Capítulo 12
No dia seguinte, Jacob fora ter com Tessa a casa dela.
A ligação que sentia com ela tornava-se cada vez mais forte, não só porque sabia que ela o compreendia mas também porque Tessa era talvez a pessoa que mais o respeitava por quem ele era. Sam e a matilha tinham muita dificuldade em perceber porque Jacob reagia de forma tão tempestiva, a transformação tornando-o ainda mais intenso. Ele reagia com o coração, baseado na emoção, sendo muitas vezes impulsivo. Para o Alfa, ele era o membro mais difícil de lidar... o próprio pai de Jacob se preocupava em demasia com ele por isso mesmo.
Tessa respeitava-o e aceitava-o como ele era. Estava sempre lá para o acalmar mas não o repreendia, era compreensiva e tornara-se a sua âncora quando estava prestes a perder a cabeça. Sentira-o no casamento, quando quisera arrancar a cabeça de Edward e ela pusera-se à frente, segurando-lhe na mão e implorando-lhe que a levasse para casa.
Por mais que lutasse contra, Jacob não era mais capaz de negar a amizade que eles tinham, a proteção e o carinho recíproco entre eles sendo transcendente à antiga rivalidade dos lobisomens e dos vampiros.
- Como te sentes? - perguntou Tessa, estendendo-lhe uma chávena de chá fumegante, num gesto de conforto.
Os olhos dourados dela tinham ganho alguma vida desde que ele chegara, poucas horas antes. Parecia mais relaxada, os ombros descaídos, os cabelos encaracolados já secos. Não estava assim quando lhe abrira a porta e o recebera. Pelo contrário, ela estava destruída.
O Black fizera questão de bater à porta e esperar que ela abrisse. No entanto, não estava preparado para o embate de vê-la. Tessa fitara-o com os olhos vazios, os cabelos molhados e o odor a maresia dizendo-lhe o que ela não precisava. Mesmo com a beleza vampírica disfarçando, era impossível para Jacob não reparar que ela não sorrira ao vê-lo, o corpo tenso, as roupas amachucadas e encharcadas, o olhar esgazeado ao fitá-lo. Jacob hesitara, esticando a mão para lhe acariciar a bochecha, num gesto inconsciente.
O toque dele fizera-a desabafar e Jacob puxara-a para ele, abraçando-a fortemente enquanto ela chorava, amparando-lhe o corpo enquanto soluços fortes a assolavam.
Só a vira assim uma vez, uns meses atrás. Ainda assim, a sensação era muito diferente da que sentia. Na altura, eles não se conheciam e Tessa era apenas uma vampira estranha e tão vulnerável que Jacob até pusera a hipótese dela poder desmaiar, mesmo sabendo que vampiros não desmaiam. Agora... Agora era Tessa, a sua amiga mais próxima, a pessoa que o acompanhava há meses e que se entranhara lenta e inevitavelmente no seu coração. Vê-la naquele estado fez uma onda de raiva assolá-lo, o sangue fervendo nas suas veias com a ira, um rosnar baixinho surgir na sua garganta. Alguém a deixara naquele estado. Alguém destruíra Tessa e teria que pagar por isso. Apertara-a contra si e jurara a si mesmo que não iria permitir que alguém a magoasse daquela forma novamente, amaldiçoando Edward Cullen por tudo o que lhe fizera.
Eventualmente, as lágrimas tinham cessado e Jacob pegara-a ao colo, o mais delicadamente que pode. Pousara-a no sofá e sentara-se ao seu lado, permitindo que ela se encostasse ao seu peito, o choque térmico provocando-lhe arrepios na pele. Eventualmente, Tessa acalmara-se e o corpo relaxara, como se a presença dele fosse suficiente para a dor se desvanecer.
Horas depois, lá estava ela. Trocara de roupa, penteara os cabelos e fizera chá para os dois, sorrindo docemente ao estender-lhe uma chávena. Agora era ela que estava preocupada com ele, ciente de que ele também não estava bem. Os dois tinham passado a noite a pensar no mesmo, o coração estilhaçando-se ao pensar na pessoa que amavam... com outra.
- Preocupado. - confessou Jacob, aceitando o chá com hesitação - Tess, eu não...
