Tempo
"A desconfiança é a mãe da segurança"
"A noite foi tempestuosa e melancólica, e eu não consegui sequer pregar o olho.
Ansiosa e ponderativa, por volta das quatro horas da manhã, levantei-me e fui até a cozinha preparar um chá, e enquanto observa o cair da chuva, me perdia em alguns pensamentos profundos.
Sabia que logo mais o Astrólogo iria atacar, e nós não poderíamos perder tempo algum. Tínhamos que achar uma brecha para conseguir uma vantagem, e finalmente ficar à frente desse psicopata, ou, psicopatas.
Algumas peças não se encaixam, como o fato de Tália ter morrido dentro da delegacia. É possível que A tenha se disfarçado, ou hackeado as câmeras para conseguir ir até a sala privada sem que ninguém suspeitasse de nenhuma movimentação diferente, como se criasse um loop perfeito para que as imagens vistas nos computadores de segurança não se alterassem.
Perguntas sem respostas surgiam.
Para agir, ele precisaria de tempo e agilidade. Se o que Roman disse foi realmente verdade, o assassino teve a oportunidade perfeita para pôr em prática seu plano homicida.
Enquanto os policiais estavam reunidos discutindo o que fariam, houve uma brecha perfeita para atacar. Ou, ele sabia o que estava acontecendo em tempo real, como se tivesse contato com alguém de dentro, um traidor ou informante, como queira chamar.
Se a área estava restrita, com passagem livre apenas para Roman e sua equipe, como foi possível que o assassino tenha passado despercebido pelo restante dos policiais do departamento?
Essa era a pergunta certa a se fazer.
Se minha teoria estiver mesmo certa, há algum agente duplo, e nenhuma das vítimas estará segura naquele lugar e em nenhum outro. Isso explica maravilhosamente o fato de que sempre somos passados para trás.
Fato importante já citado, o suspeito número um é meu querido amigo Jasper Miller, ou deveria dizer, O Astrólogo? Que merda esse otário está fazendo?
Enfim, a opção que mais bate é a seguinte.
Aproveitando do estresse e nervosismo do esquadrão, J acha a desculpa perfeita para sair da sala sem a desconfiança dos demais. Ele diz que vai até o banheiro, muda a rota e vai até a sala restrita. Sem suspeitas até agora, já que ele tinha passe livre para chegar na moça. Possivelmente, já que trabalhamos com suposições, algum tempo antes do chamado, ele foi até o departamento de evidências e pegou a estricnina usada para o envenenamento, depois restando apenas misturar em um refrigerante ou suco qualquer das máquinas de bebidas que ficam dispostas pelos corredores.
Seguindo do ataque, ele se retira rapidamente e volta para a reunião como se nada tivesse acontecido, até a médica responsável por cuidar da latina se deparar com o corpo já convulsionado e inanimado, emitindo logo mais o óbito da mulher.
Considerando as imagens presentes nas câmeras, e os horários de cada uma, ficaria fácil de encontrar tanto A, quanto seu ajudante. Se ele não fosse mais esperto, e cauteloso.
Confesso que me dói pensar a respeito disso, e me deixa angustiada, já que Miller e eu crescemos juntos. Assim que minha mãe, eu e meu irmão mais novo chegamos aqui em Lashbury, depois do ocorrido na Alemanha, não foi fácil conseguir me enturmar com as crianças. Até Jasper aparecer e me defender de alguns valentões na escola. A partir desse ato heroico, nos aproximamos rapidamente, e nos tornamos bons amigos.
Lembro-me de um dia, quando estávamos voltando para casa, e começou a cair uma chuva forte. J me emprestou o casaco, e me desafiou a ganhar dele em uma corrida até minha casa, o que eu fiz. Ok, eu sei que ganhei porque ele deixou, já que era bem mais alto e atlético, mas preferi aceitar a minha entre muitas aspas conquista. Depois desse dia, tanto eu quanto ele ficamos com um forte resfriado, faltando a escola por uma semana.
Ele sempre me apoiou em decisões importantes da minha vida e carreira, e imaginar que o mesmo garotinho de coração nobre e puro que me salvava diariamente estava aliado a um assassino, era como uma traição minha para com ele.
E isso me afetava, não vou negar.
Em meio a devaneios e lembranças antigas, eu me pegava rindo sozinha, enquanto a chaleira começava a chiar sobre as chamas do fogão.
Meu objetivo era achar soluções, e não pôr fogo na cozinha. Com cuidado, preparei um chá de camomila e me sentei na poltrona do sofá, escrevendo todas as minhas teorias no meu diário físico.
