13.2 Vigília.
10 de setembro de 2014, quarta-feira.
Não restava dúvidas nenhuma de que Autumnfall passava por dias difíceis. A semana passada, assim como esta que estava vigente agora faziam as pessoas se questionarem nas ruas, em seus trabalhos, e até mesmo em suas casas se de fato estavam seguras.
Mas... não era assim sempre? Segurança não passava de uma grande ilusão, afinal catástrofes acontecem a todo momento, pessoas se machucam ou morrem por motivos que não entendemos e, no final, tudo se torna um ciclo...
Um ciclo enorme do viver humano.
Depois dos ocorridos, Allana resolveu dar ouvidos ao xerife e resolveu decretar luto de dois dias na escola para que deixassem com que todos pudessem sofrer em paz a perda de seus entes queridos, e por mais frustrante que poderia ser, dar um certo tempo para si própria relaxar e entender melhor as coisas que estavam acontecendo na sua escola.
Por isso, todos puderam desligar seus despertadores por um tempo, mas ainda assim, para alguns, o dia também havia começado bem cedo.
— Como você está, Becky? — o moço disse sentado em frente aquela garota, na delegacia de polícia.
Desde terça a polícia tinha permitido a visitação para aquela moça, mas não pôde vê-la ontem por causa de sua tia, Jade tinha consumido todo o tempo da visita falando com ela. Então conversou com sua responsável e em consentimento, ela deixou com que aquele dia a visita fosse toda dele.
O lugar não era muito grande, compreendia algumas mesas de metal com apenas uma cadeira de cada lado, em uma sala com alguns conjuntos desse tipo, meio escura devido à pouca iluminação e as cores acinzentadas da parede e o chão.
Vestida com o uniforme laranja característico, Becky parecia péssima, não só física, quanto psicologicamente. Seu cabelo era a maior prova do que estava acontecendo onde ela estava, afinal, não podia cuidar dos seus cabelos como gostaria, até mesmo os cachos que ela tanto se gabava em manter não passavam de um emaranhado sem pé nem cabeça, sem forma e totalmente bagunçado. Contudo, eram os seus olhos fundos que deixavam claro as noites mal dormidas e a dor de estar naquele lugar, injustamente, diga-se de passagem.
— Continuo presa — ela comentou levantando os braços, exibindo a algema que a segurava naquele lugar — mas estou sozinha na cela, então só está me parecendo insuportável mesmo.
— Deve estar sendo bem difícil... — o moço comentou com um sorriso um tanto quanto receoso, não fazia ideia do que dizer para animá-la naquele momento.
— Tudo bem — Becky deu um leve sorriso — se tem um assassino aí fora, talvez seja mais seguro ficar aqui dentro.
— Nisso você tem razão — e logo soltou um leve riso, sem humor.
— Mas me conta, o que está acontecendo aí fora enquanto eu estou nesse... retiro espiritual?
— Sua tia não te contou?
— Não... — o clima logo ficou sério novamente — mas ela me disse que eu deva ser solta depois de amanhã, conseguiram algumas evidências que limpam o meu nome...
— Ela me falou sobre isso, vou pegar o carro do Bruce emprestado para vir te buscar, okay? — viu ela assentindo com a cabeça, feliz — mas sobre essas evidências que eles encontraram... — Thales suspirou — o assassino agiu de novo... ele sabotou o carro do Owen e... alguns dos nossos morreram.
— Quem morreu dessa vez? — falou um tanto temerosa, com o coração acelerando com tamanha informação.
— Riley, Owen, Eleonor, Cameron e o Alec.
— O Ethan e a Gwen devem estar arrasados — ela disse forçando um sorriso no rosto. Queria poder ter se despedido dos seus amigos decentemente... quando fosse solta iria para o cemitério prestar as suas devidas condolências, não era tão próxima assim deles exceto Riley, mas se sentia na obrigação de fazer isso, e quem sabe pedir desculpas por não poder ter impedido o que aconteceu.
— Estão — suspirou —, ao menos eles têm um ao outro, mas desde que aconteceu eles ainda não saíram de casa... espero que tenham forças de ir na vigília que vai acontecer mais tarde, seria bom poder se despedir, é na cidade, nada de carros e muito mais policiais dessa vez.
