até a meia-noite, Cinderela
*Quem me segue provavelmente viu que eu apanhei desse capítulo e tive o maior trabalhão com ele, uma coisa que me ajudou muito com o bloqueio foi a música Lonely Hearts, do 5SOS. Eu praticamente ouvi ela em todo o processo criativo desse C. 21, então quem quiser entrar um pouquinho mais no espírito de AMN, fica aí a sugestão.
Não me importo com a presença dele.
Também não sinto o tempo passar.
Estou tão presa no meu próprio universo que nada no mundo real me afeta. O que é uma puta ironia considerando que queria estar em qualquer lugar menos dentro dos meus próprios pensamentos, com Alec, Diana e qualquer coisa que envolva o dia de hoje.
— Desculpa, achei que aqui estaria sozinho — murmura.
— Essa era a minha intenção. — Talvez tenha soado um pouco grosseiro, mas nenhum de nós aparenta se importar muito com isso.
Engulo em seco, não desviando nem por um segundo meus olhos do cara mascarado a minha frente, ele tem uma máscara preta, talvez seja azul-escuro, não consigo ver direito quando tudo o que temos é a luz de uma meia lua.
O silêncio segue se arrastando, perco o foco no garoto ainda parado em pé e volto a emergir no mundo paralelo dentro da minha cabeça. Com a brisa fria que bate contra meu corpo, trago para ainda mais perto do peito as pernas flexionadas rodeadas pelos meus braços, se agora, eu me visse de fora, tenho certeza que me acharia patética. Foi para isso que sai de casa hoje?
Talvez, esse seja o meu castigo. O universo jogou na minha cara um aviso para não vir quando minha madrasta me proibiu, eu insistir em ignorar o recado e tcharam!
— Posso ficar aqui?
— O quê? — Sinto a necessidade de ouvir de novo, não entendendo de primeira.
— Perguntei se posso ficar aqui.
Dou de ombros.
— Pode — murmuro no modo automático.
Sem preocupação com espaços ou limites, o garoto se senta ao meu lado, mantendo as pernas esticadas no chão e suas mãos em cima dos joelhos. Consigo quase sentir o fardo que carrega. O olhar do cara se volta diretamente para o céu, sem nenhuma estrela apenas para combinar com nosso estado de espírito, isso me permite uma análise melhor dele, mas, ainda assim, não o reconheço direito, a máscara cobre a maior parte do rosto.
Com a atenção ainda voltada a ele, vejo quando joga sua cabeça para trás, apoiando-a no parapeito, assim como suas costas, e engole seco. Provavelmente, ele sente que estou encarando, porque não demora para trazer os olhos castanhos aos meus, ainda com a cabeça apoiada no muro baixo de tijolos.
Ele se demora ali. E eu também.
O tempo congelado enfim parece voltar a correr, apesar de ser estranho, não sei, sinto como se existisse uma nova definição que valesse apenas para nós dois e para esse momento, porque posso apostar que aqui em cima os minutos se arrastam. Presa as orbes castanhas do garoto, mal consigo pensar com a intensidade que vem deles.
Minha boca se abre para falar qualquer coisa que seja, mas eu me contenho e evito de dizer baboseiras quando pressiono os lábios para formar uma linha fina.
Meu corpo inteiro esquenta enquanto sinto uma corrente elétrica passar desde os meus pés a minha cabeça. É bom. Mas a sensação é cortada por outro vento frio, tirando-nos do filtro sobrenatural que por alguns segundos foi responsável por afastar as merdas que nos permeiam.
Desviando o olhar, passo a encarar o resto do telhado a minha frente, como o piso cinza de concreto com nada além de uma minúscula casinha com porta que nos dá acesso as escadas que levam a escola e, mais para o meio, uma grade que protege fios e elementos essenciais para o funcionamento do lugar.
— Por que veio para cá? — Sua voz me pega de surpresa, obrigando-me levar os olhos aos seus outra vez.
— Um cara destroçou meu coração — digo, economizando nos detalhes mas sendo o mais direta que consigo. — E você?
— Meus pais destroçaram a relação. — Ele solta um riso nasalado e sem humor, passando a ficar na mesma posição que eu, joelhos flexionados e braços em volta das pernas. — E cansei de fingir que está tudo bem com isso.
— Isso é uma droga — murmuro.
— É.
— Para quem está fingindo? Seus pais ou seus amigos?
— Amigos. Mais precisamente para os que não são mas agem como se fosse.
— Mas com esses não é só ignorar?
