Acréscimos e curiosidades
Agora que a coletânea acabou definitivamente, talvez seja bacana falar algumas coisas que podem não ter ficado tão claras logo de cara.
Os personagens são os mesmos em todos os contos?
Sim, os personagens são os mesmos! Daí podem surgir dúvidas como: "Ué, são os mesmos e em um capítulo a moça aparece como psicóloga, no outro aparece como funcionária da empresa, como é o negócio aí?".
Isso acontece porque a ordem não é cronológica (propositalmente). Logo, dá para se concluir que as coisas mudam (às vezes mudam muito) de um conto para outro.
E por que a ordem não é cronológica?
Vejam, é uma coletânea. Se fosse cronológica, acabaria por se tornar um longo romance e não era isso que eu queria. Meu intuito era escrever cenas rápidas que viessem na minha cabeça, sem necessariamente ordená-las.
Além do mais, há uma proposta muito interessante em B'shert: você não sabe onde termina. Pode acabar nas brigas ou nos momentos de bolha de felicidade. Quem sabe? Eu não sei. Quem lê é quem decide. Aliás, fica aqui o meu convite para uma brincadeirinha (que já fiz com uma amiga/leitora e que foi bem surpreendente e divertida): tentem colocar os contos na ordem que acharem melhor e me contem o resultado.
Mas... Sabemos onde começa?
Sim, sabem. Começa em (surpresa!) B'shert. Acho que é previsível, já que foi o texto que deu o título. Ou seja, todas as outras histórias aconteceram depois de B'shert, assim (ironicamente) decidi deixá-la por último. Isso poderia até ser percebido pela música do capítulo, que diz: "Deixe-me flutuar de volta para o lugar onde você me encontrou". Olha só quantas referências.
É a minha história preferida e mais especial.
Especial? Por quê?
Porque não a escrevi sozinha. É uma informação que já está lá, mas ressalto: foi uma parceria entre mim e um rapaz chamado Jean V. Hass, que é um escritor realmente habilidoso. As descrições dos locais foram feitas por ele. Ele imaginou a empresa inteira e contou para vocês.
Por que a parceria foi feita com o Hass?
Não teria como ser feita com outra pessoa (e eu tentei, o que acabou se revelando um erro grosseiro). O Jean foi o cara que me inspirou a escrever tudo isso, então tem muitos sonhos dele aqui (inclusive coisas reais que o próprio já disse, mas não vou falar quais). Hoje já não mantemos mais tanto contato quanto antes, porém agradeço a todo instante pelo auxílio, sensibilidade e singularidade que permitiu B'shert nascer. É um moço muito especial, sem dúvidas.
E quanto às músicas?
Todas, absolutamente todas, querem dizer alguma coisa. Vou deixar que vocês saibam:
So close to magic (Aquilo) em Zahir
Passa exatamente a atmosfera do conto: a melancolia da situação, as incertezas, a mágoa contida; mesmo assim, ela (a personagem) se sente "perto da magia, perto de casa".
Ouvi, uma vez, que lar não é necessariamente um local físico. Pode ser uma pessoa. Para a moça dos contos, mesmo com os conflitos (que parecem nunca acabar e tem uma alta carga de desgaste emocional), estar com ele é como voltar para o lar. Ela está no lugar certo.
Dreams (Timecop1983 feat. Dana Jean Phoenix) em Fernweh
Quando penso nesses dois personagens, eu imagino cenários que remetem à liberdade. Danças na rua, o vento que vem da janela do carro, as luzes dos prédios vistas de um veículo em alta velocidade, rodopios embaixo da luz da lua. Algo que eles têm é essa coisa de "fugir". As pessoas e todas as outras coisas ficam pra trás. Quando o resto desaparece, esse casal só tem a si próprio.
"Dreams" me passa a sensação de ser livre. Indo "em direção aos sonhos", é como se nenhum dos dois tivesse um destino certo; e isso não importa, desde que estejam juntos.
The Moon Song (Karen O) em Ataraxia
Essa é muito especial pra mim (apesar de que todas são!). É de um filme chamado Her, que eu descobri pelo Jean. Assistimos juntos numa madrugada mágica que vai ficar pra sempre na minha memória, onde todo o resto do mundo desapareceu e só restou o sentimento de estarmos compartilhando algo único e nosso.
É uma música calma, preguiçosa. O trecho "Estamos a um milhão de quilômetros de distância" descreve a sensação da exclusividade do cotidiano, dos detalhes, das pequenas coisas e momentos. Assim como o que os personagens viveram em Ataraxia, é um estado de felicidade plena: tudo parece estar em seu devido lugar.
If you would come back home (William Fitzsimmons) em Atelofobia
Quantas pessoas ainda conseguem se amar depois de uma destruição emocional?