— Escuta Thales — e então ela segurou as mãos dele da forma que pôde, o som das algemas fez-se presente quando arrastou o metal na mesa, e um policial vendo e ouvindo aquele ato, tomou total atenção para afastá-los caso qualquer eventualidade — quando eu sair, vamos a fundo nesse caso, eu não quero que mais dos nossos amigos morram, isso precisa ter um fim.
— Precisamos — ele sorriu — por eles, e para o nosso próprio bem.
***
Sinceramente não tinha sido a ciência que havia reconhecido os corpos das vítimas do acidente de carro visto o quão acidentados tinham ficado, e sim pelos documentos que estavam com eles naquela noite, e confirmados pelos familiares que reconheceram a roupa que eles estavam utilizando naquele funeral.
Mas para os cartazes brancos e azuis que penduravam várias fotos deles, os adolescentes eram nada mais nada menos do que felizes, em sorrisos contentes e abraços coletivos com suas turmas de sala, com seus amigos entre as cafeterias da escola, e até mesmo algumas poucas fotos cedidas pela família com eles pequenos.
"Saudades eternas" e outras frases como "nós te amamos" estampavam os cartazes e eram vistas para todos os lados em letras pretas, vermelhas e azuis bem grandes, representando por elas os pesares que todos aqueles estudantes sentiam pela perda de seus amigos.
No chão, velas grossas eram acesas em memória dos mortos, iluminando como estrelas o vasto escuro daquela noite fria da pacata cidade.
"Nunca vou me esquecer de você" Gwen e Ethan acabavam de colar um cartaz naquele mural juntos. Fora uma foto do último natal onde como sempre, os Stanford passavam na casa dos Foster as suas festividades. Nessa foto, Gwen beijava a bochecha de Riley, Ethan se mantinha na frente das duas fazendo um "v" com a mão enquanto segurava uma latinha de coca-cola, e cada um em uma extremidade, Abigail e Bruce mantinham um sorriso animado no rosto.
— Não dá para acreditar que isso é real — Ethan falou assim que terminou de prender aquele objeto naquela grade — era para estarmos em casa agora, assistindo alguma porcaria e reclamando que amanhã deveria ter alguma prova da senhorita January.
— Sim... — Gwen acendeu uma vela e se abaixou para colocar a mesma perto daquela grade, aos pés daquele cartaz recém preso — não era para ela morrer assim... tínhamos tanto para viver ainda, tantos sonhos, tantas expectativas... Ethan, por que nossos amigos estão morrendo? Por que nós temos de passar por isso?
— Eu... não sei — com um sorriso forçado no rosto, Ethan foi e a abraçou por trás, sentindo o corpo frio de Gwen contra o seu, mas o mesmo se desfez ao sentir as lágrimas dela escorrendo pelo seu braço.
Depois da perda de suas irmãs e da perda de seu melhor amigo, Ethan sentia que não tinha mais nada nem ninguém além daquela loura que estava nos seus braços agora. Ela estava tão fria, tão carente, tão indefesa, tão... sozinha.
Tinham sido eles que reconheceram o corpo de Riley já que seus pais não tiveram coragem para ir e, desde então não tinham conseguido parar de chorar até agora, afinal, ninguém mais entendia aquela dor do que um ao outro.
— Quando eu era pequena a professora de biologia nos fez fazer um projeto de botânica sabe? — Gwen começou — todo mundo recebeu um vaso de flor pra gente cuidar até que elas florescessem para depois a gente colocar no jardim da escola.
— Eu lembro disso — Ethan interveio, abraçando ela um pouco mais forte — todo mundo tinha que cuidar de uma "glória-da-manhã" não é?
— Sim... — Gwen disse — mas o que vocês nunca souberam é que sem querer eu acabei derrubando o vaso de planta dela, nem sei que fim deu as sementes, mas com medo da professora brigar comigo ou magoar a Riley, eu só juntei a terra no vaso, coloquei em pé de novo e agi como se nada tivesse acontecido.
— É engraçado você falar isso — ele sorriu — a dela não foi a primeira que começou a dar indícios de crescimento?
— Sim... mas isso é porque ela era uma cabeça dura incorrigível — mesmo em meio àquela tristeza, as palavras que ela falou arrancaram um pequeno riso de seus lábios — ela sempre chegava mais cedo, regava com bastante água e conversava pelo menos uns dez minutos com aquele vaso vazio. Estava na cara que a plantinha seria só mato quando começou a florescer, mas ela tinha certeza de que seria uma "glória-da-manhã".
— Lembro que até a professora tentou trocar a dela dizendo que aquilo ia dar errado, mas a Riley continuou se esforçando, e começou a chegar ainda mais cedo para passar mais tempo com a planta.
— Ela até fez um diário de crescimento — riu —, mas sabe, eu me sentia mal por ver ela se esforçando tanto sem saber no que aquilo ia dar, tentei contar várias vezes pra ela, pedir desculpas por causa do que eu fiz, mas...
— Mas? — ele falou para a instigar em continuar.
— Depois do mato finalmente um brotinho germinou, e foi crescendo, crescendo e crescendo, até virar um belo...
— Girassol — Ethan terminou —, lembro que ficamos em choque quando apareceu, a única flor amarela no meio de várias flores brancas.
— E aquela boba ainda ficou triste porque não tinha nascido uma flor da manhã — ela riu —, mas sinceramente, morri de inveja daquela flor, o quanto ela foi cuidada, o tanto que Riley conversava com ela... acho que ela me conquistou desde aquele dia.
— Então você realmente... — no semblante dele, uma linha inexpressiva se formou, mas Gwen virou para ele, segurando o seu flanco e, mesmo com uma trilha bem evidente de lágrimas no rosto, sorriu para ele.
— Não como era antes da gente fazer aquilo da primeira vez e a gente começar a se envolver aos poucos, mas sim, eu amava ela.
— Entendo — e novamente a abraçou — eu... também amava ela, a Riley, sempre foi muito especial para mim.
— Todos nós crescemos juntos no final das contas — dava para sentir o seu corpo tremer — vamos sair daqui, Ethan? Chega de tristeza... — agora, o seu choro era tanto que sua voz saia esganiçada lutando contra as lágrimas e soluços que não cessavam em vir a atormentá-la nesse instante — pelo menos por uma noite, uma maldita noite, antes que eu corte os meus pulsos e tente acabar com isso eu mesma.
— Eu não sei se consigo superar, Gwen.
— Não se trata de superar Ethan — ela escondeu o rosto no peito dele — se trata de seguir em frente... sinto que se não seguirmos... o assassino ganha, com ou sem as nossas mortes.
— Gwen... — ele disse sem saber muito o que fazer, mas logo, ela levantou o rosto de novo, o encarou bem no fundo de seus olhos e então, falou o que estava guardado em seu peito naquele momento.
— Eu te amo, Ethan.
***
— Mesmo depois de tudo isso, você não tem ideia nenhuma de quem fez essas coisas, Thales? — Bruce requisitou um tanto irritado, observando os cartazes postos naquele ambiente.
Contava-se nove o número de mortos agora, e pensar que tudo isso tinha sido em tão pouco tempo...
Todos estavam visivelmente afetados com aquela situação e, sem pistas, conseguiam imaginar que aquela só seria uma de várias vigílias que iriam acontecer daqui em diante.
Mas por incrível que pareça, havia uma coisa que Bruce considerava boa, tinha sido suspenso e bem, não ia perder tantas aulas assim por causa daquele luto, embora se culpasse por esse pensamento estar tão vivo e forte na sua cabeça.
O clima da escola nunca mais seria o mesmo, e até mesmo para as gerações após todos aqueles alunos serem formados sofreria a consequências daquelas coisas que estavam acontecendo, isso era um fato velado que ninguém queria aceitar, mas... não havia como sair vivo de uma onda de assassinatos sem deixar sequelas.
— Não tenho muita coisa — Thales logo mordeu os lábios inferiores frustrado, cruzando os braços.
Sentia que deveria ter focado sua vida mais em computadores do que em filmes de terror, séries policiais, quebra cabeças e enigmas. Sentia que estava andando em círculos, e enquanto continuava rodando sem rumo por aí, mais pessoas morriam, por culpa dele... por culpa de ser um inútil incapaz de descobrir quem era o louco que estava fazendo tantas chacinas com as vidas daqueles pobres adolescentes.
Ontem à noite ele tinha se revoltado ao observar as fotos que Eric tinha dado a ele daquela festa. Eram apenas adolescentes normais fazendo coisas normais de adolescentes, se divertindo em ritmo das músicas, conversando entre si, jogando todas elas para o alto frustrado em saber de tudo aquilo. Mas tinha de admitir que ficara um pouco enciumado de uma foto em especial, uma na qual Becky compartilhava um beijo triplo com uma das mortas naquela noite, Paige e um garoto, Lucca Gonzales.
No final, fora por isso que tinha feito a cabeça de Owen para pesquisar a respeito de Lucca, mas o que ele soube depois daquela conversa tinha ido junto com ele para o seu túmulo, e talvez daqueles que estavam naquele carro também.
Certo era que talvez... fosse bom ficar um tempo de olho naquele garoto, porém não estava convencido o suficiente para trazer aquilo como a sua principal suspeita, não ainda... não quando Eric Hawkins estudava na mesma escola que ele.
— E você vai deixar mais mortes acontecer, Thales?! — Bruce disse bruto, totalmente irritado — se você não consegue resolver essas questões, estamos todos condenados.
— Se fosse simples, Bruce, a própria polícia já tinha resolvido essa situação — respondeu — poderia, por favor não falar sobre isso agora? Estamos aqui em homenagem aos nossos amigos, ao menos tenha respeito.
— Você está sendo um covarde — Bruce disse — diz que não tem nada, quando na verdade só está com medo de continuar a investigação. Não se parece em nada com o Thales que eu conheço!
— Hey — uma voz atrapalhou os dois antes que as coisas esquentassem ainda mais — deve estar sendo difícil para vocês...
Quando foram olhar, S estava parado à frente deles com os olhos fundos, mãos para dentro dos bolsos e um sorriso um tanto quanto inexpressivo no rosto.
Eles eram um trio, Alec, Owen e Salvatore. O trio fantástico que muitas vezes eram considerados como os três mosqueteiros, visto que Cameron gostava de andar com eles às vezes, e de uma vez só, nenhum dos seus melhores amigos estavam mais ali, além de estáticos em fotos coloridas ou pretas e brancas penduradas naquela grade.
— Mas mais ainda para você — Thales falou abraçando ele. S não recusou, apenas devolveu o gesto, mas logo se afastou.
— E... desculpa pelo outro dia, Bruce.— ele falou — não quero guardar ressentimentos... tinha tanta coisa que eu queria falar e não pude a eles... vou tomar coragem e assumir para os meus pais que eu sou gay também, não quero viver mais mentiras... — e sentindo lágrimas atrás de seus olhos, ele terminou a sua frase — eu deveria estar no carro também.
— É uma boa iniciativa essa sua S, mesmo que não seja aceito a princípio, é muito melhor viver na verdade com quem a gente gosta do que uma ilusão — sorriu — agora... nunca se arrependa de estar vivo, amigo — Thales falou — eles não podem ser substituídos e nunca vão ser substituídos, mas o que podemos fazer agora é continuar vivendo sempre guardando um pedacinho deles no nosso peito.
— São lindas palavras — S disse com um sorriso sem mostrar os dentes, e logo se virou para Bruce que o fitava com os braços cruzados — o que me diz, Bruce, amigos?
— Quem foi o passivo e o ativo daquela noite? — Bruce perguntou ríspido, lembrando-se de ter acordado com ele outro dia.
— Não sei se a gente deveria falar sobre isso já que você está me parecendo querer esquecer, mas... foi fácil ou difícil fazer o número dois no dia seguinte?
— Filha da puta — comentou ríspido e logo começou a andar, saindo daquele lugar sem olhar para trás.
— Me desculpe por ele, está uma pilha de nervos depois de ter passado por tudo isso — Thales tentou se justificar pelo amigo, mas S apenas balançou a cabeça como quem não se importou com aquilo.
— Posso... andar com vocês a partir de agora? — ele falou de forma triste, bem choroso aliás — meio que meus melhores amigos foram dessa para melhor e se esqueceram de me levar junto...
— Mas é claro, S — Thales sorriu — se o Bruce ou alguém reclamar, pode deixar comigo, bem-vindo a bordo, amigo.
Ele estendeu a mão para ele e com um aperto sincero, S devolveu o cumprimento. Se sentia grato por isso, extremamente grato e, mesmo que durasse apenas um ano, poderia contar com aquele pessoal para conversar e fazer seus trabalhos.
Descansem em paz, amigos. Foi o que S pensou antes de olhar pela última vez aquela vigília e ir embora daquele lugar, não ignorando seus amigos ou coisa do tipo, mas levando consigo a importância e o amor de cada um deles dentro do seu coração, para sempre.
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