23.
Rebecca tragou o cigarro uma última vez antes de apagá-lo sobre o chão frio do estacionamento.
A essa altura, acreditava que Niki já imaginava que ela estava chegando, então nesse momento, sua preocupação era avisar a sua equipe o que estava por vir. O que eles enfrentariam.
Bex subiu para a sala de comando usando o elevador principal, avistou seus tripulantes sobre seus lugares. Eles a encararam esperando alguma informação nova, desde que Roy saiu do hospital, Rebecca não deu novas ordens e eles estavam confusos e, principalmente, preocupados com o rumo que essa missão estava tomando.
— Desculpa ter feito vocês esperarem tanto, mas o que tenho a dizer é algo importante. — Rebecca suspirou, olhou nos rostos de cada um, era fato que ela tinha uma gratidão por esse último ano, e também por eles terem ajudado ela finalmente derrotar Ludo, porém, era mais que isso. — Se caso acontecer algo comigo, eu gostaria que continuassem trabalhando aqui, vocês são bons agentes, a organização vai precisar de vocês.
— E o que pode acontecer com você? — Perguntou Roy, até mesmo, franziu as sobrancelhas.
— É um modo de dizer, a cada missão que realizamos é um risco. — Ela ergueu o cenho, despreocupada.
— Nós vamos para Marte, é lá que quem estamos procurando se esconde, andei conversando com um conhecido da O.R, por conta disso, tenho uma noção de onde essa pessoa está. A equipe da capitã Dione vai estar naquela região, eles foram mandados por causa de outra missão, e vai ser nosso reforço.
— E quem é essa pessoa? — Zia perguntou, Bex a encarou por alguns instantes antes de responder.
— O nome dela é Niki, nós trabalhamos juntas por anos na O.R, e ela também estava presente na causa da minha demissão. — Rebecca cruzou os braços, não queria dar mais detalhes, pois planejada se encontrar sozinha com sua antiga colega.
— Qual a intenção dela com esses ataques? — Questionou Vox, Bex não o encarou, pois sabia que ele ia perceber.
— Niki perdeu alguém muito importante há um ano, essa perda a afetou de uma maneira incurável. Ela está tentando chamar a minha atenção, e conseguiu. Vou até ela para relembrar os velhos tempos, e dar um fim nisso. — Rebecca passou por eles, e antes de virar o corredor os encarou mais uma vez. — Mudem a rota para Marte, precisamente, a cidade-capital, nós vamos resolver esse problema hoje.
☆☆☆
Roy caminhou pela nave 000789 aliviado por estar de volta, seu corpo não doía e ele realmente estava pronto para outra, mas não pensava em fazer algo daquela maneira de novo. O agente parou na entrada da ala superior da nave, avistou Bex encarando a janela enquanto estava sobre a velha poltrona. Roy colocou as mãos no sobretudo, se sentia nervoso e não conseguia disfarçar. A verdade é que Bex o atraí e, muitas das vezes, ela não precisava fazer ou falar nada, bastava olhar para ele. E isso o vergonha, pois Roy odeia ser vulnerável.
Em sua adolescência, dificilmente, o garoto se deixava levar por uma atração, e nem se importava com o fato de nunca ter gostado de alguém. Já na vida adulta, Roy amou uma mulher com quem quase se casou, porém, quando ela o deixou, ele acreditou que não tinha sentido nenhum tentar ter ou ser de alguém porque no fim, sempre vai acabar do mesmo jeito. Alguém machucado.
Entretanto, com Rebecca era mais complicado.
Ele sentia uma atração veloz e uma gratidão enorme por ela. Bastava estar perto dela para se sentir melhor. Ela o fazia se sentir em casa, o que era engraçado porque ele nunca soube o que era se sentir assim.
E por sentir essas coisas com ela, sua insegurança sempre aparecia, e Roy nunca teve coragem de dizer algo mais sério do que o flerte divertido que eles tem.
Mas sabia que tinha falado coisas intensas enquanto estava dopado de remédios, e talvez, Bex tenha se assustado. Para que não ficasse um clima estranho na amizade deles, Roy estava querendo se desculpar.
Quando finalmente tomou coragem, adentrou a ala e sentou ao lado dela.
Rebecca sorriu, e ele também, por alguns instantes, não falaram nada.
— Me desculpe por falar besteira enquanto estava chapado de remédio, eu acho que isso constrangeu você. Sinto muito. — Roy a encarou sério, e tentou entender as expressões daquela mulher.
— Então, você não sente aquilo que me disse? — Bex perguntou e continuou encarando a janela. Roy ficou confuso, ela parecia decepcionada com as desculpas?
— Eu só não queria ter te falado daquela maneira, na cama de um hospital e chapado. — Ele dizia enquanto olhava discretamente para a mulher ao seu lado. Rebecca riu, desta vez, o encarou.
— Eu gostei, foi dramático, do jeito que você é. — Bex sorriu travessa, ele abaixou a cabeça envergonhado e sorriu timidamente.
— Se você quer saber, tudo que eu falei era verdade. — Roy a encarou novamente, estava nervoso, e ansiava por uma resposta dela. De preferência, positiva.
— O que é verdade? Roy, você não deixou tão claro assim o que sente, pode me dizer agora sem estar dopado? — Questionou Bex e virou o corpo na direção dele, Roy mordeu o lábio de nervoso, seus batimentos cardíacos aumentaram. Mas o que era isso que essa mulher o fazia sentir? Parecia uma morte lenta e doce.
— Você me conquistou completamente. — Ele falou calmo, Bex sorriu. — Desde que te vi naquela fonte, eu me senti atraído por você de uma maneira que jamais senti antes. Você é melhor do que qualquer coisa que já sonhei para mim. E eu gosto mesmo de você.
Rebecca ficou o encarando pelos segundos mais longos da vida de Roy.
A mulher ao seu lado nunca esteve tão séria, e quando Roy pensou em se levantar e ir embora, Rebecca segurou a mão dele firmemente, como se quisesse sentir ele. Roy ficou surpreso, mas estava paralisado, não sabia o que fazer, ou falar. Mas o que diria? Já tinha se declarado, não há mais nada que ele possa fazer.
Rebecca se levantou ainda segurando a mão dele, Roy arregalou os olhos levemente, sentiu ela o puxando para se levantar também. Mesmo sem jeito, e um pouco desengonçado, Roy se levantou, os dois deram as mãos entrelaçando seus dedos. A diferença de altura deles não era grande, Bex era só um pouco menor, e isso facilitou a aproximação que seus rostos. Roy não sabia se devia beijá-la, nem sabia se ela sentia o mesmo, e antes que pudesse fazer qualquer coisa, Rebecca o beijou.
Podia notar como os dois esperavam por esse beijo há muito tempo, porque no primeiro momento, o beijo foi calmo e leve, eles estavam cautelosos. Já no segundo, a atração que sentiam um pelo outro tomou conta, fazendo com que esse tivesse urgência.
E eles tinham urgência.
Rebecca não fazia ideia do que aconteceria quando se encontrasse com Niki, então era bom finalmente demonstrar o que sentia por ele. Ela também gostava dele, mas só diria depois que voltasse dessa com vida. E sim, ela queria estar viva, pela primeira vez, sentia medo. Não queria morrer, e não queria deixá-lo.
☆☆☆
O planeta Marte tinha um ar nostálgico para Rebecca.
Sua história como uma agente reconhecida pelas galáxias começou ali, há anos, precisamente, onze, seguia inocentemente pelas ruas da cidade-capital com o desejo de fazer algo bom, agora, ela nem se reconhecia como aquela garota.
Se lembra do último dia sendo uma moradora de Marte.
Era o velório de Mirah, o antigo líder da O.R.
Bex estava reclusa no canto encostada no muro do cemitério, os braços cruzados na altura do peito e o olhar perdido sobre os outros túmulos. Era difícil aceitar a morte de alguém importante e, naquele caso, a garota se culpava porque havia deixado Ludo escapar novamente. Via os demais integrantes da organização reunidos próximo ao túmulo dele, porém, Bex não conseguiu se aproximar, talvez conseguisse quando a maioria deles se afastassem. Ela nunca soube lidar com perdas e, pelas suas experiências, sentia que nunca saberia. A verdade é que, no momento mais sombrio e confuso de toda a sua vida, Mirah a ajudou, e a estendeu a mão, coisa que ninguém tinha feito antes.
Há pessoas que marcam, elas podem não estar mais presentes, entretanto, sua presença continua por anos. Como se, de certa forma, ainda estivessem ali junto da outra pessoa que ficou, e que terá que passar a vida apenas com as lembranças. E para Rebecca, era isso que mais doía.
Ela tomou coragem depois de muito segurar o choro encostada no muro e seguiu para o túmulo. Já não tinha muitas pessoas perto, e era isso que ela queria, privacidade. Parou na frente do túmulo e colocou as mãos sobre os bolsos da jaqueta, por alguns instantes, apenas olhou para baixo. Sentia a vontade de chorar a invadir, como se alguém apertasse sua garganta, e se tornasse cada vez mais difícil de respirar. Bex sacodiu a cabeça levemente, e a levantou para impedir as lágrimas de cair. Olhou para o céu, as nuvens de chuva ameaçavam se derramar a qualquer momento, mas ela não se importava com a chuva. Uma brisa gelada fez seus cabelos voarem desalinhadamente conforme o vento soprava, ela sorriu fraco, e depois de muito segurar, deixou uma única lágrima escapar.
Se lembrava de todas as vezes que sentia tão pequena e perdida da imensidão do universo. E a crescente sensação de não pertencer a nada, de nunca encontrar o seu lugar, de não ter raízes.
Em um final de dia em Marte, com os últimos raios solares indo embora, Bex encontrou Mirah no telhado da organização. Ela sentou ao lado dele depois de um longo dia de trabalho, e estava cansada.
— O dia foi difícil também? — Perguntou o homem um pouco mais velho que ela, enquanto observava o anoitecer acontecendo diante de seus olhos.
— Todos os dias são.
E houve um silêncio por minutos, o céu ficou totalmente escuro e os dois se sentiram aliviados por terem conseguido sobreviver mais um dia.
— Eu o vi assassinar crianças hoje, e ele se divertiu fazendo isso... — Bex começou a falar e nem sabia o motivo para estar revivendo essa cena em sua mente, de novo e de novo. — E mais uma vez, ele fugiu deixando um rastro de sangue em seu caminho, qual o sentido disso? Se um dia ele morrer, alguém pior pode surgir, e se eu não estiver aqui? Ou você? Ou qualquer outra pessoa disposta a ajudar os desamparados? Sinto que é vão.
— Não se diminua por falhar. O que você faz tem sentido se importa para você, e eu sei que está tentando, você sempre tenta. — Ele concluiu, ela negou com a cabeça.
— As vezes eu não sinto força para continuar. — Rebecca respirou fundo.
— Você sempre encontra força porque é forte. Essa é sua essência, eu vi força em você e continuo vendo. — Ele explicou, continuava a olhar o céu, ela também.
— É porque você disse que o universo foi feito para que eu o admirasse, e que existir é belo se nos permitimos ver. Quero ver isso, mesmo que demore, eu quero ver a beleza e a raridade de estar vivo. — Rebecca sentiu as lágrimas vindo, as limpou e passou a olhar o céu com a promessa que um dia, finalmente, conseguiria enxergar o quão belo e raro é realmente existir.
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