CAPÍTULO 32 - CICATRIZES
Era tempo novamente para o Europe Music Awards e Babi caminhava pelos corredores com seu walkie talkie, verificando se estava tudo em ordem para começarem os ensaios. Meses se passaram desde a sua recuperação e se sentia muito bem de volta aos bastidores da premiação.
Mandou um beijo para Rosalía*, finalizando a maquiagem em um dos camarins e seguiu para o palco para conferir a iluminação. Desta vez não deixaria ninguém tropeçar no escuro. Cruzou com Harry Styles* que tinha acabado de passar o som.
— Babiiii!! Queria tanto alguém com a sua experiência na minha turnê... Você não quer mesmo? — disse a cumprimentando.
— Ai, Harry, não faz isso comigo, se você ficar insistindo não sei se consigo continuar negando.
— Ahh, ainda tenho chance! — exclamou animado.
— Não faz assim, eu realmente não dou conta de voltar pra estrada por agora.
Após o ocorrido no ano anterior, Bárbara ganhou notoriedade e, de repente, pôde escolher se envolver nos projetos que quisesse. Acompanhou Rosalía na turnê latino-americana e Anitta* na europeia. Crescia na carreira e sentia-se feliz em voltar às origens de tudo com o EMA.
— Tá bem, não vou insistir, mas lembra, eu sou o primeiro da fila, hein? Nada de fugir pro Oriente! — Harry brincou e continuou, baixando a voz. — Mas falando sério, você teve um trelelê com um dos BTS ou não?
— Claro que não! Você só pode estar chapado de melancia! — disfarçou entre gargalhadas. — Eu já disse tudo o que tinha pra dizer sobre esse assunto. Tá tudo na internet pra quem quiser ver, é só procurar. Deixa eu trabalhar, seu maluco. Beijos!
Virou-se engolindo em seco. Quantas vezes teria tido aquela conversa? Nem saberia dizer. A declaração que fez com a sua versão dos fatos já havia se tornado fofoca antiga dos tabloides, mas vez ou outra alguém reavivava o assunto.
Era oficial, ela nunca se envolveu romanticamente com nenhum dos Bangtan Boys. Tornaram-se bons amigos ao longo do tempo que trabalharam juntos. Camaradagem profissional transformada em amizade. Com todos eles. Considerava-se uma sortuda por ter feito amigos tão especiais.
Além disto, apesar do trauma sofrido, não poderia estar mais agradecida pelo tratamento e socorro imediato recebido por eles. Jin, em especial, tinha sido um herói ao salvá-la quando perdeu a consciência no palco. Se não tivesse agido naquele momento, era provável que os socorristas não a encontrassem em condições de ser salva.
Respeitava a todos e aprendeu muito com os sete enquanto conviveram. Nada além disso.
Babi verificava a ordem correta dos cenários das apresentações, quando Tommy informou que precisavam de algumas velas guardadas no almoxarifado. Em meio aos mais diversos materiais, encontrou-as a um canto ao pé da grande gaiola dourada usada no ano anterior. Retirou um pouco da poeira, sentindo o metal frio. As lágrimas formaram-se, mas não as deixou cair. Não lhe teriam serventia.
Jaewoo lhe fez um último e derradeiro pedido. Algo que acabaria em corações partidos. O dela, o de Jin ou os dos fãs. Qualquer um dos caminhos seria incapaz de levá-los em direção à felicidade de todos. Mas a decisão recaía sobre ela e o manager estava ciente disso.
Apesar das duras consequências, a escolha foi fácil. Sacrificou o seu. Porém foi inevitável atingir Jin com os estilhaços.
— Não me olha com esse ar de quem tem tudo decidido. — ele disse, assim que soube da ligação de Jaewoo.
Babi sentiu o corpo todo formigando, como se minúsculas lâminas a atingissem pelos poros. Um embrulho no estômago a impedia de respirar, roubando-lhe as palavras. Forçou-se a encontrá-las. Foram as mais difíceis que alguma vez proferiu.
— Vamos acabar por aqui... Isso tudo é demais pra mim. — declarou em um fio de voz.
A expressão atormentada de Jin ainda pairava em suas memórias. Decepção. Tristeza. Tantos sentimentos contidos na única lágrima derramada à sua frente. Ele não insistiu, nem se demorou.
Partiu apressado, levando apenas o que coube nas mãos e a intenção não revelada de permanecer ali ao seu lado. Babi nunca chegaria a saber como ele já estava pronto para abandonar tudo.
Ela, por sua vez, nunca lhe revelaria ter se arrependido de deixá-lo ir. Mesmo convencida de ter sido o melhor para os dois e julgando ter o tempo a seu favor para esquecer, não houvera um dia sem tê-lo nos pensamentos.
Porém afastá-lo foi essencial.
