26. (final)
O máximo que a tripulação da nave 000789 conseguiu chegar com Vox foi até a outra calçada, os três que estavam o segurando sabiam que ele não aguentaria ir muito longe.
Roy tinha acabado com os últimos que entraram sozinho, seu corpo doía como o inferno, mas a dor de seu coração não se comparava com nada. Perder alguém da sua família o paralisou.
Krent segurava a maior parte do corpo de Vox. Desde que a equipe se formou, aquele homem foi mais que um colega de trabalho, eles eram amigos. Família. Vox era alguém que ele podia conversar, Krent começou a chorar vendo o estado que ele se encontrava.
Zia continuava segurando a mão de Vox. Não queria soltar, jamais o soltaria. Ela sentia o calor que a mão dele tinha, porém, sabia que esse calor deixaria de existir e, mesmo não querendo, ela teria que soltar a mão dele.
Os três colocaram o corpo do amigo no chão, Vox encarou os rostos deles, os três estavam sujos de sangue e poeira daquela igreja caindo aos pedaços, os cabelos grudavam na testa por causa da chuva, o ex-governante do planeta Alfa-52 sorriu gentilmente para seus amigos, eles começaram a chorar vendo que Vox estava morrendo diante deles e, o mais triste, os três não podiam fazer nada.
— Cuidem uns dos outros. Nós sempre vamos ser família, mas alguém tem que partir, não é? — Ele tossiu, Zia fechou os olhos. Roy e Krent continuaram o encarando com lágrimas cada vez mais pesadas. — No caso, serei eu, sinceramente, estou feliz que vocês estão vivos. Continuem vivos, vivam bastante, vocês são jovens. Há muita vida esperando por vocês.
— Vox... — Roy tentou, porém, não conseguiu. Vox sorriu para ele.
— Está tudo bem, Roy.
Os quatro olharam na direção da igreja quando Rebecca saiu as pressas da construção, tinha mais sangue nas suas roupas e nas suas mãos do que quando ela subiu atrás da inimiga, Bex avistou sua equipe e apressou os passos na direção deles, seus olhos castanhos perderam um pouco mais do brilho depois que viu seu amigo perdendo a vida lentamente. Rebecca ajoelhou-se diante deles, ficou entre Zia e Roy, a capitã mordeu o lábio contendo as lágrimas, Vox, com muita dificuldade, pousou a mão sobre o braço machucado de Bex.
— Eu sei que vai passar o resto de sua vida se culpando pela minha morte, eu conheço a minha capitã, mas, Bex, isso não é sua culpa. — Vox murmurou, apenas virou a cabeça levemente na direção dela. Rebecca negou repetidas vezes, as lágrimas se misturavam com o sangue. Ela passou a mão no rosto, Vox olhou para o céu. Os pingos gelados começaram a cair abruptamente por seu rosto, o homem riu, pois via sua falecida esposa e sua filha estendendo a mão para ele, as duas estavam tão brilhantes que ele apertou os olhos. Esse era momento, sua hora havia chegado. Ele estaria com elas de novo, mas encarou os rostos de sua nova família e seu coração acelerou. Também não queria deixá-los. — Vocês me deram algo que eu pensei que jamais teria novamente, uma família. Obrigado... — Calmamente, os olhos claros de Vox foram se fechando, a cabeça dele virou para o lado oposto que estava a equipe. Zia continuava segurando a mão dele contra seu rosto, Krent abaixou a cabeça e colocou a mão do rosto. Roy se afastou, encarou o asfalto molhado e deixou a chuva encharcar seu cabelo e seu sobretudo. Rebecca fechou os olhos, acabou de ver a morte de mais alguém importante. E, pela experiência dela, nunca ficava mais fácil.
"O J.U informa.
Essa noite, em Marte, a responsável pelos ataques a A.F.G.U faleceu durante um confronto com a equipe da Capitã Rebecca Hantten.
Após um pronunciamento do primeiro-ministro, foi revelado que seu nome era Nicole Yamazaki e que há pouco mais de um ano, ela e Rebecca eram da mesma equipe na O.R, e devido o acidente, deixaram a organização.
Tudo indica que os ataques eram uma vingança contra a recém capitã, pois, Nicole Yamazaki e Jordan Brown, antigo agente que faleceu no acidente, estavam juntos.
Rebecca também deu uma breve nota sobre o ocorrido."
"Nicole foi uma grande amiga, infelizmente, sua raiva e remorso a deixaram cega. Eu gostaria de ter feito mais por ela, inclusive, meu coração está partido por presenciar uma colega da minha antiga organização morrer. É lamentável o que vingança e ódio podem fazer com alguém."
"Tentamos contato novamente, porém, Rebecca não nos retornou. Acreditamos que ela está lidando com o luto.
Voltamos com mais informações."
Rebecca encarou a pequena cápsula em que seu amigo estava. O corpo pálido e gelado preenchia o espaço que os agentes colocaram flores e um belo manto azul, a capitã usava uma jaqueta de couro, era sua companheira em dias frios, olhou para frente, seus outros agentes pareciam desligados de órbita, os olhares distantes e perdidos. Nesse momento, sua mente chegou em uma triste conclusão, ninguém ao lado dela estava seguro. E nada poderia garantir que estaria vivo.
Quando lançaram a pequena cápsula no espaço, os quatro sentiram como se, para sempre, a família deles jamais estaria completa novamente. E, por mais triste que fosse, jamais estaria. Nenhum deles se abraçou no funeral, estava tudo tão estranho que mal trocaram palavras.
Enquanto os outros três permaneceram na nave 000789, Rebecca caminhou pelas ruas sozinha, não estava chovendo como em Marte, porém, o frio aumentava com o cair da noite. Não ia fumar naquele dia, por respeito ao funeral de seu amigo, apenas andava sem um rumo aparente. Quando sentou no banco úmido, Kay, seu velho informante, sentou do seu lado.
— Resolveu o problema, parabéns. Vi a sua declaração na televisão. — O velho negro falou, Bex negou com a cabeça.
— Eu perdi, Kay, nem de longe isso foi uma vitória.
— Sinto muito pelo seu agente.
— Eu também. — Rebecca sussurrou, os dois ficaram em silêncio, pombos pousaram na frente deles procurando comida pelo chão molhado. — Mas o que queria me falar? — Bex perguntou, o velho balançou a cabeça, depois olhou de um lado para o outro.
— Após a nossa última conversa, eu fui até Europa, os comentários não param, há uma coisa grande acontecendo. Nicole não era a raiz...
— Era só um galho, assim como Ludo. — Bex concluiu a linha de pensamento do seu informante. O velho assentiu. — Tem algo, ou alguém atrás de mim. Isso me cerca, desde que eu criança, sei que isso não vai me deixar em paz até conseguir o que quer.
— Minha esposa disse que quando te escondeu, eles falaram que você não era uma refeição. Alguém mandou que eles te levassem da Terra. Essa pessoa está cada vez mais perto. — Kay, mesmo tentando evitar, tirou do bolso um maço de cigarro. Acendeu com um velho isqueiro, Bex encostou no banco. Seja lá quem foi estava acabando com tudo que ela construiu, mas por qual motivo?
— Eu preciso tomar providências, Kay, não queria ter que fazer isso, mas a morte do meu amigo me fez pensar.
— Não pense que é a culpada. Se isso acontecer, eles estariam ao seu lado mesmo que você não peça. Você já fez muito pra muita gente.
— Quem mais precisa morrer pra isso? Quantas pessoas eu ainda vou ver perder a vida por minhas ações? Sinceramente, isso não faz sentido.
— A vida não faz sentido, Rebecca. Nem o motivo para as pessoas matarem seus semelhantes por ódio. E se quer viver e ver seus amigos vivos, precisa lutar. Não há outra opção para você. — O velho tragou o cigarro, Rebecca respirou fundo.
— Eu vou. Isso não vai me parar. De todas as pessoas que eu vi morrer, agora eu entendo o que aconteceu. Todo esse tempo é atrás de mim que estão. — A mulher o encarou, o velho concordou com a cabeça.
— Você não abaixou a cabeça, foi isso que te ensinaram. Isso vai ter fim, um dia, você e meu povo estarão livres. — Kay se levantou. Bex fez o mesmo, precisava conversar com a equipe.
— Espero estar viva pra isso. — Lentamente, a mulher se afastou e cada um seguiu seu caminho.
☆☆☆
A pequena sala de reunião da nave 000789 estava silenciosa, bem diferente das reuniões matinais, os três membros esperavam a capitã pacientemente.
Não estavam próximos, cada um em um canto.
Quando Rebecca entrou na sala, os olhares abatidos caíram sobre seu corpo. Ela sabia o que eles estavam sentindo, por esse motivo, tomou ainda mais coragem para dizer o que queria.
— Bom dia, equipe. Espero que vocês estejam bem ou o mais perto disso. — Bex sentou na cadeira, a puxou um pouco para ficar mais perto deles. — Eu preciso conversar com vocês, é sobre o que aconteceu.
— Sinto que essa conversa não vai ser fácil. — Roy pronunciou, Rebecca assentiu.
— Tem razão, Roy. — Eles se entreolharam, mas Rebecca desviou o olhar. — Enquanto eu conversava com a Nicole, ela foi clara sobre ter mais alguém atrás de mim. Pessoas importantes, não sei o que isso quer dizer, mas é um risco para todos nós. Por isso, eu não vou ficar chateada se não quiserem me acompanhar a partir de agora.
Os três agentes tiveram reações opostos. Zia parecia chateada por Rebecca achar que ela seria capaz de deixá-los. Por esse motivo, a garota negou com a cabeça repetidas vezes. Krent franziu a testa, embora seus amigos não soubessem, durante a missão ele também perdeu alguém. Seu decrépito pai. Essa situação mexia com seu emocional, por essa razão, o garoto abaixou a cabeça pensando que poderia perder a única família que teve.
— Bex, eu perdi meu pai durante essa missão, eu vi os últimos dias do velho. Ele estava acabado. Talvez fosse castigo por tudo o que fez comigo, sei lá. Mas, por favor, não pense que nossa amizade vai acabar. Não importa quantas vezes nos machuquem, sempre vamos ser família. — O garoto a encarou. Rebecca assentiu.
— Não deixamos a família para trás. Nunca. — Zia concluiu a linha de pensamento do seu amigo.
— Vamos continuar juntos, não porque somos uma equipe, mas porque somos família. — Roy levantou a cabeça. Seu corpo estava machucado, mas o homem não ligava. Melhor hematomas do que o caixão.
Rebecca engoliu em seco. O medo consumia cada parte de seu ser, porém, ela não estava sozinha. Não como da primeira vez que perdeu sua família, desta vez, sua família lutaria ao seu lado. Entretanto, seu medo não era morrer, mas fazer eles sofrerem. E pior, eles já estavam sofrendo.
— Pessoal, obrigada. — Bex sorriu fraco. A sala de reunião da nave 000789 ficou silenciosa.
☆☆☆
O jardim interno que a sede da organização da A.F.G.U. possuía espécies de plantas exóticas de planetas que faziam parte da federação galática. O primeiro-ministro observava a cidade do alto, seu escritório tinha um jardim particular, as janelas iam até o chão e as plantas subiam pelo vidro, o homem se virou ao ouvir as portas de ferro se abrindo.
Rebecca adentrou o local. Não era a primeira vez que entrava no jardim, seus olhos castanhos correram até encontrar seu chefe, ironicamente, o homem estava perto de uma mangueira. Bex sorriu, não sabia que plantas da Terra estavam inclusas.
— Capitã Hantten, venha até aqui — O velho a chamou, Bex obedeceu. Parou do lado dele enquanto seu chefe olhava a vista, o sol estava alto, brilhante, o dia estava lindo. — Faz anos que me tornei o líder dessa organização, já vi muita coisa, mas nunca imaginei que teria uma boa capitã como você sendo minha subordinada. Você sempre esteve em um nível mais alto do que capitã estelar, me surpreende você ter passado dez anos na O.R. sendo agente. Sabia que tinha algo errado.
— E o senhor entende que esse é o problema? Tem algo errado não importa onde eu vou. Ou o que eu tente fazer. É muito triste o que direi agora, mas preciso me desligar da A.F.G.U. Sinto muito. — Rebecca cruzou os braços, realmente triste por deixar seu trabalho, mas não podia esperar que outro ataque acontecesse, ela iria atacá-los primeiro.
— É realmente muito triste. Para mim, pra organização, você e sua equipe. Todos estamos sofrendo com isso. Mas eu peço que tome cuidado, Rebecca, quem está perseguindo você sabe exatamente o que fazer para te atingir. Nenhum lugar é seguro, lembre-se que essa organização sempre estará de portas abertas para você. — O velho não a encarou, primeira vez que não o fez. Rebecca continuou olhando a paisagem. Por mais triste que fosse, sabia que poderia voltar.
— Eu fico muito agradecida, senhor. Obrigada por essa oportunidade, esse último ano foi muito importante pra mim. Não vou sair do mesmo jeito que entrei aqui. Obrigada. — Rebecca, para evitar lágrimas ou constrangimento, começou a se afastar. O velho a encarou finalmente. Nisso, ela parou.
— Não precisa agradecer. Boa sorte com o que pretende fazer. Ah, a nave 000789 é sua, considere um presente da organização. — O homem voltou a encarar a janela. Rebecca sorriu.
— Eu agradeço. Até qualquer dia, senhor. — Bex deixou o lugar calmamente, primeira vez que deixou algo para trás sem arrependimentos.
☆☆☆
O andar superior da nave 000789 estava sendo parcialmente iluminado pelos últimos raios do sol.
Roy esperava o anoitecer sentado na poltrona, os machucados da última missão já não doíam, porém, a dor de seu coração jamais melhoraria. O ex-contrabandista pensou em muitas coisas nas últimas horas, inclusive, o rumo que sua vida iam tomar. Desde que era um garoto, não acreditava que viveria muito, entrou para a maior facção da época com 14 anos e, sendo sincero, não achou que chegaria aos 15. Uma parte dele estava feliz por passar dos 30, mas que tipo de vida ele teve? Com certeza não se orgulha da maior parte dela.
Agora, Roy pode fazer algo bom, estar ao lado de Rebecca fazia sua mente ter esperança que ele não era um caso perdido. Com ela, não era tarde demais.
O ex-contrabandista estaria disposto a lutar contra o que fosse por ela e, em muitos momentos, Roy deixou isso bem claro nesse último ano. Mas o que diabos eles estão fazendo? Quem está por trás disso? O que Rebecca pretende fazer agora?
Por mais que confiasse sua vida a ela, se preocupava com as atitudes que Rebecca tomava. Desde que a conheceu, acreditava que ela era doida. Não que ele estava errado.
Roy ficou tão perdido em pensamentos que só notou a presença de Rebecca quando ela sentou na poltrona ao seu lado.
— Nós não somos mais agentes. — A mulher pronunciou, Roy a encarou seriamente e soltou uma respiração pesada. — Precisamos ir para outro lugar agora.
— Eu sabia que isso ia acontecer. Pra onde vamos? — O homem perguntou, voltando a encarar as janelas.
— Vênus. — Rebecca se ajeitou na poltrona. Sua última vez em Vênus foi a noite do acidente, agora, sabia que o problema era bem maior do que esse. — Tem pessoas lá que podem ajudar. Fora que é o único planeta que a União Das Galáxias não dominou completamente. Por enquanto, é seguro para nós.
— Entendo. Vai avisar os outros? — Perguntou Queen, já imaginando o que poderia ter naquele planeta e o tipo de pessoa que Rebecca pedira ajuda. Ele não a julgaria, já foi pior.
— Só amanhã. Eles saíram. Zia foi encontrar uma pessoa e Krent precisava ir no seu planeta natal. — Bex deu de ombros, se arrependeu de não ter pego seu isqueiro.
— Bex, o que pode acontecer agora? — Questionou Roy. Rebecca segurou a mão.
— Eu não sei. Sinceramente, Roy, eu não sei. Mas confia em mim, tá bom?
— Sempre vou confiar em você. Já me salvou duas vezes. — Ele riu. Rebecca sentiu que deveria falar sobre aquele dia que eles se beijaram, mas o que dizer?
— Roy, é, aquele dia... — Ela tentou, mas Roy impediu.
— Eu sei o que vai dizer. Não me arrependo do beijo, queria isso desde que te conheci, mas também sei que está assustada com o rumo que pode levar. O que fazemos é perigo, pra falar a verdade eu nem sei mais por que estamos lutando. Eu gosto de você, não vou deixar de gostar. — Roy se levantou da poltrona, talvez fosse o nervoso, mas já estava decidido.
— Eu também gosto de você. — Rebecca levantou, os corpos deles ficaram próximos. — Mas se a gente se envolver dessa maneira, corremos o risco de sofrer ainda mais. E se acontecer algo com você...
— Eu não concordo, mas eu entendo o seu medo. Também penso que pode acontecer algo com você e isso me paralisa. Enquanto isso não acabar nós não estamos seguros. — Roy colocou as mãos no bolso do sobretudo, é claro que a queria, imaginava os dois juntos, mas não podia suportar perder ela assim.
— E não podemos ficar juntos. — Bex concluiu. Roy concordou com a cabeça.
— Bex, presta atenção — Roy tirou as mãos do bolsos e as colocou sobre os ombros de Rebecca, a mulher o encarou. Olhando no fundo dos olhos escuros e tempestuosos de Queen. — Não vou parar de lutar, não importa quem está por trás disso, eu vou acabar com ele. Eu destruo tudo, mato todo mundo se puder ficar com você.
— Roy...
— Não morre, Bex. Fica comigo. — Ele a abraçou apertado. O corpo de Roy nunca esteve tão colado com o de Rebecca. Os dois fecharam os olhos com a esperança que o desejo deles se realizasse.
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