Capítulo 7
O crepitar das chamas que afloravam os corpos dos recém-nascidos mortos era o único som que se ouvia. Os Volturi surgiram, os pés sem fazer qualquer ruído, como se flutuassem no ar em vez de caminharem. Jane liderava o grupo, com Alec ao seu lado e mais dois Volturi. Os olhos vermelhos da vampira fixaram-se em Tessa, que acenou brevemente, num cumprimento silencioso.
Os Cullen e os Volturi trocaram algumas palavras mas Tessa não prestou atenção, as pontas dos dedos batendo impacientemente na perna. Estava preocupada com Jacob e achava aquele confronto uma perda de tempo. Já estava tudo resolvido, Victoria morrera e não havia recém-nascidos que pudessem fazer qualquer estrago.
Um movimento atrás de si chamou-a à atenção. Uma jovem, com os seus quinze anos, encarava os Volturi com os olhos vermelhos arregalados, o medo emanando de si em ondas. Tessa franziu o sobrolho, confusa, mas o olhar de Jasper fê-la rapidamente entender. Aquela vampira não os atacara. Parecia mais consciente do que fazia que os restantes recém-nascidos que tinham enfrentado e os Cullen tinham-lhe oferecido proteção se ela não os atacasse. Carlisle acolhera-a, como fizera com qualquer um dos Cullen.
- Deixaram escapar uma. - ouviu Jane dizer, chamando-a à atenção.
- Oferecemos-lhe proteção em troca de rendição. - disse Carlisle, de imediato.
A recém-nascida atrás de Tessa soltou um grito, fazendo a Cullen virar-se, assustada. Depressa percebeu o que se passava. Os olhos vermelhos de Jane tinham-se fixado na jovem e utilizava o seu Dom sem piedade na pobre miúda, forçando-a a sentir uma dor insuportável.
- Jane, pára! - gritou Tessa, ajoelhando-se ao lado da recém-nascida.
- Não precisas de fazer isto. - disse Esme, com toda a calma do mundo - Ela diz-te o que tu quiseres.
A Volturi pestanejou, libertando a vampira e esboçando um sorriso gélido.
- Eu sei. Quem fez isto? - questionou Jane.
- Não sei! - berrou a menina, num tom sofrido - Riley não nos dizia nada! Dizia que os nossos pensamentos não estavam a salvo.
- Foi a Victoria. - respondeu Edward - Creio que a conheças.
- Então Edward. - ripostou Carlisle, com suavidade - Se os Volturi tivessem conhecimento da Victoria, eles tê-la-iam impedido. Não é, Jane?
A vampira pestanejou, os olhos desviando-se brevemente para encontrar os de Tessa, cuja expressão de desagrado era fácil de ler. Jane pestanejou, respondendo na mesma voz fria de sempre:
- Claro.
Uma longa pausa varreu o espaço entre eles. Por fim, a voz de Jane fez-se ouvir, apática:
- Felix. Mata-a.
O vampiro ao seu lado moveu-se, dirigindo-se à menina. Jasper aproximou-se dela, protetor, enquanto Carlisle se dirigia a Jane num tom baixo e contido:
- Ela não fez nada.
- Os Volturi não dão segundas oportunidades.
- Jane, não... Por favor...
A voz de Tessa fez-se ouvir, misericordiosa. Ela sabia que Jane estava a fazer o que fora ensinada: mostrar a crueldade e soberania dos Volturi. Nunca ter misericórdia. Ela era tão jovem quando fora mordida que a sua mente fora facilmente dobrada à vontade dos Volturi, deixando pouco espaço da sua mente para pensar por si mesma.
Jane hesitou ao ouvi-la. Ao seu lado, Alec remexeu-se, olhando Tessa com raiva. Ele detestava a forma bondosa com que a Cullen falava com todos. Detestava a sua empatia, a sua humanidade, a sua habilidade em se conectar com alguém e fazer as pessoas duvidarem da sua própria capacidade para serem cruéis, tal como estava a fazer com Jane. Não era algo propositado. Era apenas a personalidade de Tessa, que se entranhava facilmente em corações que sequer batiam.
