de volta a realidade, Cinderela
— Ahn... — balbuciei pela centésima vez, abrindo e fechando a boca mais vezes do que posso contar ao tentar encontrar algo decente para falar.
— Cass, não é? — Alec pergunta depois do que parece ser horas.
— Ahn... — eu preciso de mais tempo do que tenho para raciocinar que o cara por quem sou apaixonada desde a oitava série sabe o meu nome — Não?... É, sim. Isso! Cass, Cassandra, Cass é o meu apelido, mas você pode me chamar assim também... É, essa sou eu. — eu rio sem jeito e completamente envergonhada, minha única vontade agora é me enterrar num buraco e nunca mais sair de lá.
"Essa sou eu?"
Meu Deus. Eu quero morrer. Por que eu tenho que ser tão estúpida?
Ele ri de mim e me sinto mais idiota ainda.
— Tudo bem. — Alec encosta o ombro no batente da porta e umedeci o lábio com a língua. Ele faz de propósito? — Alec Dickson.
— Eu sei quem você é. — falo antes de pensar no que aquilo possa parecer significar. — Não que eu fique prestando atenção em você ou que saiba tudo da sua vida e nem que eu persiga você como alguém maluco provavelmente faria, é só que você se apresentou no palco e cada um falou os nomes e eu tava então ai eu ouvi e... E sei quem você é. — eu me confundo ao tentar explicar, falando tanta merda de uma vez só que, enquanto respiro fundo para recuperar o fôlego perdido, pergunto-me se ele entendeu alguma coisa do que eu disse.
— Legal. Então é fã da Dead End?
No geral, eu não gosto de mentir. Mas quando o garoto que você gosta pergunta se você curte o som dele, mesmo que você não goste tanto, você diz que curte. Não é?
— Claro!
Pela primeira vez no nosso diálogo de cinco minutos eu consigo falar uma frase coerente.
— Qual música acha melhor? — eu posso ver como ele está interessado na resposta, que droga.
Porque eu fui mentir? Não sei o nome de nenhuma delas.
— Não consigo escolher só uma, mas eu gosto bastante dos seus solos na guitarra. — isso já era verdade.
— Jura? Você toca alguma coisa?
— Meu pai tentou me ensinar piano quando eu era pequena mas eu nunca consegui aprender. Talvez música não seja pra mim.
— Eu duvido. Por que não tenta outra vez?
Bom, porque aos os meus treze anos meu pai morreu e me abandonou com uma megera e um projeto de cobra, desde então, vivemos num acordo completamente abusivo no qual eu sou explorada e chantageada com o dinheiro que tenho como herança que vai custear minha vida no Reino Unido e universidade bem longe do pesadelo que é Riverwood e a bruxa má com sua aliada filha.
— Ando ocupada demais ultimamente. — respondo, usando de uma desculpa esfarrapada para não precisar responder a condição degradante que é minha vida.
— Posso ensinar alguns acordes pra você, já que curte o som da guitarra. Mas só se você quiser, é...
— Eu quero. — será que eu respondi rápido demais? Quero dizer, eu deveria ter esperado ele terminar, certo? Ai meu Deus, eu sou um desastre, o que ele vai pensar? Que eu sou desesperada?
— Tá livre agora?
— Agora? — surpreendo-me com ele realmente está falando sério, principalmente por se propor a me ajudar agora, quando poderia apenas ir para casa ou se divertir no Donna's com os amigos ou garotas.
— Hurum. A não ser que seja um problema e você já esteja indo embora.
— Não. Não é. Disponível. Totalmente, completamente, disponível. Pronta para aprender. — sinto vontade de me dar um tapa. Sinceramente, qual o meu problema?
— Entra aí.
Alec dá um passo para trás a fim de me dar espaço para entrar no improvisado camarim da banda. Ele fecha a porta atrás de mim quando já estou no meio da sala, observando tudo atentamente. No centro, há dois grandes sofás acolchoados e de couro marrom escuro que aparentam ser bastante confortáveis e uma mesa pequena entre eles. Num canto, um frigobar, do outro lado, armários pequenos, provavelmente usados para deixar alguma coisa deles guardada.
Jude Archer, baterista da banda e o cara mais nerd da escola, está fumando um baseado no canto do sofá maior. Com o corpo largado, a cabeça para trás, parte do peso no braço do sofá e uma das pernas com o tornozelo apoiado quase no joelho da outra, formando um quatro mal feito.
Holly também está aqui, sentada de frente para ele e tagarelando sem parar, ela sequer parece notar que Jude não presta atenção em uma palavra do que a ruiva fala. Ao julgar pelo convite que ela me fizera, o tal primo também está presente, com o corpo curvado enquanto pega uma latinha de cerveja no frigobar.
Só quando Alec fala com eles que Jude levanta a cabeça e nota que estou aqui, seu olhar vai do amigo até onde estou, alguns passos atrás.
— Essa é a Cassandra, — a apresentação é feita para todos, mas a atenção de Alec está mais para o colega de banda do que para qualquer outro ali. — ela tem aula de computação com a gente.
Então ele me notou lá? Controlo o sorriso e a euforia crescente dentro de mim.
— Sei. — Jude murmura em resposta e voltar para a posição anterior, mas um lampejo de ideia parece ter se passado dentro dele e sua atenção volta a nós outra vez. — Ei, não é a garota do Nick?
Franzo o cenho a medida que minhas sobrancelhas se erguem. É o que?