Não, eles não são uma exceção. Nem sempre conseguem. O que marca os dois, talvez, é a tentativa. Sempre pensei na relação desse casal como instável, mas, de alguma forma, é uma instabilidade que dá certo, porque ambos se perdoam e se entendem na medida do possível. Quando uma visão de mundo transborda a outra, a separação é difícil; eles atraem um ao outro, mesmo quando tudo parece estar perdido. Sempre voltam. E sempre ficam.
"Se você voltasse para casa, eu juro que seria melhor".
Photograph (Arcade Fire) em Aubade
Não sei direito o que falar dessa música, só sentir. Eu estremeço quando dou o play nela.
É tão explicativa que as palavras me fogem.
Assim como The Moon Song, é uma canção do filme Her. Eu a escolhi por ser propícia ao momento. Tem picos de intensidade que o próprio casal tem. É incerta, mas linda. Photograph é uma explosão de sensações. Passa o sentimento de Aubade: a vontade de ir; de ficar; de gritar; de chorar; de desistir; de tentar; de amar.
Quando a ouço, sinto que o relacionamento do casal vale a pena e que foge da compreensão do resto do mundo — e deles mesmos.
Pixel Empire (Madeon) em Fosfeno
A ideia da história veio daí. Assim que ouvi o começo, o cenário surgiu sem que eu desse permissão: a multidão, as luzes (dessa vez, de um show de eletrônica), o pôr do sol numa tarde ansiosa, as roupas coloridas que ela usaria, empolgada por passar a madrugada dançando com ele. Adrenalina e liberdade saltam nessa música. Nenhuma outra faria com que o ambiente fosse imaginado de forma tão verídica.
Além do DJ ser um dos meus preferidos e ter um motivo específico para ficar aqui na coletânea, a energia emotiva que ele proporciona aos ouvintes é fora do normal.
O conto se encerra na entrada do festival, mas Pixel Empire é a descrição perfeita do que acontece lá dentro. E é, propositalmente, uma visão muito clara do lado dele (o personagem).
There Might Be Psynapse (deadmau5) em Quatervois
O que me fez colocar essas notinhas por aqui foi uma frase, mais ou menos assim: "Imagine nós dois fugindo com essa música um dia, em um carro, de madrugada". Isso explica todo o resto.
Os minutos introdutórios, aliás, me lembram o ruído de estrada vazia.
Foi um capítulo difícil de ser escrito. Talvez o mais difícil depois de Latíbulo.
Ler Quatervois é imaginar duas pessoas problemáticas. Eis um fato. Mas nunca foi só isso para mim. Existe algo, alguma coisa, um ponto em comum entre o casal. Apesar dos recorrentes desencontros, essa música mostra o que acontece quando eles estão juntos. É uma mistura, uma explosão de intensidade que não consigo explicar nem com os melhores termos do dicionário. Talvez porque não me refiro só à junção carnal. A coisa toda vai além. É conexão emocional; de sonhos, desejos, visões de mundo.
A relação deles é uma troca constante.
E sabe?, isso pode ser interpretado de várias formas.
Acho que em toda a coletânea a visão dela é difícil de ser acompanhada (assim como a dele, é claro) e eu queria mostrar um pouco das contradições dessa mocinha também. Só que não foi fácil colocar tudo para fora desse jeito.
A música é uma das ferramentas auxiliares no processo.
Arrival of the birds & Transformation (The Cinematic Orchestra) em Latíbulo
Eu tinha encerrado B'shert. Oito contos. O universo de "ele" e "ela" estava fechado. Hora de mandar para a revisão e focar em conseguir leitores. Não tinha mais nada que eu quisesse escrever.
Pelo menos foi o que achei. Sempre digo e repito: não controlo essa coletânea.
O primeiro minuto da música despertou em mim toda a vontade de voltar a esse mundo. Era como se, depois de oito contos, depois de oito canções, ela fosse o encerramento definitivo, quase um resumo de tudo o que aconteceu nas outras histórias.
Acredito que, se algum leitor pegou a essência de B'shert, vai sentir a explosão de familiaridade assim que der o play. Como eu senti tão intensamente.
Latíbulo é a última história que escrevi. Depois dela, percebi que o relacionamento desses dois não estava mais sob o meu controle e que eu precisava deixá-los partir.
O que me chamou a atenção quando encontrei essa música foi a imagem do farol. Era um sonho dela (a personagem) passar a noite em um, sozinha, sentindo o que é a solidão, de fato, e gostar disso. Acho que porque é necessário se perder para se encontrar. E quando ela se encontra em si mesma, fica mais fácil voltar para a realidade que criou com ele. Ligando isso ao título da música, é como a sensação de chegar em casa após um longo voo.
Language (Porter Robinson) em B'shert
É a música deles.
É a música deles e isso diz muito, muito mais do que eu poderia dizer escrevendo um texto aqui.
As notas transbordam isso. Gritam isso. Imploram para que percebam isso.
É forte. Intensa. Única. Inesquecível. Insubstituível.
Como B'shert.
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