— Não é tão fácil. Geralmente eles grudam como se fossem chiclete e estão por toda parte, tirando até a última gota de energia que você têm. É o tipo de pessoa que anda com você impondo expectativas e, quando não as cumpre, são os primeiros a apontar dedos. E se for para ser sincero, estou de saco cheio de cumprir expectativas.
— Não precisa fazer isso.
— Na verdade, acho que preciso um pouco. Não dá pra sair tacando o foda-se.
— É claro que dá — digo, apoiando as mãos no chão para agora ter as pernas cruzadas e o corpo de frente para o dele.
Meu ombro roça no parapeito quando faço um movimento mais brusco, como quando pego a sua mão e a ergo entre nós.
Recebo um olhar confuso pelo ato inusitado, mas, quando abaixo todos os seus dedos exceto o médio, o garoto deixa escapar um sorriso ladino. Sua mão é quente, tento não pensar na sensação que ela me causa enquanto a seguro. É estranho tá sentindo coisas assim por um cara que não tenho ideia de quem seja.
— Certo, você faz assim com a mão — Aponto com o queixo na direção do gesto mal educado — e dai, você diz: — Criando propositalmente suspense tosco, espero um tempinho para concluir o pensamento. — Foda-se.
O sorriso se alarga e a gargalhada chega de forma sorrateira, primeiro é fraca e curta, mas depois rimos até o ar falta. Chega um momento em que nem sei mais do que tanto rimos, mas a cada segundo que continuamos sinto com se tivesse expurgando algo ruim de dentro de mim.
— Esse definitivamente foi o melhor tutorial que eu já vi. Obrigado.
Com um sorriso no rosto como resquício da risada, indago:
— E ai? Vai usar?
O garoto repuxa o lábio inferior com os dentes, dando-me a reposta da minha pergunta antes mesmo de terminar a sua hesitação.
— Não sei se seria justo porque, eu meio que peço por isso, sabe? Atenção e destaque. É o que eu busco e, no geral, eu adoro cada parte. Mas nada é perfeito e sempre há aquela maçã podre.
— Desculpa perguntar, mas como descobriu sobre o fracasso matrimonial dos seus pais?
Quando o cara mascarado solta um suspiro e traz a tona o olhar perdido e fosco, me arrependo instantaneamente de voltar a esse assunto.
— Desculpa — murmuro. — Não precisa responder.
— Tem um ano e meio que ela foi para Florida fotografar. — Um sorriso momentâneo aparece na expressão triste, um vislumbre de alegria ao lembrar da mãe. — Ela é louca por isso. Costumava vir uma vez por mês para ficar com a gente, comigo e meu pai. O plano era ela ficar lá por dois anos antes de voltar de vez. Mas já tem algumas semanas que, quando eu liguei, um cara atendeu, disse que ela estava no banho. Eram umas dez da noite, não dava para não pensar merda, sabe?
Assinto em um movimento de cabeça, meus lábios se erguem em um sorriso solidário, apesar de achar que aquilo não ajuda muito.
— Passei um tempo escondendo do meu pai, porque eu não tinha ideia do que fazer ou como reagir aquilo. Mas ele sabia, ele sabia o tempo todo, e durante quase dois anos eu fui feito de trouxa por não saber que essa viagem é uma espécie de tempo que os dois estão dando. É, aparentemente, as coisas não estão bem há um tempo, me contaram depois que criei coragem de falar com meu pai.
— Sinto muito. Deve ser uma merda essa coisa toda.
— É. É um pouco.
— Acha que eles voltam?
— Sendo realista? Não, não acho. A próxima vez que minha mãe vier a cidade é para resolver a papelada do divórcio.
O clima não deixa de pesar, levando embora o ar descontraído que de alguma forma se criou entre nós. Há tensão agora, por todos os lados, não gosto de como ficamos, mas não faço nada para mudar.
— Mas e você, huh? — ele pergunta. — Por que não usa seu próprio tutorial com o cara que te magoou?
— Não é tão simples assim.
— Ah, não? Mas é só... — Agora é ele quem pega minha mão, causando um leve choque quando elas se encontram, e abaixa os meus dedos até restar apenas um erguido, o médio. O sorriso familiar e brincalhão está de volta em seu rosto, obrigando-me a dar uma risadinha idiota ao perceber o que ele está fazendo. — Erguer o dedo assim, e dizer: — e há o suspense. — Foda-se.
— A teoria nunca é igual à prática.
