu dormiria no sofá?
— Prefere dormir na casa do cachorro?
— A gente não tem cachorro. — Dante rebateu mordaz. — Talvez — ele mostro um chocolate. — com isso você esqueça essa história.
— Fala sério. Se você acha que pode comprar minha felicidade com comida você está... — respirei fundo. — Completamos certo! Me dá! — estico o braço pra alcançar o doce e Dante o afastou.
— Não, não, doçura.
— Me dá o chocolate. — grunhi em uma voz grossa, inumana e ameaçadora que fez o filho de Sparda me fitar surpreso.
— Isso que acabou de acontecer foi...?
— Real. — as duas caçadoras responderam.
Dante me entregou o chocolate.
— Obrigada. — agradeci com gentileza.
— Mulheres. — Dante arqueou uma das sobrancelhas em um tom risível.
Qualquer ser existente que já experimentou a dor excruciante de cólica e a dimensão que ela toma ao se instalar pelo nosso corpo sensível, compreende que a possibilidade de piorar no dia seguinte é grande. Diria que é uma certeza quase que absoluta no terreno dos conhecimentos tácitos femininos para mostrar o quão cruel é a natureza. No entanto, para minha alegria, de manhã não fora uma tortura quanto imaginei. Embora segunda feira não fosse exatamente meu dia favorito da semana, estava bastante otimista até; consegui dormir e Beatrice não teve incômodos noturnos.
Dante tratou de se ocupar com os cuidados de Beatrice e arrumei a loja. Lady e Trish já tinham picado a mula e, por mais que gostasse da companhia delas, no quesito auxílio na área de limpeza, elas não era muito adeptas.
Para todos os efeitos, eu estava bem humorada.
Saltitei ao descer as espadas, aproveitando cada segundo das boas vibrações quando vislumbrei um Dante erguendo Beatrice cheia de poeira que ria das caretas do caçador.
— Misericórdia. O que houve com ela?
— Ela estava engatinhando por aí e uma caixa caiu em cima dela.
— O quê? E você ainda diz isso numa boa? Qual é o seu problema? — dei um tapa no braço dele — Como é que pode deixar um bebê engatinhar livre por esse chiqueiro? — a peguei dos braços de Dante, e levei para o banheiro para dar um banho nela já que ela tinha se sujado muito.
A pobrezinha parecia um fantasma da poeira.
Apanhei uma bacia qualquer e enchi com um pouco de água quente e fria para deixar em uma temperatura ideal para um bebê. Beatrice se inquietou quando a coloquei delicadamente na água, o que me proporcionou uma jornada de caos com água.
— Você foi dar banho nela ou tomou banho com ela? — Dante caçoou assim que sai do banheiro.
Grunhi.
Dante retrocedeu em uma gargalhada. Eu o fulminei com os olhos e marchei para o quarto trocar de roupa. Ainda bem que tínhamos conseguido pelo menos umas peças de roupas para bebê, se não estaria perdida.
×××
Beatrice balbuciava alguns ruídos que supus ser vagas tentativas de palavras — não esperava grande repertório de vocabulário vindo de um bebê que não deve ter nem nove meses direito. Deduzindo pela estabilidade e o tamanho da bebê.
Quando desci, Lady e Trish já haviam retornado do que seja lá o que estariam fazendo. Beatrice mexeu os braços para Lady e a levei para perto, tendo uma reação engraçada vinda da experiente caçadora.
Um forte dor me despertou da minha linha de raciocínio.
A dor tornou-se mais forte, fazendo com que curvasse meu corpo. Usei todo meu poder de concentração para dar um pouco de descanso. Pus-me de pé rapidamente e meu corpo não entendeu isso muito bem e acabei tropeçando. Fechei os olhos esperando pela dor da queda, que não veio. Abri meus olhos para ver quem sido salva e não foi surpresa nenhuma encontrar um par de olhos azuis preocupados.
— Algo errado, doçura?
— Sim, Dante — agarrei firme o casaco que ele usava — Está tudo errado! Estou morrendo!
— Sente alguma dor?
— Uma forte dor, e ela esta me matando! Estou até vendo a luz... A luz no fim do túnel — disse eu, usando toda minha veia dramática de novela mexicana — Dante a luz esta me chamando.
Ergui minhas mãos para o céu.
— Luz? Que luz? Onde esta vendo? — Dante olhou para mesmo ponto no teto que eu, tentando achar a tal luz. — Querida, não vá para luz. Se bem que nem dá. Você é baixa demais para alcançar o teto, muito menos à lâmpada.
— Não zoa o barraco, caramba — grunhi nervosa. — Não está sentindo o drama?
— Ah, não. — replicou com graça. — Mas sinto que chegou a hora de ver se não te deram algum medicamento pesado.
Ignorei o comentário dele.
— A luz é muito forte! Forte demais para mim!
Dante colocou a mão no meu rosto, tampando minha visão.
— Melhorou?
— Muito — concordei.
— Isso pareceu uma parodia de novela — Lady anuiu num um misto de desdém e confusão, dava para ver que ela estava segurando a vontade de rir.
— Temos uma dupla de comediantes entre nós — Trish ralhou, rindo suavemente.
Com todo cuidado, Dante me colocou de pé. Ajeitei minha roupa, prendi meu cabelo e parti para a cozinha. Seria uma boa hora para comer algo doce. Vasculhei todos os armários e não achei absolutamente nada doce, nadinha mesmo.
— Já sei o que vou fazer! — conclui, esperançosa. Havia muitos ingredientes e eu poderia fazer um bolo só para mim. Sim, sou egoísta quando se trata de doces.
Coloquei um avental e peguei tudo que era necessário para fazer um bolo. Cantarolei uma musica qualquer e juntei tudo que achei numa vasilha. No processo acabei derrubando algumas coisas.
— O que está fazendo, Diva? — Trish perguntou. Lady também estava com ela.
— Hm, nada de mais.
— Com o barulho que você estava fazendo não foi isso que pareceu.
— Foi tão alto assim?
As duas acenaram em concordância.
— Desculpe, eu queria fazer um bolo.
Os olhos azuis de Beatrice brilharam com a simples menção da palavra bolo — o que me fez pensar que ela entendia muito mais do que aparenta.
Ela bateu palmas alegremente.
— Vou te ajudar então — Trish se ofereceu.
Arregaçamos as mangas e partimos ao trabalho. Enquanto Trish mexia a massa, eu limpei a louca. De repente, notei um ponto preto que se deslocava lentamente na parede, se agitando com o flagra. Foquei meus olhos na pequena figura escura na parede. Ela permaneceu imóvel durante uns minutos.
— Mas o que é isso? — aproximei o máximo que podia da figura.
— É só uma barata... — Trish zombou. — Não é grande coisa.
— Concordo, mas sabendo onde estamos é normal ver uma, esse lugar parece um lixão.
— Eu ouvi isso — ouvi da sala Dante dizer em tom de ofensa fingida.
— Era para ouvir mesmo. Esse lugar é um chiqueiro, tanto que a vigilância sanitária teria que interditar a loja e o dono — rebati sarcástica. Em seguida, peguei minha sapatilha — Melhor matar ela antes que cause algum incômodo.
A barata subiu lentamente a parede, e quando a sombra da sapatilha se sobrepôs a dela, ela estremeceu e mostrou as asas. Como se minha vida toda passasse como um filme, vi a barata voar em minha direção faminta por vingança e desprezo assassino. Não foi nem preciso dizer que entrei em pânico. Os segundos seguintes, a cozinha pareceu uma prisão no qual queria estar livre e a barata era a terrível e perigosa carcereira.
— Abortar missão. Repito: Abortar missão. Todos para fora! — Dante derrubou a porta com um chute.
— Que merda está acontecendo aqui?
Apontamos para a barata que voava despreocupada.
— Esse escândalo por causa de uma barata?
— Não é apenas uma barata! — disse secamente — É a abominável barata voadora! Ela está aqui para nos destruir! Causar o caos e destruição!
— Não tem problema, acabo com ela em um instante — Dante ergueu Ebony e Ivory, disparando contra a barata.
— Assim não seu maluco... Vamos todos morrer! Cada um por si agora!
Pela cozinha voaram pedaços de madeira, poeira, utensílios, mas nada daquele ser asqueroso. O espaço ficou o caos, muito pior que qualquer coisa já vista. Explosão por todo canto, gritos e risadas — de Beatrice que achava que tudo era uma brincadeira.
Vendo o resultado final da obstinada luta, abri um largo e satisfeito sorriso. Claro, devido aos contratempos, demorou muito mais do que cogitei a princípio a preparação do bolo. Além da barata, que quase nos fez surtar, a caótica intervenção de Dante e a bagunça, tinha tudo pronto.
O bolo já estava no forno.
— Ufa finalmente — suspirei, limpando o suor da minha testa.
— Ainda bem...
Esperamos pacientemente o bolo ficar pronto, depois preparamos o recheio e enchemos e morangos que Trish tinha encontrado na geladeira.
— Está lindo! — disse emocionada. Pude até sentir algumas lágrimas de exultação escorregando pelas minhas bochechas.
— Uma verdadeira obra prima! — Trish concordou, batendo levemente nas minhas costas.
— Podemos comer agora
Era justo que depois de Trish me ajudar, eu dividisse tanto com ela quanto com Lady. Peguei o bolo com todo cuidado e levei para o escritório com as garotas no meu encalço. O bolo começou escorregar da minha mão por causa da calda derretida, que alias estava muito quente. Pendi para esquerda e Trish e Lady me seguiram temendo que ele caísse. Fui para direita e elas também.
Consegui manter a estabilidade, segurando firme a bandeja do bolo. Mas tropecei em uma lata de refrigerante no chão e deixei cair minha obra prima. O bolo desabou espatifando-se no chão. Beatrice conseguiu de alguma forma sair dos braços de Lady, que estava chocada com o ocorrido, a pequena engatinhou até o bolo, batendo suas mãozinhas nele e lambeu. Ela sorriu festivamente.
— Bem pelo menos, algum de nós gostou.
— Ou teve a chance de experimentar...
Dias ruins são assim...
Depois disso, obriguei Dante a limpar a sujeira do bolo e limpar todo o escritório. Afinal se não fosse por ele ser tão bagunceiro, estaria feliz degustando um maravilhoso bolo.
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