Capítulo 17
O dia em que o caos se instalou na casa dos Cullen chegara. Bastara uma fração de segundo. Um momento de distração.
Um copo a cair ao chão.
Carlisle e Esme tinham ido caçar. Não caçavam há semanas, já que o médico queria estar sempre por perto para olhar por Bella, mesmo que Tessa lhe tivesse assegurado que dava conta do recado. Ele acabara por ceder, sentindo-se fraco pela falta de alimento no organismo. Apesar de Tessa também não se alimentar há um bom tempo, não sentia tanta necessidade como os outros vampiros, sabia lidar muito melhor com isso do que qualquer um deles. Emmett fora com eles, já que era perigoso passarem pelo território dos Quilleute para irem caçar. Ele iria protegê-los, Tessa sabia disso.
Para além de Bella, havia a ameaça eminente da alcateia. Sam e os restantes lobisomens preambulavam pela floresta, esperando o momento certo para atacar. Leah, Seth e Jacob patrulhavam o perímetro e Tessa juntava-se a eles quando podia. Ela e Leah tinham estabelecido algum tipo de amizade, a lobisomem sentindo-se cada vez mais confortável junto da vampira.
Carlisle saíra. Os lobisomens ansiavam por atacar. Todas as variáveis estavam contra eles.
Bastou uma fração de segundo.
Estavam a falar de nomes para o bebé quando acontecera. Aquela fração de segundo que traria o caos. Edward ficara finalmente em paz com o bebé assim que ouvira os seus pensamentos ainda dentro da barriga de Bella. Alice também parecia um pouco mais relaxada, esboçando um sorriso estranho cada vez que passava por Tessa. Rosalie continuava a ser a mais prestativa e até Jacob parecia mais tranquilo em relação à gravidez e à eminente transformação de Bella. Na verdade, ele parecia muito mais tranquilo. Quando chegava a casa dos Cullen, ia de imediato ter com Tessa ao invés de perguntar por Bella, questionando a imortal sobre se ela estava com fome ou fazendo-a rir com alguma tolice sua. Os dois eram inseparáveis desde que se conheceram mas havia algo mais no ar, algo que ignoravam mas que fazia Tessa sentir-se querida e acarinhada como não se sentia há muito tempo.
Uma fração de segundo.
O copo caiu das mãos de Bella e ela, inconscientemente, dobrou-se para apanhá-lo. Ninguém achou aquilo estranho. Estavam a conversar, o copo caiu, ela iria apanhar.
Foi Tessa que notou tarde demais quão perigoso aquele simples movimento era. Mas não foi a única que ouviu o estalo proveniente do corpo dela ou o seu urro de dor. Estava demasiado frágil para se agachar, a barriga demasiado pesada, os ossos incapazes de qualquer tipo de esforço...
E ela dobrara-se. E a anca partira-se.
E ela e o bebé morreriam se nada fizessem.
- Liga ao Carlisle. - ordenou Tessa na direção de Edward, enquanto Jacob e Rosalie seguravam Bella - Tragam-na para a maca. Rápido! Alice, toalhas. Emmett, mantém o Jasper longe daqui.
O caos instalara-se.
E, por obra de um destino muito cruel ou muito ingénuo, cabia a Tessa trazer alguma ordem.
Era ela quem iria trazer o bebé de Edward e Bella ao mundo.
Que ironia.
☽ ✷ ✵ ⟡
Os gemidos de dor de Bella incendiavam os ouvidos de Tessa, as mãos trabalhando rápida e eficazmente. Ordenou a Rosalie que lhe passasse a morfina, ciente de que tinha que realizar o parto o mais depressa possível. O bebe estava a morrer. Quando a vampira fitou os olhos escuros da Swan, viu firmeza para além da dor, viu desespero, viu a mãe a querer salvar o filho acima de tudo.
Injectou-lhe rapidamente a morfina, vendo Rosalie pegar no bisturi e preparar-se para abrir a barriga de Bella e arrancar-lhe o filho, disposta a tudo para impedir que aquele bebe morresse. Antes que o pudesse fazer, Edward segurou-lhe o pulso, impedindo-a.
- Deixa a morfina fazer efeito.
- Não há tempo. Ele está a morrer.
- Rose. Eu faço isso. - disse Tessa, arrancando-lhe o bisturi da mão - Preciso que fiques quieta e focada, está bem?
- Tirem-no! Já! - gritou Bella, desesperada.
Os momentos seguintes passaram num borrão. Uma calma fria abateu-se sobre Tessa, como sempre acontecia durante os procedimentos cirúrgicos que assistia no hospital. Com o máximo de gentileza que pode, abriu a barriga da humana, ignorando os gritos de dor, trabalhando tão depressa como podia. Havia sangue. Muito sangue. Pelo canto do olho, notou os olhos de Rosalie fecharem-se e Jacob segurá-la antes que ela perdesse o controlo mas ignorou tudo isso. Mordendo o lábio inferior, colocou as mãos dentro da barriga, abrindo-a sem dó nem piedade. Pedia desculpa baixinho pelo que fazia, pela brutalidade com que o fazia ou então apenas pensava, já não sabia ao certo o que fazia. Tudo era automático. Tudo era para a salvar mãe e filho.
