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20.

  Estar na presença de Liam fazia Bex ter lembranças do seu tortuoso passado. Os dois estavam em um bar qualquer de Marte enquanto tentavam chegar a uma conclusão para tudo o que vinha acontecendo. Eles mal tocaram em seus copos e a conversa estava tão fria e distante que se alguém ouvisse de relance, poderia facilmente achar que tinham acabado de se conhecer.

— Se for Niki, você sabe o motivo para essa raiva toda. Foi por causa... — O loiro estava indo dar um gole na bebida quando foi impedido por Bex.

— Da morte do Jordan. — Ela falou rapidamente, ele concordou com a cabeça. Rebecca se afundou na cadeira, quis não transparecer como esse assunto ainda atormentava seu sono, e seus pensamentos quando estava acordada.

— E de todo o esquadrão, realmente, foi uma grande perda. — Liam virou a dose de uma vez, mesmo não admitindo, esse assunto também o perturbava. Ficou tão triste naquela época e ainda sentia a falta dos agentes.

— E se você sente muito, imagina eu. — Bex manteve o olhar frio, sem demonstrar seus reais sentimentos. Encarou o copo em sua frente e, sem hesitar, o pegou e virou tudo de uma vez. O homem a sua frente arregalou levemente seus olhos enquanto tentava não notar como Rebecca parecia ser outra pessoa.
— Liam, preciso te agradecer, ano passado eu só tentei fugir do assunto dia do acidente, e não parei para perceber que...

— Não faça isso. — Liam cruzou os braços, até já sabia o que a mulher iria falar. — Eu só fiz por você algo que faria por mim. Não me deve nada.

— Eu sei, mas... obrigada.

— De nada, e vamos falar de outra coisa, por exemplo, onde Niki pode estar agora? — O loiro se ajeitou na cadeira, fez um sinal com a mão para que a garçonete fosse servi-lo novamente. Bex segurou o riso, achou engraçado ele estava tão desconfortável com ela agradecendo ele.
— Por que está rindo?

— Porque você está tão nervoso que chega a ser engraçado. — Rebecca deu de ombros, ele franziu as sobrancelhas.

— Ah, é... você sempre se divertia com meu nervosismo exagerado, certas coisas nunca mudam. — Liam sorriu, seu rosto ficou vermelho. Bex abaixou o olhar, depois do término, jamais conversaram sobre o período que estiveram juntos. Era mais fácil não tocar no assunto. Entretanto, por que agora eles realmente pareciam ex namorados?

— Lembro que você passou sua paranoia para mim. — Ela deu um meio sorriso, ele assentiu envergonhado, realmente, se lembrava de todas as vezes compartilhou seus momentos de surtos com a garota e ela sempre o ajudava a respirar novamente.

— Me desculpe por isso.

— Está tudo bem. — Por breves segundos, eles se entreolharam. Era como se um abismo estivesse entre seus corpos e não uma simples mesa de um bar.
— Então, você sabe onde ela pode estar? — Bex perguntou, mudando drasticamente o rumo da conversa.

— Ela ainda está aqui, em Marte. Niki sempre amou esse planeta e, dificilmente, o deixaria em busca de outro. — Liam explicou, a garçonete surgiu apressadamente servindo as bebidas. Os dois assentiram para agradecer.

— Entendo, e faz sentido. Tudo começou aqui, ela e Jordan se conheceram no primeiro prédio da O.R, há anos, ela nunca vai sair daqui. — Rebecca concluiu rapidamente, quis fumar, mas esse bar não permitia tal ato. Se contentou dando um gole em sua bebida, Liam encostou as costas na cadeira.

— Não mesmo, é por essa razão que me admira estar aqui sem sua equipe, precisa tomar cuidado. — Disse como fosse óbvio, e deu um gole em sua bebida. Rebecca ergueu a sobrancelha.

— Irei. Na medida do possível, se você tiver algo mais para me contar será de grande ajuda. — Ela pegou no copo, mas não bebeu, do nada seus pensamentos foram para Roy. Queria saber como ele estava.

— Bex, quando Niki soube da morte do Jordan ficou tão triste que achei que ela iria morrer também. — Liam se aproximou dela, encurtando a distância entre eles. Bex não se moveu. — Foi um golpe muito duro e pesado para ela, seu ódio deve ter aumentado ainda mais, ela vai fazer de tudo para te machucar.

— Eu sei e não tenho medo. Passei um tempo fugindo do meu passado e não paguei pelo o que fiz, que ela venha, e eu resolva essa história de uma vez. — Bex falou sem paciência, batia as pontas dos dedos na mesa e sentia cada vez mais vontade de acender um cigarro. Liam voltou a encostar na cadeira, a olhou como se, finalmente, reconhecesse a mulher em sua frente.

— É isso que me preocupa. — A encarou sério, Bex deu de ombros.

— Não precisa ficar assim. Vou ficar bem, mais alguma coisa? Eu tenho que voltar. — Rebecca se levantou, tirou do bolso algumas notas para pagar as bebidas, entretanto, Liam fez um sinal de recusa e deixou as notas primeiro na mesa.

— Não, é só. Se eu souber de mais alguma coisa sobre ela, te aviso. — Também se levantou, já estava na hora de ir embora, seguir com a vida novamente, deixando o passado. — Foi bom ver você.

— Foi bom ver você também. E obrigada. — Rebecca estendeu a mão, Liam apertou.

— Espero que você consiga fazer seja lá o que pretende fazer em relação a Niki. — Ele começou a deixar o bar e olhou uma última vez para Rebecca.

— Já eu espero que não. — A capitã passou por ele e saiu pela porta em passos calmos. Isso estava longe de acabar.

☆☆☆

  Rebecca adentrou a área hospitalar da A.F.G.U apressadamente, se sentia mais calma porque tinha acabado de fumar, porém, queria ver com seus próprios olhos como Roy estava.

  Avistou Zia conversando com o doutor Paul, os dois notaram sua presença e esperaram ela se aproximar em silêncio.

— Boa tarde, como ele está? — Questionou Bex, assim que se aproximou.

— Ele está bem, capitã Hantten. Se recupera muito rápido, quer falar com ele? — Perguntou o médico, ela assentiu mais animada, porém, disfarçou esboçando um meio sorriso. Zia segurou o riso, era engraçado ver esse flerte deles.

  Rebecca entrou no quarto de Roy calmamente, o ex contrabandista encarava o teto branco completamente entediado. Assim que viu quem tinha entrado, tentou se levantar um pouco, querendo mostrar que estava melhor do que aparentava. Roy sorriu, Bex também.

— Vem cá, fica perto de mim. — Ele sussurrou, Rebecca sentiu seu rosto esquentar com essas palavras, Roy ergueu a mão para ela, que sem hesitar, apertou a mão dele, entrelaçando seus dedos. — Achei que não fosse mais segurar a sua mão outra vez.

— Roy, o que te passou pela cabeça quando foi lá sozinho? Eu nem ia saber o que aconteceu se você estivesse... — Tentou, mas falar ele que poderia morrer era demais para ela. Apenas negou com a cabeça tentando impedir o choro.

— Eu tinha que fazer, não podia ser de outro jeito, mas eu estou aqui, certo? Mesmo com tudo o que aconteceu, ainda estou vivo. — Ele manteve o sorriso, ela soltou a mão dele e cruzou os braços.

— Você só pode estar brincando. — Bex sentou na ponta da cama, Roy se afastou um pouco para que ela conseguisse sentar. A mulher não o encarou, na verdade, queria bater nele. Fazia anos que não sentia esse tremor no corpo, onde achava que podia voar ou cair ao mesmo tempo.
— Não faça isso de novo, por favor. — Por fim, conseguiu falar.

— Não vou fazer. — Roy se levantou, ficando o mais perto que conseguiu dela. — Prometo.

— Promessa é dívida, senhor Queen. — Bex riu, se lembra das vezes que fez promessas que não cumpriu. E que continuava fazendo.

— Se o velho estivesse vivo poderia dizer como eu sempre pago minhas dívidas, mas eu acabei com ele. — Roy deu de ombros, era estranho não sentir nada em relação a isso. Entretanto, seu coração se despedaçava ao lembrar de Shin.

— Uau, e quase morreu também. — Rebecca revirou os olhos, ainda estava nervosa com a decisão dele, Roy mordeu o lábio, finalmente notou que ela ainda não tinha aceitado o que ele fez.

— Bex, me desculpe. — O ex-contrabandista segurou a mão dela, pensou em como ficaria chateado se fosse ao contrário, então, passou a entender a raiva dela.

— Eu vou pensar em te desculpar. — Rebecca franziu as sobrancelhas, era uma situação cansativa. — Quando vai poder sair daqui? — Perguntou, querendo mudar de assunto.

— Amanhã, o doutor Paul disse que estou bem, mas que precisava de repouso, então quer que eu fique mais um dia. — Devido os remédios, se deitou novamente na cama. Se ajeitou sobre os lençóis e fechou os olhos calmamente.

— É melhor, amanhã nós damos continuidade a missão, vou deixar você dormir mais... — Antes dela deixar a pequena cama, Roy segurou seu pulso e a puxou lentamente, Bex estranhou, mas cedeu. Roy a fez encostar a cabeça no peito dele. Rebecca suspirou profundamente, se ajeitou sobre o peitoral do ex-contrabandista. Anos que não abaixava a guarda assim perto de alguém, mas ele não era qualquer pessoa.

— Teve um momento que eu achei que fosse morrer, lembrei de tantas coisas, vi a minha vida inteira passar, mas o que se destacou foi todas as vezes que estive com você. — Roy explicou, ainda de olhos fechados, talvez fosse o feito dos remédios, mas se sentia tão calmo falando do que realmente pensa. Bex sorriu tímida, sentia que era adolescente novamente. Levantou a cabeça para olhar o homem que parecia dormir. Nesse momento, Roy abriu os olhos e a encarou.

Os segundos que seguiram em silêncio foram apenas os dois se encarando.

A escuridão dos olhos de Roy fez Bex refletir sobre tais palavras inundada por sentimentos tão únicos e verdadeiros.

— Roy, eu... — Rebecca não sabia como falar, parecia que nunca tinha sido alfabetizada, mas seu corpo inteiro estava tão calmo, a agitação de mais cedo tinha passado, e ela estava nos braços do motivo.

— Nunca te vi sem saber o que fazer, isso é novidade. — Ele riu e fechou os olhos novamente, desta vez, realmente estava quase dormindo. — Depois nós conversamos, o remédio está me deixando tonto. 

Rebecca sorriu fraco, envergonhada. Queria ter coragem para dizer o que sente, mas o que ela realmente sente por ele?

Amizade? Gratidão? Amor...?

Lentamente, saiu de cima dele e em passos calmos deixou o quarto, em seus pensamentos, se perguntou qual foi o momento da vida que passou a ter medo de dizer o que sente.

Seguiu pelo corredor até encontrar sua tripulante.

— Zia, volte para nave para descansar um pouco, comer alguma coisa, vou ficar aqui e logo depois, volto com novas instruções para a equipe. — Rebecca sentou ao lado da garota, que assentiu e descruzou os braços.

— Está tudo bem? Com você e com a missão? — Zia perguntou, assim que se levantou, Bex esboçou um sorriso.

— Não se preocupe, volte para nave, já está há muito tempo aqui. — Rebecca deu de ombros, Zia concordou e se vai.

Já sozinha no banco frio do hospital, Bex respirou fundo.

Entendia que logo mais, enfrentaria seu passado.

Ela não temia as consequências, mas sabia que poderia não sair viva disso.

A raiva de Niki era compreensível, Rebecca arriscou a vida dele por orgulho, não aceitava a opinião de ninguém já que estava responsável pelo esquadrão. Alguns avisos foram recebidos, mas ela não escutou. A área da última missão era dominada por Ludo e, consequentemente, o pior lugar para uma missão daquele porte.

Os agentes se machucaram e alguns, faleceram.

Rebecca se lembrava disso todas as noites antes de dormir. É a maneira que encontrou para morrer um pouco todo dia.

Por eles.

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