Capítulo 10 - ᘏ Mαяяσм თ
O dia já estava terminando e o sol negro logo desaparecia no horizonte quando a carruagem entrou no atalho estreito e coberto de pedras enegrecidas que os levaria à torre onde Dafne ia morar. Ela deu um suspiro desanimado. Embora sua coragem ainda não a tivesse abandonado, a visão daquela fortaleza escura foi um choque. Era difícil não pensar em morte e tragédia num lugar daqueles. Tudo parecia marcado por batalhas, decapitações, torturas... Provavelmente deveria ter havido violência por toda partes incêndios, fêmeas inocentes sendo violentadas. Lembrou-se das palavras de seu pai e de seu mestre, quando eles lhe disse que a terra refletia os seres que habitavam nela. E a grande guerra era o reflexo disso infelizmente.
Como poderia manter sua coragem ao pensar em tudo isso?
Mas, de repente, sentiu dentro de si o sangue de seus ancestrais, gente forte e decidida. Não, nunca iria se submeter ou mesmo se intimidar por um ser desconhecido como este Decaído!
Dafne ficou ainda mais assustada quando entrou na grandiosa torre feita de obsidiana. Esperava que fosse escura e sombria apenas por fora. Dentro, tinha certeza de que estaria luxuosamente decorada, aproveitando a beleza da construção original e acrescida do conforto dos Eras atuais. Não viu nada disso. Era tudo tão sombrio e triste, como se apenas fantasma viviam dentro dessa torre de cristal negro.
Os degraus do mesmo material que levavam à porta de entrada estavam com pequenas rachaduras. Os móveis eram antigos e austeros e não havia quadros ou gravuras nas paredes. Enfim, o interior da torre tinha um aspecto desolador.
O que havia acontecido aqui afinal?
Um ser os recebeu, curvando-se num gesto de respeito ao ver Apolo. Olhava para Dafne com curiosidade mas, assim como o Tritão da carruagem, não demonstrava qualquer espanto.
Dafne tinha um nó na garganta e só conseguiu falar quando estavam no hall.
— Seus... seus serviçais são todos machos?
— Sim, aqui só trabalham machos. Em caso de uma invasão eles são excelentes guerreiros e morreriam para proteger nossos domínios!
Bateu palmas com força e logo outro ser apareceu; Apolo falou com ele no dialeto desconhecido; embora não dominasse o idioma perfeitamente, ela pôde compreender que ele lhe dava ordens para ir até a carruagem buscar as roupas dela. Pouco depois ele voltou com um baú na mão, e ficou aguardando novas ordens de seu soberano.
Enquanto isso, Dafne olhava a seu redor. Havia um tapete de pele rústico no chão e no teto alto estava um lustre muito grande e bonito. Apolo acendeu suas luzes fortes.
— Vou levar sua bagagem até o nosso quarto. Disse ele, dirigindo-se para a escada e dispensando o ser. Que depois que as luzes foram acendidas Dafne percebeu se tratar de seres feéricos.
Ela não conseguiu ao menos se mover. Sentia-se fraca e desanimada, mas não poderia submeter-se com tanta facilidade àquela criatura. Achou melhor não demonstrar fraqueza e o acompanhou. Como poderia reagir, sabendo que havia vários guerreiros feéricos fortes e atentos ali, totalmente obedientes a Apolo de Orco?
Maldição quem é você afinal Apolo?
O quarto era mais confortável do que o resto de seus domínios. Mesmo assim, estava longe de ser um aposento luxuoso. Sua mobília era pesada e escura; feitas de obsidiana para variar... as cortinas de veludo pareciam desbotadas e feias. O leito era grande e espaçosa; tinha uma colcha muito limpa e duas almofadas que combinavam com a cor do tecido, todos negros.
Ela parou na porta; Ele puxou-a para dentro e trancou a porta. O coração de Dafne começou a bater desesperadamente.
— Bem, finalmente estamos sozinhos em nosso quarto. Seu tom de voz era doce, mas mesmo assim dava a entender que ela estava em suas mãos. — Venha aqui, Dafne de Gosmel.
Ela balançou a cabeça e se afastou dele.
— Não vai ter prazer algum acasalando com uma pedra! Gritou, enquanto ele se aproximava dela. — Se ainda tiver um pouco de bom senso, deve me deixar sair daqui imediatamente!
A resposta do Decaído foi apenas um sorriso. Apolo estava perto dela e se aproximava ainda mais; assim que tentou abraçá-la, Dafne começou a empurrá-lo, mas ele a segurou com firmeza.
— Vou gostar muito se brigar comigo. Ele riu, mas não lhe deu oportunidade para lutar contra ele. Abraçou a fêmea ardentemente, enquanto tentava beijá-la. Finalmente encontrou seus lábios e deu um longo beijo em Dafne. — Você é um encanto! Uma pedra, não foi o que disse? Minha fênix de fogo, está subestimando minhas capacidades. Acredita realmente que conseguirá permanecer impassível?
— É claro que sim! Sussurrou ela hipnotizada por suas palavras.
Por um momento Dafne pensou ter-se desvencilhado dele, mas o Decaído a agarrou novamente, continuando a beijá-la com paixão.
Começou a passar o rosto em seu pescoço, enquanto abaixava a alça do vestido e passava a mão nas curvas de seu seio. Isso fez com que Dafne se sentisse ultrajada e renovasse suas forças, lutando desesperada contra ele, enquanto rezava por um milagre que pudesse salvá-la. Como desejava que seus poderes voltassem, iria dar uma boa lição nele.
De repente, como se fosse uma resposta aos seus desejos, ouviu uma voz de uma fêmea que chamava por Apolo, em seu idioma desconhecido.
— Aonde você está? Já soube que voltou...
— Diabos!... Soltou Dafne e se dirigiu para a porta, abrindo-a com raiva. — O que ela tinha que vir fazer aqui? Murmurou algumas palavras para si mesmo, mas Dafne as entendeu, embora tivesse falado em seu idioma original. Ela não entendia, mas a cada palavra que ele pronunciava, mais e mais ela conseguia aprender. Como se fosse a sua língua original.
Apolo saiu e Dafne ouviu quando trancou a porta pelo lado de fora. Estava ofegante e mal conseguia acreditar que havia escapado pela segunda vez, embora soubesse que seria por pouco tempo. Foi até uma outra porta que tinha visto no quarto logo que entrou. Devia ser do banheiro ou de um quarto de vestir. Entrou e viu que se tratava de um outro quarto. Foi até a janela, que, como todas as outras, tinha uma espécie de grade de proteção.
Maldição assim fica difícil fugir! Pensou irritada olhando a sua volta.
Voltou para o quarto, tentou abrir a porta e viu que, na verdade, não estava trancada com a chave. Prendeu a respiração, esperando que os dois não olhassem para cima; sabia que estavam no hall, pois podia ouvir suas vozes. Falavam muito rápido, mas ela conseguiu entender algumas palavras do que diziam. Surpresa, percebeu que havia três seres; eram duas fêmeas, e não apenas uma.
— Alistra recebeu uma torre, não é? O Decaído falava muito alto. — Ela sabia muito bem desde o princípio que não seria uma relação permanente...
— Apolo. Uma voz interrompeu; Dafne reconheceu a fêmea que o havia chamado quando estava no quarto. — Você já andou acasalando demais; pensei que fosse realmente se unir com Alistra!
— Pois então se enganou, matriarca Etra.
Embora estivesse nervoso, havia um tom de respeito em sua voz. Dafne já tinha ouvido dizer que os seres exilados têm um profundo respeito por suas matriarcas e raramente vão contra seus conselhos; era comum dizer-se que, somente quando fica anciã, uma fêmea tem a consideração que merece dentro dos cinco reinos.
— Nunca enganei Alistra; ela aceitou a situação, com a promessa de que eu lhe daria uma das torres da ilha quando nos separássemos.
— Mas... Apolo, sempre pensei que você me amasse. A outra voz era aguda e infantil; Dafne entendeu quando a matriarca começou a interceder em favor de Alistra. O Decaído escutava tudo sem interromper e só falou quando sua matriarca lhe deu oportunidade.
— Sei muito bem, matriarca Etra, que há muito tempo deseja que eu me una e forme uma descendência. Mas não estou pensando nisso por enquanto. — Sinto muito ter de decepcioná-la, mas quem cuida da minha vida sou eu. Além do mais Alistra não é capaz de conceber um dos meus frutos. Ela vai morrer como as outras, sabe muito bem que descobri isso a duras penas. E se eu soubesse disso antes, muitas poderiam ter sido poupadas... Mas a matriarca e os soberanos preferiam esconder certas informações de mim, não é mesmo?
Será que isso teria ligação com as mortes das outras fêmeas? Nesse caso todos os soberanos dos cinco reinos seriam cúmplice de algo horrível demais.
Ele falava com calma. Dafne ficou tão interessada pela conversa, que custou a perceber que ali, à sua frente, estava a chance que queria pura escapar. A conversa havia ficado muito difícil para que ela entendesse; Por isso ela saiu do quarto e bateu a porta com força, de propósito. Os três olharam para ela; seus olhos encontraram os de Apolo de Orco. Sorriu serenamente enquanto descia as escadas com a cabeça erguida; ele a observava, confuso com o que estava acontecendo.
Olhou para a chave em sua mão e franziu as sobrancelhas.
— Quem é esta? Perguntou a matriarca do Decaído, uma fêmea robusta, de pele mais branca como a do neto.
Dafne teve ideia de responder, mas achou melhor se calar e fingir que não entendia o idioma que ambos falavam.
— Uma fêmea... Ele respondeu em seu dialeto e depois disse a Dafne, em sua língua original: — Deve estar muito contente consigo mesma.
— É claro que estou. Espero que seja um bom perdedor e aceite a derrota sem rancor.
Ele deu uma risada gostosa que as pegou de surpresa, mas não teve tempo para responder. Sua matriarca continuava examinando Dafne, e depois lhe disse num seu idioma de modo ruim e repleto de dificuldades.
— Quem é você, fêmea atrevida? Bem, acho que não preciso perguntar; aposto que é a última paixão dele, não? Voltou se para olhar nos olhos dele que já não estavam mais escuros, mais azuis o que a deixou intrigada.
— Não. Sou uma fêmea que ele pensou que pudesse raptar e trazer para cá como sua prisioneira. Quando a matriarca chegou, estava tentando me seduzir. Sei que a matriarca ficará horrorizada com tudo e tentará me salvar.
Para sua surpresa, a mulher deu um sorriso estranho.
— Nunca fico horrorizada com o que o descendente dos Alucard faz. Ele são uma raça de conquistadores, sabe, e a violência, assim como certos crimes é visto com muita naturalidade por seu povo. Contudo, como Apolo nunca havia raptado uma fêmea antes, gostaria de saber mais detalhes sobre isso. Seus olhos examinavam o corpo de Dafne com a mesma arrogância que seu protegido usara várias vezes. — Seu gosto, como sempre, é excelente. Disse para o Decaído em seu idioma.
— Aconteceu que o destino a colocou em meu caminho. Havia escolhido outra... Não faz mal, agora tenho está em minhas mãos. Omitiu ele os detalhes do ocorrido.
— Em suas mãos? Ao invés de esperar pela resposta, sua matriarca sugeriu que fossem para a sala de estar tomar um vinho. — Enquanto bebemos e comemos alguma coisa, você me contará a história toda. Quero ouvir da boca dessa fêmea. Disse em seu idioma para Dafne entender. — Meu neto certamente só iria falar dos detalhes mais picantes, e isso não me agrada; prefiro uma história mais resumida. Os machos desse clã são intensos demais.
— Matriarca! Dafne exclamou, sentindo o rosto quente. — Sua conversa está me surpreendendo; moro há muito tempo no reino dos ventos e nunca ouvi uma anciã falar dessa forma...
— Provavelmente nunca conheceu um Decaído de Marsias, minha fêmea de fogo; somos muito diferentes do resto. E pelo que vejo o que chamou a atenção dele foi a sua mistura sanguínea. Fogo e água, mas sinto algo mais... Mas não consigo identificar. Explicou ela observando Dafne de mais perto. — Somos um povo considerado ruim pelos outros cinco reinos, que jamais foi ou será domado, sabe, e tanto os machos como as fêmeas têm um comportamento selvagem e por demais impulsivo. Seguimos os impulsos de nosso ser interno... Deu uma gargalhada.
E Dafne juraria que a anciã havia se transformado por duas vezes diante de seus olhos. De anciã para uma fêmea mais madura, e logo em seguida para uma jovem fêmea. As três faces de uma deusa tão antiga como as lendas e mitos contados pelos cinco reinos.
O Decaído abriu a porta da sala de estar para elas, convidando Dafne a sua matriarca Etra para entrarem.
— Alistra não está interessada em ouvir a história. Disse secamente. — Vá para a outra sala e leia um livro.
A fêmea toda vestida de negro olhou para ele, furiosa, e tentou entrar na sala atrás de Dafne e da velha Matriarca, mas Apolo a segurou pelo braço.
— Vá para lá Bruxa... Ele murmurou entre os dentes e Alistra não ofereceu resistência.
Dafne parou no meio da sala e ficou imaginando como seria possível uma fêmea assim querer se unir com um ser tão arrogante como Apolo de Orco, um Decaído odiado e temido nos cinco reinos como ela acabará de descobrir. Achava que ele devia ser evitado como uma doença.
A velha matriarca sentou-se na melhor poltrona da sala, como uma estátua, muito ereta e com as mãos sobre os joelhos.
— E agora pode me contar sua história.
Apolo pediu que a um dos servos lhes trouxesse algumas taças de vinho e sentou-se confortavelmente em uma almofada. Sorria e não havia dúvidas de que ia adorar ouvir a história da qual era parte principal.
Dafne começou a falar, olhando para a Matriarca o tempo todo. Sentada ao seu lado, parecia interessada na narrativa, mas estava prestando uma atenção fora do comum nos olhos de Dafne. Mesmo assim, não fez um movimento; seu rosto continuava inexpressivo e ela nem ao menos piscava. Não parecia nem um pouco preocupada com o rapto. Era como se fosse a coisa mais comum dentro dos reinos. E infelizmente Dafne teria que admitir que casos assim aconteciam com certa regularidade.
Depois de algum tempo, ela se calou e houve um momento de silêncio, que a velha matriarca quebrou.
— Se conheço bem essa criatura aqui. Apontou na direção de Apolo que sorriu em seguida. — Acho que pensaria duas vezes antes de arquitetar um plano desses.
— Não tenha dúvidas de que sim! Na verdade, desde o primeiro momento achei que seria muito arriscado.
— E mesmo assim concordou em ajudar sua amiga feiticeira?
Dafne balançou a cabeça. Depois, incerta quanto ao fato de poder contar com o auxílio da velha matriarca, perguntou ainda com receio desse clã.
— Vai me ajudar a sair daqui, não é?
A fêmea anciã não respondeu; virou-se para o seu neto e lhe disse em seu dialeto.
Esses olhos alaranjados... São típicos da tribo dos Nefilins de fogo. Como não percebeu uma coisa dessas?
— Sim, é claro que já havia percebido. Ninguém poderia deixar de reparar numa coisa como essa, não é? Contudo, não passa de mera coincidência; a fêmea é do reino do fogo.
Dafne prendeu a respiração, tentando não demonstrar que estava entendendo o que eles diziam.
— Não estou tão certa... Não, não estou tão certa disso... A matriarca repetiu. — Lembra-se de quando uma fêmea do clã dos Nefilins fugiu daqui com um Salamandre do reino de fogo?
— Sim, sei disso... Apolo concordou, pensativo. — Fomos traídos por um Salamandre impiedosamente, ele era um espião na verdade dos cinco reinos.
— Não é uma coisa impossível. Essa fêmea também pode ser uma espiã! A matriarca calou-se por uns instantes e depois continuou: — Não concorda comigo Apolo de Orco?
— É, não posso deixar de concordar com a matriarca que me acolheu e vê além dos tempos.
O Decaído ficou em silêncio; olhava atentamente para Dafne. Ela tentava demonstrar tranquilidade, mas seu coração estava disparado; podia ver no rosto dele e no de sua matriarca o ódio que ambos sentiam pelo clã dos Nefilins.
— Esses olhos não me enganam, Apolo. Acho que finalmente temos alguém da tribo deles em nossas mãos. Talvez seja uma descendente!... Disse com um sorriso cruel.
O coração de Dafne deu um pulo. De repente, percebeu que aquela fêmea poderia ser ainda muito mais perigosa que seu neto adotivo. Tentou disfarçar, e perguntou com tamanha calma que espantou a si mesma.
— Do que estão falando? A matriarca está dizendo ao Decaído que pretendia me ajudar a sair daqui e voltar para o reino dos ventos?
— Estamos falando de algo muito mais particular, Dafne de Gosmel. Ele lhe disse. — Fique quieta por alguns minutos, sim?
Foi com grande dificuldade que Dafne compreendeu um pouco do restante da conversa entre os dois. Percebeu que ambos estavam cada vez mais seguros a respeito de sua origem e sua relação com o clã dos Nefilins de fogo. Olhavam várias vezes para ela, examinando seus traços atentamente. Quando Apolo lhe dirigiu a palavra, ficou confusa demais para pensar com clareza.
— Não há dúvidas de que seu genitor era do reino do fogo? Ele disse com rispidez. — E sua genitora?
— Minha... minha genitora? Ela estremeceu. — Não estou entendendo.
Apolo e sua matriarca olharam para ela imediatamente; Dafne sentiu que seu rosto estava vermelho e quente e achou que estava cada vez mais difícil mentir diante daqueles olhares que pareciam penetrar em sua alma. Seus olhos mudaram também ficando intensos e avermelhados.
— Qual era o reino de sua genitora?
— Ahm... Fogo...
— Era realmente fogo? A matriarca interrompeu.
— Não... quero dizer, sim...
— Era ou não era? A voz de Apolo perguntou de uma maneira rude. — Vamos, fêmea, fale! E não minta! O modo com que falava demonstrava o ódio que estava sentindo naquele momento.
— Não fale comigo desse jeito! Dafne gritou. — O que lhe interessa se minha genitora era do reino do fogo ou não?
— A genitora dela não era do reino do fogo. A matriarca disse para o ele. — A fêmea acabou de demonstrar isso. Seus olhos mudam de intensidade e cor como os seus. Ela tem uma mistura sanguínea!
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