Calou-se, abanando a cabeça e sorrindo. Ele não gostava de chá. Bebera poucas vezes mas não gostava da sensação de ter água quente a escorrer-lhe pela garganta. No entanto, não iria fazer essa desfeita a Tessa. A inglesa encarava-o, expectante, segurando a sua própria chávena. Relutante, Jacob sorveu ligeiramente o líquido escuro, arregalando os olhos escuros ao sentir o sabor do chá.
- Isto... Isto é bom. - disse, apontando para o chá antes de beber mais um pouco - É de quê?
- Menta da minha horta, limão e mel. - Tessa sorriu, satisfeita - Ninguém faz chá como os britânicos.
- Claro que tens uma horta. - comentou Jacob, soltando uma risada que fez a Cullen franzir o sobrolho, confusa.
- Porquê?
- Oh nada... Mas és uma pessoa que gosta de cuidar. Admira-me que não tenhas um animal de estimação. - a expressão do lobisomem alterou-se, fazendo uma careta - Claro que não tens. Se tivesses, provavelmente já lhe tinhas sugado o sangue.
Tessa ergueu as sobrancelhas, indignada.
- Tu estás aqui e eu não tenho a mínima vontade de beber o teu sangue. Não é assim que funciona ou pelo menos não tem de ser. Os humanos não ficam loucos cada vez que têm fome nem têm vontade de comer cada vez que vêm comida, porque é que connosco tem de ser diferente? Não sou nenhum animal.
- Desculpa, eu não quis...
- Eu sei. - a Cullen respirou fundo, recompondo-se - Para que conste, eu já tive um animal. Uma gata. Morreu há pouco tempo... de velhice.
Jacob assentiu, surpreendido. Ela estava sempre a surpreendê-lo. A vampira começou a contar-lhe histórias da sua gata, gesticulando e sorrindo, os olhos brilhantes de entusiasmo e amor pelo bichano. O Quilleute não estava realmente a ouvi-la, não porque não queria mas porque a sua atenção desviava-se enquanto a observava. Reparou nos traços doces do seu rosto, nos caracóis cor de bronze caídos livremente pelas costas, no corpo magro e pálido contrastando com o vestido vermelho liso que vestira. Era a primeira vez que a via com uma cor tão viva, as pernas cruzadas fazendo o tecido subir levemente, expondo-a de uma maneira que não era vulgar e sim atraente.
De vez em quando ela parava de falar, bebericando rapidamente o seu chá. A postura ereta e a maneira delicada como Tessa segurava na sua chávena recordavam-no que ela era de outros tempos, o ar da Duquesa que fora nunca a deixava. Jacob remexeu-se, humedecendo os lábios quando a vampira sorriu de algo que ela mesma dissera, os lábios finos e delicados desenhando-se perfeitamente no seu rosto, conferindo-lhe uma beleza que nada tinha a ver com ser vampira.
- Jake? Está tudo bem? - perguntou Tessa, notando o olhar distraído do rapaz.
Um leve rubor invadiu as bochechas do Black, deixando a Cullen confusa. Ele pigarreou, endireitando os ombros e dizendo:
- Sim, está tudo... bem. Estava a pensar... - ele prensou os lábios, pondo-se de pé e afastando os pensamentos que invadiam a sua mente - Anda.
- Onde? - perguntou Tessa, pousando a sua chávena na mesa em frente ao sofá onde estava sentada, erguendo-se sem pressas.
O Quilleute fitou-a, sentindo o coração querer saltar-lhe pela boca. Apesar de lhe perguntar onde iam, Tessa não duvidava por um segundo dele, confiando que onde quer que fossem seria bom. Por isso levantara-se, sem pensar duas vezes. A sensação de ter alguém a confiar nele daquela maneira pesou no peito de Jacob, numa mistura de medo e felicidade. Era bom que alguém confiasse nele daquela forma mas não deixava de haver uma pitada de responsabilidade a acompanhar essa confiança.
- La Push. - disse Jacob, sorrindo brevemente- Quero que conheças a alcateia como deve ser e eles de certeza que estão lá. Além do mais... - passou-lhe um braço por cima dos ombros, piscando-lhe o olho - Praia. Comigo. Tem algo melhor?
Os olhos dourados de Tessa arregalaram-se. Ela estivera na praia, ele sabia disso. Correra para o mar como sempre fazia quando precisava de exteriorizar o que sentia, ou queimaria tudo pelo caminho. Os olhos escuros de Jacob fitaram-na, cúmplices e ela sorriu, dizendo:
- Vou poder ver-te sem camisa? - brincou, notando o rubor que tomou conta das suas bochechas.
- Claro. É só pedir, madame.
☽ ✷ ✵ ⟡
Estar em La Push apenas para passear era agradável e trazia a Tessa uma energia renovada. Ao princípio, quando chegara com Jacob à reserva, os lobisomens tinham ficado de imediato crispados, receosos pela presença de uma vampira. No entanto, assim que viram Seth Clearwater correr e saudá-la com entusiasmo, ficaram mais hesitantes do que defensivos. Nessa altura, Sam Uley afastara-se da mulher com quem estava abraçado, que a Cullen supunha ser a sua parceira Emily, e aproximara-se de Tessa, cumprimentando-a com um aperto de mão e um acenar breve da cabeça.
A partir daí, os lobisomens receberam-na bem. Se o Alfa a aceitava, então eles não tinha razões para não o fazer.
Eles estavam a jogar volleyball e Tessa juntou-se-lhes, medindo a sua força para que a bola não voasse para longe. Não se divertia daquela maneira há muito tempo e soube-lhe bem rir, correr, saltar, agir normalmente para alguém que nunca envelhecia e teria para sempre dezoito anos.
De vez em quando, parava para observar Jacob, sorrindo ao vê-lo descontraído junto da sua família. A jovialidade e ingenuidade do Black dava a Tessa uma sensação de nostalgia, recordando-se de quando era assim, jovem e cheia de vida. Ela ainda era jovem e cheia de vida, o mais humana possível, mas os anos tinham passado por si, sentia isso quando a sua mente se desviava para pensar em certas pessoas. O mais engraçado era reparar que, cada vez que estava mais distante e perdida em pensamentos, Jacob surgia ao seu lado. Passava o braço pelos seus ombros, pegava-a ao colo e atirava-a ao mar, fazia-a rir de todas as formas e feitios.
Como se soubesse exatamente o que ela sentia.
Dera por si muitas vezes abraçada a Jacob e não pudera deixar de reparar na sensação fria que tomava conta do seu estômago ao sentir o corpo quente do amigo colado ao seu. Havia um certo nervoso miudinho da sua parte que ela não esperava... Ou compreendia. Por isso, preferiu ignorar a sensação e divertiu-se o máximo que pode, esquecendo tudo e desfrutando de um dia perfeitamente... normal.
Reparara em Leah Clearwater quando chegara. A lobisomem fora a única a não se aproximar de Tessa, recusando-se a ter contacto com ela e ficando sentada na areia a vários metros de distância de onde eles estavam. A vampira deixara-a estar, não insistindo. Jacob contara-lhe a história de Leah uns dias antes e Tessa não conseguia deixar de sentir compaixão por ela, ciente de que a Clearwater passava por um processo semelhante ao seu. Não era culpa de Sam ter feito um imprinting noutra mulher, nem era culpa de Leah ter feito imprinting em alguém que nunca iria retribuir.
Algo muito semelhante ao ciclo vicioso de Tessa, Edward e Bella.
Quando os primeiros raios de Sol do entardecer despontaram no horizonte, Tessa desistiu de lutar contra si mesma e foi ter com Leah, sentando-se suavemente ao seu lado, as mãos erguidas num gesto de inocência.
- Olá. - disse, com gentileza, observando Leah rosnar baixinho - Eu não te vou fazer mal. Juro.
- Sai daqui, sanguessuga. Não sei que feitiço lhes lançaste... - apontou para os restantes Quilleutes, que se tinham sentado a conversar e a fazer palhaçadas- Mas não vais fazer o mesmo comigo.
- Eu não lancei feitiço nenhum, sou uma vampira, não uma bruxa. - retorquiu Tessa, sentindo-se ligeiramente indignada - Eu sou só... simpática.
- Eles estão encantados contigo. Até o Sam.
