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capítulo um

Back when I was living for the hope of it all
"Meet me behind the mall"


Uma vez, no que chamavam de aula de artes na segunda série, nos pediram para desenhar um dia perfeito. Para mim, era um sábado. Acordar sem minha mãe me chamar e sem escola, ir deitar no sofá, assistir desenhos até voltar a dormir e só abrir os olhos de novo na hora do almoço. Hoje em dia, o dia começaria depois do sol se pôr, uma noite ao lado de Catari, reassistindo Legalmente Loira e outras comédias românticas clássicas, comendo todo tipo de guloseima que conseguíssemos comprar e tomando bebidas super doces. Definitivamente não seria acordar cedo no sábado, ainda mais para pegar o carro do meu pai que eu nem sei dirigir direito e dar carona para a pessoa mais irritante da face da terra.

Estaria caindo de sono sobre o volante se não fosse tão difícil para mim me acostumar a mudar a marcha na hora certa. E eu era tão bom nas aulas! Mas é bem mais fácil quando não tem quase ninguém na rua, e eu me sentia como se fosse só um jogo.

Faz só uma semana que as aulas voltaram, que o mês mais longo do ano começou, e eu já me arrependo de ter escolhido logo essa aula eletiva. Ninguém naquela escola me perguntou se eu ao menos queria eleger alguma eletiva, o nome é pura enganação. A única coisa que me anima é que eu trouxe meu caderno e tive uma ideia levemente interessante para uma tirinha enquanto estava escovando os dentes. Certeza que vai dar para arranjar algum tempo fazer um esboço. Não é uma ideia exatamente, mas uma sensação de que ela vai vir assim que eu começar a desenhar, ou até mesmo se eu só mandar um áudio para a Catari explicando.

Mas toda a minha animação se vai quando viro na rua atrás do shopping e percebo que Gustavo já está lá, me esperando. Maldita pontualidade. De todas as eletivas, de todos os alunos que a escolheram, tinha que ser ele a minha dupla? É o jeito mais cruel de piorar um dia que eu nem queria estar vivenciando ainda.

Assim que paro o carro, preciso o esperar ajudar uma senhora a entrar no táxi a umas três vagas de mim, para só então me dar a graça de sua companhia. Caso você não tenha percebido, foi sarcasmo. Tenho tempo só de tirar meu caderno do banco do passageiro e jogá-lo na minha mochila antes de ele abrir a porta.

"Bom dia, Victor," Gustavo diz ao se sentar, suas palavras mais alegres do que seu tom.

Eu resmungo, pronto para dizer que não tem nada de bom naquilo, quando buzinam atrás de mim.

Minhas mãos tremem quando olho nos espelhos e coloco a primeira marcha. Minha perna está mole, e eu me odeio. Já faz duas semanas que tirei a carta, e juro que era realmente muito bom nas aulas, mas ruas de verdade acabam comigo. Pior ainda é ter alguém do meu lado, analisando se sou bom, se estou fazendo besteira.

No último segundo antes de sair, lembro de dar seta. Quando o carro já está na via outra vez, olho de relance para Gustavo para ver se ele percebeu, mas está ocupado demais coletando todos os papéis de bala do chão.

"Você precisa de um lixo," ele fala, agora remexendo sua mochila. Ele encontra um livro, que tira da sacola da livraria para usá-la como meu lixo agora.

"Eu preciso é de um café," comento tão baixo, que me surpreendo quando ele me estica sua garrafa térmica.

Relances são o único jeito que consigo olhar para ele e só me fazem mais nervoso, mas não consigo evitar. Quando paro no primeiro sinal e pego a garrafa, acho que vou ser a pessoa mais feliz do mundo em segundos. Então tomo um gole e percebo que está sem açúcar.

"Argh, você toma isso puro?!"

"Açúcar não faz bem," ele diz, pegando a garrafa de mim enquanto volto a arrancar.

Já parei de sentir a minha perna há tanto tempo, que nem sei como consigo controlar a embreagem.

"Açúcar faz feliz," respondo, só conseguindo uma expressão de confusão forçada dele.

"Se você precisa de açúcar para ser feliz, o problema é mais sério," ele vira o rosto para a janela, e a minha vontade é de jogá-lo para fora dela.

Por que mesmo falei que tenho um carro quando o professor perguntou? Se a eletiva não fosse sobre trabalhos voluntários, quem sabe eu tivesse mais coragem de recusar, mas Gustavo pediu carona na frente de todo mundo!

Ele tem um vão entre os dentes, um nariz que parece já ter quebrado antes e cabelo raspado de lado de um jeito estiloso demais para uma pessoa como ele. É negro e dono de um olhar irritante de quem está vendo tudo que você está fazendo e te julgando silenciosamente. Ele vai bem em todas as matérias e se acha melhor do que eu em tudo. Como se não fosse o bastante, ainda teve aquilo dois anos atrás. Sim, eu guardo rancor. Não, ele nunca se desculpou.

Não que isso importe. Foque na rua, Victor, ou a gente nunca vai sair daqui.

Nós chegamos relativamente rápido, apesar de ele ficar nervoso quando nos perdemos e mais ainda quando seu pânico me faz rir. A biblioteca que nos colocaram para ajudar fica do outro lado de São Paulo – tá, nem é do outro lado, mas aqui mudar um pouco de bairro pode levar tanto tempo, que é como viajar para outra cidade.

Assim que descemos do carro, tiro um saco de bolinhos de chuva da mochila e o sigo para dentro da biblioteca. Por sorte, nosso professor é mais pontual do que a gente e já está lá.

"Animados?" Ele pergunta, e eu quero rir. Rir!

Estava animado para acordar sem alarme pela primeira vez em uma semana, para ouvir o álbum que a Taylor Swift lançou dois meses atrás, passar a tarde desenhando enquanto deixo a Netflix ligada nos episódios de Queer Eye que eu já vi milhares de vezes e dos quais nunca me canso. Limpar uma biblioteca voluntariamente? Não costuma me animar.

Pelo menos os bolinhos de chuva que eu enfio na boca me lembram de que existe um lugar melhor, a minha casa, com o café perfeitamente forte e doce da minha mãe. Quando vou jogar o saco no lixo, me lembro da mensagem que Catari me mandou quando reclamei ontem de hoje. Foque no final que logo acaba.

Logo acaba. Logo estarei livre. E tem mais dez alunos vindo se juntar a nós, quem sabe eu consiga trocar de dupla com algum.

Enquanto Gustavo conversa com o professor, me deixo observar a biblioteca. Tem o pé direito alto e parece já ter sido bem bonita algum dia, mas agora está sendo negligenciada. Seu estilo antigo está mais para desgastado e a parede não é amarela de propósito. Logo ao lado da porta, tem um mapa dos arredores e um escudo símbolo dela em metal numa placa de madeira. Tem um formato tão aleatório, que quero desenhá-lo. Em um impulso, pego uma caneta ao lado do caderno de visitas e tento imitar seu formato ao desenhar nas costas da minha mão. Sei que consigo pensar em algo engraçado para colocá-lo mais tarde.

"Certo, acho que já podemos começar," Gustavo diz, me chamando a atenção e me fazendo virar para si. Ele tem a voz grossa e bonita o suficiente para parecer mais autoridade do que o professor. "Eu fiz uma lista do que temos que fazer e em qual ordem. Algumas coisas precisam ser feitas antes das outras. Segundo a disposição dos livros aqui, nós teríamos que começar. . ."

"Pelo amor de deus," estou prestes a completar com cala a boca, mas seus olhos julgadores vêm parar em mim e acabam com minha coragem. "Só fala o que eu tenho que fazer agora. Não tenho neurônios acordados o bastante para acompanhar todo seu raciocínio inútil."

"É nossa obrigação ajudar, Victor," ele diz, sua pronúncia do meu nome deixando bem claro que tem um C no meio e me fazendo soar como vilão de filme de crianças. "Se você não vai se esforçar, deveria ter escolhido outra eletiva."

"Qual? Eu não consegui nem entender o título de metade delas, e a outra metade tem matemática demais para o meu gosto."

Ele revira os olhos. Abre a boca para rebater, mas eu sou mais rápido:

"E nunca falei que não quero ajudar, que não vou cumprir com a minha obrigação," continuo, fazendo uma careta pela palavra.

Não tem nada que odeio mais do que ela, do que a sensação que ela me passa. Sempre quis ler os livros do Machado de Assis, por exemplo, mas me recuso, até sair da escola e eles deixarem de ser uma obrigação. Até lá, fico com os da Alice Oseman, obrigado. Nem tenho problemas em lavar a louça, contanto que minha mãe não diga que é minha obrigação. E minha tirinha vem sofrendo vários atrasos com a nova meta que me coloquei.

Para completar meu argumento, jogo minha mochila no banco do lado do professor e pego o celular da mão de Gustavo para ler as tarefas.

"Gente, o importante é trabalhar em conjunto," o professor diz. "Criar uma harmonia."

"E ajudar a outras pessoas," Gustavo completa, seu tom tentando muito me deixar culpado por qualquer desgosto em estar ali.

"Sim, vamos ajudar às pessoas. Organizando a sessão de livros de fantasia," leio da lista dele e lhe devolvo o celular.

Me coloco a andar mais afundo na biblioteca, tentando não pensar nos milhares de tópicos daquela lista. Tomara que ele tenha feito para todo mundo dessa eletiva, porque, se for só para nós dois, não vamos sair daqui nunca.

Depois de me perder algumas vezes entre corredores de prateleiras idênticos, Gustavo aparece do nada, coloca a mão no meu ombro e me orienta até o fundo da biblioteca. Me esquivo da mão dele assim que começamos a andar, e ele me olha de lado, metade ofendido, metade irritado.

"Sabe qual é o seu problema?" Pergunta quando chegamos à fatídica prateleira que agora tá mais para um montinho de livros empilhados e caindo aos pedaços. "É para separar os que estão em bom estado, os que precisam de reparos e o que vamos jogar fora."

"É esse o meu problema? Separar livros? Achava que era ter que dividir o mesmo ar com você," respondo, começando mesmo assim a fazer a tarefa.

Logo acaba.

Gustavo bufa, impaciente e provavelmente revirando os olhos de novo. Está de costas para mim agora, e não consigo ver sua expressão. Enquanto isso, fico dividido, sem saber se o livro que peguei consegue ser reparado ou já não pode mais ser considerado livro.

"Você não leva nada a sério," ele continua. "É esse o seu problema."

"Claro que eu levo."

Ele continua separando os livros, formando as pilhas. "Você dorme em toda aula."

"Não sabia que tinha um fiscal de sono na mesma sala que eu."

"Mentira, você sempre está acordado nas últimas aulas antes das provas, tentando absorver matéria como por osmose."

"Ninguém sabe o que é osmose."

"Você tá no terceiro ano, Victor. Devia saber o que é osmose."

"Tá," paro de arrumar, querendo bater nele com um dos livros que estou segurando. "Eu sei o que é osmose. Olha só, consegui aprender dormindo. Devia vender essa técnica e fazer palestras no Ted Talk."

"Tá vendo? Você nunca leva nada a sério. E esse livro tem que ser jogado fora." Ele o pega de mim e joga na pilha que acha certa.

"A capa está intacta."

"Mas tem páginas faltando dentro. Você não sugere que eles leiam só a capa, né?" Ele tira outros livros da minha mão e ainda troca alguns dos últimos que eu tinha separado.

"Se você quer decidir onde vão todos, por que exatamente estou aqui?" Pergunto, cruzando os braços.

"Para seguir as minhas ordens," ele fala baixo, mas garante uma risada alta minha.