Mudando de posição de novo, uso o parapeito de apoio outra vez, ficando agora lado a lado com o cara de cabelos castanhos. Mantenho a minha cabeça encostada no muro baixo atrás de nós, assim como ele, que sustenta o olhar no meu. Estamos próximos demais para dois desconhecidos, mas não é algo que me incomoda. Acho que a ele também não.
— Gosta pra valer desse cara, não é?
— Gosto. Porra, gosto dele a dois anos.
— Uau.
— É. A maior parte do tempo nunca cheguei a achar que de fato teríamos algo, sabe? Mas ultimamente, muita, muita coisa mesmo, mudou. — Fito a lua acima de nós, me concentrando o quanto posso nela para evitar de falar sobre toda a frustração que sinto. — Talvez, no fim das contas, eu seja o tipo de pessoa que não sabe lidar com a realidade e vive fantasiando por ai. E sobre tudo. Minha faculdade, esse cara, conseguir sair de casa cedo.
— Sabe que está errada, não é?
O riso é desprovido de qualquer humor, não evito olhá-lo com sarcasmo, recebendo em troca uma intensidade grande demais para suportar. Não há traços de brincadeira agora.
— Você não me conhece para falar isso.
— Mas você se conhece, e sabe que está errada.
Balanço a cabeça em negação, mas não comento mais nada. Um riso nasalado me escapa quando vejo para onde estou indo, para a merda da comparação e autopiedade. Eu odeio tanto me sentir incapaz ou insuficiente, mas agora é só o que há em mim e nada, nada mesmo, que qualquer pessoa diga mudará alguma coisa. É algo que precisa partir de mim mesma.
E esse é a porra do problema.
Não tenho ideia do que posso fazer para não me sentir assim, quando vejo algo bom em mim emergir, outras três coisas ruins vem junto.
— Por que quer sair de casa cedo? — Aquilo limpa meus pensamentos, por ora.
— Porque minha casa é o lar mais tóxico e abusivo que se pode viver. Não suporto aquelas pessoas e o sentimento é totalmente recíproco. — Paro por aqui, não querendo entrar em mais detalhes sobre Diana e minha meia-irmã.
— Sinto muito. Ninguém deveria ter que viver numa casa assim.
— Não devia mesmo. — Após certo tempo, emendo: — Eu nem devia estar aqui, sabia?
— Por que não?
— Fui posta de castigo. Não posso sair de casa por uma semana ou coisa assim. Mas a melhor parte? — Abuso da ironia. — É que não fiz merda nenhuma. Então eu fugi apenas para dar me deparar com o cara que eu gosto junto de outra garota. Demais, né?
— Olha o lado bom.
Com essa, sou obrigada a rir.
— Qual o lado bom?
— Nós dois nos encontramos — fala com obviedade. — Estamos juntos aqui e agora. Talvez seja o destino.
— Tá falando sério?
— Tô.
— Acredita nisso? — Talvez eu o esteja julgando.
— Mais ou menos. Você não?
— Não — respondo. — Eu brinco um pouco com isso, mas não como se fosse nada sério.
— Tem muita coisa que leva a acreditar que existe.
— Tipo o quê?
— Tipo o melhor amigo do meu pai. Ele mora em Nova York, tipo, milhões de pessoas, e encontrou a namorada atual só porque mandou um presente errado que parou especificamente com ela. O que mais poderia ser se não isso?
— Coincidência... Sorte...? E se nada tivesse rolado? E se ele fosse um chatão e ela não fosse com a cara dele? Não rolaria nada, cadê o seu destino ai?
— Não posso responder isso, não dá pra prever como ele age. Só acontece. Se não tivesse rolado, talvez hoje ele estaria com a ex, ou sozinho com outro destino em vista. Só porque aquilo parece estar destinado a você não significa que não haja outras variações, existem vários caminhos e nem sempre eles levam para o mesmo lugar.
— Ou é apenas você traçando sua vida.
O garoto ao meu lado ri, desistindo de me convencer.
— Mas sim — instigo, sem deixar que o silêncio se acomode entre nós —, ter encontrado você foi um lado bom dessa noite. Talvez o único, então obrigada por isso.
Ele sorri, largo e genuinamente feliz. Achei que me arrependeria quando o deixei ficar aqui, mas agora, deixaria quantas vezes fossem necessárias.
— O que pretendia fazer hoje? Sei que não era passar a noite no telhado e, muito menso, ao meu lado.