- Tessa, lamento. - respondeu Jane, com alguma sinceridade na voz - Ela tem de perecer. Os Volturi não dão segundas oportunidades. - a vampira fez uma pausa, encarando a outra com os olhos vermelhos - No entanto... Dou-te tempo para partires. Não precisas de assistir isto. Não serei cruel contigo.
- Eu não posso fugir e deixar que mates alguém assim. - retorquiu Tessa, com firmeza.
Jane encolheu os ombros.
- É tudo o que posso fazer por ti. Ela tem de morrer. Ela vai morrer. Impedir isso é começares uma guerra contra os Volturi.
- Nunca tive medo dos Volturi, não seria agora.
Por esta altura, Tessa cerrara os punhos, as unhas pressionadas nas palmas das mãos. Pequenas chamas irromperam na barra do seu próprio vestido, ameaçando espalhar-se para a relva. A mão de Jasper pousou rapidamente no seu ombro, controlando as suas emoções, forçando-a a acalmar-se. Tessa nunca atacaria Jane, sequer a culpava por aquilo mas... Estava errado. Ela não podia simplesmente assistir aquilo ou fugir como uma cobarde.
- Theresa.
A voz de Carlisle fê-la virar a cabeça, as chamas diminuindo até deixarem de existir. Um pedido silencioso estava presente nos seus olhos. O Cullen faria o que fosse preciso para proteger a família, mesmo que isso significasse ceder perante injustiças. Tessa não era assim. Aquilo estava errado.
Lentamente, percebeu o que preocupava Carlisle. Havia uma variável ali, para além de cada um dos membros da família: Bella Swan. A humana não sobreviveria a um confronto com os Volturi... E ela também era família, para desgosto de Tessa.
- Tess. - Edward chamou-a, a voz fraca ao pedir-lhe - Por favor.
Tessa encarou cada um dos Cullen, incrédula. Emmett remexeu-se, parecendo o único disposto a enfrentar quem quer que fosse para seguir a irmã mas ele também estava disposto a tudo para arrancar a cabeça a alguém. Esme afastou-se de Carlisle para se dirigir à filha, acariciando-lhe os cabelos cacheados ao puxá-la para um abraço rápido, sussurrando-lhe ao ouvido:
- Vai, querida.
A vampira dos cabelos cor de bronze assentiu, dirigindo um último olhar piedoso à recém-nascida, que parecia aterrorizada. Tessa não conseguia assistir aquilo. Virou-se para Jane, pedindo-lhe baixinho:
- Sê rápida.
A Volturi assentiu e Tessa soube que ela cumpriria com a sua palavra.
A Cullen virou-lhes as costas, correndo para longe, embrulhando-se no meio da floresta. As lágrimas escorriam livremente pelo seu rosto e o corpo de Tessa mudou de direção, os pés primeiro fincando-se na terra húmida e depois na areia molhada. A Praia de La Push recebeu-a como da última vez, as ondas batendo suavemente na areia, o cheiro a maresia tomando conta dos seus sentidos. Deixou-se de cair à beira-mar, enterrando as mãos no chão, sentindo a água fria entrando em choque térmico com o fogo que fervia nos seus dedos.
Um grito profundo cortou o ar.
☽ ✷ ✵ ⟡
Foi Rosalie que a encontrou, horas depois.
Tessa sentara-se na areia, os joelhos dobrados e o queixo apoiado nos mesmos. Ficara ali por várias horas. Chovera entretanto e sentia as roupas pesadas pelo mar e pela chuva, embora não a incomodasse. Não respirava como de costume. Estava imóvel, como uma estátua, fria e sem vida.
Ela lidava muito mal com injustiças. Com maldade. Com crueldade. Fora sempre assim, mesmo em humana nunca compreendera porque haveria de se matar, ferir, escorraçar. Ela não entendia o lado menos bom de todas as criaturas e magoava-se facilmente por isso.
- Não tínhamos escolha, Tess. - murmurou Rosalie, sentando-se ao seu lado.
A dos cabelos de bronze virou-se para a loira, esboçando um sorriso pequeno ao ver a vampira fazer uma careta ao limpar as mãos, cheias de areia. Rosalie revirou os olhos, dizendo:
- Só tu para me fazeres sujar as minhas roupas de areia.
Ficaram em silêncio por alguns minutos. Com a presença de Rosalie, a mente de Tessa começava a sair do seu torpor e da sua dor, as lágrimas já secas. Recordou-se de Jacob e endireitou os ombros, olhando para Rosalie com urgência.
- Sabes alguma coisa sobre o Jake? Eu devia...
- Carlisle está com ele. - respondeu Rosalie, abanando a cabeça - Não percebo essa tua ligação ao lobisomem.
- Ele é meu amigo. - respondeu Tessa, com simplicidade - Eu tenho de ir vê-lo.
Antes que se pudesse mover, a mão de Rosalie pousou sobre o seu ombro, chamando-a à atenção. A irmã inclinou a cabeça, os olhos encarando-a com compaixão ao dizer:
- Fazes sempre isto. Não precisas de te mostrar forte para nós, Tess. Para mim. Eu sei que estás a sofrer com isto tudo. Edward, Bella, os Volturi... Não precisas de ser forte o tempo todo ou fingir que está tudo bem quando alguém precisa de ti. - Rosalie fez uma pausa, apertando-lhe o ombro - Lamento não ter podido ajudar-te com a recém-nascida. Todos nós lamentamos. Devíamos ter ficado do teu lado mas...
- Não podiam. Eu sei. - murmurou Tessa, baixando a cabeça- Eu vou ficar bem.
Rosalie esboçou um sorriso triste.
- Ficas sempre, Tess.
A outra encolheu os ombros mas não respondeu. Por fim, sorriu, sentindo-se grata pela vampira ter vindo à sua procura.
- Obrigada, Rose.
- É para isto que as irmãs servem. - retorquiu Rosalie, olhando para trás de si - Emmett, já podes vir! - a loira piscou o olho à morena, divertida - Ele queria muito vir aqui e fazer as palhaçadas do costume para te fazer rir mas eu não deixei. Ele não tem noção de "sentido de oportunidade ".
- Isso não é verdade. - refilou Emmett, surgindo ao lado de Tessa - Oi mana. Sentes-te melhor?
Tessa assentiu, pondo-se de pé. Não estava bem mas a preocupação dos irmãos tinham acalmado o seu coração. A mente, no entanto, já não estava mais ali.
- Eu preciso ir. Quero ver o Jacob.
☽ ✷ ✵ ⟡
As palavras escapavam suavemente pelos seus lábios, as pontas dos dedos seguindo o curso das frases que lia em voz alta. O ruído de fundo da lareira misturava-se com o som da sua voz e Tessa sabia que Jacob já adormecera por diversas vezes, regressando à consciência por alguns minutos e escutando-a com atenção, antes de se deixar levar pelo embalo que a sua voz proporcionava.
- Nunca lês alguma coisa mais divertida? Shakespeare é trágico. - disse ele, grunhindo de dor ao remexer-se.
- Fica quieto. - ordenou Tessa, com um sorriso leve no rosto - E não é trágico. É amor. Ele tinha um amor pelas palavras que tu consegues sentir em cada livro. Para além disso... - fez uma pausa, dobrando-se para junto dele para endireitar as ligaduras que ameaçavam descolar-se devido ao suor que lhe cobria o corpo - Faz-me lembrar de Inglaterra. De casa.
- Tens saudades?
- Muito. Forks é maravilhoso para mim porque me faz lembrar Londres: chuvoso, húmido, praias de água gelada. - encolheu os ombros, sorrindo - Mas por vezes tenho saudades de casa.
Jacob olhou-a pelo canto do olho. Parecia ter ganho um pouco mais de cor desde que Tessa ali chegara ou talvez já tivesse sido pela visita de Bella. A vampira tinha-se cruzado com a humana à entrada e reparara no olhar de culpa que ela lhe lançara, como se o que acontecera com os Volturi fosse, em parte, culpa sua. Não deixava de ter tido peso no que acontecera mas Tessa nunca a culparia por algo que, infelizmente, fazia parte de pertencer à comunidade vampírica: o que os Volturi decidiam era lei e as consequências para a desobediência eram demasiado severas.
Qualquer que tenha sido a conversa com Bella, Jacob não partilhara e Tessa agradecera mentalmente por isso. Tinha a sensação de que ele não o fizera porque se apercebera da expressão entristecida que ela tinha no rosto habitualmente sorridente e fizera questão de a distrair, pedindo-lhe para lhe fazer companhia e ler em voz alta algo que ela gostasse. A cópia de Romeu e Julieta que ela lhe emprestara no verão estava pousada na mesa-de-cabeceira dele então Tessa começara a ler, a sua voz abafando o som dos ossos de Jacob a ir ao sítio e os esgares de dor que ele por vezes emitia.
Um brilho esbatido de curiosidade surgiu nos olhos castanhos de Jacob, questionando-a:
- Estiveste com os teus pais... tu sabes, depois... - fez um ligeiro gesto com a cabeça na sua direção- Isso?
Tessa sorriu, sabendo ao que ele se referia.
- Nunca os deixei. Quando me atirei ao mar, lembro-me que o meu último pensamento foi quão egoísta eu tinha sido. Nenhum pai merecer ter de enterrar um filho, é anti-natura. Não queria sequer imaginar a dor que lhes causei quando lhes contassem que eu tinha morrido. Eu era tudo o que eles tinham, filha única... Não era justo tê-los deixado assim. Então, quando me recuperei da transformação, fui ter com eles. E eles... - a Cullen abriu mais o sorriso, os olhos fitando um ponto longínquo, a mente perdida em recordações - Eles ficaram tão aliviados. Felizes. Tinham recuperado a sua menina e nada mais importava. Sabiam que havia algo diferente, perceberam que eu não envelhecia, a minha pele era mais lisa e perfeita do que alguma vez fora, nunca comia com eles... Eles sabiam que eu mudara mas não lhes interessava minimamente. Então fiquei com eles até ao fim.
A vampira calou-se, observando o olhar de Jacob vacilar entre a consciência e o sono de exaustão que o assolara nas últimas horas. Puxou os lençóis mais para cima, sentindo a pele dele escaldar sobre a sua fria, a pele arrepiada pelo choque térmico quando os dedos dela roçaram no seu peito desnudo. O Black fechou os olhos, engolindo em seco e murmurando:
- Porque é que tinhas que aparecer?
Tessa franziu o sobrolho, confusa. Não estava certa se aquilo fora positivo ou negativo, nem sabia se Jacob realmente apreciava a companhia dela como ela apreciava a dele. Os olhos castanhos do lobisomem abriram-se, focando-se com extraordinária atenção nela apesar de estar tão debilitado. Humedeceu os lábios, pensativo antes de continuar:
- Antes de te conhecer, era fácil: os vampiros são criaturas horrendas, demónios, assassinos. É esse o ensinamento que recebemos e a nossa missão é matar-vos. Somos inimigos mortais, ponto final. Era fácil odiar o Edward. Era fácil odiar os Cullen e odiar a ideia de Bella se transformar num de vocês. - a vampira à sua frente assentiu, num gesto de compreensão, incentivando-o a continuar - Depois... Apareces tu. Choras. Sorris. És bondosa, teimosa, determinada. Tens mais princípios do que qualquer um de nós. - Jacob fez uma pausa, prensando os lábios antes de dizer - Vieste destabilizar a minha noção de vampiro. Por causa de ti, consigo ver que Carlisle não é um assassino ou um demónio, é um médico que salva vidas, que está a tratar de salvar a minha. Os Cullen não são apenas nossos inimigos, são uma família como os Quilleute. E, por mais que odeie a ideia... - ele fechou os olhos, suspirando - Eu sei que nunca vou deixar de querer ver a Bella mesmo que ela se torne vampira. Apaixonei-me por quem ela é. Por muito que diga em voz alta que ela não será a mesma...
- Sabes que não é bem assim. - completou Tessa, suavemente.
Jacob nada disse. Aquela confissão parecia ter custado o resto das forças que tinha porque ele parecia mais cansado, encarando-a ao dizer:
- Era mais fácil quando não estavas por perto. - observou a morena retrair-se, ressentida, os ombros descaindo ao ouvi-lo continuar - Mas estou contente que estejas. Tens sido uma grande amiga, Tess.
Fechou os olhos e depressa adormeceu, preenchendo o quarto com o som suave da sua respiração profunda, enquanto Tessa esboçava um sorriso e pegava novamente no seu livro, lendo calada enquanto vigiava o sono do lobisomem.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro