Epílogo
- Vais-te embora?
Astra ergueu a cabeça, o sobrolho franzido, os cabelos caídos para o rosto. Puxou-os para trás de forma impaciente, amarrando-os de qualquer maneira num rabo de cavalo, os olhos roxos analisando a irmã com atenção enquanto dizia:
- Claro que não. Que ideia é essa?
Addison encolheu os ombros, sentando-se à beira da cama, visivelmente nervosa.
- Estás a mexer nas malas e nas roupas e...
- Addy, estou a desfazer as malas. Ao fim de não sei quantas semanas, ainda não tinha tido um minuto de sossego para organizar as coisas como queria. - a mais velha pousou a camisola que tinha na mão na mala aberta, sentando-se ao lado da mais nova - Eu não vou a lado nenhum. Pensei que já tinha deixado isso bem claro.
A mais nova torceu a barra da saia da claque que tinha vestida, mordendo o lábio inferior.
- Ontem quando foste embora do baile eu pensei...
- A pensar morreu um burro. - cortou Astra, esboçando um sorriso- Nunca ouviste esta expressão? Addy... Eu não vou embora. O máximo que pode acontecer é eu ir para a faculdade no ano que vem, se tudo correr bem e eu conseguir passar a Matemática. - torceu o nariz - Se é que isso vai acontecer. De qualquer das formas, a faculdade é aqui ao lado, meia hora de caminho por isso nem sequer vou muito longe. Já falei com o Tio Carl e está tudo tratado. Eu vim para ficar, maninha.
- Astra, estás pronta para ir? - questionou Eliza, subindo ao sótão e espreitando pelo alçapão - Addison! Não vi que estavas aí. A minha mãe deixou-te entrar?
- Sim... Vim buscar a Astra também. Não vá ela...
- Atrasar-se? - completou Eliza, rindo em conjunto com Addison.
- Vocês estão a insinuar alguma coisa? - perguntou Astra, pondo-se de pé com as mãos nas ancas - Eu chego sempre a horas, está bem? Os outros é que chegam cedo demais.
- Não, os outros chegam às horas que...
Astra não deixou a irmã terminar, tapando-lhe a boca com a mão e fazendo-a rir. Eliza revirou os olhos, sorridente. A mais velha não tinha emenda. Com um afagar dos cabelos da irmã, Astra debruçou-se para alcançar a sua mochila lilás, colocando-a às costas enquanto dizia:
- Vamos lá antes que o Bonzo coma a última sanduíche do bar e eu estou com fome.
- Tu acabaste de tomar o pequeno-almoço...
- Eliza, querida, meu bem... Eu estou sempre com fome.
- Olá, Estrelinha.
Astra revirou os olhos. Pensou na resposta mais torta possível mas deixou-se ficar calada, continuando a dedilhar as teclas do piano com suavidade. Estava a praticar as suas habilidades para fazer a audição ao curso de Música e nada nem ninguém a iria distrair.
Nem mesmo ele.
Wyatt sentou-se a um canto, imóvel, observando-a tocar. Astra amaldiçoou-o internamente por ser tão respeitador, deixando-se ficar quieto para não a perturbar, mal respirava para não fazer barulho e atrapalhá-la. A loira suspirou, fechando a tampa do piano e pegando nas suas pautas, arrumando-as de qualquer maneira na sua mochila e arrancando porta fora sem dizer uma palavra.
Ele seguiu-a, claro. Teimoso. Passos furtivos até chegar próximo demais, o suficiente para a puxar pelo braço e fazê-la rodopiar. Astra arfou, sem fôlego pelo susto, presa junto ao peito dele em pleno corredor. A sorte dele é que estavam todos na rua, a aproveitar o intervalo, enquanto ela aproveitava as horas vagas para praticar a sua música.
- Não tenho biscoitos. - disse Astra, arisca - Ou um osso para roeres.
- Eu podia quebrar os teus e ficava tratado.
- Que péssima piada, pareces a Wynter.
Com brusquidão, Astra pisou-lhe o pé, fazendo-o ganir de dor e forçando-o a largá-la. A rir, a jovem correu pelo corredor a fora para fugir dele, empurrando as portas para o pátio e caminhando alegremente até à mesa onde o seu pequeno grupo estava. Ao ver o irmão a coxear, Willa ergueu uma sobrancelha, sentada com a sua postura arrogante ao lado de Wynter e de Eliza.
- O que é que lhe fizeste? - perguntou a Alfa, apontando para o lobisomem cambaleante.
- Eu? Absolutamente nada, como te atreves?! - ripostou Astra, indignada - Sou inocente.
Sentou-se ao lado de Addison, que por sua vez tinha a cabeça encostada ao ombro do namorado. Wyatt sentou-se ao lado de Astra, que o ignorou, esticando a mão para roubar uma batata frita do prato de Bonzo. O zombie protestou e Bree soltou uma risadinha, vendo o seu namorado brigar com a loira na linguagem zombie, que não se deixou ficar.
- Eu faço o que eu quiser e se eu quiser roubar a tua comida eu roubo. - retorquiu Astra, lançando a língua de fora ao amigo.
- Astra! - ralhou Addison, embora risse.
- Podemos falar? - murmurou Wyatt baixinho, inclinando-se para ela, os olhos castanhos fixos no seu rosto.
Astra olhou-o pelo canto do olho, sentindo o peito apertar-se dolorosamente. Estava a ser brincalhona e sarcástica para esconder aquilo que realmente sentia, por isso evitava estar sozinha com Wyatt desde que ele lhe dissera... o que sentia. Ela sabia perfeitamente que era recíproco mas o medo e a desconfiança borbulhavam no seu interior, bloqueando todos os outros sentimentos.
Fechou o punho e não respondeu, esboçando um sorriso amarelo enquanto os amigos falavam entre si. Amigos. Sabia muito bem sentir-se parte de algo, sentir que podia ser genuinamente ela e que alguém apreciava a sua companhia. Não que Astra alguma vez tivesse feito de conta que era outra coisa que não ela mesma. Sarcástica, rebelde, sem filtros... sempre fora assim. O problema é que nunca ninguém tinha gostado dela ou a queria por perto, mais que não fosse por ser uma aberração.
Pestanejou, os olhos violeta intensificados pelos raios solares que a aqueciam. Era diferente e nunca o escondera. Amava os seus olhos, amava ser única, só tivera mais dificuldade quando o ser única envolvia brilhar como se todas as estrelas tivessem ficado presas no seu corpo. Aí tivera alguma dificuldade em gerir e forçara-se a esconder quem era para não assustar as poucas pessoas que lhe importavam.
Sentia-se bem ali. Seabrook finalmente tornara-se a sua casa, onde podia ser feliz ao lado de Addison, com amigos como Eliza, Bonzo, Zed, Bree e (não que fosse admitir em voz alta) os lobisomens como Willa e Wynter.
Wyatt era outra conversa.
Ela simplesmente não o conseguia enfrentar.
Ela estava na floresta. Era de noite e as estrelas brilhavam alegremente sobre a sua cabeça, iluminando a escuridão. Astra sentou-se na terra húmida, observando as constelações, tentando identificá-las.
Encarou as próprias mãos, praguejando baixinho. Sentira-se tão atrapalhada quando descobrira os seus poderes e agora era tão estranho encarar o seu corpo sem luz, sem brilho, sem estrelas. Normal. Era normal outra vez, dentro do possível, já que os seus olhos continuavam iguais. Questionava-se se as suas íris violeta estavam realmente relacionadas com o seu poder ou se nascera assim porque... porque sim. Nunca pesquisara muito sobre o assunto nem nunca quisera saber porque tinha aqueles olhos diferentes. Para quê? Iria deixar de ser ela mesma se soubesse?
Nunca fora como Addison: esconder, perceber, questionar. A irmãzinha é que achava que o seu cabelo branco tinha um significado, um propósito, um grandioso destino. Astra achara o mesmo enquanto salvava as vidas dos lobisomens. Era a Guardiã das Estrelas, uma lenda viva.
Agora sentia-se... vazia.
Decidira conta a Addison e a Willa que ficara sem poderes. Ambas acreditavam que eles regressariam, se algum dia fosse necessário e que era esse o papel de uma Guardiã. Astra brincara, afirmando que nunca quisera esse papel e que estava muito melhor assim... Brincar para disfarçar a verdade. Típico de Astra Wells.
- Vais continuar a fugir de mim?
- Vais continuar atrás de mim?
- Sempre ouvi dizer que devemos lutar por aquilo que queremos.
Wyatt Lickensen aproximou-se dela, colocando-se de pé à sua frente com um sorriso travesso no rosto. Estendeu-lhe a mão, convidando-a a levantar-se mas Astra levantou-se sozinha, sacudindo a terra que se colara às mãos com o sobrolho franzido.
- O que queres?
- Falar contigo. Estás bem?
A pergunta apanhou-a desprevenida. Ele sabe, percebeu ela, quando o vou baixar os olhos e encarar o chão. A Wells revirou os olhos, cruzando os braços à frente do peito para disfarçar o embaraço. Claro que sabia, ela estava ali e não estava a brilhar ao contrário de todas as vezes que ele a apanhara sozinha na floresta. Era lógico.
- Estou bem. - sussurrou ela, soltando um suspiro - A habituar-me à ideia de que voltei a ser apenas... eu.
- Apenas? - Wyatt soltou uma risada - Só tu já dá bastante trabalho.
- Engraçadinho.
O coração de Astra batia descontrolado. Se de medo, se de expectativa, se de ambas as coisas... Ela não sabia. O que sabia é que já não podia evitá-lo mais. Mesmo que corresse, sabia que ele iria correr atrás e ele sempre a apanhava. Era um lobisomem e ela uma humana. Não tinha realmente muitas hipóteses. Começou a caminhar lentamente, ao lado de Wyatt, ambos apreciando a brisa fresca da noite e o som suave que a mesma fazia quando passava pelas folhas das árvores.
