
☆ Capítulo 17
Você acabou de cometer o pior erro
E você vai se arrepender, querido
Porque uma vez que você dá e então você tira
Você só vai acabar querendo
Again _ Noah Cyrus (feat. XXXTENTACION)
Lisa Wright
As batidas na porta são fortes e incessantes. A pessoa do outro lado
parece determinada a falar comigo e, embora tudo no meu corpo seja
contra, me esforço a levantar.
Meus passos são lentos e tudo à minha volta gira. Hoje meu enjoo
está insuportável, tanto que já vomitei duas vezes.
Eu não queria falar com ninguém, eu não fui para a aula justamente
por isso, porque não estava bem. Porque hoje certamente não é um bom
dia.
O “toc-toc” continua incansavelmente e ouço a voz de Robert ladrar
meu nome em um tom furioso. Ele parece disposto a derrubar a porta.
O que aconteceu agora?
Minha cabeça dói de forma insuportável e o barulho que ele faz
nesse exato momento só agrava isso.
Penso em pedir para que ele tenha
calma, que espere só mais um pouco porque já estou indo, mas nunca
adianta e sequer sei se estou forte o bastante para falar algo agora.
Minha mão toca na maçaneta e giro-a, dando de cara com seu rosto
furioso.
Quanta novidade.
— Por que caralhos você ainda está assim? — rosna, encarando meu
corpo enrolado no roupão de seda.
Pisco de forma inexpressiva e levo minha mão até a cabeça,
esfregando minhas têmporas na tentativa de diminuir a dor presente ali.
Ele não se importa, nunca dá a mínima para o que estou sentindo.
Então sua falta de reação ao meu gesto não me surpreende.
Apoio meu corpo na porta, com meu braço segurando firmemente a
maçaneta.
— Do que você está falando? — Meu tom é baixo, mas neste
momento é o mais alto que consigo.
Robert me fita com nojo. Seu olhar percorre meu rosto pálido, meu
corpo magro e minhas mãos, que de vez em quando tremem.
Ele nitidamente me odeia por ser tão fraca.
Detesta que eu não seja como Caleb.
O ato de me encolher diante à sua presença é inevitável, ainda mais
quando estou fraca e cansada, mas mesmo que minhas pernas peçam para
que eu me deite, abaixe minha cabeça e evite o confronto, me obrigo a
encará-lo sem esboçar nada.
— Como assim “do quê?” — ele grita, apontando o dedo em riste
no meu rosto. A veia em seu pescoço salta e a raiva que ele sente por eu ter
esquecido, seja lá qual for o evento da vez, é notável.
Me obrigo a respirar fundo e aperto meus dedos contra a maçaneta
com mais força.
Não respondo nada.
— Você não pode ter se esquecido da maldita conferência com os
acionistas. Não quando sabe o quanto é importante e o quanto a imagem da
família significa agora, principalmente com a ausência de Cristine, que você
fez questão de internar — ele continua gritando, como se isso fosse mudar o
meu estado atual.
Desgraçado.
Ele não consegue se importar nem mesmo um pouco? Ele não
percebe o quanto tudo já me afeta e o quanto me esforço diariamente?
A raiva que me atinge me deixa tonta e, nesse momento, odeio o
meu corpo por nunca conseguir controlar seu temperamento. Me odeio
porque consigo pensar em inúmeras coisas para dizer, mas sei que não sou
capaz de durar muito em uma briga. Sei que se eu tentar, é questão de
tempo até que eu desmaie.
Droga.
— Eu não conseguirei ir. — É tudo o que digo, com uma minúscula
parte minha torcendo para ser o bastante.
— Não estou lhe dando essa opção. — Seu tom é sério e irritadiço.
Ele leva sua mão até o meu pulso e o aperta de uma forma dolorosa.
Já aconteceu de eu desmaiar só por uma pontada muito forte de dor,
mas felizmente não é o caso de agora.
Meus batimentos aceleram e mesmo eu estando sem o meu relógio,
sei que eles fazem isso de uma forma preocupante. Me pergunto se hoje ele
cruzará o limite, se fará algo além de apertar o meu pulso. Contudo, para a
minha sorte, não preciso descobrir.
— Você não pode bagunçar as coisas dessa forma. Esse é o mundo
dos adultos, e não é porque você brinca com sua vida como se fosse um
conto de fadas que pode fazer o mesmo com a de pessoas importantes como
eu. Sua presença nunca foi tão essencial por conta de Cristine, mas sem ela
aqui, você precisa ir. — Seu tom é rude, porém, agradeço mentalmente por
ser um pouco mais baixo e por seus dedos abandonarem minha pele.
Não que eu seja a causa disso, tenho certeza de que ele só age dessa
maneira porque vê Francesca se aproximar com uma bandeja em mãos.
E,
bom, ele evita mostrar sua verdadeira face até mesmo para os funcionários
que trabalham comigo. Assim, eles também acreditam na ideia da família
perfeita e do pai bondoso com a filha doente. Assim, há menos chances de
boatos se espalharem. Poucos são aqueles que sabem tudo o que acontece
dentro da mansão dos Wright e tenho ciência de que eles são muito bem
pagos para que nada escape por além desses muros.
Dou um meio sorriso em sua direção e ela pede licença, tanto a
Robert quanto a mim, parando ao meu lado. Sei que ela veio tentar me fazer
comer e checar como estou, assim como sei que ela odeia o homem à minha
frente.
Seu olhar determinado deixa claro que ela sabe que interrompeu
algo importante e que não se afastará.
Agradeço mentalmente por isso, uma
vez que meu peito dói e me sinto mais sufocada a cada instante.
Tudo nele é sufocante.
— Peço desculpas pela intromissão, porém, a senhorita Lisa
precisa fazer alguns exames ainda hoje, logo é inviável que ela saia para
algum evento. Sinto muito — ela mente com facilidade, e juro que se minha
cabeça não estivesse pesando uma tonelada e tudo à minha volta não girasse
tanto, eu poderia sorrir.
Robert trava seu maxilar, sabendo que acabará com toda a imagem
que trabalhosamente construiu se me negar exames que são importantes. Se
ele se importasse, mesmo que minimamente, saberia que fiz meus exames
na semana passada.
— Você não deveria ter marcado exames em um dia como esse. —
Ele olha para Francesca, que não vacila nem mesmo sob o escrutínio das
íris cruéis. — Então garanta de deixar a agenda dela livre em todos os dias
que eu lhe passar de agora em diante — ordena.
Fran aquiesce e passa por mim, entrando no quarto com a bandeja
em mãos, quase suspiro de alívio em ter sua presença. Robert me encara.
— Da próxima vez, não me importarei se você tem um exame, se só
terá mais um dia de vida ou se estiver semimorta, você colocará um sorriso
forçado e cobrirá esse seu rosto pálido pelo bem da nossa empresa — avisa,
apertando meu maxilar. — Todos fazem sacrifícios, você não pode
continuar sendo apenas um peso inútil, então também faça algo — rosna e
se vira, me deixando para trás.
Um peso.
Durante a vida inteira, dei o meu máximo. Durante a vida inteira,
chorei em silêncio e me obriguei a esconder a verdade sobre minha doença.
Durante a vida inteira, me esforcei e temi ser um peso para alguém.
Então, ter a palavra sendo usada contra mim, me faz
verdadeiramente mal.
— Lisa — Francesca me chama, correndo em minha direção
quando minhas pernas ameaçam falhar. — Vem, vamos sentar. — Ela
segura minha mão trêmula de raiva cuidadosamente e por mais que tudo
pareça girar, ela consegue me fazer chegar até o colchão.
Deito e fecho os olhos, torcendo para desmaiar logo e para que meus
batimentos voltem a desacelerar. Mas fico alguns minutos assim e nada
acontece. A sensação de enjoo continua e sinto meu peito doer um pouco
menos.
Abro os olhos, bufando.
— Você precisa comer — Fran, sentada na ponta da cama, avisa.
— Eu sei.
Ela me entrega um potinho com sal e o coloco na minha boca,
acostumada com o sódio constante.
Sempre ando com um pote, e quando ninguém vê, coloco-o sobre
minha língua. Às vezes, saio com um relicário e até mesmo dentro do
objeto coloco sal. E se você tirar a capa do meu celular nesse exato instante,
também encontrará sachês de sal nela.
Francesca estende minha garrafa de água e tomo alguns goles
enquanto ela traz a bandeja para perto de mim. Já são quase quatro da tarde
e tudo o que comi até agora foi o café da manhã.
E eu sei que estou errada, sei que nunca posso comer pouco porque
me deixa fraca, mas que também não posso comer muito. Toda minha
alimentação é regrada e há alimentos que são cortados dela, como café,
porque a cafeína acelera muito meu coração. Por isso, tenho refeições
controladas e todas feitas com o apoio médico e nutricional.
Mas existem dias como hoje, que não me sinto bem nem mesmo
para comer. Só estou cansada de tudo.
Das restrições, das regras, do
julgamento, do meu corpo, do tratamento, do POTS e da Vasovagal.
Tudo me cansa e só tenho vontade de ficar deitada, sempre
lembrando que essa posição é a melhor para o meu corpo.
— Se eu fosse você, já teria saído dessa casa — ela admite, me
entregando o prato com a comida.
Dou um meio sorriso, me ajeitando para comer.
— Está nos meus planos, só preciso que Cristine volte.
— Como ela está? A clínica tem dado notícias?
Aceno, colocando um pouco mais de sal sobre meu almoço.
Francesca não se surpreende, mesmo a minha comida já sendo preparada
com sal a mais, eu sempre ponho um pouco extra antes de comer.
Seguro o garfo, espetando um pedaço de batata.
— Ela foi diagnosticada com depressão severa e está na ala branca
da psiquiatria. Não sei quando terá alta e ela não quer receber ninguém —
comento com indiferença.
Francesca apenas assente.
Uma vez perguntei para Beatrice se eu era uma pessoa ruim por ter
pensamentos egoístas e ela disse que o ser humano tendia a ser assim. Na
última sessão, perguntei novamente se eu era ruim por não estar sofrendo
em saber que minha mãe tinha depressão e ela garantiu que era normal, que
eu me ressentia por todas as vezes que sofri em silêncio ou que ela me
negligenciou, mesmo sabendo o quanto eu precisava de uma rede de apoio.
Ela falou que a prova de que sou um ser humano bom é que eu lutei
para interná-la. A prova de que ainda a considero minha mãe, apesar de
tudo, é o fato de eu estar esperando por ela. Esperando que ela fique bem
para tomar uma decisão. Embora, na minha cabeça, sua escolha já seja
óbvia.
Ela sempre escolheu Robert. A riqueza, a empresa, o seu casamento
e o dinheiro. Não sei por que agora seria diferente, mas ainda assim
esperarei para que ela fique bem e eu possa ir sem peso na consciência.
Sem ser omissa, como ela foi a vida inteira.
Francesca começa a conversar sobre outros assuntos para me distrair
enquanto eu como e apenas escuto enquanto ela conta tudo da sua vida.
Ela faz isso desde que foi contratada.
Sabe que não gosto de falar da
minha, mas que sempre me divirto quando ela conta sobre a sua. E talvez
seja por ela ser apenas três anos mais velha, porém, muitas vezes a vejo
mais como uma amiga do que como uma enfermeira.
E o fato de ela respeitar tanto o meu espaço, sempre me deixando
sozinha e só vindo quando quero ou precisa vir, como foi o caso de hoje,
provavelmente é o que me faz enxergá-la dessa maneira.
De qualquer forma, apesar do motivo, gosto da nossa relação.
Ela está contando sobre uma festa que foi, mas se detém ao fitar
meu pulso vazio.
— Onde está seu relógio? — questiona, intrigada.
Termino de mastigar o pedaço de carne em minha boca, antes de
responder:
— Eu o deixei cair na aula de esgrima e o visor quebrou. Então
mandei consertar e em breve o terei de volta — invento a mentira com
facilidade e ela sequer desconfia.
Porque quando se passa a vida inteira mentindo, fazer isso se torna
fácil.
— Por que não compra logo outro? Seria mais rápido.
Dou de ombros, enfiando outra garfada de comida em minha boca e
ela aceita meu silêncio, voltando a falar sobre a festa. E sua presença torna
o dia terrível em algo mais suportável.
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