[EXTRA] 31- Quer Saber? Que se Dane!
Atenção!
Este capítulo extra foi produzido para oferecer mais detalhes ao capítulo anterior, com a revelação de todo o mistério. Em outras palavras, nele, será narrado toda a cena do crime.
Ele é designado aos leitores que estão curiosos para saber um pouco mais sobre o que ocorreu nas cenas ocultas. No entanto, aviso que o texto a seguir contém cenas fortes de violência e possíveis gatilhos.
Se, em algum momento, você se sentir muito desconfortável com a leitura, por favor, pare no mesmo momento e me avise para eu tentar amenizar as coisas. Respeite seus limites!
Agradeço a todos por terem chegado até aqui. Em breve, trago novidades!
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CAPÍTULO EXTRA
"Quer saber? Que se dane!"
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(...)
Acho que só estou vivo, ainda, pois preciso fazer a diferença. Alguém precisa chegar até uma posição de destaque para isso. Eu quero ser esse cara. Quero muito. Mas não sei se serei capaz. Não se continuar assim. Não se eu não arrumar uma solução...
Porque agora, as coisas conseguiram ficar ainda mais agonizantes para mim. Não, não acabou.
Há dois dias atrás, eu não conseguia dormir. A aparição de Diego, as zombações no quartel, a falta de afeto por qualquer pessoa que seja, me fizeram entrar em crise de novo. Aquilo não saía da minha mente e eu precisava fazer algo para não enlouquecer de vez.
Fui a Bangu. Comprei maconha no mesmo lugar de sempre. Dessa vez, foi um baseado. Não queria utilizar uma seringa pra injetar o THC na minha veia, como eu fazia de vez em quando.
Não quero narrar os detalhes sobre meu consumo da droga, pois não me orgulho disso. Mas assim que peguei meu material, fui para uma casa abandonada que ficava bem no interior e poucos poderiam me ver. Era ali que eu sempre fazia o uso da Cannabis.
Quando eu me sentei no chão, Diego apareceu na minha frente. Não faço ideia de como ele descobriu meu esconderijo. A dedução mais óbvia era que ele estava me perseguindo fazia algum tempo, mas ainda tenho minhas dúvidas. Creio que ele possui comparsas que o ofereciam esse tipo de informação.
De qualquer forma, não fazia diferença. Eu sei que dei um salto quando o vi e meu coração bateu mil vezes mais forte. Aquela presença me causava calafrios.
Ele riu de mim, em deboche, percebendo o que eu estava prestes a fazer. E, em seguida, tirou do bolso uma pasta com cerca de dez fotos. Eram imagens minhas comprando drogas, consumindo-as, escondendo-me em Bangu, fazendo coisas que eu, definitivamente, não deveria fazer.
O pânico tomou conta de mim novamente. Ele tinha, em suas mãos, material suficiente para destruir com a minha vida. Mais do que ele já fez.
As lágrimas começaram a cair, da mesma forma que estão caindo nesse momento, enquanto escrevo. Ele gargalhou ainda mais da minha cara, mas logo me encarou com seriedade.
"Você tem uma chance de me convencer a não divulgar essas fotos e sumir de vez da sua vida"
Lembro daquelas palavras carregadas de maldade com bastante perfeição. Ter Diego Fidalgo longe de mim acabaria com metade dos meus problemas, eu acreditava. Até ele me dizer o preço que isso custaria.
"Você precisa matar o seu tio"
E, em seguida, me deu um frasco com um líquido. Não sei que tipo eram, mas ele disse que levaria qualquer um a morte.
E agora, aqui estou eu. O que eu faço agora?
Eu cheguei ao meu limite, é óbvio. Não. Eu excedi. Não tenho condições nenhuma de continuar nessa situação. Não tenho! Viver atormentado por essas fotos ou viver me culpando pela morte do meu próprio tio?
Bem, acho que prefiro não ter que tomar essa escolha.
Ele me deu o prazo de dez dias, me desejou "boa sorte" e foi embora.
E eu estou perdido. Será que existe solução para isso?
♦ ♦ ♦
As imagens eram terríveis, sensacionalistas e tendenciosas.
Mas mesmo assim, seriam suficientes para dificultar a vida de Isaque no trabalho e na sociedade. Se uma foto dessas caísse nas redes sociais, todos os militares que o conheciam descobririam que o garoto fazia uso de drogas.
Se ele fosse promovido a Tenente, aquela foto estragaria sua liderança. Com que moral iria cobrar seu subordinado a se manter longe daquele tipo de substância? Certamente seria expulso de sua função.
A droga consumiu parte de sua consciência. Mesmo a maconha não sendo a droga mais viciante do mundo, aquela imagem diria o contrário.
Ninguém poderia ficar sabendo daquilo. Essa notícia se espalharia rapidamente. E estragaria ainda mais a sua vida tão cheia de traumas.
Isaque passava por uma situação crítica. Sua depressão estava se tornando cada vez mais insuportável.
"Ele não vai aguentar mais um tranco desses" Alan Nunes guardou o celular e olhou para frente. Girou a chave e ligou o carro "Continue com o plano, Alan"
O oficial do Exército estava se tornando o monstro que tanto repudiava.
Ele nunca pensara que faria o que acabara de fazer com o irmão. Ele sabia da aflição que Zack estava passando. Apesar de ele poder ter evitado que a Depressão chegasse ao nível que chegou, Alan precisava fazer alguma coisa.
Arrependia-se tanto de não ter ignorado a imposição que a sociedade fazia para que ele fosse sempre frio, forte e insensível... Mas agora o estrago já estava feito. Alan precisava, apenas, tentar impedir que mais um problema fizesse Isaque tentar tirar a própria vida.
Mesmo com o carro em movimento, em direção até a sua casa, Alan se lembrava do dia em que encontrou aquelas fotos na mochila de seu irmão antes de ele queimá-las. Foi fácil deduzir onde ele estava naquela imagem e encontrar algum comparsa que o deixasse a par de toda aquela situação. Mais tarde, ele encontrou a carta que seu irmão fez detalhando o ocorrido.
Estranhamente, ele, sequer, pensara em chamar seu irmão para conversar a respeito.
— Miserável! — Ele esbravejou, dando um soco no porta-luvas do veículo.
Sabia que Isaque ficaria extremamente constrangido com a "Casa de Massagem". Aquilo o oprimiria.
Não era de seu feitio, também, chantagear mulheres para fazerem sexo com ele. Alan sempre respeitou as militares do segmento feminino como qualquer um.
Mas naquela situação, ele precisava se tornar outra pessoa. Um homem mais rude e ignorante.
Era isso, ou seu irmão morreria.
Deixou tudo programado. Esperou o dia em que Jéssica estaria de serviço, tirou do lugar um componente importante do ar-condicionado de seu tio e se preparou para executar seu plano infalível.
Mataria Leandro estando a cem metros dele. Sem barulho. Sem digitais. Sem ninguém desconfiar de seu álibi. Se pesquisassem mais a fundo, o máximo que poderiam descobrir era que chantageou a Comandante-da-Guarda para transar virtualmente com ele. O que garantiria sua inocência.
Entrou na Vila dos Oficiais passando pela Portaria. Eram nove e trinta da noite. Olhou, de longe, a casa de seu tio. As luzes do quarto estavam acesas e a janela aberta, como imaginava que ocorreria. Leandro ainda não tinha ido dormir.
Estacionou seu carro rapidamente, colocou sua mochila camuflada nas costas e não demorou muito para subir até seu apartamento.
Ao chegar em seu lar, trancou a porta e respirou fundo. Seu coração batia forte.