— Garota do Nick? — pergunto, falando pela primeira vez ali, chocada demais para raciocinar direito, sem precisar mais de nenhum complemento além daquele porque o tom de desdém falava por si só.
— Aham. A que ele tira sarro a cada tipo... Cinco segundos. — explica, deixando-me num misto de raiva e vergonha.
— Eu não sou a garota dele. — respondo indignada. — E Dominic é um babaca.
— É. É ela mesmo. — é tudo o que ele diz ao tragar outra vez e jogar a cabeça para trás.
— Em momentos assim a gente ignora ele, é bom tentar fazer o mesmo. — Alec comenta ao meu lado, eu abro um sorriso instantâneo não acreditando naquele momento, ou fui para o mundo dos contos de fadas ou estou sonhado.
Sem saber o que falar, concordei com um aceno de cabeça e arregalei os olhos quando sua mão encontrou a minha e me guiou para o sofá no canto oposto ao de Jude. Meu coração estava tão acelerado que sentia a qualquer momento que podia ter uma parada, ou que sairia pela boca. Depois de buscar sua guitarra, o branco predominando com uma parte da cor creme, ele se senta ao meu lado e mostra alguns acordes.
Eu não prestei atenção em nada.
A beleza estonteante de Alec me deixava quase cega e sinto que, no tempo em que estou perto dele, respiro com mais dificuldade. Agora espero ele voltar do fundo da sala, onde foi guardar o instrumento.
Estou em pé, próximo a porta, quando ele volta com um sorriso no rosto.
Eu juro. Se eu morresse agora, nesse exato momento, eu morreria sendo a pessoa mais feliz desse mundo.
— Precisa decorar a posição dos dedos para cada nota, mas o seu sol menor saiu perfeito. — pontua, ponto as mãos nos bolsos ao parar de frente para mim.
— Foi quase meia hora me ensinando ele, Alec. — lembro, não segurando um riso constrangido.
Ele abre a boca para falar mais alguma coisa mas, pela terceira vez, meu celular toca. Eu reviro os olhos ao ver a tela chamando de novo, irritada por ter o momento com Alec Dickson interrompido.
— Desculpa, mas preciso ir!
Eu não esperava que ele reagisse ou se despedisse com algum contato físico, por isso eu apenas lhe dei as costas e fui embora, mas, antes de ir, ele fez menção em me dar um abraço. Ou será que não?
E se fez, o que ele vai achar de mim agora?
Eu só faço burrada.
Solto um grunhido inevitável, binando a ligação de Hanna, agora pela quinta vez, e caminhando até o lugar que nos separamos. Assim que me vê, corre na minha direção e me puxa pelo pulso a fim de me ajudar a sair daquela multidão.
— Mas o quê tá acontecendo? — pergunto enquanto minha melhor amiga continua correndo e atropelando as pessoas no processo, puxando-me com ela.
— Karoline não pode me ver aqui. — gritou por cima do ombro.
Já vendo a porta a alguns metros, eu finco os pés no chão e obrigo a morena a parar.
— Quem é Karoline? — de forma exasperada, pergunto.
Eu não precisei da resposta, ao menos não verbal, quando minha amiga fez aquela cara eu não precisei perguntar mais nada para entender do que se tratava e nem para lembrar quem era a tal garota, em compreensão, balancei minha cabeça e apressei o passo, querendo sair daquele lugar antes que danos maiores acontecessem.
Enquanto estamos percorrendo as ruas escuras e silenciosas de Riverwood devido ao horário, eu busco fôlego ao menos três vezes e sinto meu peito arder levemente. Sedentarismo é um problema que eu preciso lidar constantemente. Corremos três quarteirões porque Hanna decidiu estacionar sua preciosa Harley longe dos outros veículos para que nenhum bêbado idiota, cego e sem noção de espaço possa gerar um acidente ou mínimo arranhão nela, palavras dela, não minhas.
Parando nós fundos da mansão, eu entrego o capacete a minha amiga e me despeço com um abraço, recebendo um beijo na bochecha. Sorrio e lhe dou as costas, abrindo a porta que dá para o quintal da casa, que têm acoplado à área de lazer com piscina, churrasqueira, pequeno salão, projeto de jardim que sobrevive graças a mim mas que Diana adora pegar todo o crédito, e afins.
Atravessando tudo aquilo, eu chego a ala dos funcionários, minha casa.
É próximo a mansão, mas ainda assim afastada o suficiente para não ser considerado parte da enorme casa. Abro a porta que dá para minha pseudo-moradia e faço questão de trancá-la devido incidentes anteriores envolvendo Natália e sua obsessão em me tirar do sério. Jogo as chaves na mesa ao lado e caio direto na cama, resmungo em saber que preciso ao menos trocar de roupa.
Ou era o plano, porque acabo cochilando por alguns minutos e, ao acordar, só tiro o casaquinho e o vestido, os sapatos, e volto a me deitar na cama. Dormindo até a manhã seguinte, quando acordo aos poucos, com a vista ainda pesada, ouvindo gritos histéricos e batidas fortes na minha porta.
É aí que eu sei que voltei a realidade.
A realidade em que preciso aturar Natália e suas amigas por todo o domingo e servi-las até sete horas da noite.
Resmungo com a lembrança e enfio a cabeça no travesseiro.
Será que é pedir muito uma manhã de sono sem precisar ver nenhuma Hays na minha frente?
***
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