Capítulo 7
- Onde vamos? - perguntou Addison, olhando em volta, curiosa.
- É segredo de lobo. Se te disséssemos, teríamos de matar-te! - exclamou Wynter.
Astra revirou os olhos, vendo a irmã encarar a lobisomem com absoluto horror. A mais velha deu uma cotovelada a Wynter, pouco se importando com os olhares que recebera dos restantes lobisomens.
- Podes tentar ser menos irritante? - questionou, aborrecida - Ninguém tem medo de ti.
- Ei, eu sou bastante assustadora...
- Não, não és. - Astra pousou a mão sobre a sua cabeça, afagando-a - És como um cachorrinho. Pequena, inofensiva mas que acha que tem dentes de gente grande. - sorriu, soprando para o seu rosto - Que tal uma dose de simpatia para variar?
Wynter fez uma careta.
- Mas tu não és simpática.
Addison escondeu o riso, enquanto Wyatt sorria, discretamente. Astra fez uma careta, fingindo pensar.
- Isso não é... É, é verdade.
- Então... Bem-vindas! - Wynter semicerrou os olhos - Mas não assim tão bem-vindas!
A lobisomem transformou-se, ameaçadora. Assim que o fez, a pedra no seu colar brilhou a azul... tornando-se esverdeada segundos depois de ser ativada. Astra sentiu o coração dar um salto, a mão aproximando-se discretamente das costas de Wynter. Com gentileza, pousou-a no corpo dela, respirando fundo. As pontas dos dedos brilharam, as tonalidades violeta e rosa familiares. Soltou um suspiro, sentindo-se aliviada, o poder fluindo de si como se finalmente tivesse encontrado o seu propósito.
- Está tudo bem? - perguntou Addison, fitando Wynter com preocupação.
- O meu colar está a perder carga. - disse Wynter, entristecida.
Os olhos de Wyatt encararam os violeta de Astra, cujas bochechas adotaram um tom rosado ao perceber que ele via o que ela estava a fazer. Para alguém que negara ter o poder da tal Guardiã que ele falara, parecia bastante focada em usar o seu dom para fortalecer Wynter. O brilho nos seus dedos começava a expandir-se, preenchendo-lhe a mão e Astra afastou-se, escondendo a mão atrás das costas enquanto Wyatt explicava:
- Todos os dias, mais e mais de nós ficam doentes porque as suas pedras da Lua perdem o seu poder. Os anciões estão demasiado doentes para viajar, o que significa...
- Que nós cuidamos da alcateia. - interrompeu Willa, aproximando-se de Wynter para passar o braço pelos seus ombros, afastando Astra dela sem querer - Eu cuido. - a jovem encarou o irmão, séria - Espero que tenhas razão em relação a isto. Precisamos encontrar a Pedra da Lua o quanto antes.
Wyatt assentiu, deixando que ela passasse à sua frente e os guiasse. A expressão dele era fácil de ler. Estava preocupado, esperançoso mas ao mesmo tempo não queria desiludir a irmã nem a sua alcateia. A vida deles dependia na sua busca pela Grande Alfa e Wyatt não podia falhar.
- Estás bem? - perguntou Astra, aproximando-se dele.
O rapaz ergueu os olhos, surpreendido.
- Estás preocupada comigo?
- Oh vá lá, eu não sou um monstro! - ripostou a Wells, abanando a cabeça - Eu me preocupo com as pessoas. Olha... - soltou um suspiro, os olhos roxos encarando-o - Eu espero que a Addison seja quem estás à procura mas... Se não for... - pousou a mão sobre o seu braço, num gesto de apoio - Não te sintas culpado. Fizeste tudo para salvar os teus e eles sabem disso. A Willa sabe disso. Eu sei disso.
- Eles confiam em mim...
- E com razão. És uma boa pessoa para se confiar, Wyatt.
- Tu não confias.
Astra sorriu, discretamente.
- Estou aqui, não estou?
Com um piscar de olhos, virou-lhe as costas, seguindo em direção à caverna.
A caverna dos lobos recebeu-as. Era linda. Astra abriu e fechou a boca, demasiado espantada para conseguir formular uma frase. Addison arregalara os olhos, encantada.
- É normal ficarem impressionadas. - comentou Wynter, sorrindo.
Wyatt guiou Addison para o interior da caverna, deixando Astra para trás. Posicionou a Wells mais nova defronte para o interior da caverna, apontando para a parede ao longe. Com uma mão, ergueu uma pedra, enquanto a outra pousava no ombro de Addison.
O Luar atingiu a pedra na mão do lobisomem, cujo brilho iluminou a caverna. Contornos de uma figura começaram a surgir. Era uma rapariga, percebeu Astra, semicerrando os olhos. Uma jovem de cabelos brancos dançava, o rosto indefinido, os fios brancos como a neve destacando-se.
Addison.
- Acredito que tu nos vais guiar até à Pedra da Lua. - afirmou Wyatt, os olhos castanhos fixos no rosto da Wells mais nova - Acredito que és a Grande Alfa. Addison, eu acho que és uma lobisomem.
- O quê?! - exclamou Addison, em choque.
Os seus olhos azuis procuraram os de Astra, a expressão uma mistura de surpresa, emoção... e preocupação. Se Addison fosse uma lobisomem e Astra humana, isso só as afastaria mais. Abanou de imediato a cabeça, negando.
- Não, eu não sou...
- Ei. - Astra aproximou-se dela, com um sorriso contido no rosto - Nós sempre soubemos que eras a mais esquisita das duas. - brincou, vendo os ombros de Addison descaírem, mais descontraída - Está tudo bem. Sejas o que fores, nós seremos sempre irmãs. Não vou deixar que nada nos separe de novo, está bem?
Addison assentiu, incerta. Lançando um último olhar a Astra, afastou-se, ouvindo atentamente Wyatt, cuja voz preenchera a caverna com a sua canção, dando-lhe a conhecer a alcateia, a vida de lobisomem, encantando-a com a sensação de pertença que aquele lugar e aquelas pessoas lhe proporcionavam.
Enquanto Astra ficava escondida nas sombras, observando a irmã brilhar, o coração batendo fortemente contra o peito.
Os lobos dançavam à volta de Addison, cujas bochechas rosadas e olhos brilhantes mostravam o quão bem se sentia. A música era eletrizante. A energia fazia-a vibrar. Os olhos de todos estavam pousados nela enquanto dançavam, cada movimento com poder, com verdade, com vigor.
Astra estremeceu. Nunca quisera passar despercebida como Addison. Sentia orgulho em quem era, amava os seus olhos roxos pela sua cor única, sentia-se autêntica e nunca renegara isso. Mas ali, tão exposta, tudo o que queria era fugir, a mente preenchendo-a com pensamentos de absoluto terror. Habituara-de a estar sozinha, a contar apenas consigo, a não confiar em ninguém a não ser em si mesma.
O coração guiava-a noutra direção, o corpo fervilhando à medida que a energia se intensificava. Os lobisomens tinham uma forma muito própria de dançar, percebeu, observando os seus movimentos. Eram firmes, crus, como se nunca duvidassem deles próprios. Astra cerrou os punhos, deixando-se estar, as costas encostadas à parede fria da caverna como se esta estivesse a segurá-la.
- Achas que ela é quem nós procuramos? - ouviu Willa perguntar junto a si, os braços cruzados sobre o peito, os olhos escuros fixos na rapariga dos cabelos brancos.
A Wells mais velha prensou os lábios, pensativa. Sentia o corpo querer avançar, atraída pela dança, pela música, por tudo o que envolvia os lobos. Via Addison olhar para tudo, fascinada, observando a canção que Wyatt começara espalhar-se pelos restantes lobisomens.
- Não sei. - respondeu Astra, honesta - A minha irmã é definitivamente uma líder, não tenho dúvidas disso. Ela nasceu para brilhar, para unir pessoas e guiá-las. - os olhos púrpura da menina encheram-se de lágrimas, observando a mais nova com carinho - Ela pode ser sim a Alfa que vocês procuram... mas ela não é uma lobisomem.
- Não pode ser a Alfa se não for lobisomem. - contrapôs Willa, franzindo o sobrolho.
- Eu não teria tanta certeza disso se fosse a ti. Só não quero... Não quero que a iludam. Addison fará tudo para vos ajudar. Mas se vocês a rejeitarem caso ela não seja uma lobisomem... - Astra afastou-se da parede, a expressão séria ao encarar a jovem ao seu lado - Vão partir-lhe o coração.
- A Grande Alfa é uma lobisomem. Se ela não for uma de nós, então não fará parte da alcateia. - Willa abanou a cabeça, a expressão suavizando - Eu sei que o Wyatt te prometeu que não iria causar qualquer dano à tua irmã mas...
- Mas isso não será possível. - Astra encarou a jovem ao seu lado - Ela não é uma lobisomem, Willa. Lamento mas não acredito nisso.
A lobisomem assentiu. De queixo erguido, afastou-se de Astra, aproximando-se de Addison para a desafiar. Se ela era uma lobisomem teria de se provar a si mesma, mostrar o que era capaz. E Addison mostrou-lhe. Lobo ou não lobo, Addison tinha garra, tinha espírito, tinha uma presença onde quer que estivesse. Astra não pode deixar de sorrir, observando Willa ceder, cumprimentando Addison como se fosse um deles. O rosto de Addison iluminara-se, visivelmente feliz. Os olhos azuis encontraram os da irmã, que assentiu, assegurando-lhe que continuava ali. Não iria a lado nenhum sem a irmã mais nova, nunca mais.
- É ela. - afirmou Wyatt, aproximando-se de Astra com um sorriso brilhante no rosto - Tenho a certeza que é ela! - num movimento repentino, ergueu Astra pela cintura, rodopiando-a no ar - Estamos salvos!
- Põe-me no chão! - guinchou a loira, embora gargalhasse.
Ele pousou-a, rodopiando-a com mais delicadeza do que Astra esperava. Os olhos castanhos de Wyatt encararam-na, a Lua refletindo-se nas suas íris. Astra engoliu em seco, sentindo o coração acelerar. Os ombros descaíram, relaxados. Como podia sentir-se tão confortável junto a alguém que não conhecia?
"Talvez esteja na altura de confiares em alguém" dissera ele, numa floresta escura, quando sequer lhe conhecia o rosto.
Em redor deles, a música aumentara, as palavras ressoando aos ouvidos de Astra, cada vez mais fortes, cada vez mais entranhando-se dentro do seu íntimo.
Can You Feel...
The Call to The Wild...
The Call to The Wild...
Consegues sentir....
O Apelo Selvagem...
Astra engoliu em seco, os olhos violeta fixos nos esperançosos do lobisomem à sua frente.
Claro que sentia.
- Can You Feel... The Call To The Wild... The Call To The Wild...
- Eu consigo sentir! - cantarolou Addison, os olhos brilhantes de entusiasmo.
Astra abanou a cabeça, em pânico. Ela sentia. Todo o seu corpo formigava, a necessidade urgente de deixar o seu poder fluir assolando-a. Fora isso que a trouxera a Seabrook, mais do que qualquer e outra coisa: aquele chamamento, aquela sensação, aquele Apelo Selvagem...
- Can You Feel... The Call To The Wild... The Call To The Wild...
- Mostra-lhes. - disse Wyatt, estendendo-lhe a mão, os olhos castanhos encarando-a com expectativa e esperança.
- E-Eu não posso... - sussurrou, abanando a cabeça- Por favor...
- Astra, nós precisamos de ti. Eu imploro-te... - Wyatt colocou as mãos nos seus ombros, suplicando - Ajuda o meu povo. Mostra-lhes quem és.
Deslizou as mãos pelos seus ombros, arrepiando-lhe a pele. Estendeu novamente uma das suas mãos, aguardando ansioso que ela a pegasse. Astra abanou a cabeça, frenética. Os olhos roxos fitaram a figura dançante da irmã, completamente envolvida pela música e pela energia que os lobos transmitiam.
- Eu não posso, Wyatt. Ela... Ela não sabe. A minha irmã não sabe...
- Haverá alguma altura melhor do que esta para lhe contares?
- E se ela não me perdoar?! - questionou a loira, exasperada - Tenho mantido este segredo dela desde que cheguei, eu preciso contar primeiro à Addison...
- Contar o quê?
Addison aproximara-se deles, o sobrolho franzido de preocupação. A música continuava ao redor deles, os lobisomens entoando as palavras com firmeza, a música entranhando-se em cada poro de Astra. Fora da caverna, a Lua brilhava alta no céu, a noite escura chamando por ela. Era ali que ela devia estar, Astra sabia disso. Era ali que ela pertencia. Nos olhos de Wyatt, ela viu quem deveria ser, quem nascera para ser, o propósito que procurava há tanto tempo.
A mais nova pestanejou, fitando Astra na expectativa. Os lobisomens tinham penteado os cabelos brancos de Addison, deram-lhe roupas novas e a maquilhagem que agora realçava as íris azuis era escura e semelhante às que os lobisomens usavam. Astra sentiu alguém mexer-lhe no cabelo, fazendo-a virar-se bruscamente, o dedo indicador a apontar para o nariz da lobisomem desconhecida que lhe tocara enquanto dizia:
- Ninguém mexe no meu cabelo. - rosnou a Wells, assustando a rapariga.
Astra sentiu outra mão no seu cabelo. Quando se virou, a expressão suavizou ao ver que era Wyatt quem lhe tocava, a mão puxando o elástico que lhe prendia a trança que usava habitualmente. Com delicadeza, desfez os fios loiros, deixando as ondas lhe caírem livremente pelas costas. O rapaz esboçou um sorriso, estendendo novamente a mão, num pedido silencioso.
- Desculpa. - pediu Astra à irmã, os olhos pesarosos encarando Addison enquanto aceitava a mão de Wyatt.
A mais nova fitou-a, confusa, algo que Astra já não prestou atenção. Não conseguia. O calor da mão de Wyatt sobre a sua inebriava-a, o seu coração palpitando mais depressa à medida que subia à pedra onde Addison antes dançara, aceitando o seu lado selvagem. Era a vez de Astra e ela estava aterrorizada. Sentia os olhos castanhos de Wyatt fitarem-na com admiração e algo mais. Se aceitasse o destino que ele lhe dissera ser o seu, estaria a comprometer-se, a arriscar desiludir pessoas que confiavam nela para lhe salvar a vida.
Ela não queria ser a heroína da sua história.
Naquele momento, porém, não teve escolha. O Apelo era demasiado forte, o seu corpo ansiava por aquilo, o seu coração transbordava de ansiedade e alívio. Ela estava onde devia estar. O seu poder tinha uma explicação, um fim, um propósito. Sabia agora como Addison se sentia, sempre à procura do lugar onde pertencia, da razão porque era diferente.
Astra sentia a mesma necessidade de pertença e nunca dera por isso.
- Mostra-lhes. - sussurrou Wyatt ao seu ouvido, a mão livre acariciando-lhe a bochecha antes de a deixar sozinha, juntando-se aos restantes lobisomens.
- O que se passa? - perguntou Willa, fitando Astra com desconfiança.
- Espera e verás. - respondeu Wyatt, com um sorriso no rosto.
A rapariga no topo da pedra fechou os olhos. Bloqueou o peso do olhar de Addison. Bloqueou os sussurros que começavam a surgir à sua volta. Bloqueou o coração descontrolado no seu peito.
Ouviu a voz dele. Wyatt sussurrava as palavras uma e outra vez, como se soubesse que isso a encorajaria, incendiaria a sua urgência, a necessidade de responder aquele Apelo Selvagem.
- Can You Feel... The Call To The Wild... The Call To The Wild...
Consegues sentir?
O Apelo Selvagem...
Astra abriu os braços. Soltou um suspiro.
- We are the Call... We are the Call... We are the Call to The Wild...
Nós somos o Apelo Selvagem.
Num bater do seu coração, Astra Wells deixou a luz emanar de si, o poder espalhando-se pela caverna, mil galáxias tomando conta do corpo da jovem.
Quando abriu os olhos, o púrpura das suas íris brilhava, qual luz perdida na escuridão.
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