"Sabe qual é o seu problema?"

"Deixe-me adivinhar," ele se vira para mim, pronto para responder, mas seus olhos devem encontrar alguma coisa para julgar em meu rosto, porque eles se perdem na minha expressão e me dão tempo de cortá-lo.

"Você acha que é melhor do que todo mundo," falo. "Que suas ordens são melhores do que as de todas as outras pessoas do universo. E falo ordem de organização, há! Um trocadilho quentinho para você, hein?"

Ele balança a cabeça para si mesmo, me dá as costas e volta à tarefa. Eu, que estava me achando incrível por conseguir provocá-lo, perco o sorriso vitorioso que tinha. Não tem graça se sua defesa é me ignorar.

Tem várias outras razões para eu odiar o Gustavo, apesar de considerar prepotência uma característica boa o bastante para ser a única. Sabe aquelas pessoas que têm tudo que querem, a vida perfeita, e que parecem não fazer esforço nenhum? Ele é assim. Quer dizer, ele tem mais de mil seguidores no Instagram e tudo que faz é postar foto de comida e viagens. Eu sigo uma meta de uma tirinha nova por semana com o meu (tá, eu tento seguir, nem sempre funciona, maldita obrigação) e tenho quinhentos seguidores. Ele come como um esfomeado todo intervalo, e a gente tem dois! E nunca engorda. A primeira coisa que pensei quando o conheci foi que ele não era bonito, mas ainda assim é!? Ainda tem alguma coisa na cara dele que funciona e não dá para achá-lo feio, e olha que eu tentei.

Ele toca piano e violão e só tem dezessete anos! Eu desisti de tocar bateria dois meses depois de começar a fazer aulas. Está ainda em todos os eventos da escola, tocando como se fosse músico profissional. E ainda começou a estudar alemão esse ano, o que sempre vem à tona quando qualquer coisa sobre a Alemanha é mencionada na aula. Os professores o idolatram, é enjoativo. Faz sentido, ele também os idolatra, aparentemente acha um absurdo dormir na aula. Absurdo para mim é ter que acordar todo dia às seis da manhã para ir fazer uma coisa que eu nem gosto e nem vai fazer diferença na minha vida.

Mas, é, ele se achar é o que realmente me faz odiá-lo. Todos os livros que eu separo, ele revisa, como se minha opinião sobre jogar um livro fora não fosse boa para ele.

"Esse fica," falo, pegando um dourado que ele jogou na pilha do lixo.

"Não, eu já separei," ele nem se dá o trabalho de reconhecer minha presença ali quando responde. Começa então a organizar os que estão em bom estado de volta na prateleira.

Eu escondo o livro na estante atrás de nós e paro para ver como está arrumando.

"Não tenho a menor ideia de qual ordem você pode ter escolhido," confesso, quando vejo títulos muito diferentes seguidos dos outros.

"Não tem que entender, quem decide sou eu," ele responde. "É por sobrenome do autor."

Apesar de se fazer de indiferente, sei que o ódio é mútuo. Talvez também guarde rancor pelo que aconteceu dois anos atrás. Eu nunca disse que não sou vingativo.

"É assim que você trata a Betty, é? Dando ordens?" Minha vontade de provocá-lo volta de uma vez.

Isso consegue sua atenção, pois se vira para me encarar. "Quê?"

Tenho que suprir um sorriso. Meus olhos se voltam para a prateleira. "Se você separar por sobrenome de autor, ninguém vai conseguir encontrar nada aqui."

"É assim que se organiza livros," ele parece até horrorizado quando eu começo a desfazer tudo que fez.

Ótimo. Quem sabe ele descubra como não é bom quando faz isso comigo.

"Sim, essa é a regra idiota que criaram mil anos atrás, mas isso não significa que a gente precisa segui-la, principalmente quando temos uma melhor. Olha só," dou um passo atrás para mostrar o lindo trabalho que fiz.

Tá, eu coloquei cinco livros em ordem alfabética pelo título, nem devia ter tanto orgulho assim.

