No dia seguinte, Astra Wells sentara-se confortavelmente numa das mesas do pavilhão principal de Seabrook High, os olhos violeta semicerrados, os dedos tamborilando no tampo da mesa enquanto observava-os em silêncio. Addison ligara-lhe na noite anterior, entusiasmada, contando-lhe como estava feliz que extraterrestres tinham vindo para Seabrook para a Taça das Claques. Tinham decidido deixá-los ficar até ao dia do Campeonato e depois seguiriam o seu caminho embora fosse uma pena, dissera Addison, porque eles tinham muito a aprender com aqueles seres de outra galáxia.

          Astra nada dissera. Estava demasiado perturbada para chamar a irmã à razão e também de nada adiantaria. Addison era demasiado ingénua para o seu próprio bem, na opinião de Astra, mas quando era necessário sabia tomar conta de si

          A Wells mais velha, por outro lado, nada tinha de ingénua. Pelo contrário, duvidava de tudo e de todos e não tinha dúvidas que os extraterrestres estavam a mentir. O frenesim no seu corpo incomodava-a e deixava-a mais irritadiça, algo que não passara despercebido a Wyatt, cujos olhos castanhos a observavam em silêncio.

- Então eles podem simplesmente preambular por aí como se nada fosse? - questionou Astra, fitando com desconfiança os extraterrestres - Porquê?

          Wyatt encolheu os ombros, mordiscando a sandes de fiambre que tinha na mão.

- A tua irmã tem a mania de ser simpática com desconhecidos.

- Astra! - chamou Addison, acenando na sua direção - Venham, quero que conheçam oficialmente a minha irmã.

          Os três extraterrestres que falaram no dia anterior aproximaram-se da mesa onde Astra se encontrava, guiados por Addison. Com um sorriso divertido, Wyatt pousou a sandes e limpou as mãos, não fosse precisar delas para intervir. Todos em Seabrook conheciam o temperamento tempestivo de Astra Wells... e aqueles seres de cabelos azuis estavam prestes a ficar a conhecer.

- Tem mesmo de ser? - questionou Astra, pondo-se de pé com relutância.

- Sê simpática. - sibilou Addison na sua direção, com um olhar significativo - Astra, estes são A-Spen... - apontou para a dos cabelos curtos e olhos repuxados, que sorriu abertamente - A-Li... - a da franja bufou, cruzando os braços, entediada - E este é o...

- A-Lan. - interrompeu o rapaz, puxando-lhe a mão e beijando-a com suavidade - Tu és a famosa Astra, a irmã da Addison. Ela falou-nos muito de ti.

            Addison esbugalhou os olhos. Wyatt pôs-se de pé, remexendo-se desconfortavelmente, os lábios cerrados numa linha fina. Willa, que se aproximara segundos antes com Wyntter, esboçou um sorriso cínico, expectante.

- Um almoço em como ela lhe dá um soco. - sibilou Willa para Wyntter, que soltou uma risada baixa, apertando-lhe a mão estendida.

           Astra pestanejou, os olhos violeta desviando-se da mão ainda presa na do extraterrestre para o que supunha ser um sorriso galante no rosto do mesmo.

Contou até dez. Inspirou fundo. Expirou prolongadamente, tal como Wyatt lhe ensinara.

A-Lan ergueu uma sobrancelha, esperando por uma resposta ou uma reação.

- Queridinho... - começou Astra, na sua voz mais ponderada - Volta a tocar-me sem a minha permissão e ficas sem dentes. - fez uma pausa, observando o rapaz franzir o sobrolho - Fui clara?

- Um desafio? - A-Lan olhou para Wyatt, que se aproximara um pouco mais de Astra - És o amante dela?

- Namorado. - corrigiu o lobisomem, com muita paciência- Sou o namorado dela.

- Ótimo! Uma competição! - exclamou o extraterrestre, com um sorriso brilhante no rosto na direção de Astra - Nunca conheci um espécime tão bonito como tu. - estendeu a mão para lhe tocar no cabelo, galanteando - Eu também sou o mais bonito da nossa nave. Faríamos um par interessante. - torceu o nariz, abanando a cabeça- Ele nem é bonito. Ganho facilmente.

          Ele tocou-lhe no cabelo, puxando suavemente uma madeixa dos longos fios dourados da humana.

- Oh céus... - murmurou Wyatt, com um olhar pesaroso.

          Astra Wells encarou o extraterrestre com cara de poucos amigos. Cerrou os punhos e rosnou:

- Addy, tira-o da minha frente imediatamente.

Atrapalhada, Addison puxou A-Lan, que encarava os presentes com um olhar de confusão. A-Spen acenou com entusiasmo numa despedida e A-Li cruzou os braços, semicerrando os olhos num gesto pouco amigável, indo atrás dos amigos. A Wells mais nova despediu-se rapidamente dos extraterrestres, regressando para junto de Astra com um olhar apreensivo no rosto bonito. Trocando olhares rápidos, Willa e Wyntter afastaram-se, juntando-se algures ao restante da alcateia, enquanto Wyatt permanecia junto de Astra.

- Asty desculpa...

- O que estás aqui a fazer? - questionou a mais velha, num tom ríspido - O Zed está à tua espera para virem juntos para a escola, lembras-te?

- Eu vim mais cedo por causa dos extraterrestres mas vou já ter com ele! - retorquiu, protestando - Pára de controlar o que faço!

- Sou a tua irmã mais velha. É o meu papel. - bufou Astra, passando as mãos pelos cabelos - Não bati no teu amigo novo. Já vais com sorte. Não percebo como podes confiar assim em pessoas ou seres que aparecem assim do nada na cidade. - abanou a cabeça, estalando a língua - Não podes ser tão ingénua.

O corpo de Astra tremia. Sentiu a mão de Wyatt pousar sobre o seu ombro e recostou-se a ele, procurando acalmar-se. Porque estava assim? Tão... Ansiosa? No limite?

Prensou os lábios numa linha fina. Detestava que a tocassem sem a sua permissão. Principalmente o seu cabelo.

- Mantém os extraterrestres longe de mim. - foi tudo o que disse antes de Addison se afastar, visivelmente perturbada pela atitude da irmã.

Astra voltou-se a sentar, questionando-se se estava a ser muito dura com ela. Wyatt observava-a, como sempre não se metendo onde não era chamado. Sabia que se dissesse algo a respeito da relação das duas iria receber um olhar cortante em resposta. Não queria entrar em conflito com Astra.

- Estrela. - chamou o lobisomem, vendo-a pestanejar e encará-lo - Estás bem?

A Wells não respondeu de imediato, procurando as palavras para dizer o que sentia. Sabia que ele estranhara ao vê-la naquela manhã como se nada fosse. Sabia que ele a questionava em silêncio sobre a razão pela qual ela ainda estava em Seabrook quando era suposto ter regressado para a Universidade.

- Não vou voltar até esta situação dos aliens estar resolvida. Congelei a matrícula. - respondeu à questão que ele não colocara, vendo-o assentir - E não, não estou bem. Eu... - baixou a voz, trémula- Tem algo errado comigo. Os meus poderes... O que aconteceu hoje...

- Talvez eles tenham aparecido para proteger a Pedra da Lua dos extraterrestres. - sugeriu Wyatt, com suavidade - Há uma ligação óbvia entre a chegada deles e o reaparecimento do teu Dom.

          Astra ergueu os olhos violeta e o lobisomem sentiu um frio no estômago. Nunca a vira tão perdida, nem mesmo quando a encontrara pela primeira vez na floresta, a pele coberta de estrelas, o brilho intenso preenchendo a noite. Nem mesmo aí, quando ela não sabia o que era ela o encarara daquela forma.

         A humana mostrava-se frágil com ele, algo que Wyatt sabia ser mais do que uma honra... era uma responsabilidade.

          A responsabilidade de não quebrar a sua confiança.

- Os meus poderes surgiram antes para salvar-vos. - disse Astra, referindo-se aos lobisomens - Mas acho que desta vez...

        Engoliu em seco, abraçando-se a si mesma.

- Acho que desta vez, surgiram para me salvar a mim mesma.

             Permanecera na escola para observar os forasteiros. Passara algum tempo na sala de música, que sentira saudades, preambulara pela escola, pelo campo de futebol, constatando que os extraterrestres atraíam entusiasmo e admiração por parte dos restantes. Tinham uma inteligência acima da média, capacidades físicas diferentes, uma pulseira qualquer que lhes permitia desafiar a gravidade e pairar no ar.

         Era tudo cada vez mais irritante e Astra não era a única que via isso. Quando Zed percebeu que todos os seus records tinham sido ultrapassados por A-Lan...

           Bom, Astra não ficara para ver o Cabeça de Brócolos protestar sobre o assunto.

- Algo estranho aconteceu com os extraterrestres. - disse Wyatt, sentando-se na mesma mesa onde a deixara, horas antes.

          Os olhos violeta encararam-no, vendo-o esfregar os seus com confusão. Não tinham falado sobre o que Astra confessara sobre os seus poderes. Vira o terror de Wyatt espalhar-se pela sua expressão ao pensar nas possíveis hipóteses do que aquilo poderia significar.

         Mas ele não insistira no assunto. O toque de entrada soara e ele abalara, deixando-a sozinha com os seus botões, beijando-lhe a testa antes de desaparecer.

- Passamos por eles e... Só me recordo de um clarão. - continuou o lobisomem, abanando a cabeça- O que foi aquilo?

- Não sei, lobinho...

          A Wells mais velha calou-se, franzindo o sobrolho. Alguém passava pelos portões, adentrando pelo pavilhão... Alguém que deixou os lobisomens em alerta, estáticos onde estavam, os olhos fixos na rapariga de tranças que estacou, sentindo-se observada.

- Quem é aquela? - questionou Astra, fitando a rapariga de sobrolho franzido - E porque é que os lobisomens estão a encará-la como se fosse uma praga?

               Wyatt praguejou baixinho, surpreendendo-a. Parecia perturbado, esfregando a nuca enquanto procurava com o olhar por alguém de forma frenética. A loira estendeu a mão para pousar sobre a dele no tampo da mesa, atraindo a sua atenção, os olhos castanhos procurando os violeta dela.

- Está tudo bem? - perguntou, num tom de voz baixo e gentil que não usava com mais ninguém.

               O lobisomem assentiu, incerto.

- Aquela é... É a Kalina. Nossa prima. - respondeu, referindo-se a ele e a Willa - Ela e a minha irmã...

- O. Que. Fazes. Aqui?

- ... Não se dão bem. - completou Wyatt, engolindo em seco.

             O rosnar baixo na garganta de Willa pareceu ressoar pelo pavilhão. A recém-chegada não se deixou abalar, ao contrário de todas as outras pessoas ali presentes, que se encolheram ou apressaram a sair porta fora. Ver a Alfa habitualmente de mau humor era normal....

              Vê-la furiosa era outra.

- Onde está a Selene quando precisamos dela? - murmurou Astra, mais para si mesma do que outra coisa.

             Permaneceu onde estava enquanto observava Wyatt levantar-se e ir ao encontro da irmã, pousando-lhe a mão no ombro, um gesto que Willa rejeitou com um sacudir brusco.

             A novata ergueu o queixo, num claro gesto de desafio. Astra semicerrou os olhos, admirando a sua coragem. Ou a sua burrice. Não era qualquer um que enfrentava Willa e saía a ganhar... Logo, ou a rapariga era muito corajosa e segura de si ou era simplesmente burra e tão arrogante como a prima.

- Prima. - a voz dela soou firme, os olhos castanhos fitando os turbulentos de Willa com tranquilidade - Como estás?

- Fiz-te uma pergunta. - rosnou Willa, dando um passo em frente - Não és bem-vinda aqui.

- Se a minha irmã estivesse aqui diria que todos são bem-vindos em Seabrook. - disse Astra, sentada no seu lugar, encarando as unhas lascadas - Céus, preciso ir à manicure.

- Astra, não te metas. - retorquiu a Alfa, lançando-lhe um olhar cortante... que Astra ignorou, encolhendo os ombros.

- Só estava a salientar o óbvio. Mas que raio de drama familiar é este?

- Astra. - chamou Wyatt, em tom de aviso.

- O que foi? - a loira pôs-se de pé, erguendo o queixo - Prefiro que a Willa descarregue em cima de mim do que faça uma cena triste e desagradável no meio da escola. Arrisca-se a ser expulsa e não queremos isso.

- O que eu não quero é esta criatura aqui.

          Desta vez, algo semelhante a dor trespassou o olhar de Kalina mas tão depressa como surgiu desapareceu, substituído pela tranquilidade anterior. De braços cruzados ao lado de Wyatt, a Wells aproveitou para observá-la com atenção: pele caramelizada, olhos castanhos profundos, pestanas compridas, cabelo entrançado com alguns fios brancos caraterísticos dos lobisomens... Era bonita. Sorria pouco, pela falta de rugas de expressão no rosto liso e angulado. Tinha uma postura defensiva, as mão enterradas nos bolsos das calças com padrão militar, o tronco delineado pelo top rosa-claro curto e justo que lhe expunha a barriga, os lábios cheios prensados numa linha fina.

             Os ombros de Astra descaíram, apercebendo-se porque de facto sentia uma certa necessidade de proteger a recém-chegada da fúria de Willa, fosse porque razão fosse que essa fúria existisse.

             Ela era Astra quando chegara a Seabrook. Desconfiada, séria, defensiva.

- Eu venho em paz. - disse Kalina, a voz com uma rouquidão natural - Podemos conversar...

- Não há nada para conversar. Fizeste a tua escolha quando decidiste deixar a alcateia e eu respeitei-a mas avisei que era um caminho sem volta.

- Willa...

- Sai de Seabrook. Imediatamente. Se te vir aqui novamente, não respondo por mim.

           Com um último olhar cheio de raiva, Willa virou as costas e saiu porta fora, seguida por Wyntter. Hesitando, Wyatt lançou um olhar a Astra, que se limitou a assentir, murmurando um breve:

- Falamos depois.

         Ele assentiu, virando-se afim de evitar encarar a prima. Esta soltou um suspiro, envolvendo o corpo com os braços, permitindo-se demonstrar um pouco da sua fragilidade antes de perceber que Astra ainda ali estava, encarando-a com uma expressão neutra no rosto.

- Quem és tu? - questionou Kalina, bruscamente.

- A única pessoa que te pode sentir menos miserável, por mais incrível que pareça. - retorquiu Astra no mesmo tom, estendendo a mão - Astra Wells. Bem-vinda a Seabrook.

            Kalina encarou a mão estendida da humana. Parecia ponderar as suas opções, lançando um olhar breve por cima do ombro, a tempo de ver toda a alcateia abandonar a escola por causa dela. Prensou os lábios, fitando Astra com relutância.

- Claramente não sou bem-vinda coisa nenhuma. - retorquiu a lobisomem, aceitando a mão estendida.

- Eu também não era, deixa lá. - respondeu Astra, com um sorriso.