Jaewoo estava convencido que ela era a única capaz de fazê-lo voltar à Coreia. Em último caso, sabia ter em mãos uma forma eficiente de obrigá-la. Seus superiores chegaram a dar a ordem de usar o contrato assinado por ela com a empresa. Ameaçá-la teria sido o mais rápido, mas não a melhor maneira, na opinião dele.
O manager evitou ao máximo contactá-la. Apesar das suspeitas iniciais, ele considerava Babi uma das pessoas mais leais de sua equipe. Havia acompanhado com carinho aquele amor entre os dois jovens desabrochar, fazendo vista grossa sempre que possível e, mesmo suspeitando daquele desfecho ser inevitável, quis dar-lhes todo o tempo que pôde.
Ao saber de tudo o que vinha acontecendo na ausência de Jin no país, o deixar ir mostrou-se o único caminho para Babi. Petições exigindo que o governo voltasse atrás com a emenda na Lei do Serviço Militar, idols de outros grupos sendo rechaçados em consequência, os BTS recebendo muitas críticas, perdendo acordos publicitários e ofertas de shows. Até uma onda de atitudes preconceituosas com estrangeiros começou a ser fomentada, especialmente com brasileiros.
Não sabia ser tão grande a responsabilidade pendendo sobre os ombros de Jin. Imaginou o quanto ele estaria guardando dentro de si novamente, sem dizer a ninguém. Quis confortá-lo. Protegê-lo. Relutante e derrotada, percebia como aquilo não teria fim.
Enquanto ouvia os relatos de Jaewoo, em meio a sua dor por receber aquelas notícias tão mesquinhas, tão culpadas por levar embora a sua maior alegria, dormindo sereno no quarto ao lado, lembrou-se de algo aprendido com ele.
Fez como Jin faria. Se queriam algo dela, teriam que oferecer algo em troca. Algo tão valioso quanto.
— Devolvam o filme dele. — declarou impassível. — Deixem ele atuar em paz, sempre e o quanto quiser e eu desapareço.
Sentiu como se tivesse vendido a própria alma, mas se isso garantisse a realização do maior sonho dele, ficaria satisfeita.
Assim aconteceu.
Algumas semanas antes do EMA, Jin estreou como ator sob a tutela de Park Chan-wook*, enfrentando todos os tabus que aquilo infligia. Para os mais antiquados, um dos mais controversos diretores do país não era indicado para dirigir um dos principais idols do mundo em sua primeira atuação. A parceria calou a todos com um filme tocante e instigante.
Nascia Kim Seokjin ator.
Babi assistiu o filme na primeira sessão exibida em Londres, sentindo um orgulho que não cabia no peito. Naquele dia esteve em paz com a decisão tomada, imaginando a alegria dele no tapete vermelho. Mas nem todos os dias eram assim e, ali nos bastidores em meio aos cenários, as lembranças vinham acompanhadas de pesar.
Carregava um saco enorme de velas pelo corredor, quando reconheceu as costas de Tommy conversando com alguém. Só reparou que era Suga quando este a chamou.
— Barbie! — exclamou se aproximando com os braços abertos.
Abraçaram-se com afeto, felizes pelo reencontro. Ele era o único do grupo a participar do evento naquele ano. Apresentaria-se com seu álbum solo. Passado quase um ano, os membros decidiram dar uma pausa nas atividades do grupo e dedicarem-se mais aos projetos individuais e não era de se espantar que Yoongi andaria pelas premiações.
— É tão estranho ver você aqui sozinho. — ela comentou.
— É esquisito estar sozinho sim. — ele respondeu. — Mas com você aqui, me sinto mais em casa. Como você está?
Babi contou suas aventuras trabalhando com divas pop latinas. Assim como a sua rotina desde o retorno a Londres, reforçando se sentir como nova. Ele pareceu especialmente preocupado com as cicatrizes.
— A do braço eu cobri com um desenho que o Kookie fez pra mim. — comentou mostrando a nova tatuagem, um pôr-do-sol com a linha do horizonte delimitada pelo corte cicatrizado. — As outras estão aí cobertas pelas roupas, não as vejo muito, não me incomodam tanto. E você como é que está? E os outros?
Ele estava atarefadíssimo, como sempre, prestes a começar a turnê solo. Jungkook seria o próximo a lançar o álbum e andava super focado entre ensaios e gravações. Hobi descansava em uma ilha paradisíaca depois da sua turnê. Jimin estava envolvido em um musical da Broadway com Olívia. Dos outros, ela própria tinha notícias.
RM a havia contactado sobre algumas traduções que haviam feito juntos. Queria usá-las para novas composições. Ele lhe contou que finalmente estava conseguindo ter tempo para se dedicar a Chin-Sun e não podia estar mais feliz com aquilo. A troca dela de músicas com Taehyung continuava, mesmo com ele viajando pelo mundo com uma mochila às costas.
