7- Tentando te Ajudar
CAPÍTULO SETE
"Tentando te Ajudar"
♦ ♦ ♦
"Ok. Isso é mais difícil do que eu imaginava. Talvez eu esteja errado sobre ser capaz de revelar o que mais abala com meu psicológico atualmente... Mas vou tentar. No final deste texto.
Acho que, mesmo após essas duas revelações que fiz, pode ser que você, leitor, esteja pensando que não tem como ficar pior. Mas existe, ainda, outro fato que me deixa cada vez mais mexido e angustiado.
Fazem dois meses que isso aconteceu, e não há uma vez que não choro quando penso naquilo. E parece que, todos os dias, alguém faz questão de me lembrar.
Eu espero que você não seja daqueles que desvaloriza o sofrimento dos outros. Sei que minha vida ainda não é pior que a de muitos, mas gostaria tanto que alguém me entendesse. Porque alguma coisa está errada!
Só queria que tudo isso acabasse. Que minha mãe voltasse. Que eu esteja liberto de qualquer dependência. Que Diego Fidalgo sumisse da minha vida. E, bem... Que eu parasse de me sentir atraído por homens. Ou pelo menos, que as consequências disso não fossem tão nocivas.
Parece algo chocante para você? Acha surpreendente um militar se sentir atraído por alguém do mesmo sexo? Realmente, não é algo muito comum de se ver. Mas para alguns, isso chega a ser inadmissível.
Sempre fui um rapaz tímido, introspectivo. Muito devido ao trauma de ser abusado na infância que me impedia de socializar com as pessoas.
Mesmo na puberdade, com os hormônios a flor da pele, eu não tive muitos relacionamentos. Nem muitos amigos. Eu preferia ser aquele cara nerd do fundo que falava pouco e tirava boas notas.
Quer dizer, eu não preferia. Eu me contentei com esse "papel". E ninguém fazia questão de me perguntar se era isso mesmo que eu queria. Ninguém fazia questão de me fazer sentir incluído em algum grupo. E eu não consegui fazer com que isso mudasse.
No segundo ano do Ensino Médio, percebi que sentia atração pelos outros garotos. E eu não podia deixar que descobrissem isso. Eu sabia como pessoas com essa característica eram tratadas. Não era nada agradável. O olhar que direcionavam para mim como um rapaz introspectivo já era ruim. Ainda mais gay!
Mas por que isso fazia diferença?
Acho que esse fato sobre mim ficou escondido durante tanto tempo porque nunca me identifiquei com trejeitos mais afeminados. E acho que isso colaborou para eu não ser tão oprimido. Afinal, homossexuais até que poderiam ser tolerados. Desde que não demonstrasse ou se portasse como um.
Isso nunca entrou na minha cabeça. A aflição de viver sem conseguir me comunicar direito. Sem pensar com a minha própria mente. Sem ter amigos... Isso tinha que parar.
Cheguei à conclusão de que a timidez é um defeito, sim. Afinal, é um empecilho para a vida. Ninguém gosta de ser tímido. Isso não deve ser uma característica que devemos aceitar em nós e dizer que está tudo bem. Pessoas assim devem trabalhar e tentar evoluir.
A partir de então, eu coloquei na minha cabeça que não queria mais ser o cara calado do fundo. Eu intensifiquei meus estudos.
No ano seguinte, eu iria falar.
Enquanto todos pensavam em qual faculdade iriam cursar após a formatura, eu decidi que seria militar.
O mundo está muito nocivo nos dias de hoje. As pessoas não se importam mais com as outras. As pessoas não se respeitam mais. Não se ajudam mais.
Mas eu faria a diferença.
Eu colocaria meu tijolo na construção de um mundo melhor.
Eu quero defender meu país. Quero ocupar um papel de liderança. Quero passar alguma mensagem positiva para os meus subordinados. Quero lhes ensinar a ter mais empatia e mais respeito às diferenças. Eu quero lutar por aqueles que são injustiçados. E mostrar a eles que são mais capazes do que acham que são.
Nunca estive tão certo na minha profissão.
Estudei muito. Treinei muito. Dediquei-me bastante.
Fiz a prova para o concurso. Não passei. No entanto, pude fazer o NPOR.
Depois que entrei, fui obrigado a ocupar um papel de destaque, consequentemente. Convivi com mais dezenove rapazes durante o dia todo.
Não havia como permanecer quieto no meu mundo. Mesmo se eu quisesse, não seria possível. Vez ou outra, eu falava com meus companheiros. Conhecia-os. Observava-os. Eu estava carente, também. E então, desativei meus mecanismos de defesa. Fui deixando, aos poucos, de ser tão tímido e mostrando mais quem eu sou.
Foi assim que tudo começou.
Não sei se isso aconteceria se eu estivesse com mulheres também. Mas não foi o caso. Tinha um rapaz que me despertava atração sexual.
O expediente havia acabado fazia pouco tempo para mim naquele dia. Às doze horas e trinta minutos, eu terminei meu almoço e fui para o alojamento. Meus músculos doíam, pois foi um dia altamente cansativo.
Fui o primeiro a entrar nos meus aposentos. A princípio, ninguém apareceria por lá tão cedo. Abri meu armário e tirei minha camisa, calça, coturno e gorro. Fiquei apenas de cueca. Guardei tudo e peguei uma bolsa com meus materiais de higiene e toalha. Calcei meus chinelos e segui para o banheiro que ficava ao lado.
Chegando lá, tirei a cueca.
Já havia acabado o período de internato. Como disse anteriormente, o Exército me obrigou a interagir mais com outras pessoas. E apesar de isso ser bom, para mim, foi uma experiência muito nova e difícil, no começo. Uma das coisas que precisei me acostumar foi ficar sem roupa alguma na frente de outras pessoas.
Os boxes dos banheiros eram centralizados em um ambiente quadrado com vários chuveiros. Sem parede alguma dividindo ou preservando a privacidade dos militares. Então, ficar pelado na frente de um colega era algo comum.
Obviamente, evitava-se olhar para as partes íntimas de cada um para evitar um constrangimento.
No primeiro dia, foi muito difícil. Via uns rapazes ficando nus com a maior naturalidade. Outros, como eu, também se envergonhavam. Talvez esse fato me ajudou a encarar isso. Afinal, eu não podia ficar sem tomar banho. Felizmente, consegui perder essa vergonha rápido.
Mas como eu estava dizendo, tirei minha roupa e liguei o chuveiro. Deixei a água morna cair sobre meu rosto e descer sobre todo o meu corpo. Fiquei assim por alguns segundos. Fechei os olhos e deixei que meus pensamentos fluíssem. Minha vida toda passava pela minha cabeça e eu me controlava o máximo para não chorar. Mas de alguma forma, eu não conseguia deixar que escapassem algumas lágrimas.
Ainda de olhos fechados, peguei meu sabonete e passei em meu corpo.
De repente, ouvi um ruído vindo atrás de mim. Não estava mais sozinho. Olhei para trás e vi alguém conhecido. Outro aluno. Ele era o Zero-Meia. Era alto, tinha pele um pouco mais escura que a minha. Cabelos e olhos castanhos.
Assim como eu, despiu-se e foi tomar seu banho.
Quando meus olhos se abriram e avistaram seu corpo, algo em meu coração pulsou mais rápido, despertando um certo interesse pela pessoa dele, mas ignorei, voltando a me ensaboar. Nesse tempo, outras pessoas entraram no boxe, sem falar nada.
Continuei meu banho normalmente. Por algum motivo, notei algo diferente nos outros três rapazes que estavam perto de mim, tomando banho. Vez ou outra, eles me observavam de volta, mas não como a admiração que tive com o seis. Mas com estranheza, espanto e até mesmo nojo.
Engoli a saliva e entendi tudo o que havia acontecido. Imediatamente, coloquei o chuveiro no modo frio, em uma tentativa falha de disfarçar.
— Qual foi, Isaque? — O outro me chamou, do meu lado esquerdo, enquanto passava sabão pelo seu corpo — Você é viado?
— Está me tirando, cara? — Gaguejei, tentando me fazer de desentendido — Qual o seu problema?
Merda. Eu ainda não consigo acreditar que aquilo aconteceu!
Instantaneamente, apanhei minha toalha e me enrolei nela, sabendo que meus impulsos hormonais ainda estavam evidentes. Esqueci dos meus outros materiais, como sabonete e xampu. Fingi que nada estava acontecendo. Fui ao toalete. Sentei no vaso sanitário, coloquei a mão na testa e me concentrei.
Não sei quanto tempo depois daquilo eu saí de lá. Mas enquanto eu não saía, eu analisava tudo ao meu redor.
O que estava acontecendo comigo? Será que relaxei muito nos meus mecanismos de defesa? Será que foi a carência? O zero meia era um cara legal. Confesso, eu o achava bonito.
Depois desse incidente, eu ouvia as fofocas. As ofensas. As provocações. Elas me machucavam demais. Tocavam o fundo da minha alma. Ferindo-me.
'Viado. Nojento. Sujo. Viado. Podre. Gay. Vergonha. Viado. Punheteiro. Viado' Ao meu redor, essas eram as palavras ditas com maior frequência.
Enfim, as lágrimas começaram a correr sobre meu rosto com cada vez mais intensidade. Uma hora? Duas? Não sei quanto tempo fiquei lá ouvindo aquilo. Enquanto eu chorava, sentia-me mais fraco. Sem ânimo. Desfalecendo-me.
Já existiam rumores sobre minha sexualidade. Todos baseados no meu comportamento mais tímido e recatado que, francamente, nada tem a ver com orientação sexual. Eu, por exemplo, não frequentava boates ou bebia horrores para me mostrar ser verdadeiramente homem. Mas após aquilo, não teve como. A coisa fugiu do meu controle e eu precisei confessar, após muita pressão.
Depois daquele dia, minha vida piorou drasticamente. Eu não podia fazer uma pergunta nas instruções sem ouvir as piadinhas, constantemente eu via minha cama — que devia estar muito bem arrumada —, "misteriosamente" bagunçada, suja ou molhada. E alguns dos superiores, ao saberem dos rumores, viviam a tentar procurar algum erro em mim para me punir.
Por quê?
Eu não entendo.
No campo básico, fui classificado como o mais distinto. Nas provas, eu estudo e só tiro as melhores notas. Também tenho um dos melhores índices no condicionamento físico. Estou cheio de observações positivas na apresentação individual, cooperação, rusticidade, entre outras coisas.
Por que não me querem junto deles? Sou pior que alguém por causa de um fatídico incidente no banheiro? Confesso. Foi constrangedor sim. Eu me arrependo. Mas aquilo afeta tanto assim a masculinidade e a segurança deles? Reduz tudo o que eu fiz e me esforcei nesta Instituição a nada?
Eles não me querem ao lado deles. Só existe essa a justificativa.
Fica muito difícil prosseguir assim. Mesmo com o apoio que, vez ou outra, eu recebo do pessoal que não é adepto a essa chacota, como o Dantas e o Steinberg, eu não me sinto melhor. Mas eu ainda tento.
Acho que só estou vivo, ainda, pois preciso fazer a diferença. Alguém precisa chegar até uma posição de destaque para isso. Eu quero ser esse cara. Quero muito. Mas não sei se serei capaz. Não se continuar assim. Não se eu não arrumar uma solução...
Porque agora, as coisas conseguiram ficar ainda mais agonizantes para mim. Não,"
♦ ♦ ♦
TRÊS SEMANAS PARA "O DIA"
— Não dá para acreditar nisso! — Joyce exclamava no quarto de hóspedes, enquanto caminhava de um lado para o outro, abrindo os braços e passando a mão na cabeça, tentando processar com mais cuidado as informações que lhe foi apresentada.
Isaque Nunes estava ao lado dela, fazendo companhia para a moça que se trancou lá para poder desabafar. Diferente dela, o rapaz não parecia estar tão desesperado. Por sua vez, recostou-se na cabeceira da cama e apenas ouvia tudo em silêncio.
Lembrou-se do Aluno Steinberg. Ele não era seu amigo, mas nunca lhe fez mal algum. Nem mesmo quando seus colegas o zombavam Natan fazia parte. Não seria tão ruim assim tê-lo como primo. No entanto, sabia que essa situação causaria bastante tumulto na sua família.
— É algo bastante inimaginável, não acha? Eu não esperava isso do nosso tio. Como ele só foi saber agora? — A garota comentava, atônita.
— Não faço ideia, Joyce. Isso é um problema que ele vai ter que resolver.
A jovem parou por um instante, pensando um pouco.
— Mudando de assunto... Zack, o que você acha da minha confissão?
O militar a fitou lentamente e inclinou a cabeça para a sua prima.
— Acho que, se você encontrou uma pessoa que te faz feliz, vá em frente. Estamos vivendo uma época em que está bem difícil encontrar a felicidade. Não desperdice a oportunidade que tem.
Ela ouvia atentamente cada palavra proferida pelo seu primo. No final, esboçou um sorriso encantador. Correu até onde ele estava, chegando bem perto dele e lhe deu um carinhoso abraço, que foi correspondido.
Os dois ficaram envolvidos por alguns segundos, até desfazerem o gesto.
— Muito obrigada, primo!
— De nada!
Ela se sentou na frente dele, observando sua face abatida. Ele reparou em seu olhar e corou. A jovem passou a mão pelo seu rosto, acariciando e o fitando com doçura.
— Está tudo bem com você? Você está tão deprimido... — Ela pergunta, segurando nas mãos frias do rapaz;
Isaque suspirou, olhou para os lados, para baixo, e finalmente encarou sua prima.
— Não. Não ando bem — Ele disse, mordendo os lábios.
— Por que está assim? Em que posso ajudar?
O militar respirou fundo. Pela primeira vez, alguém pareceu se importar verdadeiramente com ele. E pelo amor fraternal que sentia pela prima, decidiu respondê-la com sinceridade.
— As coisas andam difíceis. Muito difíceis. Eu não consigo encontrar felicidade em mais nada. A morte da minha mãe, a pressão da faculdade, do Batalhão... Está muito complicado. Sabe o que é, todos os dias, você entrar em um lugar e ser chamado de ruim, "Viado nojento", "Manjador de rola", além de ser rejeitado por praticamente todos ao seu redor?
A menina levou as mãos ao peito e arregalou os olhos, surpresa com tal informação.
— Nossa! Mas... Por quê? Zack... Você é gay?
— Eu não sei como dizer. Acho bobagem ficar rotulando as pessoas, mas... Acho que, agora, por eu estar obrigado a conviver com muitos homens, acabei, por certo momento, me sentindo levemente atraído sexualmente por um deles. Então, sim.
— Acho que entendi.
— Mas não é só isso! Há uma série de fatores que, bem... Você não entenderia.
— Tudo bem. Imagino que esteja passando por uma fase difícil mesmo. De vez em quando, eu também fico deprimida. Mas sabe de uma coisa? Eu sei que você é forte e vai conseguir superar essa sua fase!
— Como assim? — Isaque cerrou os olhos assim que ela começou a falar.
— A felicidade é uma escolha, Zack! Não vê isso?
— Ah, é sério? Porque eu não tinha pensado em escolher sem feliz então? — Ele revirou os olhos, utilizando-se de seu sarcasmo.
— Ah, por favor! Isso aí é coisa da mente, Zack! Por que você não tenta realizar mais exercícios e fazer uma boa alimentação? Procure não pensar nessas coisas tristes, e focar em coisas boas! Que te fazem feliz!
— Joyce, as coisas não funcionam assim! Você devia saber disso! — Ele comprimia os lábios ao dizer aquelas palavras. Arrependeu-se de ter começado a desabafar com sua prima.
— Ai, está bem! — Ela exclamou, cruzando os braços e ficou um tempo pensando em algo para tentar melhorar a moral de Zack — Olha, pense também que existem muitas outras pessoas, crianças, inclusive, que, nesse momento, estão na África passando fome!
— Olha, Joyce... Não sei se isso está me ajudando! — Ele disse, desviando o olhar. Seu coração palpitava mais forte, seus olhos enchiam de água só de lembrar de tudo aquilo.
Definitivamente, abrir-se para Joyce não foi uma boa ideia. Aquilo tudo não fazia sentido e só o fazia sentir pior. Suspirou e levantou-se da cama.
— Eu só estou tentando te ajudar! — Ela gritou, enquanto o militar caminhava até a porta.
Sem dizer nada, nem olhar para trás, ele saiu e fechou a porta. Em seguida, foi até o banheiro rapidamente. Precisava enxugar as lágrimas que corriam pelo seu rosto.
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