Olhei para o relógio que constava seis horas da manhã, e levemente me assustei com a entrada de Roman na sala."
*
— Que susto! — Cocei os olhos.
— O que faz acordada tão cedo assim? — A voz rouca ecoou.
— Não consegui dormir, e fui preparar um chá.
— Por causa da tempestade? — Ele buscou uma xícara de café e depois se sentou ao meu lado.
— Também. — Um breve silêncio surgiu entre nós — Estive pensando a respeito da morte repentina da Tália, e suspeito de algumas coisas.
— O que tem em mente? — Ele ajeitou a postura, com o ar de interesse.
— Você disse que Jasper foi o único que saiu da discussão, e supondo que ele tinha acesso a sala, isso explica como a Tália poderia ter sido envenenada sem que antes alguém pudesse levantar suspeitas do ocorrido.
— Então está dizendo que o Miller é o assassino? — Seu tom de surpresa foi audível.
— É a alternativa mais lógica.
— Você acha que ele pode mesmo estar trabalhando com o Astrólogo?
— Infelizmente, sim. — A tristeza surgiu em minha face — Ou até mesmo ser o Astrólogo.
— Levanta e se arruma, hoje você vai comigo para a delegacia. — Disse autoritário, enquanto se pôs de pé. — Vamos olhar as câmeras de uma vez por todas, e a linha telefônica dele.
— Você acha mesmo que ele usaria o próprio telefone para contatar o assassino? Cai na real, Roman. Estamos falando de um assassino em série inteligente e cauteloso demais para cometer essa falha amadora. — Me aproximei, mantendo contato visual.
— Meu bem, não se trata de ligações, e sim de sinais. — Ele tocou levemente o meu queixo e se afastou. — Com o telefone, vamos conseguir triangular suas últimas posições e até mesmo usar o sinal para achar outros possíveis telefones utilizados. E sim, sei exatamente de quem estamos falando.
— Pensei que não pudesse hackear telefones descartáveis.
— E não posso, porém, nesses casos haverá sempre algum rastro de intercepção.
*
"Segui adiante com o planejamento, e com relutância, me arrumei.
Chegando na delegacia, percebi que pelo horário estava menos movimentada, e agradeci por ter menos olhares dessa vez.
Fui até a sala de Roman, e pus minha cadeira ao lado de sua mesa, onde tinha a visão clara do computador, mas sem estar tão próxima assim do moreno.
Como ele estava demorando de trazer as imagens, decidi fuçar alguns arquivos a respeito da morte da ex-prefeita Hahn.
Eu apenas pretendia ver os relatórios da perícia, as fotos da cena do crime, as testemunhas, qualquer coisa que possa me ajudar a entender o que aconteceu, já que foi uma morte bruta e repentina.
Qualquer um diria que estou seguindo uma pista sem fundamentos, ou até que é uma teoria da conspiração. Mas, e se eu dissesse que eu sei de algo que ninguém mais nessa cidade sabe sobre Florence? Tudo bem, escondi essa informação de você.
Vou explicar. Antes de morrer, a prefeita me ligou de forma inesperada e até chocante. Ela disse-me que era uma emergência, e que ela tinha pouco tempo para revelar um mal terrível que ameaçava Lashbury. No começo eu não compreendi, assim como você, mas depois tudo ficou claro.
Florence me contou que existia um grupo secreto que dominava a cidade há séculos, desde sua fundação, e que era composto pelos mais poderosos da sociedade. Ela enfatizou que o assunto era confidencial, e que queria falar pessoalmente comigo, pois os telefones eram inseguros e rastreáveis.
Eu aceitei o seu convite, e quando cheguei, eu vi uma mulher apavorada e cautelosa. Ela correu ao meu encontro, olhando para todos os lados, como se temesse ser vista por alguém, e me levou para a enorme sala de sua mansão. Lá, ela me disse que não podia me contar mais nada, pois isso me colocaria em perigo, assim como toda a população.
Com uma taça de rum na mão, Florence arranhava a nuca sem parar, como se estivesse em um estado de nervosismo. E, caminhando de um lado para o outro, disse que eles sabiam de tudo, e vigiavam todos. Te lembrou mil novecentos e oitenta e quatro, eu sei.
Ela continuou dizendo, entre choros e gagueiras, que eles matariam as filhas dela, gêmeas, que tinham acabado de ingressar na faculdade de relações internacionais na época. De repente, a mulher me empurrou para fora da casa, e me mandou ir embora, dizendo que se eu não fosse cuidadosa, eu seria um alvo fácil.
Como eu não pensei antes, que o Astrólogo poderia estar envolvido com esse grupo?
