10 anos depois - Madrugada de segunda
Benu não conseguiu dormir.
Eram quatro horas da manhã, e ele encarava o telhado, suando frio. Estava chovendo. As pulseiras de ferro em seus braços queimavam, incandescentes, contendo aquela coisa estranha que insistia em ir para fora durante a última década. Era como se algo arranhasse por de baixo de sua pele, tentando tomar o controle. Era como se ele nunca houvesse tido de fato o tal controle.
Uma mosca pousou em sua testa, depois de ter feito o único barulho possível de se ouvir no estado em que o homem se encontrava. A dor era ruim, claro, mas o esforço mental para conseguir agarrar o inferno que parecia queimar dentro de si era pior. Pois se ele não agarrasse, esse inferno iria conhecer o mundo. E o mundo já era bastante infernal desde a última vez que isso havia acontecido.
A mosca voou de um lado para o outro.
Benu sentiu ânsia de vômito, mas nada veio. Ele tentou se focar em sua própria respiração, que soava trêmula e acelerada, mas era quase impossível. A calma existia em algum lugar, ele só não sabia onde e não conseguia encontrá-la de jeito nenhum.
A luz meio cor de rosa do céu que não pertencia bem àquele lugar entrava timidamente pela janela entreaberta, junto com algumas gotas de chuva, e por hora, ele se focou em admirá-la. Partículas de poeira se misturavam com o sereno e eram iluminadas pelo alvorecer de forma bonita, como se fosse um sonho. Não pensou muito no que ela significava, no que ela havia trazido, e no que havia se perdido com a sua chegada. Não. Ele não podia pensar nisso. Mesmo que hoje fosse o aniversário do acontecimento.
Mas o pensamento era insistente demais, como sempre. Benu sentiu a coisa que queimava e se arrastava por sua pele crescer um pouco, e teve quase certeza de que ouviu um crec baixo vindo de uma das pulseiras. A mosca voltou a pousar em sua pele, mas dessa vez morreu assim que entrou em contato, e caiu no chão com a leveza de uma pluma.
A ânsia era muita. Ele virou a cabeça e vomitou no chão.
***
Conseguiu levantar uma hora depois, quando o despertador tocou. Cinco e meia da manhã. Benu se sentiu fraco, doente, horrível e um monstro, mas ele precisava viver. Já não havia conseguido fazer nada no domingo, e ele era um adulto. Ele não podia simplesmente desistir de existir. Ele merecia, com toda certeza, mas não podia.
Se apoiou na parede, trêmulo, e viu uma xícara de chá que havia esquecido na cabeceira da cama na sexta. Ainda estava cheia e tinha uma fina camada de poeira sobre ela. Desviou do vômito e encaixou as moletas no braço, indo até a única janela do quarto, para ver como estava a mini horta que jazia no batente. Ele gostava da ideia de ter uma mini horta. Plante mentas, honre Perséfone, essas coisas. Era a única coisa na vida dele que ainda não havia destruído, tirando o emprego, e isso dava algum alívio.
Encheu um copo com água da torneira e molhou a mini horta, se locomovendo com dificuldade no cubículo em que morava, já que era difícil usar do auxílio das moletas enquanto seu braços ainda doíam por conta das pulseiras que haviam deixado alguns lugares queimados em carne viva. Conter aquele poder estava cada vez mais difícil e ele precisava arranjar novas daquelas, antes que as rachaduras que haviam surgido no metal hoje se tornassem um problema.
Ligou a televisão pequena que ficava em cima da mesma mesa que usava para comer. Se esforçou para limpar o chão enquanto ouvia o jornal. Jogou fora o chá, fez café e trocou de roupa, tentando ser rápido e produtivo, apesar de toda a dor no corpo e o cansaço de ter passado noites em claro. No jornal, falaram de um outro avantesma que havia aparecido em uma rotatória no centro. Dois feridos, uma morte. Uma morte.
Benu continuou se esforçando para não desistir de existir.
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