- IV -
Foi, então, no ano 5212 da fundação de Thalindari, que Edril conduziu à presença do Arquimago Albion, um forasteiro das longínquas terras de Aslabad, país de além-mar, no Sudeste de Hybria, tido entre os seus como general e cujo apelativo era Zolath odGrihzah.
A comitiva dele se compunha de cerca de trinta pessoas, entre homens e mulheres, das quais uma era a filha do próprio rei estrangeiro e se chamava Alaya.
Obviamente que Edril fora reticente em propor ao Arquimago que tal embaixada fosse à sua presença, mas diante da insistência do rei de Aslabad e, por questões de diplomacia, Zolath pode se dirigir com grande pompa à Cidade Lótus.
Era sabido que Albion jamais selaria um acordo bélico com aquela nação e que tal ideia seria um desrespeito ao pacto que os magos possuíam com a deusa Kanda, a de acolhedora presença. De toda maneira, apesar da inconveniência do forasteiro, o Arquimago acreditava que poderia, através dele, dissuadir o Rei da nação estrangeira de suas intenções de confrontar-se com o país de Enoē.
No entanto, o clima da recepção, nem bem haviam começado as conversações no castelo da Confraria, tornou-se bastante desconfortável. Pois o general Zolath fora direto ao assunto, mostrando o que tinha a oferecer em troca dos serviços da metalurgia de Thalindari: A costa ocidental de Aslabad possuía grandes jazidas de minério dracônico, da qual se sabia eram forjadas as armas mágicas da Primeira Era, quando os thalindarianos combateram contra os primevos. Desta maneira, a proposta do general era a de lhes fornecer matéria-prima abundante, em troca de que parte das armas produzidas pelos magos fossem municiar seu exército, de maneira que, ainda que ele não chegasse a se tornar o maior do mundo em contingente por certo que seria o melhor armado de todo o continente ultramarino de Hybria.
De outra maneira, o Rei de Aslabad oferecia a mão de sua filha, Alaya, ao Arquimago como símbolo de seu desejos de forjar uma aliança perpétua entre seu reino e a Confraria. Disso, não é sequer necessário dizer o quão presunçoso fora com tal proposta.
- Não sei se sabes... - respondeu Albion com toda sua calma ao general Zolath, - mas nós da Confraria somos celibatários. De toda maneira, certamente, que não sou também um rei entre os meus irmãos. Minha palavra não é absoluta e qualquer decisão tomada em assuntos dessa gravidade vem do colegiado.
O homem naturalmente ficou constrangido, pois, ainda que seus anfitriões fossem renomados em todo o mundo, obviamente que faltavam aos aslabadianos um conhecimento mais acurado dos costumes de Thalindari. Detalhe que colocara o General numa situação difícil de contornar.
*
Totalmente indiferente ao que se passava no salão do Conselho dos Magos, a jovem princesa Alaya decidiu perambular pelos corredores do Castelo.
Ela era uma jovem muito bonita, com a típica tez morena das gentes de Hybria, olhos verdes e cabelos prateados como a face da lua Kanda nas noites de inverno. Era um tanto mais baixa que as ghmanim dos entornos da Cidade Lótus, de corpo esguio e ágil como o de um felino.
Ademais, vestia-se à moda de Aslabad, com sua túnica de múltiplas faixas, cingidas em torno da cintura, por um cinturão de pele felpuda de camelo nas cores bege e marrom. E não bastasse os detalhes luxuosos de seus paramentos, havia o fato de que era uma mulher perambulando sozinha pelos austeros corredores do Castelo dos Magos, onde via de regra só circulavam homens, o que evidentemente haveria de chamar a atenção de alguém cedo ou tarde.
E foi o que veio a suceder, quando a jovem princesa se esgueirava pelos laboratórios e oficinas dos maghim, surpreendeu-a de súbito Erastos.
Obviamente que desde que o jovem ferreiro fora conduzido à categoria de mago aprendiz não tinha contatos com as garotas da aldeia. Não que tivesse algum interesse nelas, que para ele nada mais eram que reflexos de suas mães e das mães de suas mães. Mas Alaya, ao contrário delas, além de sua aparência estrangeira, tinha uma vivacidade rara em seu olhar e ele sentiu de algum modo o aythir dimanando da jovem. Decerto que não como das deusas que conhecera determinada vez, mas, ainda assim, de uma forma capaz de atiçar sua curiosidade como raramente acontecia. Mesmo assim o sisudo rapaz repreendeu-a logo de cara:
- Quem pensas que és para invadir a oficina dos maghim?
- Ora! Como quem sou? Eu... Eu... - ela hesitou como se tivesse esquecido do próprio nome ou talvez se lembrado de algo. - É evidente que me perdi e que gostaria de que indicasse o caminho que devo tomar...
- Naturalmente... - respondeu Erastos, desconfiado daquela resposta. - E onde é o lugar a que a yunē quer chegar?
- Bom! De preferência, um lugar mais arejado e que não cheire a bolor e coisas velhas...- disse com certa inocência, totalmente hesitante quanto ao que dizia.
- Certamente que esse lugar não é aqui - constatou Erastos. - Acho melhor a yunē chamar uma dama de companhia porque não convém ficar perambulando nesses corredores sozinha. Não que meus confreis fossem lhe fazer algum mal, mas seria mais adequado a uma dama. De toda maneira, posso levá-la aos aposentos reservados à comitiva de Aslabad, da qual suponho que tenha se apartado.
- Não! - disse Alaya em tom de súplica. - Por favor, mestre, deixe-me respirar um pouco longe deles. Desprezo-os de todo o coração. Bajulam-me por causa de meu pai, mas para eles não sou nada além de uma mercadoria a ser vendida.
Lágrimas brotavam dos olhos dela, e fez menção de chorar, de maneira que Erastos se impacientou de lidar com aquela garotinha mimada.
- Lastimo, yunē! Mas essas questões não me dizem respeito. O que posso fazer é reconduzi-la até lá antes que se crie um incidente diplomático pelo desaparecimento de uma donzela estrangeira que desgarrara de sua embaixada.
- Alteza! - soou de repente uma voz feminina em tom de reprimenda. - Pelos deuses! Estava já assustada por não encontrá-la em nenhuma parte! - Disse se aproximando deles uma jovem com características semelhantes à da outra, sendo apenas um pouco mais baixa e um tanto mais magra, ademais que suas vestimentas eram mais modestas que as de Alaya.
- Bom aí está a tua companhia, yunē. - Exclamou Erastos mais aliviado. - Podes segui-la que ela cuidará para não te perderes novamente.
- Por favor, mestre! - suplicou a jovem mais uma vez. - Sabes que ela não conhece Thalinadari e que não terá nenhuma valia em me conduzir por esta cidade. Não vês que não é justo me deixarem reclusa num quarto como se eu fosse prisioneira?
- Já disse, yunē, este assunto não me diz respeito. Sugiro que leve tua queixa ao responsável pela embaixada de Aslabad.
Atônita com a insensibilidade do rapaz, Alaya baixou a cabeça, talvez pela primeira vez em toda sua vida. E retirou-se daquela oficina, acompanhada pela aia.
E dessa maneira, Erastos julgou estar livre daquele incômodo para dedicar-se novamente ao trabalho de criação de seu primeiro instrumento mágico, pelo qual esperava ascender da condição de mago aprendiz para a de mago de ofício dali a alguns dias.
No mesmo instante, ele se voltou à bancada onde trabalhava há meses, sem ter outra coisa em mente senão a imagem daquela deidade que vira certa feita no Bosque de Kēndapradiz.
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