— Hoje era para ser perfeito, desde a manhã até as últimas horas da noite. Eu tinha todo o dia inteirinho planejado, desde a manhã fazendo vendedores passarem raiva por experimentar tantos sapatos para no fim levar apenas um. até uma tarde com minha melhor amiga com direito ao melhor para relaxarmos e nos prepararmos para o baile. E quando ele chegasse, eu ficaria com meus amigos, comeria os petiscos caros que Khali encomendou e, para fechar com chave de ouro, dançaria Califórnia Gulrs até meus pés doerem.
— Katy Perry, huh? — Sua entonação é provocativa e não deixo de rir por isso.
— Saiu tudo bem diferente, né?
— Ao que parece seu anjo da guarda não gosta muito de você — brinca.
— Eu sou adorável! — O garoto gargalha pela minha falsa indignação. — Acho que ele é alcoólatra. Vai ver é por isso que caga tanto a minha vida, nunca está sóbrio.
— Mas isso faria dele um anjo?
— Bom ponto. Talvez, seja exatamente isso! Antes de perder o título já trabalhava comigo, daí foi demitido mas não largou o caso.
— Prefere acreditar nisso do que ele não gostar de você? — Ele usa um tom tão sério e surpreso, como se nossa conversa fosse mesmo algo a ser levado em consideração. Dessa vez sou eu quem gargalha alto.
— E o seu anjo?
— Ah, ele gosta de mim, na maior parte do tempo. Dá uma mancada vez ou outra, mas acho que é uma lei, entende? Tipo, você não pode deixar seu protegido ser feliz o tempo inteiro. Cague a vida dele vez ou outra.
— Faz sentido. O ser humano é burro demais para evoluir sozinho ou valorizar as coisas, talvez assim, com esse empurrãozinho, ajude alguém.
— Talvez.
Nos voltamos ao início da noite, onde ambos estamos calados. Mas há algo diferente, não tem nada ruim ou desconfortável. Perco o foco e admiro o céu acima de nós, ainda sem estrelas, com metade de uma lua pouco luminosa.
Minha respiração está calma, com o furacão dentro de mim aplacado quase que 100%. Aos poucos, também esqueço das cenas de mais cedo.
— Eu tava lembrando aqu...
O pensamento do cara mascarado é interrompido pelo toque ensurdecedor do meu celular em uma música irritante e vergonhosa demais. O som irrompe a calmaria da noite, tornando, ao menos, mais fácil de encontrar o aparelho ao meu lado no chão.
A paz veemente que havia se apossado de mim evapora numa velocidade impressionante assim que vejo o nome "Steven (fuga)" brihar no visor.
Oh, merda!
— Desculpa, preciso atender — aviso.
Levanto-me tão rápido que fico zonza por alguns segundos, mas não demoro para arrastar o dedo na tela e levar o celular a orelha, ouvindo a respiração apavorada do pirralho de doze anos e onze meses do outro lado da linha.
— Já era. Já era. Já era.
— O que aconteceu?
— O Jerry das espiãs demais está se despedindo da sua madrasta. Ele já está indo embora. Você precisa vir logo, Cass.
Desde a primeira palavra eu me desespero. Ok, isso é definitivamente um problema. Engulo em seco, temerosa enquanto me amaldiçoou por ter saído de casa nessas circusntâncias.
Puta merda, por que eu fui inventar isso?
— Não deixa ela te ver — digo — Liga para Hanna e pede para ela me esperar no estacionamento. Estamos chegando.
— Tá.
A pressa que desligo a chamada é a mesma que uso para correr até a portinha que leva ao lance de escadas. Não chego muito longe por ter uma mão segurando a minha, com os dedos apertando levemente os meus.
Certo. Não há tempo para isso agora. Nenhum. Mas algo no meu corpo não entra em consenso com meu cérebro e trava meus pés no chão. Seus olhos prescrutam os meus em tanto ímpeto que fraquejo por alguns segundos, minha boca se abre minimamente enquanto me sinto presa aquilo. A nós.
Os ombros largos tampam a luminosidade natural do céu que poderia me fazer enxergar melhor. Estamos bem longe um do outro, ligados apenas pelo segurar de nossas mãos, que transmitem algo a cada segundo. Como se uma corrente passasse por nós, de mim a ele. Eletrizante, quente e alvoroçada.
E então, fazendo a coisa mais impensada e impulsiva que um dia já fizera, separo nossas mãos e em passos largos e apresados puxo o garoto pela gravata azul que usava, eu o beijo.
Simples assim.
Acontece.
Parece ser algo totalmente surreal, ao menos no início. O choque de ter minha boca grudada na sua poderia ser palpável, seus braços ainda estão ao lado do corpo sem saber com reagir, minha mão ainda está enroscada na gravata e, a outra, me apoia usando seu ombro de suporte.
Só sei que nada disso é um sonho quando sinto minha cintura formigar ao seu toque e todo o meu corpo esquentar e se arrepiar. É real demais para ser só coisa da minha cabeça.
Ele me puxa mais para si quando sua mão se arrasta pelas minhas costas e seu braço me enlaça, mantendo nossos corpos colados. Seus dedos apertam a minha cintura ao passo que sua mão se arrasta pelo meu corpo até se enganchar nos meus cabelos.
Meus dedos brincam de passar entre a gola da camisa social e seu pescoço antes de firmá-los na sua nuca.
Quando ele sorri, mesmo enquanto me beija, meu corpo reage involuntariamente para fazer o mesmo. A forma como me sinto conectada a esse cara é insana e totalmente inexplicável. Cada nervo do meu corpo envia sinapses de euforia e o frio na boca do estômago parece ser constante.
Mas todo o momento é interrompido com o som de outra ligação. Solto um grunhido de reclamação ao me afastar do cara e acabar com nosso beijo, e sou traga para realidade pela pior maneira possível.
Agora, é o nome de Hanna é que brilha no visor.
— Cacete — murmuro em reclamação.
Eu só precisava de mais alguns minutos.
Com uma justificativa fajuta de que preciso ir embora, dou as costas ao garoto e desço os degraus aos tropeços. Minha respiração não tem tempo de atingir um ritmo normal e minhas pernas ameaçam fraquejar quando ainda estou para alcançar a porta da saída. Eu me forço a continuar já não aguentando mais aquele esforço.
Eu preciso mesmo começar a me exercitar.
O alívio instantâneo me preenche quando vejo Hanna ao lado do carro do pai, mas então lembro que estamos longe de alcançar êxito no plano.
— Por onde você andou? — diz ela, entrando no carro.
Não perco tempo e faço o mesmo.
Tio Sewyer que me perdoe por bater a porta do carro tão forte assim.
— Explico depois. Vai, Hanna!
Por um momento, sinto como se tivesse em um filme, daqueles que duram 8 sequências e que tem carros voando do céu. Hanna é uma forte candidata a entrar nesse elenco, porque preciso me segurar em pontos estratégicos no carro para não bater minha cabeça em nenhum lugar. Seu pé parece não sair hora nenhuma do acelerador, está tudo muito rápido para que eu possa acompanhar. Tudo.
Essa noite. Esse carro. O tempo que temos para chegar. O furacão de emoções dentro de mim e a adrenalina correndo pelas minhas veias, essa última está cada vez mais alta.
A curva improvisada que Hanna faz provoca um som terrivelmente alto dos pneus contra o asfalto, a lateral do meu corpo bate na porta do carro com todo impulso, sei que ficará dolorido depois, talvez até roxo, mas não sinto nada agora. Esse é o preço da vida real, diferente daqueles filmes, aqui é pra valer.
Quando minha amiga estaciona, meu corpo é impulsionado para frente uma outra vez, mas agora sou rápida em pôr o meu braço a frente da cabeça e protegê-la.
— Desce, Cass. Vai logo! Avisa o Steve que estou aqui fora.
Anuo, descendo o mais rápido que posso. Tenho vontade de me dar um soco a não conseguir abrir a porta de casa por minha mão está trêmula.
— Urgh! Vamos, Cass — sussurro.
Fecho os olhos e inspiro fundo para me acalmar, então consigo encaixar a chave na fechadura e abro a porta dos fundos. Certo! Calma.
Curvada, tiro os saltos e ando na pontinha dos pés até os fundos da minha casa improvisada. Ao longe, Diana passa pela porta de vidro que separa a mansão da área de lazer e caminha na minha direção, mais precisamente, na direção da área de empregados.
Aperto os lábios para conter um grito de dor quando sinto uma pedrinha ser jogada nas minhas costas, ao me virar, vejo uma cara infantil tão desesperada quanto a minha, ou mais até, o garoto parece esta a um ponto de vomitar ou se borrar todo.
Faço com a mão um gesto para que ele vá embora, e Steven não precisa de mais nada para correr silenciosamente para a porta que deixei propositalmente aberta. Os fios loiros são a última coisa que vejo antes de voltar o foco a minha madrasta, que agora atravessa a piscina e está mais próxima do que nunca. Continuo tentando manter a coisa toda na calma e, assim, bolo a ideia de entrar pela janela da cozinha.
Só há um problema, ela é incrivelmente alta.
Ok.
Aproveito a distância que ainda resta entre mim e Diana, mesmo sendo pouca, e bato na fechadura do vidro reforçado com a mão fechada em punho. Faço isso repetidas vezes até a janela emperrada mas destrançada (obrigada, irresponsabilidade) abrir. Sorrio ao ver que enfim consigo algo, minha primeira reação é jogar os sapatos para, depois, tentar passar.
Mas já é tarde demais, porque Diana já está batendo à porta.
A calma evapora. Sinto meu corpo todo tremer e o desespero se apossar de mim, quero chorar por ter me metido nessa situação toda.
Pulo algumas vezes para tentar alcançar a janela, mas é impossível.
— Cassandra, abre essa porta!
Não respondo, porque enquanto estiver aqui fora, ela pode facilmente perceber de onde vem a voz.
Por mais que eu tente eu nunca consigo alcançar, as batidas são incessantes e os chamados também.
Que saco! Já era.
Já era tudo.
Um fio de esperança me alcança quando consigo me pendurar por poucos segundos em uma mão só. Ao pular de novo, consigo ser rápida o suficiente para me pendurar com ambas as mãos. O grunhido pelo esforço e barulho do meu braço batendo na parede não passam despercebido por Diana.
— Que barulho foi esse, garota?
Com metade do corpo para dentro, uso a voz mais natural que encontro para lhe responder:
— Uma garota não pode ter nem um segundo de paz?
— O quê está fazendo que não abre essa porta.
— Já ouviu falar em privacidade? — resmungo, ainda fazendo esforço para passar uma das pernas, que arranha devido ao espaço pequeno, mas ao menos não rasgou o vestido.
Eu morreria se estragasse o vestido da minha mãe.
Não resta nada que eu possa fazer além de me jogar no chão, porque passar a outra perna e terminar com um pulinho estiloso está fora de cogitação para os padrões da realidade. Eu hesito, preparando-me para dor absurda que sentirei ao ter o impacto do meu corpo no chão.
Mentalmente, conto de um até três e deixo a adrenalina me guiar, abafando qualquer som externo, inclusive a voz de Diana. Eu me jogo sem pensar. Levar a minha mão a boca é um gesto automático para abafar o grito de dor, a força que uso para não deixar que minha cabeça encoste no chão vai embora e tudo o que antes era impossível de sentir, agora já sinto até demais.
— Cassandra eu ouvi o barulho. O que está fazendo?
Ignorando a resistência do meu corpo e o desejo de permanecer jogada no chão, eu me levanto e tiro a roupa me contorcendo pelos movimentos, o vestido cai aos meus pés e não faço esforço para guardá-lo agora. Ajo de forma instintiva e pego o roupão jogado na cama, enrolando-me nele e bagunçando meus cabelos enquanto caminho a porta para, enfim, abri-la.
— O que você quer? — pergunto sem rodeios.
— Seu braço está sangrando. — A contestação não é atoa, é uma pergunta.
Olho para o sangue no braço e levo a mão a ele, como se escondê-lo agora fosse resolver algo.
— Eu... Tava... — Busco por uma mentira, fazendo caras e bocas para mim mesma enquanto penso em algo bom. — Me depilando.
— No braço?
— Não, mas acidentes acontecem.
— E por que está maquiada assim, parece até que vai sair. — A acusação é clara.
Certo. Não tenho desculpas para isso, então opto por me esquivar.
— Para onde, huh? Não estou de castigo? Aliás, desde quando se importa tanto comigo?
— Meu sexto sentido diz que você está a um passo de aprontar alguma coisa, e ele nunca erra.
— Tudo tem a sua primeira vez — respondo. — E eu estou de saco cheio de aturar você hoje, Diana. Será que pode me deixar em paz ao menos nesse resto de noite? — Como se ouvisse mesmo uma resposta, eu digo: — Obrigada!
O próximo som é a porta batendo em sua cara. Escorada na madeira atrás de mim, solto um suspiro de alívio. Depois de repassar toda essa noite na cabeça, achei que me sentiria mal, mas estranhamente, quando penso sobre mais cedo, um sorriso brota nos meus lábios.
E ele fica mesmo após eu checar as horas e ir deitar.
*E aí, o que vcs acharam desse capítulo em especial??? E, agora no geralzão, o que vcs tão achando de amn como um todo? É sempre legal ter esse retorno de vocês, então não deixem de comentar.
E nem esqueçam de votar.
Não custa nadinha.
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