A forma como ela disse o nome do Alfa fez o peito de Tessa doer, tal era a adoração que uma mera palavra podia demonstrar. Ponderou se deveria dizer que Jacob lhe contara a sua situação ou se era preferível ficar calada. Não foi preciso pensar muito porque foi Leah quem iniciou a conversa, dizendo:
- Jacob contou-te? Céus, o que raio tu lhe fizeste?
- Eu não lhe fiz nada! - protestou a Cullen, mordendo a língua - Ele é meu amigo...
- Ele adora-te. Está sempre a falar de ti, conta-te as coisas da nossa alcateia, traz-te para aqui... Jacob odeia vampiros. Aliás, todos nós odiamos, é instintivo.
- Não concordo com isso. Vampiro ou lobisomens, somos seres racionais. Temos a capacidade de pensar, não nos deixamos levar só pelo instinto. Isso é só uma desculpa para não assumirmos a responsabilidade dos nossos atos.
Leah olhou a vampira pelo canto do olho, as sobrancelhas erguidas numa expressão surpreendida. Sentada na areia, com o salitre na pele, os cabelos desgrenhados pelo vento e pelo mar, os olhos dourados no horizonte e uma roupa casual vestida, parecia uma jovem como qualquer outra. Era estranho e deixou a Clearwater desconcertada, observando por breves instantes a Cullen a respirar, tão naturalmente como um humano.
- Posso perguntar-te algo? - questionou Tessa, encarando a lobisomem com gentileza - Não quero ser indelicada, sei que não confias em mim e está tudo bem mas... Eu preciso entender. - fez uma pausa, humedecendo os lábios antes de dizer - Alguma vez diminui? A dor por vê-lo...
- Com outra?
Tessa assentiu, fitando a lobisomem com atenção. Esta abanou a cabeça, respondendo:
- Não. Para mim não. - franziu o sobrolho, questionando - Porquê a pergunta?
- Eu... Eu era a companheira de Edward Cullen. - respondeu a Cullen, fitando o horizonte e não reparando no choque que trespassou pelo rosto de Leah, que não sabia aquilo - O homem que casou ontem com outra mulher. Não tenho nada contra a Bella, na verdade respeito-a e admiro-a por saber o que quer e não deixar que nada nem ninguém a demova. Não a culpo, nem a ele mas... Dói. Será que vai doer sempre?
Leah parou por instantes para pensar. O seu olhar desviou-se da vampira para o rapaz que a encarava, fitando-a como se a quisesse proteger. Esboçou um sorriso pequeno, respondendo sem rodeios:
- Não. Não me parece.
- Como é que consegues? - perguntou a vampira, num fio de voz - Estar aqui e... vê-lo...
Ela própria quisera assistir ao casamento de Edward para pôr um ponto final naquela história e seguir em frente. Reconhecia em si mesma uma coragem e resiliência grandes mas Leah vivia aquilo vinte e quatro horas por dia, em que o mero pensamento de se afastar de Sam era fisicamente doloroso. Era tortura, pensara Tessa quando Jacob lhe contara. E ali estava ela, uma mulher forte, de personalidade vincada e que não parecia baixar a cabeça a ninguém.
- Quando marcamos alguém, é para sempre. - Leah começou por dizer, baixando a guarda pela primeira vez - E nós somos aquilo que o nosso protegido precisar que sejamos. A única coisa que Sam precisa de mim... é que eu mantenha a distância. Então é isso que faço, por muito que me custe. Mantenho o máximo de distância que consigo, mesmo que por vezes seja extremamente doloroso para mim. Amar é sacrificar, não é?
Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto de Leah e Tessa não disse mais nada. Em silêncio, fitaram o horizonte, duas mulheres cujo coração era eterno e dificilmente voltaria a estar inteiro.
- Tenho receio de não voltar a amar. - confessou Tessa, dizendo aquelas palavras pela primeira vez em voz alta.
Um sorriso genuíno bailou nos lábios de Leah ao responder, com firmeza:
- Acho que não tens nada para recear. Confia em mim: o Edward não é nem nunca foi o teu companheiro.
Tessa franziu o sobrolho, fitando a lobisomem com estranheza.
- Como é que sabes?
A Clearwater encolheu os ombros.
- Sei uma coisa ou outra sobre companheiros.
E ficaram em silêncio, sem que Leah se apercebesse que também ela começava a ficar encantada por Tessa.
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