Sua relação com seu tio não era muito forte. Eles começaram a estreitar um pouco mais seus laços recentemente, alguns meses atrás. Mas ainda era seu parente. Ainda nutria um sentimento com ele. E sabia que Isaque e Joyce nutriam algo ainda mais forte pelo Comandante do 10º BPE, pois estes já conviviam com ele.
O que poderia fazer se não aceitar o jogo de Diego? Só restavam dois dias para o prazo terminar. Se aquelas fotos vazarem, Isaque se suicidaria. Ele não tinha estruturas para suportar aquilo sem ajuda. E Alan não sabia como ajudar de outro jeito. Já era tarde demais.
Entrou em seu quarto e pegou a chave do cofre.
Por que ele não interviu antes? Isaque estava do seu lado, sofrendo o tempo todo, e ele não fez nada. Pelo contrário. Só deixou que a situação se agravasse. Afinal, falar sobre depressão e suicídio só tornaria as coisas piores, certo? Errado. Pena que, quando Alan foi descobrir isso, já era tarde demais. O Aluno já estava no fundo do poço.
Abriu o cadeado. A carabina especial para dardos estava lá, entre as outras armas colecionadas por ele, como atleta de Tiro. O armamento já estava em condições.
Era só de um abraço que Isaque precisava. Um abraço, uma palavra de conforto, a certeza de que poderia contar com alguém. Um ombro amigo. Se tudo isso fosse oferecido a ele desde o início, nada disso seria necessário. Se Alan tivesse a consciência disso na época...
Apanhou, de sua mochila, a seringa que utilizaria para executar seu primeiro homicídio. Já havia deixado preparada com as ligas de borracha que fariam o mecanismo de injeção.
"Homem não chora. Homem não tem frescuras. Homem tem que ser irredutível. Homem não pode demonstrar fraqueza. E o militar mais ainda"
"Quer saber? Que se dane!"
Nada daquilo estava certo. Alan errou em não ter agido. Em ter, de certa forma, contribuído para impor essas regras na vida de seu irmão. Mas o verdadeiro inimigo não era ele. Era a cultura que ainda faz parte da base da sociedade.
Pôs a seringa na câmara da arma, adaptada por ele, para aquela ocasião, e foi até o quarto de Isaque. Fechou os olhos e suspirou. Era muito difícil atirar daquela distância, mas ele conseguiria. Alan era um atleta experiente. Conseguia calcular exatamente onde deveria mirar para que a seringa espetasse o pescoço de seu tio.
Apoiou a carabina na janela e utilizou uma cadeira para ajudar a ter uma posição mais confortável para atirar. Fechou as cortinas, de forma que fosse difícil alguém perceber suas reais intenções.
Engoliu sua própria saliva. Ele suava frio. Só tinha uma chance.
Eram dez horas ainda. Como um caçador, permaneceria ali, à espera da sua presa, que só apareceria vinte minutos depois.
Não haveria outro momento.
Leandro entrou no quarto com apenas sua roupa íntima, uma cueca preta. Sentia-se mais confortável dormindo daquele jeito. Já que seu ar-condicionado estava com defeito, dormiria com as janelas abertas para circular um ar fresco.
Alan se posicionou. Lembrou-se, então, de todos os fundamentos de tiro que aprendera e executava sempre que ia atirar.
Pontaria.
Alça, maça, mira, alvo. Alinhou tudo corretamente. Só precisava que Leandro se aproximasse um pouco mais para nada dar errado.
O Comandante do 10º BPE estava com uma expressão abatida no rosto. Afinal, teve um dia difícil. Apesar de ter compartilhado dias ótimos com seu filho, estressou-se com uma briga séria que teve com sua mulher que, em breve, seria divorciada.
Posição estável.
Sentado, apoiando a arma na janela e ajustando com a mão esquerda, a carabina se mantinha imóvel. O tiro precisava ser preciso.