- Então o que vais fazer agora? - perguntou, tentando fugir ao assunto que estava pendente entre eles - Já não tens de andar na escola para te aproximares da Addison...
- Acabei de me inscrever para frequentar as aulas no verão. - respondeu ele, com suavidade - Quero conhecer melhor a vossa sociedade e, se tudo correr bem, fazer as disciplinas obrigatórias para me candidatar à faculdade no próximo ano. - Astra arregalou os olhos, surpreendida e Wyatt encolheu os ombros, coçando a nuca - Achas que estou a sonhar muito alto? O lobisomem que nunca foi à escola quer já entrar para a universidade...
- Acho que não há sonhos impossíveis. - respondeu Astra, tranquilamente - Não estava à espera mas não acho que seja impossível.
Wyatt inclinou a cabeça, observando-a com um sorriso de lado.
- Acabaste de ser simpática, Astra Wells?
- Fui honesta. Sou sempre. - respondeu a loira, rindo.
Ficaram os dois em silêncio, caminhando lado a lado.
- Astra...
- Temos mesmo que falar sobre isso?
- Não temos de fazer nada que tu não queiras.
- Podes parar de ser assim?
- Assim como?
- Querido. - Astra bufou - É irritante.
O lobisomem levou a mão à cara, escondendo a risada.
- Dás cabo de mim com esse mau feitio, Astra. - Wyatt colocou-se à frente dela, impedindo-a de continuar a andar e forçando-a a encará-lo - Estás com medo do quê?
- Eu não tenho medo de nada. - rosnou a loira, entre dentes.
- Mentirosa.
- Como te atreves?!
Ele sabia exatamente o que fazer para a desarmar, pensou Astra, vendo-o aproximar-se e acariciar suavemente o seu rosto. A humana sentiu as bochechas ruborizarem, atraiçoando-a. Wyatt sorriu e Astra apertou os braços mais ainda à volta do corpo, como se fosse o suficiente para manter a distância entre eles.
- De que tens medo, Astra? - ele perguntou novamente, os olhos castanhos analisando-a com atenção.
A Wells engoliu em seco. Pesou as palavras, a voz saindo num sussurro ao dizer:
- Confiar. - pigarreou, aumentando o volume da sua voz e controlando o nervoso miudinho que a assolava - Tenho medo de confiar, está bem? Eu já não sou a Guardiã. Não sou especial, a minha única especialidade é ter os olhos mais lindos do mundo. - ironizou, pestanejando - De resto, sou uma pessoa como outra qualquer.
- Não és uma pessoa como outra qualquer. Nunca conheci ninguém como tu. - Wyatt franziu o sobrolho, questionando-a - Astra, achas que eu gosto de ti porque és a Guardiã? Mulher, tu és doida?!
- Então, isso são maneiras?!
- Tu... Tu... Argh! - ele levou as mãos aos céus, meio a rir meio exasperado - Tu tiras-me do sério. Astra, eu gosto de ti. Gosto mesmo de ti e já se percebeu que sou bastante teimoso então não vou a lado nenhum. Não vou fugir, não te vou deixar, não te vou deitar fora quando já não prestares, está bem? E não tem nada a ver com seres a Guardiã, o que eu ainda acho que és, só está... adormecido.
- Tu acabaste de dizer que te tiro do sério e depois dizes que gostas de mim. - disse Astra, com ironia - E eu é que sou doida?!
Os dois riram e Astra sentiu os ombros descaírem, mais confortável. Deixou cair os braços, prendendo as madeixas de cabelo que lhe caíam para a cara atrás das suas orelhas, os olhos violeta encarando o rapaz à sua frente.
- Talvez esteja na altura de eu confiar, não é? - perguntou, sorrindo.
- Podes confiar em mim, Astra. - assegurou Wyatt, com seriedade - Estou a ser sincero.
- Eu sei. - murmurou Astra, rodeando-lhe o pescoço com os braços - Palavra de lobisomem não pode ser quebrada, certo?
Wyatt assentiu, esboçando um sorriso. Astra sorriu de volta e puxou-o, com a sua habitual brusquidão, apanhando-o de surpresa.
Ela beijou-o e ele correspondeu, uma das mãos puxando-a mais para si, a outra mergulhando nos longos cabelos loiros dela. Ele conseguia sentir o coração dela bater fortemente contra o seu e não pode deixar de sorrir, murmurando junto à boca dela:
- És única no universo, Astra Wells.
Astra sorriu, beijando-o para o calar, mostrando-lhe o que não precisara dizer. Era recíproco e Wyatt sabia disso. Ela confiava nele.
Por cima das suas cabeças, passou uma estrela cadente, cortando a noite estrelada.
Uma estrela com tons violeta.
🎶
"Someday
This could be
This could be
Ordinary
Someday
Could we be something extraordinary?
You and Me side by side
Out in the broad daylight
If they laugh we'll say
We're gonna be
Someday"
🎶
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro