dia de acampamento, Cinderela
Último dia de aula.
Última prova, de química — para ser uma grande ironia da vida.
Os alunos do último ano estão fazendo uma enorme comoção por toda a escola. Me pergunto se quando chegar a minha vez estarei tão emotiva assim, vi uma garota chorando no banheiro.
Alguns professores entram na onda e colaboram com o clima nostálgico que paira no ar, isso porque ainda nem é a formatura deles. Saio da escola direto para casa de Hanna, pego carona com Holly porque, minha amiga que não ouça, mas o carro da ruiva é bem mais confortável que sua moto.
Nós três combinamos de passar a tarde juntas e ajudar a garota de cabelos encaracolados a arrumar sua mochila para viagem na segunda. Holly já estava com tudo pronto e eu vou preparar as minhas coisas apenas amanhã, ou domingo dependendo da disposição.
O almoço com a tia Rony e o tio Sewyer é leve e descontraído como sempre, e a tarde temos a casa só para nós porque ambos precisam trabalhar. Hanna disse que as coisas estavam difíceis entre eles, financeiramente falando. Apesar de o trabalho que temos para arrumar tudo, a tarde é relaxante, um tempo só de garotas é tudo o que eu precisava. Nada de dramas, nada de garotos, nada de escola.
Por isso, quando recebo uma mensagem de Diana pedindo para que volte entristeço na mesma hora. Holly ainda fica. Pego uma carona com o tio Sawyer que chega do trabalho no timing perfeito que estou atravessando o passadiço para ir embora.
Quando chego, encontro minha madrasta na sua pior forma. Ela está surtando, literalmente. Não tenho ideia do porquê mas tudo está sendo descontado em cima de mim. A porcaria do chão está brilhando tanto que posso ver meu reflexo nele, mas a mulher de cinquenta e seis anos continua me mandando encerar o piso.
— Diana, isso é ridículo!
— Faça. O que. Eu. Estou. Mandando — ela diz pausadamente. — Sabe das consequências.
— Não pode me ameaçar para sempre — murmuro, mas ela já está longe.
O grunhido que solto é alto e esse aposto que ela pode ouvir, mas sou ignorada e deixada para trás com mais três funções para fazer. Quase uma da manhã volto a minha casa, o banho necessário que tomo para me livrar do fedor e suor é a última coisa que faço antes de deitar e apagar na cama.
No domingo acordo mais tarde, preparo o almoço da realeza Hays e como qualquer porcaria que encontro no armário de casa, misturando, é óbvio, com queijo em lata. Não pego no celular o inteiro, aproveitando para arrumar as coisas para amanhã.
O plano era levar apenas uma mochila, mas acabo exagerando e além de aproveitar a bolsa que uso na escola pego uma mala pequena que meu pai sempre usava em viagens curtas. Com tudo pronto, passo o resto do dia ansiosa para amanhã.
* * *
— Por que está demorando tanto? — reclamo pela quinta vez.
— Porque os imbecis do time de futebol estão fazendo baderna — Hanna responde, apoiando seu peso em cima de mim.
Estamos a quinze minutos em pé esperando para entrarmos no ônibus.
— Eles são tão idiotas.
— Faz sentido Natália fazer parte.
— Pode apostar.
Os outros cinco minutos que esperamos é em puro silêncio. Não é muito motivador conversar as seis da manhã. Odeio ter que acordar tão cedo, mas era isso ou perder o ônibus. Ao entrarmos no veículo grande e amarelo, volto atrás do que pensei mais cedo ao ver Holly tagarelando com uma líder de torcida ao seu lado.
Aparentemente a ruiva não ver problema algum em mostrar tanta animação quando ainda deveríamos estar dormindo.
Ainda em fila para alcançar meu assento, alterno o peso dos pés numa tentativa de aliviar o cansaço das pernas. Andando mais um pouco e olhando para os alunos nas poltronas encontro Dominick ao lado de Jude, o baterista está com óculos escuros e fones de ouvido que são quase cobertos pela bagunça que está seus cabelos cacheados, posso apostar que está dormindo.
Quando nosso olhar se cruza, o meu e de Nick, um sorriso brota nos lábios do cantor. Seus olhos descem rapidamente para o resto do meu corpo antes de voltar aos meus, ergo a sobrancelha em provocação e tenho como resposta uma piscadela audaciosa acompanhada de um sorriso ladino.
Enfim andamos novamente e Hanna e eu conseguimos dois assentos vagos um ao lado do outro, sorte a nossa. Mal ponho a bunda na poltrona quando ouço a pergunta:
— O que foi isso?
— Isso o quê?
— Você e o bonitinho ali? Voltaram a ser amigos.
Hesito em responder, porque ainda não tinha parado para pensar nisso. Não sei ao certo se somos mesmo amigos.
— Acho que sim. Digo, não com antes, é claro. Mas não estamos nos entendendo de novo.
— Hum.
— O que foi?
— Nada. — Ela balança a cabeça de um lado para o outro.
— Qual é, Hanna, põe pra fora. Sei que tem algo a dizer pela sua cara.