Magno se sentou na cama box, cujo o colchão era de mola de aço, um dos mais caros e mais confortáveis disponíveis no mercado. Mas sua cabeça andava tão cheia que nem mesmo o melhor colchão do mundo era capaz de lhe proporcionar uma boa noite de sono.
Controle da respiração.
O militar inspirava e soltava o ar com calma, para evitar o nervosismo. Sabia que, assim que terminasse de expirar, era a hora de iniciar o próximo passo. Com o seu alvo parado, conseguiu mirar com facilidade.
Os dias de tormento se acabariam para o oficial superior. Sua depressão estava diminuindo à medida que fazia aquilo que seu coração clamava. Diferentemente de antes, ele via bons motivos para viver. Via, na oportunidade de viver com seu filho, a felicidade que não encontrava há anos.
Acionamento do gatilho.
Com a falange distal do dedo indicador direito, ele tocava o centro do gatilho. Lentamente, ele começava a pressioná-lo.
Então, uma pontada de alegria encheu seu peito. Poderia, enfim, consertar os erros que cometeu no passado. Conseguiria o perdão de seu filho, publicaria sua História em Quadrinhos e, talvez, encontraria uma mulher que realmente o completasse. Sua vida seria mais simples, obviamente, mas estava tudo bem.
A felicidade está nas coisas mais simples mesmo. E era apenas isso que ele queria. A felicidade.
A arma disparou.
Tudo foi milimetricamente calculado. Alan sabia dos riscos e não falhou.
A seringa atravessou o ar frio, a janela e atingiu um pouco abaixo da orelha direita de Leandro, injetando a estricnina simultaneamente.
Quando o homem percebeu, já era tarde. Ao sentir a picada, fechou os olhos com força e gemeu com a pequena dor. As coisas aconteceram tão rápido que ele mal conseguiu raciocinar direito.
Com a mão direita, tirou a seringa de seu pescoço. Não havia mais conteúdo nenhum ali. Seus olhos arregalaram e seu coração pulsou mais forte. Jogou o objeto no chão. Uma ansiedade fora do comum começou a lhe afetar.
Olhou para a janela, de onde veio o veneno.
Alan Nunes o observava. Seu próprio sobrinho observava seus últimos segundos de vida.
Correu para fora daquele quarto. Precisava fazer alguma coisa para tentar reverter aquilo. Não sabia o que fora injetado nele, mas certamente não era coisa boa.
Ao sair da porta, começou a sentir o efeito da estricnina agir em seu organismo. Seus músculos começaram a ter espasmos, iniciando pela cabeça e o pescoço, mas logo percorreram todo o corpo.
Ainda assim, mantinha-se em pé, com as poucas forças que ainda lhe restavam.
Até que começaram as convulsões, que o fizeram cair na escada.
Ao chocar seu corpo nos degraus, seu corpo se feria e algumas marcas de sangue ficavam nas paredes e no chão.
Enquanto Leandro rolava na escada, a estricnina atacava seu sistema nervoso central, que paralisava o controle da respiração.
Quando o corpo do oficial chegou ao último degrau, seus músculos enrijecidos estavam com pequenos arranhões e hemorragias. Sua face estava extremamente pálida, devido a asfixia ocasionada pelo veneno.
Encerrava, ali, a vida e os planos de Leandro Magno.
♦ ♦ ♦
Eram dez horas da noite e o clima estava ótimo. Temperatura próxima dos vinte e cinco graus Celsius. Sem vento. Sem possibilidade de chuva.
Em frente à Vila dos Oficiais havia um soldado que tirava seu serviço como vigia. Sua função era estar naquele local prestando atenção em tudo o que ocorrer ao seu redor. Ele também deve saber como agir caso algum suspeito ultrapassar os limites do quartel e quiser invadir.
Suas pernas já doíam de cansaço. Foram duas horas em pé. Contava os segundos até a sua rendição chegar.
E não demorou muito. De longe, ele notou um grupo de, aproximadamente, oito militares se aproximando. Reconheceu que era o pessoal da Guarda.
Assim que eles se aproximaram, o mais antigo do grupamento, um Cabo, mandou a tropa parar e prosseguir apenas com o Soldado Vitor. Os dois andaram até o militar do posto V1 e chegaram perto.
— Tudo certo aí? — O comandante daquela fração perguntou, analisando as redondezas.
— Sim, senhor — O militar respondeu, prontamente.
— Vitor — Ele se virou para o militar ao seu lado. Analisou seu olhar e percebeu que havia algo estranho nele. Mantivera mudo durante todo o serviço, praticamente — Penúltimo quarto de hora. Tá em condições?
Com a boca ainda fechada, o jovem fitou o Cabo por alguns instantes e assentiu com a cabeça, positivamente. Engoliu sua saliva logo em seguida.
— Está bem — Ele falou, voltando-se com o outro militar até a tropa que partiu.
Vitor engoliu sua saliva assim que eles se distanciaram. Fechou os olhos e levou a cabeça para trás. Estava sozinho ali. A luminosidade era baixa. Seu coração batia mais forte do que o normal.
"Encontre-me em frente do ponto de ônibus, após o expediente. Quero mais daquilo que senti hoje. Beijos"
Kelvin... Amor meu.
"Você acha que eu tenho pena dessa tua cara de derrotado?"
Por que mexer com a minha cabeça pra depois desgraçar ela?
Eu já não consigo mais viver sozinho. Não consigo. Eu preciso de você, Kelvin. Volte a ser o que era antes!
Ele contraiu os músculos das pálpebras para evitar o choro novamente, mas não teve sucesso. Logo, as lágrimas vieram.
Não vejo o porquê continuar desse jeito...
Vitor já tinha suas bochechas encharcadas quando olhou o tronco da árvore a sua frente.
Vai em frente, Vitor! Vai em frente! Você já fez a sua escolha. Já fez o seu plano. Não dá pra voltar atrás.
Ele caminhou até o vegetal e o analisou com o olhar. O buraco que existia no tronco era profundo, até. Sem pressa, enfiou sua mão direita lá dentro.
Ainda estava lá.
A pistola Taurus que havia adquirido de Diego, um traficante da região, permanecia do jeito que colocou durante a primeira vez que entrou naquele posto.
Não foi fácil levar o armamento para lá. Precisou desmontar a arma toda e, de alguma forma, acomodá-la dentro de sua roupa íntima. Teve que fazer tudo isso com pressa.
Seu plano inicial era dar cabo a própria vida com seu fuzil. Afinal, estaria de serviço como sentinela. No entanto, a Sargento Jéssica conseguiu reverter a situação. Mas era tarde. Ele já tinha se decidido.
Quando finalmente pode ficar sozinho, montou de volta a pistola. Ele tinha, ainda, uma munição. Apenas uma, para executar seu plano. Mas aquela única munição era suficiente.
Estava tudo pronto. Não lhe faltava nada além da coragem para fazer aquilo. Mas ele esperou o período noturno.
Poderia acabar com aquilo naquele exato momento. No entanto, resolveu esperar pela Sargento-de-Dia que faria a ronda naquele período e ter sua última conversa com ela.
♦ ♦ ♦
Eram dez e meia quando a Sargento Kelvin passou pelo Pavilhão de Comando e encontrou Jéssica, a Comandante da Guarda, entrando na Enfermaria.
Ficou curiosa, pensando em qual seria o motivo para fazer a mulher sair de seu alojamento para ir a sua Seção.
Mal sabia ela que, na verdade, era o medo que fazia Jéssica tomar aquela atitude. A chantagem de Alan a deixou apavorada, disposta a fazer qualquer coisa para não ser difamada pelos outros.
De qualquer forma, Kelvin ignorou.
Sua função como rondante era simples. Precisava ir em cada posto para verificar como os soldados estavam, se estavam displicentes, se ocorreu alguma alteração, entre outras coisas.
