Astra estava uma pilha de nervos.

A bolha de pastilha elástica explodiu na sua boca. Ajeitou as alças da sua mochila, acenando afirmativamente com a cabeça a qualquer coisa que Eliza dizia enquanto caminhavam para a escola, embora não estivesse realmente a ouvir. Admirava a paixão da zombie a defender aquilo que acreditava e normalmente estaria a concordar de forma entusiástica, dando a sua própria visão das coisas e o que podiam fazer para as mudar.

       Naquele dia, porém, a mente de Astra estava bem longe da conversa que estavam a ter. Revivia na sua mente o que vira e ouvira na noite passada, a forma como o lobisomem mencionara Addison, a vaga possibilidade dele ter visto Astra enquanto ela brilhava...

- Terra chama Astra. - a mão de Eliza à frente dos seus olhos assustou-a, fazendo-a pestanejar - Está tudo bem?

         Astra assentiu, esboçando um sorriso amarelo.

- Tudo ótimo. Apenas nervosa com o primeiro dia de aulas. - mentiu, mordendo a língua.

- Vai correr tudo bem. Só tenho pena que estejas um ano à frente do meu, assim não temos aulas juntas. - disse Eliza, dando uma pequena pancadinha nas costas da amiga - É o que dá ser um ano mais velha.

- E mais sábia. - brincou Astra, passando um braço por cima dos ombros da zombie - Olha, está ali a Addy e o Zed.

- ... Não vou deixar que percas o baile. - dizia Zed, com firmeza.

- E eu não vou se tu não fores. - respondeu Addison, resoluta.

- E eu não...

- Oh céus, podem parar de ser o casal perfeito em tudo? - questionou Astra, entediada.

- Até discutem como o casal perfeito. - concordou Eliza, batendo na palma erguida da Wells mais velha.

- Como vai isso, Eliza? - perguntou Addison, com um sorriso gentil no rosto.

- Oh tu sabes, a lutar contra as injustiças... E agora já tenho uma parceira a tempo inteiro. - disse a Zombie, abraçando Astra com um braço.

- Ambas maravilhosas enquanto o fazem. - respondeu Addison, olhando para a irmã - Vens jantar comigo e com os pais hoje? Tenho a certeza que eles iriam adorar ver-te...

Astra fez uma careta, espontânea. Haviam várias razões para a mera menção de estar com os pais, ainda para mais de noite, a deixarem extremamente desconfortável. Encolheu os ombros, desajeitada, tentando a custo não magoar os sentimentos da irmã... que percebeu. Addison mordeu o lábio inferior, assentindo.

- Fica para outro dia. - disse a mais nova, com um sorriso triste - Imagino que tenhas imensas coisas para fazer. Eu... Gostaria muito de estar um pouco contigo, um destes dias, sabes... Para pormos a conversa em dia.

A loira dos olhos púrpura assentiu, estendendo a mão na direção da irmã.

- Temos todo o tempo do mundo. - garantiu Astra, vendo os olhos de Addison brilharem ao apertar-lhe a mão.

- Addison, pronta para me nomear oficialmente presidente? - perguntou Bucky ao longe, fazendo uma careta ao ver Astra - Prima, ainda em Seabrook?

- Para tua infelicidade, eu vim para ficar, priminho. - respondeu a Wells mais velha, com um sorriso sarcástico no rosto - Como é que eu aguentei tantos anos sem ver a tua carinha horrorosa, não achas?

O primo não lhe respondeu, continuando o seu caminho a resmungar baixinho. Astra esboçou um sorriso, sentindo-se muito satisfeita consigo mesma. Se a sua vinda a Seabrook servira, fora para importunar Bucky como fazia antigamente. Não lhe perdera o jeito e era adorável ver as bochechas rosadas dele quando ficava furioso com ela.

Addison reclamava de qualquer coisa sobre Bucky quando três pessoas se aproximaram, fazendo Astra erguer uma sobrancelha, não gostando nem um pouco daquelas presenças indesejadas. Estavam vestidas com o uniforme da claque, como Addison, mas não tinham nada de amigável, pelo contrário. Astra explodiu outra bolha de pastilha elástica, observando as duas raparigas e o rapaz que encaravam Addison, numa mistura de nojo e superioridade.

