Capítulo 1
O autocarro parou com brusquidão junto à paragem, fazendo o corpo de Astra cambalear para a frente e embater com o nariz na porta, com força suficiente para ela se virar para o motorista com irritação. Este esboçou um sorriso malicioso, deitando-lhe a língua de fora. A bufar, a loira desceu do autocarro, rangendo os dentes ao vê-lo afastar-se com o motorista a rir-se.
Ela e aquele motorista não se davam bem.
- Continuo sem acreditar que não vais estar aqui para me aturar. - disse Astra, olhando para o ecrã do telemóvel, sem dar a chance da pessoa do outro lado da linha dizer sequer um "olá" ao atender - Com quem é que eu vou reclamar?
- Com o teu namorado. - respondeu Eliza Zambi com um sorriso, abanando a cabeça- Eu queria muito ir a Seabrook mas não consigo, o estágio está a correr demasiado bem...
- Eu sei eu sei. Mas não me vais convencer com a história do robô.
- O robô faria de conta que estou aí contigo!
- Mas não estás e eu não sou burra para acreditar que um robô é a minha melhor amiga!
- Astra, és tão teimosa.
A Wells sorriu, caminhando apressadamente em direção a Zombietown. Estava cheia de saudades de Addison mas precisava de ir a casa pousar as suas coisas antes de visitar a irmã. Apesar dos esforços da mais nova para Astra ficar na casa dos Wells, esta recusara, não confundindo a pouca relação que começava a estabelecer com os pais com uma enorme vontade de ter a filha mais velha a preambular pela sua casa.
- Tens a certeza que a tua mãe não se importa que eu fique na tua casa sem tu estares? - questionou, focando a sua atenção no visor.
- Claro que não, a minha mãe adora-te. És como uma segunda filha para ela.
- Quem não me adora, não é?
Eliza soltou uma risada debochada, sem conseguir levar a melhor amiga a sério.
- Vais contar-me novidades sobre a faculdade ou tenho de implorar?
- Querida, por muitas saudades que tenha tuas, preciso de me instalar primeiro... e comer. Estou faminta. - Astra olhou para cima, sorrindo - Lar doce lar. Zombietown está muito evoluída.
Era verdade. Para além dos portões estarem abertos para toda a gente, uma mistura de culturas instalara-se nas ruas daquela parte de Seabrook. Os lobisomens tinham-se instalado junto aos zombies, construindo casas, negócios... Os olhos violeta de Astra suavizaram ao ver o centro da cidade: uma estátua fora erguida a bronze, em homenagem a quatro figuras importantes de Seabrook. Um zombie, uma líder da claque, uma lobisomem... E a Guardiã. Zed, Addison, Willa... Astra. Ver o seu próprio rosto esculpido fê-la torcer o nariz, soltando uma risada fraca por se ver numa posição de grandeza e veneração por parte do povo de Seabrook, a mesma cidade que a olhara de lado e de onde tivera de sair porque não encaixara.
- Falamos mais tarde. Avisa-me quando chegares a casa e manda um beijo meu à minha mãe! - despediu-se Eliza, acenando do seu lado da chamada.
- Assim farei, Liz. - respondeu Astra, piscando-lhe o olho - Até mais tarde!
Havia uma zona um pouco mais reservada para os lobisomens, o seu próprio território. Ali, protegida por um campo de energia, a Pedra da Lua pareceu saudá-la ao brilhar assim que ela se aproximou. Astra sorriu, a mão passando facilmente pelo campo de energia, os dedos acariciando a superfície fria da pedra.
Estrelas surgiram nas pontas dos seus dedos com suaves tonalidades de violeta.
- Pensei que ias para casa primeiro.
O coração falhou-lhe uma batida.
Virou-se para trás, sem conseguir esconder o sorriso ao ver o rapaz de olhos castanhos, cabelo escuro e uma única madeixa branca. Tão familiar, tão bonito, tão dela.
- Wyatt.
As malas que tinha na mão caíram ao chão e Astra caminhou apressadamente para ir ao seu encontro, observando-o fazer o mesmo com entusiasmo. Ela queria parecer menos entusiasmada do que ele mas não foi capaz. Nos últimos segundos, deixou-se levar e saltou para os seus braços, rindo alegremente quando ele a girou no ar, uivando ao seu ouvido.
- Estava a ver que nunca mais chegavas! - exclamou o lobisomem, pousando-a - Chamadas à distância e mensagens não se comparam a ter-te aqui.
- Estavas a morrer de saudades minhas? - questionou a loira, esboçando um sorriso provocativo - Não vives sem mim, lobinho.
- Não vivo mesmo, Estrela.
Com um sorriso ladino, Wyatt puxou-a para si, beijando-a. Era um beijo doce, cheio de saudades e com promessas de muitos mais. Desde que Astra ingressara na Universidade de Mountain, o tempo não era muito e por isso as visitas a Seabrook eram escassas. Infelizmente, Wyatt não podia sair da cidade, a visão de um monstro causando o pânico noutros lugares que não Seabrook.
Era por isso que aquela visita era mais importante que todas as outras. Ela viera assistir ao jogo de Seabrook contra Easted Eels, onde Zed Necropolis poderia ser selecionado por olheiros para ingressar na Universidade de Mountain. Ele seria o primeiro monstro a ingressar na faculdade... o primeiro de muitos. Poderia abrir a porta para outros monstros, incluíndo Wyatt.
- Se não me largares, ficamos aqui o dia todo. - murmurou contra os lábios dele, sorrindo.
- Perfeito.
Astra empurrou-o suavemente.
- Temos compromissos, lembraste?
- Lembro. Beijar-te é um deles. Não te beijo há meses!
Os dois riram e Astra permitiu-se descontrair, sentindo-se confortável perto dele. Fora um processo demorado confiar totalmente em Wyatt... e não só. Confiar de todo em alguém. Ela habituara-se a estar sozinha e a confiar apenas em si mesma, uma vida inteira a afastar o mundo do seu coração. Agora, aquele músculo idiota batia descontroladamente ao ver o rapaz ao seu lado passar-lhe o braço por cima dos ombros, questionando-a:
- Preparada para me aturares a 100%?
- Vamos ser lamechas como o Zed e a Addison? - a voz de Astra tornou-se mais fina, levando a mão ao peito ao imitar a voz da irmã- "Oh Asty, se o Zed entrar na faculdade vamos ficar juntos para sempre!"
- Não sejas assim. - retorquiu Wyatt, apertando-a suavemente - Tu também pensas assim. Não me enganas.
- Quem disse que eu quero ficar contigo para sempre?
- Tu. Nos dias que não tens tanto mau feitio.
- Então é nunca.
- Vamos levar-te para casa, Estrelinha.
Seabrook estava um alvoroço.
Todos torciam pela equipa de futebol. Havia gritos, pinturas faciais, cartazes, Shrimpy a mascote a andar de um lado para o outro, a claque... Astra sorriu ao aproximar-se da confusão, soltando a mão de Wyatt para ir ao encontro da única pessoa com o cabelo branco como a neve. Os olhos azuis de Addison arregalaram-se ao ver a irmã, soltando um guincho ao correr ao seu encontro.
- Asty!
- Addy. - a mais velha deixou-se ser abraçada, sentindo-se feliz por vê-la - O que fizeste ao teu cabelo? Estás linda!
- Tive tantas saudades tuas! - Addison afastou-se, as mãos apertando os braços de Astra ao dizer - Estou mesmo contente que aqui estejas. Precisamos do máximo de pessoa possíveis para motivarmos a equipa. - deu um pulo, lançando um braço ao ar, como se tivesse os seus pompons na mão - Vai Seabrook!
- Quando se vem de Seabrook, somos Seabrook!
Astra franziu o sobrolho, olhando para cima do autocarro que costumava transportar a equipa para os jogos. No alto, Willa Lyckensen uivava, balançando um cartaz nas mãos efusivamente com as palavras "Força Mighty Shrimps!" escritas.
- Demasiado espírito académico. - ouviu Wyatt dizer, fazendo-a encará-lo.
- Isto é obra tua?
- Eu apenas sugeri que ela viesse torcer pela equipa, é um jogo importante... Mas não estava à espera que ela se dedicasse tanto à tarefa.
A Wells olhou em volta, os olhos semicerrados.
- Onde está Selene? Ela devia ver as figuras que a namorada está a fazer. Ou talvez eu filme e use como provocação mais tarde.
- Selene foi aceite na Universidade de Mountain. - contou Wyatt, com uma careta - Foi com os pais ver a faculdade e... Acho que ficaram por lá de férias ou assim. A Willa está um pouco chateada com isso, na verdade. Queria muito que ela estivesse aqui hoje.
A Wells assentiu, aceitando a mão estendida dele. Era um grande dia. Um dia importante... para todos.
- Malta, uma salva de palmas para a equipa de futebol que vai em direção à vitória! Lá vêm eles!
Uma grande fita foi rasgada à medida que os aplausos irrompiam da multidão. Onde era suposto surgir a equipa de futebol, surgiu Bucky, fazendo Astra revirar os olhos.
- Buuuuuu! - urrou, acenando para o primo, que a olhava com irritação - Ninguém te quer ver, Bucky!
O primo ignorou-a, continuando a discursar para a multidão que batia palmas. A equipa de futebol chegou logo a seguir e Astra não pode deixar de sorrir ao ver Zed, o namorado da sua irmã, acenar na sua direção em meio ao tumulto que surgira com a sua chegada. Ele e Addison eram as estrelas mais brilhantes de Seabrook. Tinham mudado mentalidades e estavam prestes a mudar o mundo.
Ao observá-lo rodear os ombros de Addison com o braço, soube que a sua irmãzinha estava bem entregue.
- Estás bem? - murmurou Wyatt, vendo-a tão pensativa.
- Muito bem. - apontou com o queixo na direção do casal maravilha, esboçando um sorriso - Tens razão. Eu quero o que eles têm. O que nós temos. - fez uma pausa, encolhendo os ombros com um ar inocente - Para sempre.
Wyatt susteve a respiração, olhando para ela com os olhos brilhantes.
- Quem és tu e o que fizeste à minha Astra que não tinha coração?
Ela empurrou-o, num gesto de brincadeira.
- Oh cala-te!
- Meteoros! - exclamou Zoey, a irmã mais nova de Zed, apontando para o céu.
Astra virou-se para olhar para o céu, onde bolas de fogo vermelhas caíam em direção à Terra. Para seu espanto, ninguém se pareceu importar, continuando a conversar e a rir como se nada fosse.
- Os meteoros continuam a cair? - perguntou a Wyatt, de sobrolho franzido - Desde que recuperamos a Pedra da Lua que isto acontece. Já alguém tentou perceber porquê?
Wyatt abanou a cabeça, encolhendo os ombros.
- A este ponto, Seabrook está habituada a coisas estranhas acontecerem.
Um arrepio percorreu o corpo de Astra, o corpo quente fazendo-a baixar os olhos, fitando as mãos. Não podia ser. Não assim.
Ela brilhava.
- Astra! - exclamou Wyatt, encarando-a com os olhos arregalados - Pensei que o teu poder tinha desaparecido.
- Não. - respondeu a loira, abanando a cabeça- Esteve adormecido... até eu precisar. Mas Wyatt... Eu não estou a fazer isto. Não intencionalmente e já não brilhava de forma inconsciente desde...
"Desde que tu apareceste na minha vida e eu descobri porque sou assim" queria dizer mas soube no olhar dele que não precisava. Havia algo errado. Um relâmpago trespassou o céu e o vento soprou mais forte, despenteando-lhe a trança embutida que usava.
Havia algo no céu.
Algo... de outro mundo.
E sobrevoava exatamente o lugar onde ela estava.
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