não é um sonho, Cinderela
A tarde no lago foi ótima no período entre pós tentativa de me afogar e a interrupção de Natália. Quando ela chegou para falar com os meninos foi demais para suportar sua presença. Estou bem demais quase não trombando com ela para deixar que atrapalhe meu último dia no paraíso. Por isso apenas dei as costas para a banda que teve que aturar a loira. Não imagino que tenha sido tão difícil porque, obviamente, ela deu a melhor versão de si a eles, aquela que fazia a maioria das pessoas na escola gostarem dela, as que não conseguiam ver por trás da máscara que tanto escondia de Natália.
Alec a chamou até mesmo de Lia, e para ser sincera, apenas Jude pareceu incomodado de verdade com a minha meia-irmã. Sei que o motivo são seus outros amigos, do clube de matemática ou da simulação da ONU, que Natália vez ou outra faz questão de passar por cima em uma hierarquia desnecessária e sem sentido na Dewere High School.
De todo modo, ela conseguiu o que queria, os manteve para si até o final da noite, quando a festa de despedida chegou.
Eu fiquei de me arrumar com Holly e Hanna e, não querendo deixar ou excluir Chinna, convidei para vir comigo. Ela aceitou prontamente. Acontece que ela se mostrou uma garota mais legal do que achei que era.
— Você sentiria mesmo falta dessas botas? — Hanna insiste para a ruiva, que fecha a cara.
— Sim, Hanna! Tira o olho.
Minha melhor amiga dá de ombros e observa o par de sapatos ser arrancado bruscamente das suas mãos, gesto que não combina com os movimentos sempre suaves e delicados de Holly. Chinna ri com a cena, eu também.
— Já basta Cass nunca ter me devolvido os meus coturnos. Sei que estava usando no seu aniversário!
— Eu vou devolver, Holly! — exaspero enquanto gesticulo com os braços.
— Há quantos meses diz isso, huh? — replica.
— Nove — Hanna delata, eu lhe dou um olhar feio por se meter.
Aproveito a deixa de Chinna se levantar para fazer o mesmo, então convido para irmos logo para a festa sob a promessa que a primeira coisa que faria quando voltarmos seria entregar os malditos coturnos.
Tivemos quase uma noite de garotas, porque o acordo implícito que firmamos foi esse. Holly trouxe as bebidas que sua equipe de futebol escondia e Hanna controlou de alguma forma a escolha das músicas, e Chinna e eu nos certificamos de que tudo fosse muito bem aproveitado. Nunca foi tão divertido passar um tempo com minhas amigas quanto agora, e nem mesmo Natália, que apesar de ter tentado ao aparecer ao nosso lado para provocar, conseguiu estragar.
Próximo do toque de recolher Dune reuniu a todos nós para dar um discurso de despedida, nossos monitores também tiveram a palavra por alguns minutos, chegando a emocionar alguns alunos mais sensíveis. Senti que ela estava prestes a nos dispensar quando uma onda de murmúrios pediam para nos deixar ficar por mais uma hora.
Ela relutou e disse que acordávamos cedo, mas acabou cedendo. Apesar disso, parte dos alunos foram deitar, deixando entre nós tão poucos que pudemos todos ficar em grupo em volta da fogueira, uma das maiores até então.
Hanna se senta ao meu lado, Chinna foi deitar e Holly disse que ficaria um pouco com as líderes de torcida. De algum lugar surge um violão, ele é entregue a Alec, na minha diagonal, que aceita de bom grado e com um sorriso no rosto, ele olha para Jude e Nick na sua direita quase em uma pergunta silenciosa.
A conversa sem nenhuma troca de palavras é finalizada com os dedos de Alec dedilhando as cordas do instrumento, Jude bate nas coxas e as palmas de forma ritmada. Dominick começa a cantar, bem lentamente, em um momento raro de paz entre adolescentes e, acima de tudo, pessoas, cada um vai unindo a sua voz a dele. Gosto dos momentos como esse onde cada um parece abaixar as próprias barreiras para ser apenas si mesmo, sem a vontade instintiva de querer se sobrepor aos outros ou usar a máscara social quase inevitável.
Sinto minha pele queimar ao ser observada com tanto afinco. O instinto me leva direto a Dominick, mantenho meu olhar nele também. Quando percebe que faço isso, sorri por cima das palavras da música e me dá uma piscadela para provocar.
As chamas provocam no rosto de Nick um aspecto diferente, os cabelos castanhos agora parecem pretos e os olhos carregam algo maior que o de costume. Não percebo quando tudo a nossa volta chega ao fim e começa a se dispersar até Hanna me estender a mão como uma oferta de ajuda para me levantar.
Aceito de bom grado e depois de um pouco de conversa não levo mais que dez minutos para decidir ir me deitar. Me despeço da minha amiga e não enrolo para tomar o caminho ao chalé que passei a última semana. A mão para na maçaneta quando um grito escapa da minha garganta.
Os braços que rodeavam a minha cintura afrouxam e uma das mãos tapa a minha boca para cessar o grito. Por meio dos fios de cabelo sob meu rosto consigo reconhecer os olhos castanhos e cabelos compridos e bagunçados assim que paro de me debater. Instintivamente me acalmo e espero até que Dominick me solte, mas ele apenas tira a mão da minha boca.
— Você já tem tudo pronto para amanhã ou ainda vai arrumar alguma coisa? — pergunta.
Não tenho tempo de sobrar meus cabelos para longe, Dominick é mais rápido e com as pontas dos dedos os afasta do meu rosto para mim, tento não estremecer ao toque repentino e digo a mim mesma que é porque estou surpresa demais e ainda em processo de adaptação a retaliação da nossa amizade.
— É claro que tenho, arrumei minha mochila antes mesmo de passarmos a tarde no lago. Por quê?
Seu sorriso largo me diz que posso esperar pelo pior.
— Você precisa ver o que eu descobri.
— O que é?
— Não vou contar assim, estragaria todo o momento.
— Tá, e como, exatamente, descobriu isso?
— Já deve ter percebido que Austin não é o mais responsável no cargo.
— Não mesmo.
— Ele contou de um lugar que descobriu quando trep...
— Ta bom! — eu o interrompo antes que fale demais. — Detalhes demais, Dominick. Detalhes demais.
Nick dá um sorrisinho de canto e deixa de lado a chance de tirar uma com a minha cara.
— E aí, você vem?
— Vai demorar? O toque de recolher já acabou tem um tempo e precisamos acordar cedo amanhã.
— Seu excesso de responsabilidade me irrita.
Abro a boca para fingir choque e passar a ideia que estou ofendida ao me curvar um pouco para frente e levar a mão ao peito.
— Perdoe-me se seguir regras e fazer coisas certinhas irrita Vossa Majestade.
Depois de um revirar de olhos o garoto a minha frente toma a minha mão e nos arrasta por trás dos chalés para não sermos vistos pelos monitores que, agora, arrumam a bagunça que deixamos para trás. Mesmo assim, chega em um ponto em que precisamos arriscar passar perto deles, correndo na direção do lago, ainda escondido por uma cobertura árvores, mas perto o bastante para correr o risco de sermos pegos.
Controlo os pés e mantenho a atenção no chão para não pisar forte demais ou encontrar com um galho quebrado. Dominick anda na frente me puxando pela mão enquanto adentrávamos mais pela floresta, só consigo relaxar quando já estamos longe o suficiente para sermos ouvidos.
— Sabe para onde está indo, não é? Não quero me perder — indago ao notar o quanto nos afastamos.
— Claro que sei, já meti você em alguma furada por acaso?
— Mais vezes do que posso contar — respondo com a voz se deformando quando preciso me apoiar mais na mão que Nick tem enlaçada na minha quando me desequilibro. — Isso aqui tá escuro demais. — murmuro como justificativa.
— Você é uma medrosa! Me surpreende não está reclamando de cansaço e do quanto já andamos. —Eu abro a boca para retrucar, mas ele é mais rápido: — Vou fazer você morder a língua quando ver o que vi.
Eu fico quieta pelos próximos quinze minutos, quando finalmente minha boca de abre em um "o" perfeito e preciso controlar toda a admiração para que meu queixo não alcance o chão.
Nossa!
— Eu sei — responde, o que me faz pensar se o ruído de admiração saiu em voz alta ou ficou apenas na minha cabeça.
Só há uma entrada para o lugar onde estamos, que foi pela faixa de terra estreita de onde viemos, a minha frente a água da cachoeira com poucos metros cai e alaga a nossa volta, a água é de um azul tão claro que mesmo sob o céu noturno e brilhante de estrelas posso notar. Em volta dela as árvores formam uma parede natural que impede qualquer coisa com um pouco de largura de entrar nesse pequeno paraíso na Terra.
— Sabe a melhor parte? — A voz de Nick prende a minha atenção. — Dizem que se você mergulhar os pés na água e fechar bem os olhos, tem direito a um pedido. Tipo estrela cadente.
— Acabou de inventar isso, não foi? — Não controlo um sorriso crescente, que aos poucos é espelhado no rosto dele.
Dominick dá de ombros e me encara por meio segundo antes de olhar para vista a nossa frente.
— Lendas e tradições começam de algum lugar. Vai mesmo perder a chance?
— Sabe que não acredito nessas coisas.
— Esqueci que você é a pessoa mais cética que conheço.
— Não é ceticismo — exaspero. — É ciência!
— E se eu estiver certo, huh?
— Tá legal, então... — Fecho os olhos e respiro fundo. — Eu desejo que...
— Tem que pôr os pés na água — Dominick me interrompe.
"Sério?" É o que o cenho franzido e o olhar incrédulo querem dizer. Entendo o "sim" como resposta quando ele olha para mim como se eu fosse a pessoa mais sem graça do mundo. Reviro os olhos e me abaixo para desamarrar o cadarço do tênis amarelo que usava.
— E não vale pedir nada relacionado a Cambridge — ele adianta quando já estou a um passo de pôr os pés na água, o que me faz virar para olhá-lo no mesmo instante. Dominick mantém os braços cruzados e me observa com atenção enquanto imito sua postura.
— O quê? Por que não?
— Porque não tem graça! Pode ser extremamente importante para você, mas existem coisas mais valiosas do que isso.
— Tipo...?
— Você tá falando sério? — Anuo em resposta. — Só... Faz o seu pedido, Cassandra.
Finalmente meus pés mergulham na água. Achei que estaria congelando, mas o calor abraça minha pele até o calcanhar e o arrasta por todo o corpo. As pedrinhas no fundo quase chegam a massagear meus pés quando dou mais um passo.
Apesar de não termos combinado, tento não pensar em Cambridge. Pela primeira vez na minha vida, tento por de lado a vida profissional de escritora reconhecida internacionalmente que quero para meu futuro. Inspiro e expiro três vezes tentando expulsar o vazio que começa a tomar conta de mim.
Outros dedos, os de Nick, percebo, entrelaçam aos meus. Ele está ao meu lado agora, com os pés afundados na água e sua concentração recaída sobre mim de maneira tão forte que sinto como se Dominick pudesse ver tudo de mim, como não usasse nada sob a pele. De repente meu pedido vem fácil.
Não é sobre Cambridge.
Não é nem mesmo sobre mim.
Tudo o que eu desejo é que Nick não se perca. Que não se perca e possa encontrar a felicidade que merece.
Como se soubesse o que eu pedi, seus dedos se apertam em torno dos meus.
— O que você pediu? — Ouço seu murmurar após o que pareceu ser uma eternidade de silêncio.
— Não foi sobre Cambridge — respondo, deixando implícito que não direi o que foi. Fico grata quando ele não insiste e, apesar de não estar no direito, arrisco perguntar mesmo assim: — E você?
Seus olhos nublam e sua mão solta a minha. Sinto a falta do toque e do calor em meio ao vento frio que nos abraça instantaneamente. Ele dá alguns passos para trás e se recosta em um tronco fino e até frágil de árvore, eu me viro para encará-lo e cruzo os braços sob os seios.
— Pedi sobre meus pais.
Abro a boca um par de vezes para dizer algo que possa surtir algum efeito tranquilizante mas não tenho nada do que falar para confortá-lo.
— Minha mãe comprou a passagem. Para voltar à Rivewood.
Engulo em seco. Lembro-me do que disse um tempo atrás, sobre a próxima vez que tia Eleonor vier para casa, se é que ela ainda considerar essa cidade sua casa, ser para assinar os papéis do divórcio.
— Sinto muito que esteja passando por isso, Nick. — Minha voz não tem nenhuma força, mas passa verdade em cada palavra.
Ele dá de ombros, tenta recobrar a postura desinteressada, mas já é tarte demais para isso. Um lampejo de pensamento indesejado e egoísta passa pela minha cabeça, eu quero ficar quieta e deixar o assunto morrer conforme parece ser a vontade de Dominick, mas minha cabeça não entra em consenso com a minha boca e cuspo a ideia temerosa sem lapidar tanto as palavras.
— O que acontece com você quando o divórcio for definitivo?
O vinco entre suas sobrancelhas mostra a confusão e até disfarçam a dor na expressão que toma conta dele ao ouvir a palavra que hoje é tão temida.
— Como assim?
— Sua mãe... — começo, engulo o resto da frase porque sei que a forma como falaria seria a gota d'água para ele. — Talvez ela não fique aqui, considerando que já está fora a um tempo. E se for isso a acontecer... — Engulo em seco. — Você vai embora com ela?
Acho que aquilo ainda não tinha se passado pela sua cabeça. Dominick parece se afundar em seu próprio mundo e se perder dentro da própria mente. Eu o deixo levar o tempo que precisa, com medo da resposta. Nick sempre teve a melhor das relações com ambos os pais, então não sei quem ele escolheria para morar, se a escolha for completamente dele, enquanto não chega a hora de irmos para faculdade.
Sei que, provavelmente, o melhor seria ele ir com a tia Eleonor, até pelas oportunidades. Qual é? Ela está na Florida! Mas acho que sou egoísta demais para tudo de mim apoiar essa ideia. Parte de mim deseja que fique em Riverwood, com o pai, os amigos, e comigo.
Mordisco o lábio enquanto espero por qualquer indício de resposta ou decisão. Não sou idiota de achar que ele terá uma opinião concreta com algo tão grande, mas, ainda assim, Dominick responde convicto:
— Não.
Estou prestes a contestar com a sobrancelha erguida quando ele me impede de falar com um balançar de cabeça, os cabelos bem mais claros que o castanho-escuro usual sob a luz da lua.
— Não vou com ela, Cassandra. Eu amo minha mãe mais que qualquer pessoa no mundo, mas não vou deixar toda a minha vida para trás. Eu tenho meu pai aqui, o último ano na Deware, os caras e agora, mais do que tive nos últimos três anos, tenho você. E eu não estou nem considerando a banda! Florida pode até ter mas oportunidades para mim como artista, mas eu quero ir para Boston. Quero fazer faculdade de música lá e a Dead End é a minha melhor aposta.
— Bem, a maior parte de mim fica muito contente ao saber que quer ficar.
— E a pequena parte?
— Ainda sabe que você sente uma pontada de vontade de ir com a sua mãe e entende perfeitamente o motivo.
Dominick solta um riso frouxo e sem humor que dispensa palavras para concordar comigo.
— Além da presença da minha mãe, óbvio — diz ao revirar os olhos para si mesmo —, eu sei que a banda com os garotos não é para sempre. Jude quer ir para o MIT e Alec ainda não tem certeza no que seguir e, eu ficando aqui, arrisco perder o que as escolas de música do estado da Florida podem oferecer para entrar na faculdade de Boston mas... — Dominick interrompe a si mesmo.
— Mas ainda assim a banda é sua melhor aposta — termino o que queria dizer, e acrescento o que ele não quer ouvir. — E mais confortável.
Minhas palavras são como um soco no estômago, mas que uma hora ou outra Dominick precisaria recebê-las. O silêncio angustiante me faz avançar na sua direção, parando a um passo de distância, grande o suficiente apenas para manter a centímetros o meu peito do dele.
— Eu não quero ir.
— Então não vá. Ter oportunidades fora não anula as que você têm aqui.
Dominick anui, injetando minhas palavras em si como se fosse o suficiente para o fim de qualquer dúvida que tenha sobre aquela decisão.
— Em uma possibilidade mínima, extremamente pequena, se eu for para Florida... Você ficaria, ficaria com...
— Não — digo rápido demais.
Não sei se o que eu digo é de toda verdade, mas sei que não ficaria com raiva de Dominick caso ele escolhesse ir com a mãe. Chateada, talvez. Não com ele, mas o fato de perdê-lo de novo.
— Sempre foi boa em me apoiar, não é? — Apesar do tom melancólico, um sorriso ameaça ressurgir no seu rosto.
— Bem melhor do que você.
Ele revira os olhos dramaticamente e pende a cabeça para frente, deixando-a próxima demais da minha.
— Você está muito presunçosa ultimamente.
— E coincidentemente bem no período em que voltamos a nos falar, huh?
Dominick gargalha com a insinuação.
— O que está querendo dizer com isso?
— Nada demais... — Escondo o sorriso que ameaça se formar e lhe dou as costas, refazendo nosso caminho de volta mesmo que não saiba ao certo o trajeto.
Por sorte, Dominick passa por mim, fazendo questão de esbarrar no meu ombro e me empurrar de leve para o lado ao liderar o caminho. Eu sigo alguns passos atrás enquanto o ouço tagarelar. Com o passar do tempo, meus passos começam a ficar mais lentos e mantenho quase um metro de distância de Dominick, que mal parece notar isso. Se o garoto está cansado, não demonstra nem um pouco.
Sei que não estamos mais tão longe porque, se forçar a vista, posso ver por entre os vincos dos troncos de árvore e outra a luminosidade que se torna o acampamento a noite.
— Ei, podemos parar um pouco? — pergunto e não espero por uma resposta para firmar os pés no chão e regular a respiração.
Tenho a atenção de Dominick em mim outra vez, quando ele se vira com um sorriso sorrateiro e estrangula em uma gargalhada.
— O que está olhando?
— Quando aderiu a nova moda?
— Que?
Erguendo um canto dos lábios, ele se aproxima em poucos passos e para de frente a mim. Franzo o cenho quando sua mão alcança meus cabelos para, só então, notar que ele tirava uma folha de lá. E depois mais outra. E outra antes de começar a arrumar os fios que bagunçara e deixá-los no lugar.
Penso em retrucar alguma coisa nesse meio tempo para ocupar o silêncio entre nós enquanto Dominick parece concentrado demais em arrumar meu cabelo, mas continuo quieta e o observo. Me pergunto se a proximidade foi algo calculada e intencional ou se Dominick não notou ou, se percebeu, sequer se importou.
Não há quase espaço algum entre nós, meus olhos não deixam seu rosto em nenhum momento, nem quando as íris castanho-escuras se voltam as minhas. Agora bem de pertinho, consigo notar os pontinhos mais claros que iluminam seus olhos. Eu espero até que ele fale alguma coisa, mas o silêncio perdura por tempo demais.
Abro a boca para interromper o que começa a se formar entre nós e impedir antes que se torne maior e mais denso, mas antes do som sequer sair da minha boca ele morre assim que as pontas dos dedos de Nick tocam minha bochecha.
É fácil de perceber quando sua atenção se vai para eles e, em seguida, se arrasta para minha boca. Quase que com medo de que fuja, a mão de Dominick se move receosa e espalma minha nuca enquanto o polegar acaricia a bochecha, mas o que ele não sabe é que, independente do que meu cérebro grite, apesar dos mil alarmes que soa, eu não sairia dali.
Mesmo se não quisesse ou não gostasse daquilo, não acho que conseguiria tirar a mão de Dominick de um lugar que parece tão certo ela estar, ou me afastar do corpo que transmite calor de forma tão convidativa. Antes que eu sequer pense a respeito, Dominick roça a sua boca na minha. Não me movo pelo o que poderia ser toda a eternidade, mas apostaria alto que não o toque não chegara a seis segundos antes dele se afastar centímetros de mim.
Dominick engole em seco, parece não respirar enquanto teme qualquer que seja a reação que tomarei.
— Desculpa... — murmura.
Eu ignoro tudo. Tudo que grite que essa é a coisa mais estúpida que farei na vida e, surpreendendo a nós dois, levo as mãos a sua nuca e o trago para perto em um beijo. Aparentemente, Dominick é bem mais rápido do que eu em se recuperar do choque de surpresa, porque não leva muito tempo para que seu braço rodeie a minha cintura e me puxe para si. Minhas mãos escorregam até seus ombros assim que tratamos de aprofundar mais o beijo.
O tempo parece perder sua ordem natural, porque não faço ideia se foram segundos ou horas desde que eu o beijei, qualquer sentido que tenha está focado apenas em uma única coisa, uma única pessoa. Poucos passo largos e atrapalhados são o suficiente para que minhas costas encontrem com uma árvore. E, como se estivesse disposto a brincar comigo, o mundo ao redor volta a girar apenas por alguns segundos quando sua boca escorrega para o meu maxilar e sua mão desce pelo meu braço para a cintura até o quadril, então, tudo congela de novo e só o que existe e importa sou eu e Dominick e o agora.
O sorriso contra a minha pele vem assim que estremeço quando Dominick beija um ponto sensível próximo da minha orelha, logo antes de voltar a explorar o restante da minha pele com sua boca alternando entre língua e dentes e leves mordiscadas e um arrastar gostoso de lábios. A mão no meu quadril que me mantinha imóvel contra seu corpo desde um pouco mais e acaricia a pele ora no limite da saia ora sob ela.
Estou prestes a pôr minhas mãos em seu rosto para trazer sua boca na direção da minha uma outra vez, mas Dominick congela assim que sua boca roça contra a borda da minha blusa, como se algo tivesse despertado em sua mente. A respiração pesada bate contra a minha clavícula e sei que seus olhos se fecham com força pelo movimentar dos cílios na minha pele. Dominick hesita em continuar.
Minhas mãos escorregam para sua nuca e ergo sua cabeça, não preciso pedir para me olhar quando ele mesmo faz. Acima de qualquer coisa, vejo o arrependimento banhado em suas íris, que me deixam insegura por um milésimo de segundo antes do sentimento evaporar. Dominick comprime os lábios rosados e sua cabeça balança sutilmente de um lado para o outro como se o momento de um minuto atrás não tivesse acontecido.
Devagar, o estado de torpor vai se esvaindo e vou tomando consciência do que fizemos. Do que eu fiz. Do que eu ainda queria estar fazendo. Por um momento me pergunto se estou sonhando ou se é mesmo real, parece tão impossível de ter acontecido que passo a apostar na primeira opção por mais improvável que seja.
Tento fugir do depois, na verdade, do agora. Porque já não sei mais o que eu devo fazer ou falar nesse momento que possa apagar o que tivemos. Eu não quero fazer o que sempre faço, me afastar quando alguma coisa que eu não sei lidar acontece. Mas eu não sei lidar com o que quer que tenha acontecido.
Não é só um beijo. Ao menos não do tipo entre amigos normais que provavelmente seguiriam com suas vidas após se pegarem. Ao menos não com Dominick, não quando acabamos de decidir que estávamos dispostos a voltar com o que tínhamos.
— Eu sabia — ele diz como se lesse o que se passa dentro de mim. — Eu sabia que ia agir estranho depois.
Surpreendentemente, ele é o primeiro a se afastar. Dando bons passos para trás e passando as mãos de forma exasperada pelos cabelos. Agradeço mentalmente a distância porque, apesar de tudo, é difícil se concentrar em qualquer coisa com ele tão perto.
— Eu falei sério no lago, Cassandra. — Nick se vira para mim, mordiscando a pele do lábio inferior.
Dominick está longe do seu estado de costume, como poucas vezes o vejo, ele parece receoso e, se não o conhecesse bem, até com um pouco de medo. Dê que? Não faço ideia. Mas em momentos como o de agora, quando o vejo pensando até três vezes antes de falar, noto sua postura séria e rígida.
— Não vou ser burro de desperdiçar isso — ele aponta com o indicador de mim para ele. — de novo. — Então solta uma risada curta e sem humor. — Apesar de achar que já fiz isso. Tá estampado na sua cara! Mal passamos dos beijos e... E você vai me afastar.
Repreendo a mim mesma por não falar nada, mas eu não sei o que falar. Meu cérebro corre rápido atrás de uma resposta, de alguma coisa, mas pareço nunca sair do lugar. Dominick solta um grunhido consigo mesmo, prestes a falar algo de novo.
— Podemos esquecer isso? — finalmente acho voz, não sei se o que ela diz é o melhor mas espero que seja. Acho que é.
— Você quer esquecer?
— Você não? — Franzo o cenho e ele dá de ombros. — Então o que você quer, Dominick?
O cantor refaz alguns passos na minha direção mas ainda se mantém distante. Desvio a atenção dele por tempo o suficiente para notar o sol nascer, o azul-claro e um borrão de tom alaranjado lutando para conseguir espaço em meio a imensidão agora já não tão escura.
— O que você quiser. O que você quiser está bom para mim, se disser para esquecer e continuarmos de onde paramos no início dessa noite, então tudo bem.
— Certo — murmuro. — Vamos parti em poucas horas. — Aponto com o queixo para o céu. —Acho melhor voltarmos.
Ele assente. O tempo e o caminho acabam bem mais rápido do que deveria, talvez seja pelo silêncio incômodo ou por ainda estarmos presos ao que aconteceu um tempo atrás, mas nos esforçamos para não parecer estranho um com o outro. Desa vez, sempre que percebe que está um pouco a frente, Dominick me espera e andamos lado a lado. Chegamos ao acampamento nos esgueirando por trás dos chalés.
— Ei — me vejo sussurrando para chamar sua atenção antes que nossos caminhos se separem, os três passos que Dominick já havia feito para longe de mim são refeitos. — Também não quero jogar fora o que temos. Nem fingir que está tudo bem quando não está. Eu quero que esteja mesmo bem.
— Eu também.
— Ótimo, então... — Levo os dedos indicador e médio as têmporas dele e esfrego, quando fecho os olhos a última coisa que vejo é a sombra de um sorriso. — Nossa super aventura acabou no exato momento em que saímos daquela belíssima paisagem. Quando voltamos a caminhar para o acampamento não paramos por nada, entramos nos nossos chalés e dormimos feito bebês.
Ao abrir os olhos, relaxo os ombros ao ver que aquele peso saiu entre nós como se realmente fosse uma simples questão de mágica.
— Então tudo isso, inclusive esse agora, nunca existiu nas nossas vidas, certo?
— Isso aí!
— E quando entrarmos no nosso chalé essa sua bruxaria vai ativar e nada do que vivemos no período entre a caminhada e dormirmos vai contar. — Não é uma pergunta, ele parece mais recitar um mantra.
— Parabéns, você entendeu o real significado de fingir que algo nunca aconteceu — respondo mesmo assim, arrancando um sorriso seu.
— Tudo bem... — O olhar distraído para o céu, com uma inocência puramente fingida, tem o intuito de me distrair, percebo quando sufoco o grito que quer escapar pela surpresa quando seu braço rodeia minha cintura e cola seu corpo no meu. Pela segunda vez em muito menos de 24 horas.
— Qual o seu problema? — sussurro, com o coração acelerado ainda não recuperado do susto.
— Não vamos lembrar disso. — A voz assume um tom mais baixo a medida que segue com sua linha de raciocínio, sua atenção também se perde cada vez mais sempre que seus olhos caem para minha boca. — Não vejo porque não beijar você uma última vez.
O meu coração que bate tão rápido quanto minutos atrás agora não tem mais nada a ver com o susto, por mais que não goste de admitir. O segundo em que ele espera é o tempo que me dá para recuar, para rejeitá-lo e dizer que aquilo é idiotice.
Mas não faço.
Dominick sorri quando nota isso e não espera por nenhuma outa coisa quando sua boca reivindica a minha. Meus olhos se fecham no mesmo instante e minhas mãos correm para se dividir entre enterrar os dedos no seu cabelo ou se firmarem na sua nuca, não há como não me surpreender quando sinto que tudo aquilo parece ser tão natural.
Encosto minha testa na sua quando ainda busco acalmar minha respiração acelerada. Outra vez, seus dedos raspam minha bochecha em uma carícia suave, mas, agora, enquanto sua mão se firma na lateral do meu rosto, seu polegar contorna minha boca, então se arrasta pelo meu lábio inferior para descer e contornar meu queixo e parte do maxilar.
— Boa noite, Cassie — murmura.
Distancio meu rosto do seu o suficiente para ver o céu pintado de rosa e laranja e azul, com os primeiros raios da manhã, e sorrio. Sorrio verdadeiramente, tão largo que dói.
— Boa noite, Dominick.
Sua mão cai para o lado do corpo. Eu lhe dou as costas e faço o mais dos silenciosos caminhos até o meu chalé, já não tenho mais a sombra da noite ao meu favor, então tomo cuidado redobrado mesmo que todos ainda estejam em suas camas.
Quando me deito, finalmente sentindo a exaustão do dia, repreendo o sorriso que insiste em permanecer no meu rosto. E, ainda mais, repreendo a parte de mim que sorrateiramente concorda com o ego idiota de Dominick e suas habilidades envolvendo beijos.
*Acho que devo um pedido de desculpa escrito em um outdoor, né? Mas saibam que eu não postei porque realmente não estava muito legal esses dias então não rolava está escrevendo, e aconteceu muita coisa dentro de duas semanas pra eu lidar e, mesmo estando um pouco melhor, ainda tem uns resquícios de bagunça para limpar.
*MAAAS, de todo modo, eu precisooo de toda a opinião que vocês tiverem sobre o mais esperado beijo dessa história que finalmente aconteceu.
E eu amo qnd vcs dispararam teorias, então, por favor.... KKK
Um beijão e até quarta!
(Fé que agora vai)
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