Agora eis a pergunta, o que isso tem a ver com os homicídios, Stella? Simples, tudo foi previamente arquitetado, cada passo, cada probabilidade, tudo. Se algo não der certo, A vai sempre ter uma carta na manga.
Assim que Roman entrou na sala e se sentou, joguei a pasta na frente dele."
*
— Ela me disse, e eu ignorei. — Falei em meio a gaguejos, enquanto o encarava.
— Como assim? Do que está falando?
— A prefeita.
— O que tem a prefeita, Stella? Seja mais direta, por favor. — Ele se virou para mim, encarando-me.
— Eles podem ouvir. — Falei hesitante.
— Quem pode nos ouvir? O que houve, está me deixando aflito.
— Fale baixo. — Me aproximei, e falei em seu ouvido — A prefeita me disse a um tempo, antes de morrer, que existia um grupo do alto escalão que comandava Lashbury, e que corria muito perigo, pois eles sabiam e vigiavam tudo e todos.
— Ah, Stella. Eu queria muito que você não soubesse disso. — Ele limpou a garganta e se afastou — Eu estive investigando isso com a ajuda dela, mas depois do que aconteceu, entendi que o recado era para mim. — Ele se virou e sussurrou, enquanto afagava o meu cabelo — Você não está achando que o Astrólogo tem algo a ver com eles, não é?
— É tão lógico achar que sim.
— Por enquanto, esqueça isso, pelo seu próprio bem, por favor. — Roman olhou em volta.
— Mas, se temos a chance de derrubar esse homicida, por que não tentar?
— Preste bem atenção no que vou te falar agora. — Ele se aproximou, segurando meu rosto e falou baixo — Eles são extremamente perigosos. Não podemos cutucar a onça com vara curta, e nessa situação, estaríamos cutucando a onça sem vara. — Ele se afastou — Eu trouxe as imagens, agora sim podemos dar um passo concreto. E, por favor, não fale sobre isso aqui.
*
"Acho que te surpreendeu assim como eu.
Tentei me recompor o mais rápido que eu pude, mas com uma bomba dessas, meus neurônios ficaram paralisados.
Enquanto eu organizava minha mente, Roman preparou as imagens no computador, e adiantou algumas horas até chegar na parte crucial.
A sequência mostrava os policiais chegando na delegacia depois do resgate, e o delegado levando Tália até a sala restrita. Em seguida, paramédicos indo até a sala para estabilizar a mulher, que se encontrava ainda um pouco apagada.
Tudo se seguiu normalmente, Roman se juntando ao esquadrão na sua sala, Jasper saindo e indo até banheiro, e ninguém se aproximando da sala até a médica encontrar o corpo.
Como isso era possível?!
Pedi ao moreno que voltasse na imagem do tempo que antecedeu o fato, e com uma breve e minuciosa análise ele acabou notando a mágica, loop infinito de imagem congelada. Porém, se realmente foi Jasper, como poderia explicar a prova concreta de que ele disse a verdade? O ruivo saiu da reunião as onze e quarenta se dirigindo ao banheiro, e enquanto voltava, parou na mesa da cafeteira do departamento de investigação as onze e quarenta e seis, retornando as onze e cinquenta.
Não encaixava, ou ele fazia parecer não encaixar? Não sei explicar.
As imagens de segurança estavam com a qualidade um pouco comprometida, e o rosto de J estava com a resolução baixa. Seria perfeito dizer que poderia não ser o verdadeiro Miller, se não fosse um detalhe, ele tem uma cicatriz na bochecha esquerda, a qual estava presente.
Roman ficou entre um estado de alívio, preocupação e frustração, ao saber que houve um possível congelamento, e isso o motivou ainda mais a descobrir quem é o traidor, e se A realmente tem algum envolvimento com o grupo que vou chamar aqui de Phoenix.
Ele insistiu em me levar para casa, para prevenir as devidas situações, e como já era de se esperar, o caminho foi longo e silencioso.
Trouxe comigo a pasta de Florence, e devo adiantar, que novas informações serão adicionadas ao nosso quadro de cortiça. Será que Gamma e Gália sabiam a respeito de alguma coisa? Talvez desconfiassem do que poderia ter causado o repentino frenesi da mãe, ou até mesmo se já sabiam que estavam sendo vigiadas. Tantas perguntas para tão pouco tempo.
Se acha que estamos perto, se engana.
A luta é bem mais difícil do que se pode imaginar."
Notas da Autora
Revisão Concluída ✅
Olá, espero que tenha gostado do capítulo.
Não se esqueça de comentar e curtir, pois ajuda na evolução da história.
Esperava por tudo isso? Deixe sua opinião.
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