Capítulo 6
A água quente do chuveiro caia sobre as costas de Marcela e era um sinal de que realmente não estava sonhando, as últimas horas se arrastaram e contava nos dedos o pouco tempo que faltava para que enfim pudesse sumir com Rodrigo e deixar para trás tudo e todos que atrapalhavam os dois de ficarem juntos. Precisava contar a ele sobre a gravidez, não podia ficar postergando, ele precisava saber e seria a primeira coisa que faria quando o visse naquela madrugada, e caso quisesse desistir, ainda estaria em tempo, mas o conhecia bem, ele aceitaria e apesar de saber que enfrentariam uma barra por ter que assumir uma gravidez na adolescência, aquela era a prova do amor que existia entre eles. Marcela abaixou o rosto e tocou o ventre, um sorriso desenhou em seus lábios, começava a se acostumar com a ideia de ser mãe e ficava imaginando se o bebê teria seus olhos verdes ou os olhos castanhos de Rodrigo. Ela respirou fundo e encheu o peito de coragem. Tudo ficaria bem. Desligou o chuveiro, saiu do box enrolou a toalha felpuda branca em volta do corpo esguio.
No seu quarto, a pouca luz que vinha dos postes da rua atravessava a janela e iluminava a penumbra do quarto. Marcela tocou o interruptor e o cômodo se clareou. Seu coração quase saiu pela boca ao ver Marta sentada ereta sobre sua cama com os pés no chão.
− Nossa mãe, que susto! O que a senhora tá fazendo aí no escuro?
Marcela atravessou o quarto e abriu o guarda-roupa.
− Marcela?
Ela se virou para encarar a mãe.
− Sim?
− Eu peguei sua mochila para lavar e encontrei uma coisa... Isso é seu? − Questionou Marta num fio de voz erguendo a fita do teste de gravidez com os olhos presos ao chão.
Marcela engoliu em seco, sentiu o sangue fugir do seu rosto.
− Eu te fiz uma pergunta, Marcela. Este teste de gravidez é seu? − Dessa vez, disse com a voz mais firme e tom mais alto.
− Mãe... − Ela começou com os olhos cheios de lágrimas.
Marta se colocou de pé e parou na frente da filha.
− Responde! − Gritou.
Ela abaixou a cabeça.
− É. − Ela engoliu o gosto amargo que vinha da bile e voltou a encarar a mãe. − Eu tô esperando um filho do Rodrigo.
Marta comprimiu os lábios com força numa linha fina e deu um tapa no rosto de Marcela, que segundos depois, revelou sobre a pele as marcas dos seus dedos numa mancha avermelhada.
− Eu não posso acredita que você tenha chegado a este ponto... Não posso acreditar que você mentiu e me enganou desse jeito. Quantas vezes eu te alertei? Quantas vezes eu disse que te queria longe dele?
− Mãe, por favor, me entenda, o Rodrigo e eu nos amamos. − Tentou justificar.
− Ama? − Ela semicerrou os olhos. − Você não faz ideia do que tá dizendo!
Marta começou a andar de um lado para o outro, desesperada, passando as mãos no rosto e nos cabelos.
− Você não faz ideia de como isso é ilegal, repugnante e... − Ela fez uma pausa como se ainda tivesse digerindo a notícia. − Nojento.
− Eu não sou a primeira e nem a última garota a engravidar na adolescência. Eu não entendo a sua repugnância.
− Mas eu entendo e isso já é o bastante para não permitir esse relacionamento.
− Não me importa mais sua opinião. − Disse com o rosto embebecido pelas lágrimas. − Nem a senhora, tia Virgínia ou tio Arnaldo podem impedir que o Rodrigo e eu fiquemos juntos, nós vamos ter um filho, a única coisa que vocês podem fazer agora é aceitar!
Marta balançava a cabeça de um lado para o outro perplexa.
− Não, não! Vocês não podem ter esse filho, essa criança não pode nascer!
Marcela arregalou os olhos abismada com o que acabara de ouvir. Sua mãe estava propondo que ela abortasse?
− Eu não vou tirar meu filho! − Disse tocando a barriga e dando um passo para trás como se com aquele simples gesto pudesse defender seu filho.
− Sim, você vai... Essa criança já está condenada a uma vida infeliz.
− Mãe, como a senhora pode me dizer isso? − Indagou confusa.
Silêncio.
− Acho que tá na hora de você saber a verdade.
− Que verdade?
Marta engoliu em seco, tomou ar e mirou a filha.
− Eu menti quando disse que aquele dia que você flagrou o Arnaldo e eu no escritório foi a primeira vez que estivemos juntos.
Marcela piscou rápido embebecida pela afirmação da mãe. Marta fechou os olhos como se ainda estivesse em dúvidas se realmente devesse dizer aquele segredo que guardava há anos. Mas era preciso, mesmo que seu coração estivesse sangrando.
− O quê?
− Fomos amantes durante muito tempo e você... − Ela obrigou-se a encarar a filha. − Você é filha dele.
Marcela esbugalhou os olhos, sentiu o chão sumir dos seus pés e um balde de água fria cair sobre seu corpo ao concluir o que isso significava.
− O Rodrigo e você...
Marcela colocou as mãos sobre os ouvidos para não a ouvir concluir a frase e gritou:
− Não, não...
−...São irmãos!
− É mentira, a senhora tá falando isso pra me afastar do Rodrigo, é mentira, não é? É mentira! − Exclamou exasperada, andando desorientada pelo quarto, enquanto os olhos revolviam loucos por todas as partes e lágrimas quentes escorriam pelo seu rosto.
− Não, não é! − Marta levou as costas das mãos até a boca para suprimir o choro e um grito de horror. Revelar aquela verdade doía mais do que Marcela podia imaginar.
− Mas a senhora foi casada com o meu pai, no mínimo deve dúvida, não é verdade? − Inquiriu esperançosa.
− Não, Marcela, eu não tenho dúvidas, o seu pai é o Arnaldo.
− Como a senhora pode saber se tinha um marido, mãe? A gente pode dar um jeito de fazer um teste de DNA...
− Não há dúvidas.
− E por que não? − Insistiu.
− Porque os boatos, que dizem sobre o Gilberto, são verdadeiros, ele era gay, o nosso casamento era de conveniência, nunca tivemos intimidade nenhuma, ele me propôs o matrimônio para acabar com o falatório na cidade e por causa do seu avô que não aceitava, quando seu pai e eu nos casamos as coisas amenizaram e diminuiu a pressão sobre ele.
− Não, não, não... − Disse horrorizada em tom de súplica.
Marcela caiu sentada no chão com as mãos nas têmporas, toda aquela história era perturbadora, não podia acreditar que sua vida inteira fora uma mentira. Como olharia para Rodrigo a partir daquele momento? Jamais conseguiria vê-lo como um irmão, jamais conseguiria estar perto dele sem poder tocá-lo e beijá-lo, sem poder amá-lo como homem. Sentia-se suja e com nojo de si mesma, era como se uma praga tivesse a alcançado e corroído todo o seu corpo, revelando o quão desprezível o ser humano pode ser ao se deixar levar pelos desejos da carne. A culpa deles terem chegado tão longe era dela, ela havia se oferecido para ele na cachoeira, se não tivesse o atiçado e ido até o fim, talvez se sentisse menos culpada.
− Quem mais sabe disso? − Quis saber entre soluços e lágrimas.
− Só o Gilberto... E para o bem de todos, esse assunto deve morrer aqui, pois envolve muita coisa, o casamento dos seus tios, a memória do seu pai, a reputação do seu avô... Enfim, se a verdade vem à luz, todo mundo vai sair perdendo, incluindo você e o Rodrigo que vão cair na boca do povo dessa cidade fofoqueira.
Tudo havia se esvaído, ido pelo ralo. Planos, sonhos, a promessa de um amor eterno. Sua vida era Rodrigo, não dava para se imaginar em um mundo onde ela não pudesse viver o que sentia por ele. Como explicaria que já não fugiria mais? Como lidaria com isso o resto da sua existência sem estar ao seu lado? E por mais que doesse, a única alternativa veio à sua mente: Precisava ir embora da cidade o quanto antes. Tinha certeza que ele sofreria menos ao saber que ela se foi para longe deixando-o para trás, do que saber que transou com a própria irmã.
*****
A casa estava inundada no silêncio da madrugada, a penumbra incrustada nas paredes dificultava a visão e deixava Rodrigo ressabiado, imaginando o que aconteceria se sua mãe ou qualquer outra pessoa despertasse e o visse na calada da noite arrastando uma valise pelo piso frio. Com muito cuidado, ele suspendeu a mala, desceu a escadaria, destrancou a porta e girou a maçaneta. Já na marquise, sentiu um vento cruzar sua face e o corpo estremecer. O gosto da liberdade iminente. A caminhonete do pai estava estacionada num lugar estratégico onde ele deixara mais cedo. Verificou os bolsos do jeans surrado e lá estavam as chaves. Um sorriso desenhou em seus lábios ao suspendê-las na altura do rosto, com certeza Arnaldo nem notaria a falta do carro até precisar que Jorge fosse ao centro da cidade no dia seguinte entregar leite aos clientes. Caramba, o Jorge! Não se despedira do amigo, em meio a ansiedade, acabara por esquecer desse detalhe. Com muito pesar ele entrou no carro e bateu a porta com cuidado, daria um jeito mais na frente de se comunicar com ele, e além disso, era melhor assim, deixá-lo à margem daquela história.
Faltavam cinco minutos para às três da madrugada, com as festas de fim de ano, a cidade parecia não dormir e alguns bares e a única boate da cidade ainda funcionavam, além de algumas pessoas que conversavam descontraidamente na praça da Matriz. Rodrigo estacionou umas duas portas à frente da casa de Marcela, tudo o que menos queria era que Marta despertasse. Ele catou um pedregulho perdido entre duas ardósias e atirou na direção da janela do quarto de Marcela. Esperou alguns segundos, não houve movimento, a luz não se acendeu e ele concluiu que ela tivesse em outro cômodo ou talvez perdera a hora. Ele repetiu o gesto, jogou mais uma, duas, três, quatro, cinco... A luz não se acendia e vidraça permanecia cerrada. Já impaciente, Rodrigo resolveu saltar o pequeno muro com grades na parte superior, o que não foi nenhum sacrifício já que fizera aquilo inúmeras vezes. Ao alcançar a janela do quarto, ele deu uma olhadela tentando enxergar em meio a penumbra, enquanto se equilibrava sobre as telhas laranjas que cobriam a varanda no andar de baixo. Ele tentou erguer o vidro, mas não conseguiu, uma onda de estranhamento o invadiu, Marcela nunca trancava a janela. Será que Marta havia descoberto os planos deles? Ele deu mais alguns passos e parou em frente a janela do quarto da tia, como havia um poste em frente, a luz azulada invadia o cômodo e pôde enxergar com mais nitidez. A cama estava feita e não tinha sinal dela. Esperou alguns minutos para ver se ela aparecia, mas um minuto atrás do outro e nem um movimento sequer. Ouvia-se apenas o barulho de uma cigarra chata cantarolando. Rodrigo encostou a cabeça na parede fechando os olhos, sentiu um nó se formar na garganta. Alguma coisa estava errada. Ele desceu, angustiado e sem alternativa, começou a gritar por Marcela na frente da casa e bater na porta com a palma da mão. Em pouco tempo, seu tom de voz se tornou um grito de desespero e não demorou muito para chamar a atenção das pessoas que passavam em volta e dos vizinhos que saiam com os rostos desajeitados ainda sonolentos.
− Marcela... Marcela... Abra a porta, por favor!
− Esse cara tá louco?
− Tem que chamar a polícia!
− Onde já se viu fazer escândalo a essa hora da madrugada?
Rodrigo parecia alheio aos comentários e olhares curiosos à sua volta, naquele momento, sua prioridade era saber o que acontecera com Marcela.
− Marcela, meu amor, por favor, responde!
A gritaria perdurou até uma senhora de bobs na cabeça e com cara zangada surgir envolvendo seus longos dedos na grade.
− Ei, rapaz?
Rodrigo se virou para encarar a mulher já com os olhos marejando e amedrontados, sem saber o que Marta poderia ter feito com a filha.
− Elas não estão aí, deixa de escândalo!
Ele semicerrou os olhos confusos e caminhou na direção dela.
− Como não estão aqui? − Questionou incrédulo.
− Eu vi quando elas saíram no carro com um monte de malas, era por volta das nove da noite.
Rodrigo engoliu em seco e deu alguns passos para trás balançando a cabeça negativamente.
− Não... − Ele sorriu descrente. − Não, deve ser um engano. A Marcela jamais iria a algum lugar sem me dizer.
− Não, não é! Acha mesma que se tivesse alguém aí, já não teriam dado um jeito de te fazer parar com essa barulheira toda a essa hora?
Aquilo não estava acontecendo. Marcela não se deixaria ser levada tão fácil pela mãe... Seria? Ela estava tão segura na noite em que a encontrou na cavalariça, tão certa do que queria, e feliz com a esperança da nova vida que teriam juntos quando saíssem dali, que era impossível acreditar que tenha permitido que Marta a levasse para longe dele... A não ser que tivesse sido obrigada por ela. Era isso, a mãe de alguma forma descobrira o que eles planejavam e cumpriu sua ameaça de tirá-la da cidade. De forma involuntária, as lágrimas começaram a escorrer por seu rosto, o coração apertado e o medo de nunca mais vê-la... Mas não, não iria se entregar assim, iria atrás dela onde quer que estivesse. O brilho dourado do sol começava a apontar, e com ele a necessidade de correr contra o tempo. Rodrigo dirigiu furiosos para casa. Ao chegar à fazenda, invadiu o quarto do avô, que ainda dormia, descontrolado.
− Vô, por favor, me ajuda! − Disse exasperado.
Rodrigo inclinou o corpo sobre a cama e balançou o ombro de Joaquim.
− O que foi? − Joaquim soergueu o corpo com o aspecto preguiçoso matinal.
− A tia Marta sumiu com a Marcela.
− O quê? Como assim sumiu? − Inquiriu confuso.
− Sumiu, vô, sumiu! − Falou tropeçando nas palavras e elevando tom de voz.
− Rodrigo, eu não tô entendo nada, se acalma e fala devagar.
Rodrigo respirou fundo e tentou controlar a aflição.
− A vizinha disse que viu elas entrarem no carro com um monte de malas. − Rodrigo se sentou na beirada da cama e encarou o avô com um olhar sem esperança. − Ela tirou a Marcela de mim, vô, o senhor precisa me ajudar a encontrar ela, me ajuda, por favor, eu não sei o que vou fazer da minha vida sem ela.
− A Marta não faria isso, não sem avisar a gente antes.
− Pois ela fez! Aquela louca fez! − Esbravejou Rodrigo passando as mãos no rosto molhados pelas lágrimas.
− Calma, meu filho! − Joaquim o segurou pelos ombros tentando amenizar o desespero do neto.
− Mais que gritaria é essa? − Virgínia apareceu na porta seguida por Arnaldo fechando o robe na frente do corpo.
− Vai me ajudar ou não, vô?
Com toda a paciência do mundo, Joaquim alcançou a mão dele sobre a cama e disse:
− Escuta, filho, primeiro a gente precisa saber o que realmente aconteceu.
Ela se afastou do contato abruptamente colocando-se de pé.
− Pelo jeito, vou ter que fazer isso sozinho.
− O que aconteceu, filho? − Perguntou Virgínia, mas foi ignorada.
Rodrigo engoliu o gosto amargo que se alojara em sua garganta e saiu esbarrando nos ombros do pai e da mãe.
− Rodrigo, não seja mal-educado! Responda sua mãe! − Tentou Arnaldo, mas sem êxito também.
− Rodrigo, espera! − Interpelou Joaquim.
Ele desaparecera pela escadaria, Virgínia olhou confusa para o sogro.
− Por que ele tá assim? O que foi que passou?
− Parece que a Marta cumpriu sua promessa.
Arnaldo e Virgínia se entreolharam, depois voltaram a olhar para Joaquim.
− Que promessa? − Ela quis saber.
− Levar a Marcela pra longe daqui.
*****
− E o Rodrigo, Virgínia, não vai descer pra jantar? − Questionou Aléxia enrolando o macarrão no garfo.
− Pelo jeito, não. Tá trancado naquele maldito quarto há quase duas semanas e não sai pra nada. −Virgínia depositou os cotovelos sobre a mesa de madeira e massageou as têmporas com as pontas dos dedos. − Tô começando a me preocupar, nem com o Jorge, que vive com ele pra cima e pra baixo, ele quer falar.
− Você não acha que seria bom chamar um psicólogo? − Opinou Regina.
− Meu filho não é louco! − Interpelou Arnaldo indignado.
− Todos nós sabemos, Arnaldo. − Disse Rodolfo por fim. − Mas pode estar com depressão. É importante que um profissional o acompanhe de perto.
− Você não queria tirar a Marcela do caminho dele? − Provocou Joaquim.
Virgínia ergueu o rosto e encarou a expressão irônica do sogro sentado na ponta da mesa.
− Aí tá o resultado.
− Eu vou falar com ele. − Aléxia fez menção de se levantar da cadeira.
− Não, não, pode ficar. Eu vou falar com ele... − Joaquim olhou para todos em volta da mesa. − Com licença.
Aléxia se encostou no espaldar da cadeira irritada. Daquele jeito ficava difícil. Mesmo com a maldita Marcela longe, seus planos eram frustrados, apesar de não ter precisado mover uma palha para tirá-la do caminho, ela ainda era um empecilho gigantesco... Mas teria paciência, principalmente naquele momento delicado que ele estava enfrentando. Aquilo passaria. Cedo ou tarde passaria, e quando isso acontecesse, ela estaria lá ao lado dele, pronta para dar o que ele merecia.
Joaquim deu duas batidas na porta pintada de branco com os nós dos dedos, esperou alguns segundos, mas não houve resposta, então, tocou a maçaneta e a girou. Rodrigo estava jogado sobre a cama bagunçada, os cabelos eram uma confusão. Os olhos vermelhos estavam fixos na parede à frente, mas o pensamento longe.
− Posso entrar?
Silêncio.
Joaquim deu alguns passos e tateou a parede em busca do interruptor. Quando enfim o encontrou, a claridade inundou o cômodo. Rodrigo bateu os cílios algumas vezes contra a linha d'água incomodado pela luz, mas permaneceu onde estava, mover-se era um martírio e uma tarefa custosa. Sentia-se como um defunto que respirava, aparentemente vivo, mas completamente morto por dentro.
− E aí, campeão?
Joaquim se sentou na beirada do colchão e tocou os braços dele que estavam cruzados sobre o peito. Rodrigo era outro, não lembrava em nada o jovem alegre e animado de outrora. Queria fazer mais por ele, queria mesmo. No dia seguinte do desaparecimento de Marta e Marcela, os dois entraram na velha caminhonete dele e visitaram todos os hotéis de beira de estrada que puderam, visitaram algumas cidades, foram à algumas rodoviárias, mas nada, em nenhum lugar encontraram um único sinal da estadia ou passagem delas. A casa na cidade onde elas moravam estava à venda, contudo, a imobiliária responsável se recusou a passar os dados do dono para Rodrigo mesmo com toda a sua relutância e insistência.
− Eu sei que você tá magoado e triste, mas tudo vai ficar bem, acredite em mim. Eu também já perdi uma pessoa que amava muito. E olha que estou desvantagem porque sua avó morreu, e a Marcela tá por aí, você ainda poderá encontrá-la em algum momento da sua vida.
Ele fez uma pausa e em seguida continuou.
− Assim como você, também tô muito chateado com a Marta, foi abusivo o que ela fez, tenho certeza que se seu tio Gilberto ainda estivesse com a gente, não teria permitido!
Rodrigo continuava inexpressivo e as palavras do avô só o deixavam com mais vontade de chorar.
− Seu, Joaquim, telefone para o senhor. − Mercedes, a empregada da casa, apareceu na porta tapando o bocal do aparelho.
− Quem é? − Ele quis saber.
− Não disse o nome, mas é voz de mulher.
Rodrigo ergueu o tronco com o olhar esperançoso. Só podia ser ela.
Joaquim estendeu a mão e pegou o telefone.
− Alô?
− Vô, sou eu, Marcela! − Joaquim ia abrindo a boca para falar, mas ela o interrompeu. − Por favor, não diga que sou eu, eu não quero que ninguém saiba onde estou, entendeu? Principalmente o Rodrigo, eu tô bem e minha mãe também, nós estamos em São Paulo, vamos morar aqui agora, depois te passo o endereço, mas por tudo que há de mais sagrado, não diga nada a ninguém. Certo?
− Certo.
− É a Marcela, vô? − Ele se sentou na cama, era a primeira vez que pronunciava qualquer coisa em quase duas semanas.
Joaquim pigarreou.
Marcela ouviu a voz de Rodrigo e automaticamente seu coração martelou contra o peito. Ela fechou os olhos, tomou ar por alguns segundos e logo voltou a falar.
− Não diga nada a ele, vô... − Um nó se formou na garganta. − por favor!
− O que aconteceu?
− Prefiro não falar sobre isso, mas por hora, saiba que tô bem... Te amo... tchau.
Ela desligou.
− Sim, eu entendo, pode deixar que as encomendas chegarão até você amanhã bem cedinho. − Ele continuou a falar para disfarçar.
Rodrigo se recostou na grade da cabeceira da cama desapontado.
− Tudo bem, tchau.
Joaquim encerrou a chamada um pouco mais aliviado por saber que tudo estava bem com ela, mas ao mesmo tempo angustiado por ver o neto decaído daquele jeito e sem poder fazer nada. Que diabos teria acontecido para fazer Marcela se recusar a dizer a Rodrigo onde estava? Teve vontade de dar com a língua nos dentes, queria ter o Rodrigo de sempre de volta, mas não podia trair a confiança dela. Estava entre a parede e a espada.
− O que eu posso fazer por você, meu filho? − Perguntou alisando o ombro dele.
Rodrigo olhou para o avô com as lágrimas brotando dos olhos e sibilou:
− Traz ela de volta pra mim.
Joaquim sentiu o peito se apertar, aquilo não estava ao seu alcance, apesar das poucas palavras que trocara com Marcela, deu para notar que ela não fora contra a própria vontade, senão teria dado um jeito de pedir socorro e fazê-lo ir atrás dela. Algo muito sério acontecera e ele precisava saber. Entretanto... Naquele instante, a única coisa que podia fazer era consolá-lo. Mesmo com o corpo retesado de Rodrigo, ele o puxou para um abraço.
Rodrigo, com o rosto afagado na curva do pescoço do avô, permitiu que as lágrimas que segurava caíssem, como se pudessem com elas eliminar todo desespero que sentia. Entre soluços e uma dor infinda, as gotas escorreram molhando a camisa de Joaquim. Após longos minutos, ele enfim se afastou enxugando o rosto com o lado de fora da mão, e, descansando a cabeça no travesseiro outra vez, Rodrigo voltou a se fechar em seu mundo, longe de tudo e de todos, onde não era obrigado a ver ou a falar com ninguém, e principalmente, não era obrigado a enfrentar uma vida onde Marcela já não estava mais presente.
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