"Todo mundo sabe o nome do livro que quer ler, algumas pessoas sabem o primeiro nome do autor, só gente velha sabe o sobrenome," completo.

"Não é assim que se faz. Não gosto desse jeito," mas ele hesita em mudar de novo, e eu não resisto a mais um comentário.

"É isso que você fala para a Betty?"

Agora, quando seus olhos encontram os meus, ele está tão irritado, que acho que vai me empurrar contra a estante. Ou me incendiar com eles, afinal, estamos na ala da fantasia. Tudo é possível.

Em vez disso, acaba percebendo que eu tinha escondido o outro livro e o joga de volta na pilha dos descartáveis. Eu pulo atrás dele, com toda a graça e elegância que não tenho.

"Esse fica," tento ser duro, mas estou sem ar só do esforço de me manter equilibrado em uma pilha instável de livros para alcançar o que quero.

"Tem um buraco nas últimas páginas, Victor." Aí está de novo, meu nome de vilão que na cabeça dele deve fazê-lo o mocinho.

"Você viu que a capa brilha? Ninguém em sã consciência jogaria esse livro fora!"

Ela brilha mesmo. É dourada, metálica, mas também com micro glitters que me hipnotizam toda vez que me deixo olhar. Não tem nada escrito na capa dura, nem nome de autor nem do livro, o que me faz pensar que é super velho. Outra prova de sua ancestralidade é que as letras do texto por dentro quase desapareceram por completo, mas as imagens continuam fortes e bonitas.

Sim, folheio-o, mais uma vez atraído para ele. Nem dou ouvidos para o que Gustavo está falando, algo sobre critérios para decidir se está ou não em bom estado. Paro em duas páginas que dividem uma única imagem de um navio em alto mar. Parece algo antigo, tirado do Peter Pan, ou coisa assim.

"Victor!" A voz de Gustavo consegue minha atenção outra vez. "Eu decido que o livro vai para o lixo, e ele vai para o lixo!"

"Você não decide nada," escondo o livro atrás das costas.

Honestamente, se ele não quisesse tanto descartá-lo, existe a grande chance de eu acabar não estando nem aí para ele. Mas ele quer, e, se Gustavo quer alguma coisa, preciso fazer o possível para que não tenha sucesso.

"E você nem queria estar aqui!" Ele reclama. "Por que precisa ser tão difícil?!" Avança na minha direção, e eu dou um passo para trás.

"Eu? Difícil?!" Me faço de desentendido.

"Não, você é super fácil," ele continua tentando chegar perto de mim, mas eu desvio outra vez.

"Opa, isso foi uma tentativa de sarcasmo? Brilhante, nunca achei que você fosse capaz. Se eu não estivesse com as mãos cheias, bateria palmas agora mesmo."

"Argh," ele resmunga, o que me faz sorrir de orelha a orelha.

Deus, parece que estou segurando a última gota d'água no planeta, pelo jeito que ele está obstinado em consegui-la. Chegamos a uma parede, e ele se aproxima a ponto de eu ter que levantar o livro acima da cabeça para que não alcance. Deve também perceber que está exagerando, pois diz:

"Quer saber? Deixa essa droga de livro aí então," e me dá as costas, voltando para a estante que arrumávamos.

Toda a minha vontade de brigar desaparece como vapor, meu interesse no livro também. Começo a voltar com ele, já pensando em criar a desculpa de ir ao banheiro para mandar mensagem para a Catari e sair de perto dele. Estou passando do seu lado quando ele diminui o passo e pega o livro da minha mão do nada.

"Ei!"

Eu sabia, sabia que não devia ter acreditado que tinha desistido! Gustavo Costa não desiste de nada no mundo, e eu sou muito idiota!

"Esse livro vai para o lixo e vai ser agora," ele corre para outro lado da biblioteca, e tenho que me forçar para fingir que não quero rir.

Vou atrás dele, corto caminho e consigo impedir que ele chegue em uma lixeira de verdade. Pulo para cima dele, que estica a mão para trás, mas dou a volta no seu corpo e alcanço o exemplar. Gustavo vem atrás de mim agora, mesmo comigo escondendo o livro nas minhas costas. Ele chega tão perto, que sinto sua respiração na minha bochecha e percebo que seu queixo bate na altura do meu nariz e que seus olhos castanhos chegam a ser mel perto das írises.

Sua proximidade me distrai, e ele quase consegue pegar de mim. Quando eu tento desviar dele, o livro voa longe, caindo aberto a alguns metros de nós bem na imagem que eu tinha visto antes. Nós demoramos um milésimo de segundo nos olhando antes de sairmos correndo. Esticamos o braço, segurando um ao outro, tropeçando em nossos passos, mergulhando em sua direção, e passamos através dele como se fosse feito de água.

Eu espero dar de cara com o chão, queimar meu queixo contra o carpete da biblioteca, ganhar alguns roxos na luta contra Gustavo. Não espero estar seco alguns segundos atrás e agora tentar desesperadamente não me afogar e entender por que diabos eu estou encharcado.

Água. Água em volta de mim, embaixo de mim, acima da minha cabeça. Como a biblioteca ficou tomada por água do nada, eu não tenho ideia. Meus pulmões, em compensação, exigem tanta atenção que nem consigo parar para pensar naquilo. Não sei o que é para cima, o que é para baixo ou como sair dali.

Uma risada que vem do fundo do peito quer me subir a garganta quando eu penso no pouco de ar que tenho ainda, na minha péssima resistência e no pânico que está só esperando para me atacar. Só a ameaça dela quase me faz engasgar. Aí percebo que não estou flutuando sozinho. Gustavo bate contra mim, suas mãos me buscando e me colocando à sua frente.

Ele não está em pânico como eu. Tento encontrar seus olhos, mas ele observa outra coisa. Solta bolhas pela boca devagar e elas vão para baixo de nós rapidamente. Antes que eu entenda o que isso significa, ele me solta e se vira para nadar na direção delas. Eu o sigo até quebrarmos a superfície.

Assim que consigo respirar e começo a tossir, encolho a cabeça para não a bater contra o teto. Se tem água suficiente na biblioteca para não conseguirmos ver o limite dela, tem que ter chegado até lá em cima, certo? Mas não precisava ter me preocupado. Não tem teto acima de nós, não tem nada.

Só um céu azul e sem nuvens, bem diferente do nublado de São Paulo.

"Que merda é essa?" Pergunto, voltando a mergulhar involuntariamente.

É bem difícil manter meu rosto para fora, e demanda mais esforço do que meu corpo acostumado com doces e meu sofá consegue reunir. Por sorte, Gustavo percebe minha luta e me dá seu braço para eu me apoiar nele.

"O que que aconteceu?" Insisto em mais uma pergunta, mas ele está olhando à nossa volta e não parece pronto para responder.

Pelo jeito que seus olhos analisam nossa situação, seu cérebro já deve estar pronto para soltar fumaça pelos seus ouvidos, de tanto que trabalha. Sei que deveria estar tentando entender também, mas não quero. É igual quando eu quase tenho uma ideia para uma tirinha nova. Se ignorá-la, se decidir que não tô afim e quiser ir tirar um cochilo de tarde, ela desaparece e é como se nunca tivesse existido.

Se eu fingir que está tudo bem, se não encarar aquilo de frente, posso fingir que continuo na biblioteca, certo?

Não.

Certas coisas te obrigam a encará-las. Já não estamos mais em alguma água misteriosa com ondas que nos levantam e forçam Gustavo a ser forte o suficiente para nós dois continuarmos respirando. Não consigo mais ignorar, porque aquilo que estou vendo é estranhamente familiar. Assustador, sim, mas familiar.

Contra minha própria vontade, eu entendo o que aconteceu, pois o navio da foto do livro está vindo na nossa direção.

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