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Insensatez Parte II

⚠️ Tópicos sensíveis ⚠️


Munique, 10 de fevereiro de 2008


10:00 AM

Violet Von Woodward estava em um quarto branco sentada em um canto, quando a enfermeira Hartz entrou com a bandeja de medicamentos. Era um quarto medíocre e mediano, tinha uma cama de solteiro, uma cômoda pequena e uma estante pequena com livros infantis, enquanto entrava luz solar por duas extremidades superiores gradeadas.

— Violet querida, trouxe seus remédios. — Indagou a moça, se aproximando.

A menina ignorou e continuou brincando com uma boneca velha.

— Sei que não vai me responder, apenas tome.

Sem sucesso. A garotinha se recusava firmemente a tomar os comprimidos, chegando a pôr as duas mãos na boca, enquanto a enfermeira lutava para que a obedecesse.

— Violet, se não tomar os comprimidos, você vai ficar mais doente. E você não quer ficar mais dodói não é? — Falava com passividade e doçura.

E novamente, sem sucesso.

— Vamos fazer um acordo então, certo? Se você tomar os remédios, eu trago sorvete para você amanhã. — Ela sorri, a fim de fazer a menina se sentir segura.

A garotinha, entusiasmada com a possibilidade de ganhar uma sobremesa, enfim se rendeu e tomou os comprimidos.

17:00 PM

A enfermeira Hartz acompanhava Violet por um corredor mal iluminado, estreito e que fedia a urina. Havia chegado o momento da primeira sessão com o Dr. Petrov, e a garota ainda estava um pouco cambaleante por conta dos fortes medicamentos.

'Toc', bateu na porta.

— Dr. Petrov, primeira sessão de Violet Von Woodward. — Indagou a jovem, entrando na sala.

— Obrigada enfermeira Hartz. Entre pequena, e sente-se na poltrona. — Falou com pouca emoção.

A menina se sentou, observando em volta, e ainda tonta, enquanto os batimentos cardíacos iam ficando mais acelerados.

— Como está se sentindo, pequenina? — Olhou-a por cima dos óculos.

— ...

— O que você quer? — Observou-a. — A minha prancheta?

A garota balança a cabeça em afirmação.

— Aqui. — O velho se levanta, entregando o objeto nas pequenas mãos da garota.

Violet começa a rabiscar, e em pouco tempo, surge um espiral.

— O que isso significa? — Questiona com curiosidade.

A garota começa a rabiscar tão forte que o papel se rasga em pedacinhos, enquanto o velho doutor permanece neutro e sentado com as mãos juntas.

Depois do pequeno ataque, a menina se sente desconfortável no ambiente, já que a cada longo e agonizante minuto o lugar ia ficando mais e mais obscuro.

As lentes do médico brilhavam na intensa escuridão que tinha se instaurado na sala, enquanto ela olhava para o pequeno abajur florido que estava ao seu lado e que mal iluminava dez porcento da sala.

Ela começava a ficar enjoada, e a sentir medo. O fétido odor começava a surgir em suas narinas, quando em um sobressalto o médico se levantou e caminhou até a extremidade mais escura da sala, em seguida, surgindo com um pirulito em mãos.

— Gosta de doces? Bem, tenho um monte desses. — Ele entrega um dos pirulitos a garotinha.

Ela olha para o pirulito, e para o velho gigante atrás, afirmando com a cabeça e pegando o doce com as pequeninas mãos trêmulas.

— Não fique com medo, ora, estou aqui para te ajudar, e, se você cooperar, te dou mais quantos docinhos quiser. — O velho sorri, e ela percebe os dentes amarelados e podres. — Vou te dar essa colher de chá hoje, nos vemos na próxima sessão.

19:00 PM

A enfermeira Hartz entrou na sala indo até Violet, e pegou em uma de suas mãos, guiando-a até o corredor. Agora mais mal iluminado, a garota sentia o medo crescente em seu peito enquanto era acompanhada até seu quarto, que ficava na parte leste do manicômio.

Curiosamente, o lugar era iluminado com cores frias e intensas, enquanto apenas aquele corredor e a sala do doutor eram tomadas por escuridão e podridão. Mas poderia ser apenas imaginação da pobre e pequena Violet.

Enquanto atravessavam pela ala dos idosos, a menina reparou na pequena janela do quarto 636 e rapidamente puxou a mão da enfermeira com força.

— Ai Violet! O que foi, querida? — A mulher se atentou a menina que olhava assustada para a janela, apontando.

— Ah, é só o Senhor Bendetti. Ele está dodói, assim como você. — De maneira dócil, ela puxou a garotinha.

Ela nunca mais esqueceria aquele olhar penetrante, como se fosse um olhar de quem sabia o pior do mundo, e o olhar daquele que te mataria em uma noite de tormentosas tempestades, o olhar de mil jardas.

*°*


Os sete meses se passaram como sete anos para Violet.

O quarto, antes branco, agora continham desenhos espalhados pelas quatro paredes em giz preto. A menina, antes quieta e sem movimento, pintava como se os braços fossem cair de seu corpo a qualquer momento.

A enfermeira Hartz, de princípio se assustou com a desenvoltura da menina, mas ao reparar mais atentamente nos rabiscos tortos e estranhos, notou que aquela era a forma da garotinha se comunicar.

No começo eram coisas como pirulitos e doces, os mesmos que lhes eram prometidos. Depois foi começando a surgir objetos, como abajures, óculos, remédios, símbolos informativos que poderiam ser vistos pelos corredores, números, olhos, muitos olhos, e por fim chegando em pessoas.

Ela sempre se desenhava ao lado da enfermeira, enquanto tentava fugir de um par de olhos aterrorizantes, e um boneco de porte grande, com garras e dentes afiados, como se fosse um monstro horripilante.

Em uma noite, as luzes do manicômio estavam piscando demasiadamente, alertando a chegada de uma possível tormentosa tempestade. Violet, ansiava pela chegada da enfermeira, enquanto se espremia entre a cômoda e a parede.

O barulho e as luminosidades dos trovões invadiam o quarto, enquanto os desenhos ganhavam vida para a menina, que estava assustada e desorientada.

Um galho que se rompeu bateu com tanta força em uma das janelas, que o estrondo fez com que a garota começasse a chorar de medo, e consequentemente, começasse a gritar freneticamente como se estivesse tendo um surto.

— Senhorita Hartz, senhorita Hartz, socorro!!! — A menina implorou — Ah!!! O monstro está aqui!

Em poucos segundos, a porta se abriu, e a enfermeira entrou ofegante e molhada.

— Estou aqui, querida, está tudo bem. — Ela disse em meio a um mix de sensações, enquanto abraçava a garotinha.

— Por favor, estou com medo! Eu quero a minha mãe! — Choramingava no colo da mulher.

A jovem moça, agachada no chão e que se deixava ser abraçada por aquele mini ser, se sentiu pela primeira vez feliz em ver uma evolução na garota.

— Venha, vou contar uma história para você dormir, como sempre fazemos, certo? Vou ficar aqui, até que durma. — A voz doce e acolhedora ecoou pelo quarto.

— Promete que não vai me deixar? — Questionou Violet.

— Claro querida, prometo de dedinho. — A moça diz enquanto beija os dedos.

E pela primeira vez em tempos a garotinha sorriu.


*°*


25 de agosto de 2008, 17:00 PM


— Diga-me Violet, como se sente hoje? — O tom neutro e impassivo do médico se fez presente.

— Bem.

— Você está começando a evoluir, isso é bom.

— Para que serve esse negócio? — Ela aponta para o aparelho em cima da pequena mesa de centro.

— Isto é um gravador de voz, ele vai servir para gravar as nossas conversas.

— Por que vai gravar a nossa conversa?

— Para te ajudar nas próximas sessões, e para gerar um depoimento.

— E como isso vai me ajudar?

— Ora, não faça tantas perguntas, certo.

— Por quê? — A garotinha respondeu no mesmo tom impassível.

— Apenas responda as MINHAS perguntas, ora.

— Está bem.

— O que estava fazendo no dia que seu pai morreu? — Retomou ao questionário.

— Assistindo televisão.

— E sua mãe, onde estava?

— Na cozinha, preparando o lanche com Sebastian.

— Quem é Sebastian?

— Meu irmão mais novo, o senhor deveria saber disso já que é o médico aqui.

— Certo, eu sei quem é, ora. — Um tom ríspido surgiu brevemente em sua voz. — Você gosta do seu irmão?

— Sim.

— E depois de assistir, o que você fez?

— Fui ver o meu pai.

— Por quê? Você costumava acompanhá-lo até a saída?

— Não. Escutei barulhos estranhos, e... e...

— Violet, o que você viu?

— Um carro... um carro preto. — A garotinha começou a ficar ansiosa e trêmula.

— Por hoje é só, pode levá-la enfermeira Hartz.

A jovem obedece ao médico e acompanha a garotinha até o quarto, como de costume.

— Ei pequena, continue assim, e logo você vai poder ver a sua mãe novamente. — Tentou motivar a menina.

— E a senhorita? Vou poder vê-la?

— Bom, sempre que possível te mandarei cartas, e logo mais, quando estiver melhor, irá no meu casamento.

— Sério? Você vai se casar? — A garotinha disse animada — Com quem senhorita Elizabeth?

— Sim! — Respondeu a mulher — Ele se chama George, e é um soldado.

— Uau, que máximo! Eu te amo, Elizabeth. — Disse a menina, se aninhando na enfermeira.

— Eu também te amo, pequena.

*°*


10 de setembro de 2008, 15:00 PM


O Dr. Petrov pela primeira vez estava em pé ao lado de sua poltrona, com alguns papéis e algumas fitas em mãos, colocando-as em alguns envelopes pardos. A janela, com as cortinas abertas, iluminava o centro da sala fétida e gótica, expondo o mofo das paredes em tom verde floresta, e a poeira que infestava o ambiente.

Ao lado do médico, um homem baixinho, gordo e negro esperava impacientemente. Seu cabelo ficando grisalho e calvo chamavam a atenção pelo brilho, e rapidamente a menina pôde reconhecer aquela figura autoritária e engraçada.

— Violet, o delegado Riedel está aqui para acompanhar a última sessão.

— Então quer dizer que vou sair daqui hoje? — Um leve tom de entusiasmo surgia na voz baixa e aguda.

— Calma, não é assim tão fácil. — O médico interveio — Se você passar no último teste, poderá sair daqui em breve.

— E o que preciso fazer?

— Apenas responda as perguntas do delegado. — Disse o homem velho, enquanto ia até a janela.

— Senhorita Von Woodward, o que você viu exatamente quando seu pai foi assassinado? — Perguntou o homem roliço, enquanto se sentava na poltrona do médico.

— Como eu já disse, eu estava assistindo, então escutei barulhos e quando fui até o meu pai, encontrei-o caído.

— Certo, e você viu quem fez isso com ele?

— Apenas vi um carro preto.

— Você lembra de algo mais? E sua mãe, onde estava?

— Só me lembro disso, e da minha mãe me sacudindo depois. Eu já disse, ela estava com o meu irmão na cozinha. — Disse, começando a ficar nervosa.

— Tem certeza de que não se lembra de mais nada?

— Não.

O interrogatório foi encerrado, e ela aguardava a enfermeira Hartz para o acompanhamento padrão.

A menina não estava entendendo, a moça estava na sala, mas não ia acompanhá-la nesta ocasião. Dessa vez, a senhora Krueger que ficaria responsável por ela.

Enquanto era puxada pela enfermeira mais velha, ela notou um comportamento estranho e diferente na mais nova, e olhava para ela querendo obter respostas. Violet tinha se apegado muito a Elizabeth Hartz, e nunca viu a mocinha tão nervosa e desconfiada.

Ela acompanhou a enfermeira Krueger até o salão central, e em uma rajada de impulso, se soltou e começou a correr pelo imundo corredor. A mulher, roliça e corpulenta, começou a correr atrás da menina, conseguindo alcançá-la e por fim, arrastando-a até o quarto.

Mais uma noite mórbida e insalubre se aproximava, e a menina não conseguia parar de pensar no comportamento irregular da jovem moça.

As horas passavam, e nenhum sinal da enfermeira. A garota adormeceu com dificuldades, já que se acostumara a escutar as histórias divertidas e eletrizantes da mocinha.

De madruga, em um sobressalto, Violet se levantou da cama assustada, e notou todas as luzes do manicômio apagadas. Assustada, e apenas com a iluminação da lua que adentrava pelas duas janelinhas, ela foi até a porta e observou através do vidro. Passos, alguém se aproximava, e estava rápido. De repente, um vulto negro tapou a visão do vidro.

A garotinha, sem saber o que fazer, correu até o espaço que tinha entre a cômoda e a parede e se sentou, tremendo de medo.

A porta abriu, e uma figura grande e grotesca surgiu.

Inesperadamente, o senhor Bendetti pegou Violet pelos braços e levou-a até o corredor fétido, escuro e aterrorizante.

Ele correu para o seu quarto de volta, deixando-a sozinha. Enquanto isso, ela tentava sair daquele lugar, usando o tato, e em atenção a um barulho muito diferente do que costumava ouvir.

Guiada até a sala do doutor, que pela brecha inferior da porta parecia estar sendo iluminada por uma vela, ela girou a maçaneta devagar e os barulhos estranhos ficaram mais altos. Pela brechinha da porta de mogno escuro, Violet presenciou uma das mais terríveis cenas.

A enfermeira Hartz estava debruçada sobre uma mesa velha e escura, seu habitual uniforme estava levantado expondo suas nádegas, e em seu rosto via-se sua dor e sofrimento, enquanto as lágrimas lhe rolavam o rosto, ruidosamente. Atrás, o Dr. Petrov se movimentava para frente e para trás, enquanto uma de suas mãos tapavam a boca de Elizabeth, e a outra segurava sua cintura.

Em meio a essa cena diabólica, os olhos de Violet se encontraram com os da jovem Hartz, e a moça se desesperou mais. O olhar antes meigo e doce, transmitiam impotência, tristeza, desespero e aflição.

Elizabeth Hartz estava sendo barbaramente violentada por Alexei Petrov.

Em meio a lágrimas, a jovem Violet fechou a porta abruptamente e saiu correndo. O médico, que percebeu a infeliz presença, abotoou as calças rapidamente e partiu em busca da menina, não percebendo que havia derrubado uma das velas sobre a cortina pesada.

O manicômio estava totalmente escuro, a luz do luar havia desaparecido, névoas e ruídos de corvos faziam-se presentes do lado externo dos corredores. Enquanto a menina tentava fugir daquele homem grande e velho, Alexei andava calmamente pelos corredores sujos gritando pelo nome da menina.

A garotinha de corpo pequeno, se instalou debaixo de uma das mesas do refeitório, enquanto escutava os passos tranquilos e pesados se aproximarem. A lua surgia em meio as enormes janelas, iluminando todo o ambiente.

Petrov assobiava com sagacidade ao passo que se aproximava do lugar.

Violet, perdida, começou a correr novamente em meio as alas escuras, e ela sabia que o único lugar que poderia se salvar seria no temido quarto 636.

O senhor Bendetti estava parado em frente a uma parede, imóvel. Quanto mais podiam se ouvir os passos, mas os batimentos cardíacos da menina aceleravam, e gradativamente seu medo crescia.

Violet tinha que se salvar.

Um, dois, três passos, mais e mais próximos. Ele estava chegando perto demais, e ela sabia que se fosse pega, ia ter o mesmo fim que o pai dela.

Ele caminhava pelo corredor, quando parou em frente ao quarto. Se virou e deu dois passos, girando lentamente a maçaneta gélida, encontrando apenas o senhor Bendetti imóvel.

A garota, que estava trás da porta, tentava regular a respiração pesada e ofegante, enquanto o médico adentrava mais o quarto. Não tinha escapatória, ou ela esperava e era vista pelo homem, ou tentava escapar e era pega.

Ao se aproximar do idoso, Alexei virou-o, percebendo o mesmo olhar penetrante que Violet vira outro dia. Mas para a garota, esse era novo e diferente.

O idoso formou um sorriso inescrupuloso no rosto, atacando o velho Petrov no ombro com um pedaço de vidro. O homem tirou o caco abruptamente e enfiou na veia lateral do pescoço do idoso, o matando.

Aproveitando a deixa, a garota tentou fugir, mas o velho foi mais esperto e conseguiu alcançá-la, irreparavelmente sob a intensa luz da lua na área ampla e vazia do refeitório.

Com uma mão estancando o sangue que escorria quente, o homem usava a outra para enforcar Violet, que estava começando a perder os sentidos.

Ela acordou em meio as chamas, tonta e fraca.

Elizabeth Hartz havia chegado a tempo de lutar contra o médico, quebrando uma lamparina antiga em sua cabeça, mas ela era um elo fraco comparado a ele, que tinha força suficiente para machucá-la quantas vezes quisesse.

Ele agrediu-a e tentou enforcá-la, fazendo isso com êxito.

Juntando seus últimos respingos de força, a moça conseguiu pegar um dos vários cacos da lamparina e passou na jugular do homem, que caía em agonia e logo mais sem vida no chão, enquanto o sangue jorrava descompassadamente.

Hartz colaborou para que a vela incendiasse ao menos uma das cortinas da saleta, o que consequentemente acabaria incendiando o manicômio.

As chamas estavam tomando conta do lugar, e Violet não tinha forças suficientes para conseguir fugir.

Elizabeth foi até a menina e ajudou-a a chegar em uma das saídas de emergência.

— Vá Violet, vá! — Insistiu Elizabeth.

— E você? Me prometeu que não me abandonaria, e o George, o seu casamento? — Questionou a menina assustada.

— Vou sempre estar com você querida, não se esqueça que te amo! Agora vá!

O teto desabou tomando conta do lugar, e do corpo de Elizabeth Hartz.

Alguns minutos depois, Violet podia ouvir as sirenes da polícia, dos bombeiros e da ambulância que se aproximavam.


*°*


11 de setembro de 2008


Violet Von Woodward, treze anos, única sobrevivente do manicômio de Munique, morta.

Stella Stone, treze anos, estudante e moradora de Lashbury, viva.



Notas da Autora

Revisão Concluída ✅

Ooi, espero que tenham gostado do capítulo.

Me conta aí, esperava que a Stella fosse uma identidade de fachada?

Obrigada por ler até aqui, beijinhos! 🖤✨

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