Ouvia Jacob murmurar palavras de incentivo a Bella. Ouvia Edward apressá-la. Ouviu Bella gritar que o bebe estava a sufocar e não hesitou. Com uma ligeira tontura, agachou-se, rasgando a pele com os caninos salientes, tão mais fortes e brutais que as suas mãos. O gosto a sangue humano enjoou-a mas continuou, vendo a placenta rija e mais forte do que qualquer bebe normal ceder sobre os seus dentes.
- Tess. - chamou Jacob, segurando-a ao vê-lá cambalear para trás, zonza.
- Segura-a. - foi tudo o que disse, enfiando as mãos na barriga aberta de Bella.
Tudo era apenas um borrão... e depois um bebé. Uma criatura tão pequena, frágil, choramingando à medida que começava a respirar nos braços de Tessa. A vampira esboçou um sorriso fraco, olhando para Edward, vendo os seus olhos arregalarem-se de amor e devoção. Na maca, mesmo parecendo um cadáver moribundo, o rosto de Bella iluminou-se quando Tessa se inclinou na sua direção, mostrando-lhe o recém-nascido.
- É uma menina. - disse, a voz trêmula - A tua Renesmee.
A humana sorriu. Um sorriso brilhante, devoto, cheio de amor.
Depois, o sorriso desapareceu e ela parou de se mover.
- Bella? - chamou Jacob, sacudindo-a.
Com rapidez, Edward estendeu os braços e Tessa entregou-oh o bebe, regressando para junto da maca enquanto Jacob fazia respiração boca a boca a Bella. Estavam a perdê-la, percebeu a vampira, rapidamente.
- Temos de transformá-la. - disse, pressionando-lhe o peito repetidamente - Jacob, leva o bebe para fora daqui.
- Não posso fazer isso. - respondeu o Quilleute, num tom de súplica, dizendo-lhe com os olhos que não queria nada a ver com aquele bebe, que o culpava pelo estado de Bella, que não tinha a mesma capacidade de perdão e empatia que ela.
- Por favor. - pediu Tessa, implorando - Leva-o daqui e entrega-o a Rosalie. Eu preciso do Edward. Jake, por favor.
Os ombros de Jacob descaíram e ele assentiu, pegando em Renesmee com relutância. Lançou um último olhar para a maca, o peito doendo ao ver Bella quase morta. Os olhos de Tessa encontraram os dele e ele permitiu-se relaxar.
Ela não iria deixar Bella morrer.
- Ed. O veneno. Agora. - ordenou Tessa, olhando para o vampiro atordoado ao seu lado.
Tudo era um borrão. A seringa com o veneno de Edward chegou-lhe as mãos, espetando-a diretamente no coração. Tessa temia que fosse tarde demais mas não iria desistir.
- Devia estar a funcionar. - disse Edward, olhando com desespero para a mulher deitada na maca - Porque não está a funcionar?
- Vai funcionar.
Tessa engoliu em seco, sentindo o gosto do sangue de Bella incendiar-lhe os sentidos. Há quantos séculos não provava sangue humano?
- Confias em mim? - perguntou ao ex-companheiro, arregaçando as mangas.
Edward assentiu, sem hesitar.
- Com a minha vida.
A imortal sorriu. Depois, arreganhou os dentes e afincou-os na pele fina de Bella, mordiscando-a em vários pontos do corpo, permitindo que o seu veneno entrasse no organismo dela.
Ela iria salvar Bella. Porque Tessa era assim.
Uma excelente enfermeira.
☽ ✷ ✵ ⟡
Nem mesmo a água com que limpava o rosto parecia ser capaz de lavar o sangue de Bella do seu organismo. Já não tinha os lábios cheios de sangue nem as mãos mas sentia-lhe o gosto dentro de si... e detestava.
O veneno estava a funcionar. Tessa sabia disso. Conseguira sentir as células de Bella petrificarem, o corpo ficando gélido não pela Morte mas pelo veneno que a invadia. Fizera o que pudera... Restava esperar.
Havia outra batalha para vencer.
Os lobisomens tinham atacado. Provavelmente tinham-se a percebido que Bella estava morta, ou assim pensavam e não tinham hesitado. Era uma falha no tratado que tinham com os Cullen. Era motivo suficiente para começar uma guerra e assassinar a filha de Edward e Bella no processo.
Conseguia ouvir os embates entre vampiros e lobisomens na rua, o som propagando-se pela casa dos Cullen e atingindo-a com raiva e medo. Ela temia pela sua família mas também pelos Quilleute, que achavam estar a fazer o que esta certo. Não havia um lado mais certo do que o outro. Preocupou-se com Jacob, sobre como ele estava, sobre o que ele pensava que tinha acontecido com Bella, se também ele acreditava que ela estava morta e se estava desolado com isso.
Estaria ele a lutar? Não conseguia ouvi-lo ou senti-lo. Tudo o que ouvia era a sua família a lutar lá embaixo, correndo o risco de perecer as mãos de lobisomens cheios de raiva.
Num ímpeto, deslocou-se escada abaixo, saindo porta fora e assustando-se com o que via. Carlisle regressara com Esme e Emmett. Jasper e Alice também se encontravam no pátio. Edward juntou-se logo a seguir, cruzando o olhar com Tessa. Um olhar de alívio.
Ele confiava nela e sabia que Bella iria sobreviver porque Tessa garantira que assim seria.
- NÃO! PAREM! - gritou Tessa, correndo para junto dos irmãos, vendo com horror vampiros contra lobisomens numa luta violenta - PAREM!
Ninguém a ouviu. Estavam embrenhados na sua raiva, na sua missão, cada parte determinada em vencer. Os Cullen lutavam para proteger. Os Quilleutes também.
Tessa cerrou os punhos. Quando os abriu, chamas irromperam nas copas das árvores, atraindo a atenção de todos. Os lobos rosnaram e Sam deu um passo para trás, os olhos lupinos fixos no rosto da imortal. Até o lobo preto sentia-se intimidado pela vampira que podia reduzir o mundo a cinzas.
Mas não era essa a intenção dela. Não queria intimidar ninguém. Acreditava que o poder da empatia e da compaixão era bem mais poderoso do que o medo. Não precisava que a temessem. Precisava que a ouvissem.
Jacob surgiu disparado no pátio. Viera a correr escadaria abaixo assim que ouvira os gritos de Tessa, pronto para intervir. No entanto, viu-se especado a olhá-la, observando-a gesticular suavemente e apagar o fogo que ela própria criara, o odor a queimado impregnando-se na pele de todos.
- Chega.
A voz de Tessa soou forte por cima de todos os outros sons. Lobos e vampiros imobilizaram-se, os olhos fixos na vampira que descia calmamente as escadas em direção à floresta, o vestido florido arrastando-se no chão. Ao vê-la aproximar-se, o lobo negro rosnou, o pêlo eriçado mostrando o quão ameaçado ele se sentia. Tessa ergueu a mão ao ver Emmett remexer-se, desconfortável e preocupado pela segurança da irmã.
- Sam, não faças isto. - pediu Tessa, calmamente - Por favor.
- Tessa, ele está a dizer-lhes para manterem as posições. - disse Edward, lendo os pensamentos dos lobisomens - Não te aproximes.
- Não temos de lutar. - continuou Tessa, ignorando o Cullen, a voz firme - A criança não será um problema. Crescerá no seio de uma família que a ama e que a guiará por um caminho que não ponha em risco a vida de ninguém. Os humanos de Forks são-me queridos, Sam. Salvei-lhes a vida várias vezes e não desejo ser a causa do seu sofrimento. Dou-te a minha palavra: farei tudo o que estiver ao meu alcance para que a criança não seja uma ameaça.
- Ele não quer duvidar da tua palavra. - ripostou Edward, franzindo o sobrolho - Mas também não quer arriscar deixar a Renesmee viva e nem tu a conseguires controlar. - fez uma pausa, rosnando baixinho - Ele diz para te afastares, Tessa. Está a ameaçar-te.
Jacob aproximou-se mais um pouco, dirigindo-se para junto de Tessa. Estava pronto para se transformar e colocar-se à sua frente, recusando-se a permitir que Sam tocasse sequer num fio dos seus cabelos... quando a voz dela se fez novamente ouvir, surpreendendo todos.
- Então ataca-me. - Tessa ergueu as mãos, dando outro passo em frente, ignorando o chamado apreensivo de Emmett e Jasper, os olhos arregalados de Edward, a expressão nervosa de Alice - Ataca-me, Sam. Não irei levantar um dedo para me defender. Mata-me se queres mas não te atacarei. Nem a ti nem a nenhum dos teus. Mas não vou ficar calada e permitir que destruas a minha família, mates uma criança inocente e transformes um bebé num monstro que não existe. Mata-me se queres mas não sujarei as minhas mãos como tu queres fazer. Não serei uma assassina, como tu queres ser. - inspirou profundamente, sentindo o ar queimar-lhe os pulmões, desnecessário mas um hábito antigo do qual não se queria livrar - A criança é inocente até se provar o contrário. E, mesmo que tenha instintos superiores ao seu controlo, há muitas pessoas nesta família que a ajudarão. Pessoas com bom coração, com uma infinita capacidade de amar, criaturas que tal como vocês, podem não ser humanas no geral... mas o seu coração permanece com a mesma capacidade para amar. Para proteger. Para cuidar.
Ela virou o rosto, tendo sentido a presença de Jacob muito tempo antes, sentindo a sua presença mesmo sem o ver. Quando os olhos dourados dela fitaram os negros dele, esboçou um sorriso encantador, o sorriso que Jacob descobrira ser capaz de iluminar o mundo.
- Já não fui capaz de provar isso? - questionou Tessa para Sam, sem desviar os olhos de Jacob.
Um segundo.
Uma fração de segundo.
Uma falha no seu batimento cardíaco.
E Jacob sentiu o ar fugir-lhe dos pulmões, como se tivesse sido puxado numa só direção.
Na direção dela.
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