Capítulo 60 - Fim
Quando se é velho, o mundo se torna mais interessante, pois já não precisamos nos preocupar com quase nada, apenas em ouvir e observar. Ás vezes, nos sentimos inúteis, sozinhos e vazios. E quase sempre, achamos que falta algo, que não foi resolvido ainda, mas não sabemos o que. Memorias preciosas, preenchem nossa mente e nos faz achar que ainda falta alguma coisa a se fazer, antes de morrer. Contudo, a verdade, é que queremos voltar a aquele dia, aquela hora, aquele lugar, há um momento de nossas vidas onde não tínhamos tanta certeza da morte.
O problema que nos acompanha nessa fase terminal, é ver tantas pessoas com tanto tempo para viver, sem ser aproveitado. Enquanto nós, estamos sem forças, animo, saúde e tudo que é preciso pra aproveitar mais um pouco, presos em casa ou em alguma casa de repouso. A verdade, é que nessa fase, achamos que não vale mais a pena, tentar criar mais algumas boas memorias, mesmo que desejamos isso, já estamos muito cansados e só queremos paz.
Tudo se torna mais complicado, para pessoas como eu, que perdem suas felizes memorias e acham que toda a sua vida, foi desperdiçada em lembrar o ontem e não poder sonhar com o amanhã. Eu não sei ao certo, se vivi ou apenas esperei minha morte, mas sei que todas as respostas, estão em meus amados cadernos de anotações. Pena que depois da minha doença piorar, perdi parte da minha visão e já não posso mais lê-los. É nessas horas que nos sentimos solitários, quando precisamos muito de alguém e essa pessoa não está presente para ajudar.
— Senhor Richard? — Uma voz falou entrando no quarto, não a reconheci, ela estava embaçada — Como está se sentindo hoje? Dormiu bem?
— Estaria melhor, se alguém viesse me ver... — Respondi desanimado — Jovenzinha, tem um tempinho extra, para ajudar um pobre velho a ler suas anotações?
— Perdão, senhor Richard, temos muito o que fazer hoje. Recebemos muitos pacientes com síndrome de Dory... Todas as enfermeiras estão frequentemente ligando eles a respiradores e auxiliando no que precisarem... — A enfermeira explicou e suspirou se sentindo mal pela resposta — Se quiser, posso pedir a sua filha para vir lhe visita-lo.
— Filha? Do que está falando? Eu nem se quer casei... — Questionei confuso e a enfermeira suspirou novamente, dessa vez preocupada — Pode ao menos, me trazer algumas folhas e uma lápis?
— Sim, espere só um momento — Ela pediu e me entregou um copo com água e um comprimido — Tome seu remédio e aguarde um pouco, logo alguém virar trazer o que pediu.
Os jovens de hoje sempre está muito ocupados, apressados ou deixam tudo para depois. Se percebessem que o tempo não espera por nada e logo tudo passa num piscar de olhos, fariam o que lhe és pedido, com mais urgência. Não me resta mais nada, apenas esperar, então vou dormir um pouco. Quem sabe, no mundo dos sonhos, a vida seja melhor.
— Bom dia! — Uma voz jovem gritou animada — Para o senhor mais gato do universo!
— Bom dia... — Respondi de mal humor, deixando de lado meu descanso — Você deve ser nova por aqui mocinha... Sabia que não pode gritar no hospital? Muito menos nos quartos dos idosos.
— Rabugento como sempre — Ela respondeu chateada — Aqui está o lápis, papel e uma jovem totalmente livre para te auxiliar.
— Como se chama? — Perguntei recebendo o papel e o lápis, já rabiscando uma frase — É... Não consigo mais escrever.
— Parece que o senhor já esqueceu de novo. Sou eu pai, a Sara — Ela respondeu triste, me entregando o óculos — Se quiser escrevo para o senhor...
— Primeiro, eu não tenho filha, segundo, não precisa... Se eu tentar mais algumas vezes, conseguirei! — Respondi irritado, mas depois percebi que havia sido mal educado — Perdão jovem... Poderia ler aquele caderno, ali dentro daquela mala?
— Sim... — A jovem respondeu séria — É o que sempre faço, quando nos vemos...
Ignorei o mal humor dela, pois eu não queria perder tempo. Há anos eu não lia mais meu cadernos e só queria escutar minhas ultimas anotações. Ela começou a ler sobre o dia que eu conheci vizinhos de outro país e depois falou sobre uma jovem que me fazia companhia. Tudo que ela falava, parecia algo tirado de um livro, pois eu já não conseguia imaginar aquelas lembranças. Em um certo momento, ela parou e a encarei, estava chorando por algum motivo.
— Você vai acabar estragando meu caderno, veja só, já molhou várias folhas — Falei e me arrependi, estava sendo muito duro com ela — Ouça, pode ler a ultima folha que escrevi? Depois pode ir... Perdão e obrigado.
— Tudo bem, vejamos... — A jovem enxugou as lágrimas na manga da camisa e folheou meu caderno, até a ultima folha — 21 de Julho... O outono acabou mais um vez e eu sobrevivi. Isso tem ocorrido bastante. Sempre acho que morrerei em algum final de outono, ainda não entendo por que. Os últimos anos foram maravilhosos, passei um tempo com minha mãe, vimos muitos desenhos que eu gostaria de ter visto aos 7 anos com ela e brincamos bastante. Pude dormir em seu colo e descobrir muitas respostas das perguntas que a fiz.
A jovem continuou a ler e por alguns minutos, me senti preso a aquela anotação. Peguei o papel e o lápis novamente e por incrível que pareça, conseguia escrevi. Anotei então na folha em minhas mãos: "Estando a um passo para a morte, meu único arrependimento, foi não viver, achando que não podia..." e foi então que ouvi uma parte da história, que não era comum. A menina continuava a ler e todas as memorias retornavam a minha mente, como se aquela parte das anotações houvessem curado por alguns minutos.
"Tive uma vida maravilhosa e em meus sonhos, me encontrei com meus antigos eu do passado. Cada um queria que eu fizesse algo por eles e assim o fiz. Vive uma vida feliz e maravilhosa, me aventurei, estudei, amei e me casei, tive uma filha linda, que espero um dia seu perdão, por a ter a esquecido. Embora eu ainda espere todos os dias sua presença no hospital, mesmo sem saber quem ela é, seu nome ou como se parece, eu espero essa presença, que eu amo mais que tudo. Espero um dia, me encontrar com meus eus de 7, 20 e 40 anos, para pedir perdão caso tenha faltado algo que eles queriam e não o fiz. Porém, acredito que fiz tudo e o melhor, mesmo sem lembrar, eu sei que tive as melhores memorias da minha vida."
"Sempre esperei que minha morte, fosse no fim de algum outono, mas na verdade, eu compreendi, que eu nunca deveria ter esperado algo assim, eu perdi um tempo muito precioso. O Richard ainda era uma folha verde, mesmo estando em um tronco doente, estava sendo cuidado com amor, então não morreria tão cedo. Tudo acabaria, quando eu me tornasse uma folha seca. Minha vida não chegaria ao fim, aos 20 anos e quando entendi isso, lutei para ser feliz. Espero, que eu tenha lhe dado ótimas memorias meu eu do futuro. Eu sei que o senhor deve estar arrependido achando, que não viveu. Pois em um sonho, achei um papel em baixo de sua cama, que dizia algo assim... Mas saiba, que você foi um homem com uma vida incrível e quando nos encontrarmos novamente, suas memorias vão retornar e você lembrará de tudo."
— É isso... Ah, tem algo escrito em uma folha colada aqui e tem um desenho também — A menina falou, tentando desgrudar duas folhas com cuidado — Está escrito... Olha, tem letras grandes, acho que consegue ler.
— Sara... Pode fazer algo a mais por mim? — Pedi encarando o caderno e observando o desenho. A menina estava assustada por ouvir seu nome — Pode me dar um abraço no seu pai... Perdoa-lo e dizer a sua mãe que a amo e sentirei falta dela?
Quando entendi o que era, lágrimas desciam por meus olhos e uma forte dor invadia meu peito. Sara chorava muito e eu também, ela não sabia o que estava acontecendo, mas estava feliz por eu enfim, lembrar dela. A dor aumentava, mas não queria estragar aquele momento. Continuei abraçada com ela, até o monitor de sinais vitais, alertar um descontrole em meu coração. Sara preocupada, sai rapidamente dos meus braços e diz que vai chamar um médico.
Com o caderno em mãos, observei o desenho e lá estavam aqueles que me acompanharam minha vida inteira. Eu de 7 anos, um adolescente de 20 anos, um adulto de 40 e por ultimo, como se estivesse abraçando esses 3, meu eu de 52 anos, com um sorriso no rosto. O desenho era tão real, que parecia mais uma fotografia. Todos estavam sorrindo e pareciam transbordar um grande sentimento de gratidão. Abaixo do desenho, havia uma frase, que demorei entender, mas logo, ela fez todo sentido... "Até o cair das folhas, querido eu do futuro".
Senti uma luz invadir o quarto e vi um jovem que parecia comigo, sorrindo pra mim. Me apressei rapidamente em amassar a folha em minhas mãos e escrever algo que eu queria que ele lesse, meu tempo era curto, eu sabia que meu fim estava chegando. Anotei a data 21 de julho e escrevi "Eu fui e sou feliz, obrigado pelas boas memorias. O amanhã é o final de tudo e ele chegou pra mim. Até o cair das folhas, não importa o que passei, sorrirei até o fim."
Minhas mãos perderam as forças, meus olhos estavam se fechando. Porém, ainda consegui abrir um pouco eles e ver um jovem de costas, lendo um papel, mas era o errado. O correto estava em cima da minha cama... Não conseguia falar, mas não importava, ao menos eu pude vê-lo e ele estava sorrindo. Mesmo sem ler minha despedida, eu poderia fala-la para todos eles em breve. Estava na hora da folha que eu fui, cair da árvore. Fechei os olhos totalmente, me vi dentro de uma escuridão, mas bem adiante, notei uma forte luz e algumas pessoas me esperando. Elas estavam sorrindo de braços abertos, estavam me chamando, era hora do meu fim no mundo real, mas um novo começo naquele lugar lindo e feliz, a terra dos sonhos, o lar do sonho eterno.
Eu só queria agradecer a todos que leram até aqui ❤ Principalmente ao meu namorado, que me ajudou nesse capítulo final. Eu chorei muito escrevendo o 59 e imagina esse 60 kkkk. Me despedirei melhor, depois. Até mais gente ❤
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro