9- A Vilã da História
CAPÍTULO NOVE
"A Vilã da História"
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TRÊS MESES PARA "O DIA"
Leandro Magno respirava fundo. Por dentro daquele paletó preto e elegante, o coração do homem pulsava mais acelerado que o normal. Por vezes, assoprava forte, para tentar manter a calma, mas o movimento de suas mãos e pernas denunciavam seu nervosismo.
Estava quase na hora.
Sentado sobre a poltrona, o Tenente-Coronel contava os segundos necessários para a apresentação de teatro começar na sua frente. Ele escolhera logo a coluna do meio, na terceira fileira mais próxima do palco. Queria ver tudo com perfeição. Mas, principalmente, queria chegar perto de uma atriz. E observá-la com todos os detalhes possíveis.
Já havia assistido aquele show. Soube dele fazia bastante tempo. Mas da última vez, ele ficou retraído, em seu canto, despercebido. No entanto, agora seria diferente. Ele queria se mostrar.
Quando o relógio marcou nove horas da noite, as cortinas se abriram.
A representação de um pequeno vilarejo se formou. Algumas pessoas também estavam lá, cada uma em seu canto, fazendo suas atividades, aparentemente, corriqueiras. Algumas moças conversavam entre si, crianças brincavam de bola, havia um senhor montado em um jegue, uma mulher de idade avançada costurando, entre outros. Suas roupas eram velhas e gastas. Não pareciam ser dos dias atuais. Tudo dava a entender que se tratava de uma história do início do século XX.
— Oh! — Uma voz feminina ecoou por todo o palco. De repente, do lado direito, a figura de uma mulher branca e loira se fez presente, correndo assustada — Meu marido! Meu marido! Ele está... Está morto!
— Como assim? — Uma outra moça que aparentava ter trinta anos questionou. Esta, tinha pele negra clara e cabelos crespos. Pelas suas roupas, parecia ser uma empregada que cuidava de uma das crianças que jogavam bola. Era alta e magra. Muito atraente.
Leandro a reconheceu, sem dúvidas. Na peça teatral, seu nome era Lauren. Mas o militar sabia quem ela era fora do palco. Seu nome era lindo. Artístico. Estela Steinberg.
Ao pronunciar tais palavras, a atriz dirigiu seus olhos ao público, encontrando as pupilas azuis de Leandro Magno. Aqueles olhos eram bem reconhecíveis. Seus traços, cabelos, jeito de se expressar... Mesmo após dezoito anos, a imagem do militar ainda se fez presente em sua cabeça. Não mais com o sentimento de antes, obviamente.
De certa forma, aquilo a incomodou no fundo do coração. Ficou por alguns instantes tentando assimilar aquilo que via. Fechou os olhos e os abriu de novo. Ele continuava lá. Deixou de prestar atenção na sequência da cena. Quando viu, já estava na hora da sua próxima fala.
— Isso é uma tragédia, senhora! — Ela falou, novamente, e se retirou.
A partir daquele momento, Estela tentou, de todas as formas, não olhar novamente para Leandro quando entrava em cena. Mas era impossível. Mesmo com o sofrimento causado, ela não poderia esquecer que ele era o pai biológico de seu filho!
No final do espetáculo, o mistério foi resolvido, surpreendendo o público. Com exceção de Magno, é claro. Ele sabia que a empregada era a verdadeira assassina em série daquela história. Estela realmente tinha um dom para a atuação. Especialmente quando seus papéis envolviam vilania. Já "matou" com pistolas, machados, venenos, já atropelou e até usou a eletricidade ao seu favor ao lançar um secador de cabelo ligado em uma banheira com um homem dentro.
No final do teatro, Leandro juntou suas coisas e se retirou do recinto. Foi até o estacionamento e ligou seu carro.
De repente, sentiu uma mão encostar em seu ombro.
— Ei, você! — Uma voz lhe chamou. Ele se virou para trás e deu de cara com quem lhe procurava. Um homem alto, com a pele negra escura. Tinha barba e cabelo crespo, ambos bem aparados. Também vestia paletó e, por isso, presumiu que tivesse uma boa condição financeira.
— Posso lhe ajudar? — O militar indagou, inclinando a cabeça.
— Não! Eu gostaria de te ajudar. Te ajudar a se colocar em seu lugar! — Ele falou, franzindo o cenho e cerrando os punhos, fitando fixamente para o oficial do Exército.
— Isso foi uma ameaça? Quer me agredir, é? — Ele cruzou os braços, inconformado com a afronta.
— Olha, para ser sincero, querer eu até quero. Mas não pretendo sujar minhas mãos com gente como você! — Disse, apontando para ele.
— Então, não tem o porquê de continuarmos essa conversa. O senhor me dê licença — Magno bufou, irritado, mas sem demonstrar perder a paciência.
— Não. Espera! — O homem disse, segurando no ombro dele novamente — A atriz principal gostaria de falar com o senhor.
Imediatamente, os olhos de Leandro se arregalaram e seu coração disparou. Como era possível? O que que ela desejava falar? Muitas dúvidas permearam sua mente naqueles instantes.
— Como? — Ele falou, paralisado.
— Foi o que ouviu. Estela Steinberg deseja falar contigo. Vai ir embora mesmo assim? Tem certeza? — Ele o indagava, cruzando os braços.
O atrito entre os homens era intenso, mas Leandro suspirou. Tanto tempo na Polícia o fez aprender a ser paciente.
Aprendera isso com as Operações de Pacificação que vez ou outra executava. Eventualmente, era provocado ou até mesmo agredido por moradores mesmo quando suas intenções eram boas. Se o militar perdesse o controle nesses momentos, certamente já teria assassinado alguns inocentes. Raramente faltava equilíbrio emocional para Leandro.
— Quero sim. Leve-me até ela — Ele pediu, com calma. E então, desligou novamente seu carro e caminhou ao lado do homem negro de paletó, que assentiu e os dois saíram do estacionamento.
Em todo o momento, Leandro ficava um passo atrás do homem, observando meticulosamente cada movimento dele. Prestava atenção, também, ao seu redor. Aquele cara era um desconhecido para ele e, por isso, precisava tomar cuidado. Não poderia saber o que estava em sua mente.
Por ser Comandante de um Batalhão de Polícia, Magno possuía inúmeros inimigos.
Após entrar nas dependências do teatro, passou pela porta de alguns camarins, subiu umas escadas e andou por alguns metros até chegar no destino. Por sorte, o homem parecia ter falado a verdade, pois o conduziu corretamente até os aposentos com os dizeres "Estela Steinberg".
Era ali e naquele momento. Leandro Magno suava frio. Fitou a porta. Quando foi segurar a maçaneta para abri-la, a pessoa do outro lado foi mais rápida.
Estela Steinberg estava deslumbrante como sempre. Seus cachos castanhos eram volumosos, sua maquiagem impecável e vestia um elegante vestido amarelo, sem mangas, com detalhes pretos que desciam até a ponta do calcanhar, mas um corte deixava à mostra parte da perna direita. Em suas mãos, a mulher ostentava muitas joias usadas como pulseiras e anéis. Em sua pele negra, uma fragrância doce perfumava o ar, deixando-a ainda mais atraente.
Ela fitou o militar com uma expressão dura, de olhos cerrados e sobrancelhas unidas.
— Leandro Magno... A quanto tempo! — Ela disse, observando-o da cabeça aos pés, apoiando-se na porta — Entre!
Ele engoliu a seco e assentiu, fazendo o que lhe foi pedido. A mulher logo caminhou um pouco para o fundo da sala, ficando cerca de quatro metros de distância do homem, que ficou bem perto da porta ao lado do cidadão que o abordou.
O camarim de Estela não era muito grande. Media praticamente o tamanho de seu quarto. Mas tinha tudo o que ela precisava para se produzir antes de sua apresentação. Espelhos, banheiro, varais cheios de roupas, perucas, secador de cabelo, entre outros objetos, tudo muito decorado e exagerado.
— Muito boa a peça, hein! Achei incrível! Já sabia desde o início que você, ou melhor, a Lauren, era a assassina traíra — Ele disse, esboçando um sorriso amarelo, segurando suas mãos na frente do corpo.
A mulher revirou os olhos e pôs a mão na cintura. Franziu o cenho para o homem e lhe lançou um olhar reprovador.
— Deve ser porque para você, eu sempre sou a vilã da história, não é mesmo, Leandro? — Ela dizia tranquilamente, observando-o com desdém — Você continua péssimo sendo cínico! Poupe-me disso! — Ela pôs as mãos na cabeça.
— Mas é verdade! Você atuou tão lindamente que... — Ele gaguejou, sem palavras.
— Já conhece o William? — Ela perguntou, apontando para o moço ao seu lado, interrompendo o comentário que não lhe interessava.
— Tive esse desprazer sim. Por quê?
— É meu noivo — Ela respondeu e o militar arregalou os olhos, observando o homem alto aproximar-se de Estela lentamente e virando-se de novo para frente dele.
— Já vejo que, após muitos anos, é melhor atuando do que escolhendo parceiros.
— Isso é uma autodepreciarão, né? — Ela perguntou, levantando a cabeça — Confesso que, realmente, isso era verdade no passado. Quando estava com você. Mas agora... — Estela falou e olhou no fundo dos olhos de William, os dois deram um sorriso e selaram um rápido beijo e, então, voltaram-se para o militar — Agora estou muito feliz com ele ao meu lado.
— E você o ama de verdade? Mais do que se declarou para mim?
— O amor é uma escolha, Leandro. Quando você conhece uma pessoa, com todas as suas qualidades e imperfeições, e decide ficar com ela ainda assim, você simplesmente a ama — Ela deu uma breve pausa, continuando com seu diálogo calmamente — Eu te amei, sim. Mas não foi recíproco. Você nunca me amou. Se amasse, escolheria ficar comigo. Ao meu lado. Mas não foi o que aconteceu... Diferentemente do William, que é gentil e tem personalidade.
— Ah, é mesmo? Aposto que não viu a forma como ele me tratou há poucos minutos.
— Era pra eu encher sua cara de soco, seu escroto! — William falou, cerrando os punhos.
Leandro riu daquela atitude, pondo as mãos sobre os olhos.
— Perdeu o emocional tão cedo, guerreiro? Por favor...
— Já chega! — Estela exclamou, impondo a voz o mais alto que pode — Pedi para que William te chamasse porque temos algo muito importante para conversar. E não é sobre nosso passado...
— Oh, realmente! Eu também queria conversar contigo antes, mas eu precisava cuidar de uns assuntos pessoais pendentes. Mas posso fazer isso agora, se quiser.
— É mesmo? O quê, por exemplo? — Ela falou, lembrando de todas as coisas que a magoaram no passado — Estava com medo de eu dizer o quanto eu te odeio? De como eu me esqueci de você? De como cresci na carreira seguindo meu sonho? Não queria que eu te contasse isso? Que eu esfregasse na sua cara que consegui ter a vida que sempre sonhei? Diferente do que os outros falavam?
— Não! — Ele gritou, permitindo se exaltar, olhou a mulher fixamente e, irritado, falava apontando para ela — Eu estou pouco me lixando para o que você faz ou deixa de fazer com a sua vida! Não me importo nem o pouco com o que você acha de mim! Mas eu queria que me contasse, pelo menos, que eu tenho um filho!
Ela trincou os dentes e arregalou os olhos, furiosa.
— Você não tem um filho! — Respondeu, gritando tão alto quanto ele.
— Tenho sim! — Ele berrou de novo — Pensa que não sei? Que não observei o Natan desde antes de ele entrar no meu Batalhão?
— Você não é o pai dele, Leandro! Ponha isso na sua cabeça! Ele não é seu filho! — Ela dizia pausadamente.
— Vai continuar insistindo nisso? — William falou, nervoso.
— Você cala a sua boca, traste! — Leandro apontou para William. O rosto dele estava vermelho e bufava. Não conseguia mais manter o controle sobre seu tom de voz. Ele podia aturar desconhecidos o xingando, bandidos resistindo a cadeia ou até mesmo agressões físicas. Mas esconder um filho era demais para o militar suportar. Sem perceber, seus olhos já se enchiam de lágrimas — Como pode me esconder um filho? Um filho! Um filho que sempre sonhei, mas nunca tive a oportunidade de ter!
— Isso é problema seu — Ela disse, olhando o homem com desgosto — O Natan pode até ter seu sangue. Mas ele nunca teve pai. O pai dele o abandonou!
— Se não bastasse mentir assim, ainda envenena os ouvidos dele ao meu respeito! Você é uma pessoa horrível, Estela! Um monstro!
— Não! — Estela deu um berro tão alto e agudo que, possivelmente, todos daquele andar ouviram. Quando viu, também já estava chorando com a pele avermelhada — Você que é o péssimo! O monstro! Você! Você que é! Desgraçado! Eu só falei a verdade! Você me abandonou e, com isso, abandonou a ele junto!
— Mentira! — Ele disse, limpando seu rosto.
— Mentira, é? — Ela arregalou os olhos — Então é mentira que você me dispensou porque eu era negra?
— N-não, é que... — Ele gaguejou, cerrando os punhos. Abaixou a cabeça e deu alguns passos para trás.
— Ah, bom! Porque achei que, talvez, eu estivesse ficando maluca!
— Eu sei dos meus erros, Estela! Mas veja! Estou tentando consertar tudo! Quando descobri que estava aqui, notei seu filho. Sabia, então, com a idade dele, que você engravidou quando terminamos. Tive a certeza: Ele era meu! Tinha que ser meu! Nossos traços eram parecidos e eu senti algo diferente perto dele. Fui eu quem arrumei a Bolsa da faculdade dele e mexi os pauzinhos para que ele entrasse no NPOR do meu Batalhão. Minhas dúvidas acabaram quando percebi um sinal que eu e ele temos! Foi quando tentei ter uma conversa com ele. — Magno falava tudo com amargura de frente para sua ex-namorada, deixando as lágrimas caírem no rosto sem se envergonhar.
Estela ouvia tudo com os olhos semicerrados. Quando ele terminou de falar, um silêncio perturbador tomou conta do camarim. Enquanto ele ainda fitava a mulher, ela aproveitou para dar um tapa com toda a força que tinha na face do militar.
Um estalo ensurdecedor soou pelo recinto quando a mão da mulher entrou em atrito com a pele do oficial.
Ele caiu para o lado, com a mão sobre o rosto. Havia doído. Envergonhado, Leandro se levantou e olhou novamente para ela, que deixava correr suas lágrimas.
— Se você ousar a trocar alguma palavra com o meu filho de novo — Ela o encarou no fundo dos olhos e falou, apontando com o dedo indicador para ele — Eu juro que te mato, Leandro! Está me entendendo?
Ele balançou a cabeça para os lados e engoliu em seco.
— Você passou dos limites, Estela! — Ele disse — Passou dos limites!
Ele engoliu a seco. Em passos pausados, ele foi até a porta do camarim e abriu, saindo de vez daquele lugar. Foi até o estacionamento e ligou seu carro. Dirigiu apressado. Queria chegar logo em casa.
Precisava de um tempo para chorar.
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