- Cabeça de neve, quando nós formos capitãs da claque, tu estás fora da equipa. - afirmou a do centro, com um ar altivo.

- Olha como falas da minha irmã, criatura. - grunhiu a Wells mais velha, fazendo a rapariga recuar, assustada.

- Astra, está tudo bem. - assegurou Addison, virando-se para a colega da claque - Quando eu for capitã, vocês podem ficar porque eu farei da claque um lugar para unir as pessoas.

- Que péssima resposta. - ripostou a jovem da esquerda, de mãos nas ancas, vendo o rapaz da direita concordar.

- Tu nunca vais ser capitã, aberração.

- Então vocês são os Acey's. - deduziu Astra, com uma careta.

        A loira à frente do trio balançou a cabeça, o rabo-de-cavalo movendo-se em sintonia.

- E tu és quem? Uma nova aberração? - soltou uma risada, acompanhada pelos amigos - Já não chegavam os Zombies?

- Sou uma velha aberração que não tem paciência para aves raras como vocês. - retorquiu Astra, tranquilamente - Addy, maninha, vemo-nos ao almoço?

         Os Acey'a trocaram olhares confusos, vendo Addison assentir, abraçando a irmã mais velha. Astra fechou os olhos, demorando-se naquele abraço. Por norma não era uma pessoa de afetos, evitava abraçar e beijar e tocar... mas sentira tanto a falta de Addison que sentia a necessidade de apertá-la contra si, compensar a irmã mais nova por todos os anos que não estivera ali, embora o tivesse feito principalmente por ela... Addison afastou-se, com um sorriso sincero, pouco importada com o afeto excessivo da mais velha.

- Vemo-nos ao almoço. - confirmou a Wells mais nova, sorridente - E apresento-te a minha melhor amiga Bree! - exclamou, afastando-se com os Acey's a escudá-la.

- Eu tenho de conseguir ir ao baile com a Addison. - ouviu Zed dizer, quando Addison se afastou.

- Podes sempre entrar por ali adentro e quebrar as regras. - Astra encolheu os ombros, olhando para as unhas roídas das duas mãos com desinteresse - Era o que eu faria. - os olhos púrpura arregalarem-se, fitando algo à distância- Ei Bonzo! Eu quero um pedaço dessa sanduíche! Eliza, vemo-nos quando as aulas acabarem! Adeus Cabeça de Brócolos! - acenou aos dois zombies, afastando-se- Bonzo! Bonzo, espera! Bonzo, NÃO FUJAS COM A COMIDA!

           Astra esquecera-se por completo do evento do dia: a candidatura à presidência. Contrariada, dirigira-se ao salão principal, juntando-se a Addison e a Eliza com o semblante carregado de aborrecimento. A irmã, por outro lado, estava bastante entusiasmada. Apresentou Astra a Bree, cujo sorriso e abraço entusiástico mostrara exatamente porque ela e Addison se davam muito bem. A Wells mais velha revirou os olhos, vendo Bree ser a pessoa mais simpática e adorável que já conhecera em Seabrook. Como é que as pessoas conseguiam ser tão simpáticas?

        Astra não sabia porque de simpática não tinha nada.

Bucky já fizera o seu anúncio, lançando olhares furiosos a Astra, que não parara de gritar uns quantos "TEU NARIZ DAVA UM MELHOR PRESIDENTE DO QUE TU!" e "BUCKY NÃO! BUCKY NÃO! BUCKY NÃO!" somente para irritar o primo. Depois, Zed aparecera, caindo pelas arquibancadas abaixo e empurrando Bucky pelo caminho, erguendo-se com um entusiástico:

- Força Zombie! Olá, o meu nome é Zed e vou candidatar-me à presidência.

- Ele não pode fazer isso! E toda a história das leis anti monstros? - reclamou Bucky, dirigindo-se à diretora, que encolheu os ombros.

- Todos se podem candidatar, Bucky. - afirmou Astra, olhando para as unhas com uma expressão de tédio - Se tu podes, toda a gente pode.

- Ela tem razão, Mr. Bucky. - confirmou a diretora.

- Um zombie como presidente?! Que nojo! - exclamaram os Acey's, em uníssono.

- Talvez Seabrook não esteja tão perdida como eu pensava. - murmurou Astra para si mesma - Qual é a ideia dele? - perguntou, segredando ao ouvido de Eliza.

- O Presidente pode mudar as regras. - explicou a amiga, sem desviar os olhos de Zed e do seu discurso improvisado - Assim já pode decidir ir ao baile... Entre outras coisas. - Eliza esboçou um sorriso, entusiasmada- Isto é uma oportunidade enorme para os zombies!

- Vou transformar Seabrook num lugar que aceita zombies e...

- Lobisomens?! - guinchou Bree, os olhos fixos num ponto qualquer atrás de Astra.

- Lobisomens? Não, porque haveria de... LOBISOMENS! - gritou Zed, apontando para a porta.

Um bando de jovens adentrou o salão, arreganhando os dentes. Astra sentiu o sangue fugir-lhe do rosto, reconhecendo-os.

A partir daí, o caos instalara-se.

Astra olhou em volta, por cima da confusão. Havia pessoas aos berros, a querer fugir, a o pânico espalhado pela expressão da maioria. Num impulso, a loira puxou uma das bandeiras com o rosto de Bucky, desviando-se para que o varão embatesse com força no chão. O pânico estava de tal forma instalado que ninguém ouvira o estrondo que provocara. Rangendo os dentes, pisou a bandeira, puxando o varão para si para separar as duas coisas.

- Equipa de futebol, posição de defesa Z-24! - ouviu Zed dizer.

Os rapazes da equipa posicionaram-se em frente a Addison, impedindo os lobos de chegarem até ela. Astra caminhou a passos largos, colocando-se à frente da equipa, o varão firmemente prensado nas suas mãos, uma das pontas apontada ao rosto da lobisomem que sabia chamar-se Willa. Esta estalou a língua, visivelmente impressionada com a loira à sua frente, que sequer pestanejava.

- Temos uma humana corajosa. - ironizou a loba, arreganhando os dentes - Sai da frente.

- Isso não vai acontecer. - afirmou Astra, os nós dos dedos brancos da força com que segurava a arma improvisada nas suas mãos- Acho que deviam voltar para onde vieram. - ripostou, a ameaça silenciosa na sua voz.

- Lobos!

Os olhos dos lobisomens brilharam, como ouro líquido. As pedras dos seus colares resplandeciam e Astra sentiu novamente a urgência de lhes tocar, tal como sentira na floresta. Prensou os lábios, refreando o impulso do seu próprio corpo, os olhos roxos fitando o rapaz ao lado de Willa. Era o único que não se transformara e Astra reconheceu-o, empalidecendo ao ver o olhar que ele lhe lançava, numa mistura de curiosidade e estranheza.

O lobo que ela observara. O lobo que a vira.

- Podes ladrar o que quiseres, não tenho medo de ti. - conseguiu dizer, evitando olhar novamente para o rapaz.

- Devias. - rosnou Willa, virando a sua atenção para Addison - Então cabelo branco? Onde está a Pedra da Lua?

- Acho que estão a falar com a pessoa errada. - respondeu Addison, os olhos arregalados.

- Eu também acho. - concordou Astra, erguendo um pouco mais o varão - Saiam.

Os lobos deram um passo em frente, ameaçadores. A equipa atrás de Astra recuou ligeiramente mas a loira sequer pestanejou, um pé em frente do outro, o rosto numa expressão séria e firme. O rapaz ao lado de Willa pousou a mão no ombro da mesma, afirmando:

- Willa, não podemos entrar em guerra com a cidade toda.

- Ouve o teu namorado, ele parecer ser o único com algum juízo na cabeça. - salientou Astra, erguendo uma sobrancelha ao ver o rapaz rir.

- Sou irmão dela, não namorado. - estendeu a mão, num gesto amistoso - Chamo-me Wyatt.

- Eu não perguntei. - ripostou a loira, semicerrando os olhos.

- Nós não queremos magoar ninguém. - afirmou Wyatt, lançando um olhar significativo à jovem ao seu lado - Willa...

A lobisomem grunhiu, acalmando-se. Os seus companheiros fizeram o mesmo, os colares adotando o seu estado original. Com um sorriso falsamente doce no rosto, Willa disse:

- Nós sempre tivemos muita inveja de vocês então... Queremos juntar-nos a vocês, andar na vossa escola.

- O quê?! Eles não podem fazer isso! - guinchou Bucky, horrorizado.

- Tecnicamente, a Floresta Proibida fica dentro do distrito escolar. - disse o treinador da equipa de futebol, com um encolher de ombros.

Astra nada disse. Permanecia de varão em riste, os olhos púrpura analisando os lobisomens, esperando ver algum tipo de comportamento ofensivo da sua parte. Sentiu o rosto ruborizado ao notar o olhar fixo de Wyatt sobre si, a cabeça ligeiramente inclinada, atento. Parecia achá-la familiar, embora não soubesse de onde...

- Bem-vindos a Seabrook! - disse Addison, aproximando-se da irmã, a mão pousando suavemente no seu ombro - Astra, está tudo bem.

Acenou com os seus pompons da claque na direção dos lobisomens, na sua habitual atitude animada. Estes acenaram-lhe de volta, observando a multidão começar a dispersar, encarando-os com desconfiança. Addison fitou a irmã, esperando que Astra cedesse. A Wells mais velha baixou o varão, dando um passo em frente. Willa era um pouco mais alta do que ela e por isso teve de erguer a cabeça alguns centímetros, encarando a lobisomem com seriedade. A irmã mais nova já se afastara após ver que ela não iria atacá-los, confiando cegamente no discernimento da irmã (algo que Astra não aconselhava ninguém a fazer).

- Eu não sei o que vocês querem com a minha irmã... Eu vi-vos dirigirem-se a ela, sei que têm algum interesse nela. - murmurou junto de Willa, girando o rosto para encarar Wyatt - Mas a do "cabelo branco" não tem nada a ver com o que vocês querem. Por isso... - aproximou-se do lobisomem, vendo-o arregalar os olhos - Fiquem longe dela.

- Não vamos fazer-lhe mal. - afirmou Wyatt, com uma sinceridade na voz que Astra não esperava - Dou-te a minha palavra.

Astra soltou uma risada sarcástica, a mão no peito num gesto dramático.

- Porque a palavra de um rapaz que não conheço de lado nenhum tem uma enorme relevância.

- A palavra de um lobisomem é sagrada. - ripostou Wyatt, esboçando um sorriso - Não irei quebrá-la.

- Vamos embora. - ordenou Willa, lançando um último olhar na direção da humana - Voltamos amanhã para o nosso... primeiro dia de aulas.

Os lobisomens uivaram, numa demonstração de quem eram. Dirigiram-se em direção às mesmas portas por onde entraram, rosnando e arranhando o que encontravam pelo caminho.

Astra estalou a língua, virando as costas por onde eles saíram. Uma mão no seu braço assustou-a. Por impulso, virou-se para quem lhe tocara de punho em riste, num gesto de autodefesa que acionara sem querer. A pessoa em questão fora rápida o suficiente para segurar-lhe o pulso, os olhos castanhos arregalados de susto e diversão.

- Ias socar-me?! - questionou Wyatt, parcialmente em choque.

- Não toques numa pessoa assim! - guinchou Astra, irritada - Isso é invasão do espaço do outro! E assustaste-me!

- Peço imensa desculpa. - pediu o lobisomem- Mas... Ainda não sei o teu nome.

Wyatt encolheu os ombros, com um ar inocente.

Astra abanou a cabeça, incrédula.

- Vais continuar sem saber. Desampara-me a loja!

E virou-lhe as costas, deixando-o sozinho e confuso.