Evitaram falar de Jin.
— Barbie, o meu convite continua de pé, viu? A música tá pronta, só esperando a sua voz. — a convidou.
— Eu adorei a melodia, Suga Daddy, a letra também, mas ainda não me sinto confortável. — ela respondeu com um suspiro.
— Eu sei como é. Quando você conseguir, então. Só vou gravar se for com você, ok? — afirmou antes de se despedir. — Outra coisa, o hyung mandou isto.
Entregou-lhe um pendrive com um pássaro grafado. Esperou chegar em casa para ver o conteúdo, ansiosa e temerosa do que encontraria ali. Havia apenas um arquivo de vídeo e outro de áudio.
No vídeo, Jin lhe apresentou o set das filmagens do seu novo projeto em que encenava ao lado de Choi Woo-shik*. Contracenariam como irmãos. Ela bem via similaridades quando os dois usavam o cabelo para trás.
Ele tinha um sorriso doce nos lábios, muito diferente da última vez em que se falaram. Pediu desculpas pela despedida ríspida e disse se arrepender de tê-la tratado de forma tão fria. Não gostou nada do seu derradeiro encontro ter se encerrado com uma expressão tão amargurada. Ele não lhe tinha rancor, pelo contrário, ela tinha um espaço especial em seu coração.
— Eu sei o que você fez. — parou, olhando ao redor — Isto só foi possível por sua causa. Você cuidou de mim até o fim, Passarinho. Só tenho a agradecer. Você é muito especial. Eu queria ter retribuído de alguma maneira.
Você cuidou e como cuidou! Queria lhe dizer. Vê-lo assim, contente com o que fazia, lhe agradecendo, sem ressentimentos na voz, a fez ser envolvida por uma enorme alegria. Sem perceber, as lágrimas já lhe cobriam as bochechas.
— Promete que agora você vai cuidar de você? Dos seus sonhos, do seu talento. Espero um dia ouvir você tocar de novo, quem sabe em um grande palco... — ele inspirou fundo. — Tenho que ir, vamos gravar agora. Eu sei que você não pode me mandar uma resposta, tá? Não se preocupe com isso. O Yoongi-ssi já fez muito contrabandeando esta mensagem. Seja feliz, Babi.
O vídeo encerrou pausado em uma imagem dele de perfil. Admirou a tela aos soluços. Ela bem suspeitava que as suas verdadeiras intenções tinham sido percebidas por ele, mas a culpa por deixá-lo ir a consumiu durante todo aquele tempo.
Abraçou-se antes de seguir para o áudio com o título: Deixar voar. A voz melodiosa cantava sobre o pássaro encontrado um dia em uma gaiola. Era ele quem abria a porta da gaiola, mas era o pássaro quem o salvava. Agora, era hora de deixá-lo voar.
No fim, uma mensagem dele dizia que a música seria lançada no seu álbum solo nos próximos meses. Pedia para ela não se assustar em fazer parte das inspirações dele. E esperava fazer parte das dela.
Quando as lágrimas cessaram, desejou de súbito um banho. Despiu-se sem cuidado, apenas querendo alcançar o chuveiro o quanto antes. O frescor da água sobre a cabeça fez-lhe relaxar por completo.
Com os olhos fechados, Babi murmurou a melodia da música que acabara de ouvir. Quase sem perceber, como havia virado hábito, tocou o local bem abaixo da costela onde a tatuagem de um pássaro saindo da gaiola cobria uma cicatriz de corte.
--- FIM ---
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Glossário / Artistas citados:
Rosalía - cantora e compositora espanhola, musa do reggaeton com toques de música folclórica. Vencedora do Grammy Awards e do Grammy Latino.
Harry Styles - cantor, compositor e ator inglês, ex-integrante do One Direction e recordista de inspiração de fanfics junto com os BTS, não podia deixá-lo de fora, né?
Anitta - cantora, compositora e quebradora de records brasileira. Se não sabe quem ela é, por onde você tem andado?
Park Chan-wook - diretor, roteirista e produtor de cinema sul-coreano. Um dos maiores do mundo. Dos mais conhecidos, dirigiu Oldboy (2003) e A Criada (2016)
Choi Woo-shik - ator sul-coreano, conhecido mundialmente por protagonizar o filme vencedor do Oscar, Parasita. Também protagoniza o dorama Our Beloved Summer e é muito amigo do Taehyung.
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Oi gente!!
Chegamos ao fim, mas eu ainda tenho umas coisinhas para falar sobre a história, então nos vemos no próximo capítulo.
Se está gostando, não se esqueça de deixar a sua estrelinha e comentar! Eu vou adorar saber sua opinião, palpites e etc.
Beijo grande e até já!
Ana Laura Cruz
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