— Só... Toma cuidado. Não se joga de cabeça nisso, tá? Não é que eu seja contra o Dominick, mas o cara te abandonou no pior momento.
— É, eu sei. — A lembrança é amarga e cheia de mágoas.
— Legal, agora chega aqui perto. — A garota se agarra no meu braço e me puxa para perto de si, apoiando a cabeça na curva do meu pescoço e se aninhando a mim. — Estou a fim de dormir. Me acorde quando chegarmos.
Nem um segundo a mais e Hanna está imersa em sonhos e em fantasias. Ponho os fones no ouvido e mantenho a música indie no volume baixo. Assim que o ônibus começa a se mover minhas pálpebras pesam e não resisto quando minha cabeça pende para o lado e usa a da minha melhor amiga como forma de apoio, entrando em um sono tão profundo quando o dela.
Chegamos próximo ao meio-dia. Cinco horas de viagem, se contarmos que saímos do estacionamento da escola apenas as sete. Estou completamente renovada quando piso no chão com terra e pedrinhas ao descer do ônibus em um pulo, o cochilo acabou sendo uma boa dormida que foi interrompida apenas pelo instrutor, super gato, que me cutucou no ombro até que abrisse os olhos e me situasse sobre onde estávamos.
Pensando agora, não deveria ter tentado (sim, eu que usei a palava tentado) dar em cima dele quando nos encontramos pela primeira vez. Enquanto minha visão era equivalente a típica e clichê e tosca descrição de deus grego, com a pele negra e os cachinhos do cabelo alinhados perfeitamente no corte de cabelo rente a cabeça nas laterais, sua visão não era nada além de cabelos desgrenhados, cara amassada e um possível mau hálito.
Será se eu estava com mau hálito?
Olho para os lados só para ter a certeza de que não há ninguém olhando e, aproximando a mão em concha do rosto, sopro na concavidade. Hum, não, não estava. Sorte a minha. E dele, eu acho.
— Por que está checando seu hálito? — A voz de Hanna sai deformada pelo esforço que faz pelo peso desnecessário das minhas malas e das suas.
De um jeito nada delicado, minha mala é jogada aos meus pés e minha mochila em meus braços, se não fosse rápida o suficiente, a bolsa que uso para levar a escola teria o mesmo destino que a mala pequena. Me agacho para pegar na alça da minha outra bagagem e ponho a mochila nas costas. Nós duas seguimos para o núcleo do acampamento, para onde fomos instruídas a aguardar.
Não deixo de observar enquanto a aglomeração se forma ao nosso lado. De onde estou, a minha esquerda estão os chalés, são todos tomados de um marrom escuro, mas há um círculo acima da porta, nenhuma fica de fora. As cores variam entre verde, amarelo e marrom-claro, para destoar da cor original.
A minha direita há mesas e bancos, todos bem esculpidos, sob um teto rústico apoiado por colunas que se fixam em todo canto do espaço limitado, cercado por três tiras de madeiras dispostas na horizontal, acho que em um conjunto completo, alcançam minha cintura, há um passadiço com dois degraus para subirmos. O espaço é aberto, então se forçar a visão posso ver que além das mesas e cadeiras há um balcão, como o da escola, aposto que as refeições serão feitas ai.
Logo ao lado, se olhar pela diagonal entre as árvores a minha frente que contém uma trilha no chão e a área de refeição, o lago parece convidativo demais para o calor que está fazendo, meu cabelo, o que foge do rabo de cavalo, está grudado na testa e nuca pelo suor, por essas e outras penso em abandonar o cabelo grande demais, mas sei que me arrependeria logo depois, meu cabelo é uma das poucas coisas que me deixa confiante.
Atrás de mim foi de onde viemos, até onde eu sei, é o lugar fixo que os dois ônibus que no trouxeram vão ficar. No centro, onde estou agora, soube que é onde ocorre a maioria das atividades. Fogueira, festas, anúncios importantes e pontos de encontro.
Uma mulher, entre os trinta anos, assume a voz em cima de um palanque. Ela nos dá boas-vindas e passa as regras, algumas são básicas, como respeito, andar em duplas para não se perder, os horários da alimentação e o cardápio saudável, mas, há outras, que já são mais chatas, como toque de recolher, garotas e garotos não terem permissão, em hipótese alguma, de entrar nos quartos um do outro e não adentrar a floresta sem acompanhamento ou permissão.
Por fim ela avisa que teremos a próxima refeição, o almoço, em breve e teremos o dia livre antes de iniciarmos as atividades amanhã. Dune, como se apresentou a mulher e pediu para ser chamada, também apresentou a equipe. Não muitas pessoas, mas todas com serviços essenciais.
Não gravei o nome de todos, sendo honesta, se considerar que já conhecia Austin, o irmão de Alec, o único nome que gravei foi o do auxiliar a instrutor, Evan, também conhecido por ser o cara gato que me acordou. Apesar de não saber o nome, presto atenção na mulher responsável pela nossa comida, ela diz que acabou de se formar em gastronomia e é descendente de italianos, e cozinhar está no seu sangue. Sob a promessa das melhores sobremesas que provaremos, Dune volta a ter a palavra.
Como esperado, ela é a chefe e organizadora do acampamento Woody-Loone, parceiro da escola Deware High School há mais de seis anos. Já é tradição que os alunos que finalizaram o segundo ano façam a viagem de sete dias para o acampamento e, quando retornam, tenham a notícia se passaram ou não de ano.
— Acha que vamos escolher nossos quartos? — pergunto a Hanna, inclinando-me na sua direção para manter o tom baixo e não atrapalhar as últimas informações, exatamente sobre como funcionará a questão dos dormitórios.
— Soube que é por ordem de chamada — murmura como eu. — Espero não aconteça assim dessa vez.
Seja de quem quer que passou a informação a garota ao meu lado, estava certo. Quando tudo já estava mais disperso pelas pessoas ganhando chaves das cores dos círculos e pares para se acomodarem em seus chalés, na minha vez, sei que não ficarei com Hanna, mas ao menos o nome chamado junto do meu é o de Chinna.
Não é como se fossemos amigas, mas já trocamos palavras o suficiente para decidir que ela é uma garota legal. Pegamos uma chave com chaveiro de cor marrom e com o número dezessete, eu não tinha notado antes, mas a medida que nos aproximamos vejo os números entalhados na madeira. Por sermos as primeiras devido a ordem alfabética, é fácil se situar.
Dominick e um garoto que conheço apenas de vista são os próximos, eles pegam a cor marrom também, no entanto, não vejo para onde vão pois já estou entrando no meu próprio chalé.
— Você fica com o lado direito e eu com o esquerdo. Tudo bem? — Apesar e ser uma pergunta, o tom é autoritário.
— Claro — respondo, jogando sob o colchão minhas malas.
Tudo é bem simples. Um espelho grande na parede entre duas mesinhas decoradas com entalho. Uma cama de frente a porta — a minha, e a outra na extremidade oposta, ambas com os pés marrom-escuro e a colcha cheia de quadrados coloridos. O tapete no meio é apenas decorativo, poderia dizer o mesmo do frigobar encostado na parede, por que ele funciona tão mal que quase não tem utilidade, mesmo assim, tanto eu quando a morena ao meu lado deixamos algumas comidas que trouxemos nele. Se seguir reto na direção dele, dá de cara com o banheiro.
No geral, é pequeno demais para duas pessoas, apertado demais, mas quem sou eu para reclamar quando lembro que minha casa, cheia de entulho, é praticamente um único cômodo? Além do mais, eu gostei, é aconchegante.
Não demoro para sair do quarto acompanhada da minha colega para almoçarmos. Nós acabamos encontrando com Hanna e Holly, que foram sortudas o suficiente para caírem juntas, e engatamos numa conversa antes de enfim seguir para o refeitório. Ao longe, Dominick acena para mim, com um sorriso bobão no rosto. Meu primeiro instinto é hesitar, mas para não o deixar sem resposta, porque ele sabe que eu o vi, dou um sorriso frouxo que provoca uma careta no rosto do cantor.
As garotas fazem menção de seguir em frente, mas param quando percebem que meus pés estão fixos no chão. Eu aviso que já as encontro e obervo enquanto elas se afastam e Dominick se aproxima.
— Hey!
— Hey — repito sem nem metade da animação do garoto.
As palavras de Hanna martelam na minha cabeça.
— Estamos bem? — Dominick tem o cenho franzido e recua uns dez passos entre nós, metaforicamente falando, provavelmente estranhando minha renúncia repentina quanto os avanços que demos nos últimos tempos.
— Uhum, apenas cansada.
Ele não cai, mas o vinco formado entre as sobrancelhas diminui.
— Você quer almoçar comigo e as meninas? — pergunto apenas para preencher o silêncio e não deixar um clima chato entre nós, como o que estava se formando.
— Valeu, mas fiquei de me encontrar com os caras. Mas depois nos vemos, ficamos no mesmo grupo na gincana.
Ele já está andando para trás quando pergunto:
— Como você sabe disso?
Então, sei que nosso momento estranho de segundos atrás está ficando pelos ares quando o canto dos seus lábios se erguem para cima em um sorriso presunçoso.
— Sabe como é, tenho acesso a informações privilegiadas, princesa.
Sem mais nada para me falar, ele me dá costas com o sorriso se alargando pela reação estampada na minha cara que diz por si só algo como "você é estúpido e eu quero que me conte como sabe disso". Deixando a situação por isso mesmo, sou obrigada a alcançar o passadiço e buscar meu almoço.
Meu estômago ronca só com o cheiro da comida. Bem, se o sabor for tão bom quanto o aroma, não poderia concordar mais com a loira quando esta disse que provaríamos da melhor comida das nossas vidas até então.
Pego o prato recheado de comida e me sento junto das garotas, ouvindo atentamente os planos que criam para o nosso dia livre.
Acho que vir aqui será melhor do que eu planejara. Lugar tranquilo. Rodeada de amigos. Sem estresse da escola. Natália bem entretida com sua turminha fútil. Nada de limpeza. E, o mais importante, sem Diana Hays.
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