Foi fazendo isso com todos os postos, começando com o V5 e seguindo em sentido horário. Às dez e cinquenta e cinco, exatamente, aproximou-se do posto V1, atrás do Banco, em frente à Vila dos Oficiais.
Seu ex-namorado estava ali e ela percebeu isso só pela silhueta dele. Próximo a uma árvore com um buraco no meio. Estava de cabeça baixa, curvado, retraído.
Kelvin revirou os olhos com aquilo.
Em passos largos, ela chegou ainda mais perto. Vitor percebeu sua presença, mas resistiu um pouco para fazer alguma coisa.
No período noturno, o militar que estiver em seu quarto de hora, ao notar a presença de qualquer indivíduo, seja ele da Guarnição de Serviço ou não, deve se abrigar e, em seguida, pedir que o ser pare e se identifique.
No entanto, o vigia não fez isso. A Sargento se aproximou com o cenho franzido e os dentes trincados. Pronta para dar uma advertência no Soldado por não realizar o procedimento correto.
— Qual a ideia, Soldado? — Ela berrou, arrogantemente, para Vitor, que a observava tentando controlar as lágrimas que queria sair de seus olhos — Não aprendeu nada não? Tá de sacanagem?
— Sargento, eu... — Ele falou, engolindo em seco.
— Vitor, eu não quero saber dos seus problemas! Não vou ficar me estressando com tuas frescuras. Tome jeito, rapaz! — Ela dizia, com amargura. O Soldado a ouvia sem dizer uma palavra. Seu coração já estava machucado demais — Não sei o que está acontecendo, mas já que continua insensível às recomendações, vou te participar para o Oficial-de-Dia pra você ser punido outra vez!
— Eu não queria que fosse assim... — Ele falou, tremendo um pouco os lábios. Seu coração batia muito forte. Kelvin ainda fazia vista grossa, visivelmente sem paciência — Eu achei que eu e você seríamos... Bem... Eu fiquei tão...
— Ah, fala sério! — Ela pôs a mão na testa e balançou a cabeça, em negativa — Você só pode estar de sacanagem! Cala a boca, garoto! — Ela falou, virando-se para trás e seguindo seu caminho — Por que eu fui me meter com você, hein?
Kelvin deu dois passos até ouvir um barulho inesperado. Vitor destravava a pistola que estava consigo durante todo o tempo.
Imediatamente, virou-se e arregalou os olhos com o que viu.
Na mão direita do soldado, estava uma pistola Taurus 809C 9mm, apontada para sua têmpora.
Não havia mais lágrimas em seus olhos. Já chorara o suficiente. Agora, aquela dor iria embora. Pelo menos, era o que ele achava. Pois, na verdade, o suicídio não era o fim da dor. Era o agravamento dela.
— V-Vitor... O que você... — Kelvin ficou paralisada. Suas pupilas se contraíram e não conseguiu falar nada inteligível.
— Me dê um motivo pra não apertar o gatilho! — Ele gritou, contraindo seus músculos da face — Só um! Por que não acabar de vez com isso?
— Quê? Acabar com o quê? Vitor, pare! — O remorso começou a tomar conta de sua mente. Ela era a responsável por desencadear a vontade do rapaz de se matar. Mas se ele fizesse isso e descobrissem, as coisas acabariam muito mal para ela.
Vitor não podia se matar. Não podia!
— Você mexeu demais comigo, Kelvin! — Ele dizia, após engolir a saliva. Seus membros tremiam, mas estava convicto do que estava por fazer.
A mulher precisava pensar rápido. Tentaria impedir o suicídio do garoto? Isso seria difícil. Se ele realmente se matasse, ali, naquele momento, o que ela falaria para os outros? Será que acreditariam?
De repente, passou pela sua mente as pesquisas que fizera meses atrás.
"Como enganjar por mais de oito anos sendo militar temporária"
Os resultados não foram muito satisfatórios, mas uma possibilidade lhe chamou a atenção, encontrada no próprio Estatuto dos Militares.
"Passa à situação de reforma extraordinária o militar que:
a) Independentemente do tempo de serviço militar, seja julgado física ou psiquicamente incapaz para o serviço mediante parecer de competente junta médica, homologado pelo respectivo Chefe do Estado Maior, nos casos em que a incapacidade for resultante de acidente ocorrido em serviço ou doença adquirida ou agravada em serviço, ou por motivo do mesmo"
Em outras palavras, se ela sofresse algum acidente ocorrido em serviço, ou em razão dele, ela seria reformada. Mesmo que isso significasse um salário não muito bom, já era melhor do que enfrentar novamente o mercado de trabalho de uma técnica em eletrônica mulher.
Ela já havia pensado naquela possibilidade antes. Até tentou, outra vez, forjar um acidente durante a Educação Física, mas nada ocorreu.
Vitor ainda a olhava com desespero. Ela não sabia o que fazer ou o que dizer para ele. Não queria ser responsável por aquela morte.
Ficaram cerca de dez segundos naquele silêncio perturbador.
Ele pediu apenas um motivo para não morrer. E Kelvin se manteve calada. Não resistiu. Deixou uma lágrima cair.
Ela não falou. Mas existiam, sim, muitos motivos para ele desistir daquela ideia. Para ele ter esperança na vida. Para ele entender que a vida é muito maior que qualquer problema. Que vale à pena dar várias chances para ela.
Olhando fixamente para os olhos castanhos da militar, ele apertou o gatilho e a munição atravessou seu crânio.
O disparo foi ouvido pelo sentinela do outro posto, que logo se preocupou em chamar os outros.
Não demoraria muito até acionarem o Plano de Defesa e o posto ser dobrado.
Kelvin ficou cinco segundos paralisada, vendo o corpo sem vida de Vitor Mendes caído a sua frente, com o sangue escorrendo de onde veio o tiro.
Aquela situação já tinha sido imaginada por ela, mas nunca teve coragem de, realmente, colocá-la em prática. Pelo menos, nunca em uma situação real.
Pensou rápido. Pegou sua arma, uma pistola Beretta, e atirou contra o chão.
Em seu bolso, havia um lenço que utilizava para polir seu coturno. Apanhou-o e pegou a pistola que matou Vitor. Observou a arma com cuidado. Não havia carregador. Então, precisava utilizar o seu.
Suspirou. Carregou a pistola Taurus com a sua própria munição e, tomando bastante coragem, disparou contra sua própria mão direita.
Sabia que, com outro barulho, a Guarnição se apressaria ainda mais para averiguar o que acontecia. Então, ela precisava agir mais rápido.
Retirou o carregador da arma que Vitor adquirira com Diego Fidalgo e recolocou em sua pistola, guardando-a imediatamente em seu coldre.
Precisava fazer isso tudo sentindo a dor terrível dos ossos de seus dedos quebrados.
Por último, precisava se livrar da arma que matou o Soldado e pensar logo em uma explicação para aquilo tudo. Mas ela era boa com isso.
Rapidamente, jogou a pistola no buraco onde vira Vitor anteriormente e se virou para o outro lado.
Kelvin andava cambaleando.
Quando o primeiro soldado se aproximou, para checar o que havia acontecido, notou o estado deprimente da Sargento.
Estava com respiração ofegante, a testa suada, a farda suja de sangue, a pistola em sua mão esquerda e bastante sangue sujando a direita.
— Soldado! — Ela gritava, em um choro — Sou eu! A Kelvin! É PDA!
Ele se aproximava cuidadosamente, ao notar a identidade da mulher, aliviou-se.
— Sargento? O que houve?
— Soldado! Chame a ambulância e o Oficial-de-Dia! Aconteceu uma tragédia!
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