30- É assim que tudo termina
CAPÍTULO TRINTA
"É assim que tudo termina"
♦ ♦ ♦
Eram onze horas da manhã de segunda-feira. A notícia da morte do Comandante do 10º Batalhão de Polícia do Exército havia se espalhado por toda a Região Sudeste. Do Comandante. O jovem Vitor se manteve esquecido pelos noticiários.
O choque foi tão grande que o Tenente-Coronel César, agora, atual Comandante da Organização Militar, decidiu folgar os militares envolvidos no crime para que a investigação terminasse o quanto antes. E isso incluía os Alunos Isaque e Steinberg.
O clima entre o pessoal do Batalhão era outro. Mal se podia acreditar que Leandro Magno havia morrido. Alguns até que gostaram da notícia, pois duvidavam de sua capacidade em comandar uma missão de combate ao tráfico tão complexa e perigosa quanto a que enfrentariam naquela semana. Todo mundo já sabia, por alto, o que ocorrera naquela noite.
A probabilidade de um de seus companheiros ser responsável pela morte de um irmão de farda era inconcebível. Era uma vida. Mesmo Magno não sendo o melhor dos Comandantes, era de comum acordo que ele não merecia aquela morte.
A falta de Vitor era tão sentida quanto, já que ele tinha muito mais contato com os militares mais modernos.
Às oito horas, a Bandeira do Brasil, o símbolo mais importante para os responsáveis por garantir a soberania do Estado, foi hasteada. Não até o topo, como de costume. Mas até metade do mastro, simbolizando o luto que todos eles carregavam naquele dia.
Após uma formatura realizada para informar ao pessoal do Batalhão sobre o ocorrido e sobre a operação, o Tenente-Coronel César deixou o quartel sob o comando de outra pessoa e seguiu para a casa do falecido, sem, sequer tirar a farda. Era a última pessoa que faltava para completar o círculo dos suspeitos
Ao abrir a porta de madeira, todos viraram seus olhos curiosos para o oficial.
Isaque parecia estar melhor do que o dia anterior. Suas olheiras estavam menos perceptíveis e o cabelo úmido indicava que acabara de tomar um banho revigorante. No entanto, seu coração ainda batia mais rápido do que o normal ao perceber que o veredito seria dado. Ele se reposicionou pela décima vez naquele sofá, ao lado de Joyce e Vicente, que também compartilhavam do mesmo sentimento.
No outro assento, Estela e William esperavam ansiosamente pela hora da revelação. A atriz não conseguia se manter imóvel. Mexia seus membros sem controle de si. Necessitava logo que revelassem quem causou aquela tragédia e, posteriormente, decidissem como ficaria a situação da herança que Leandro mesmo dispôs a ceder ao seu filho.
Jéssica ficava logo ao lado deles, observando, com os olhos atentos, Alan Nunes do outro lado da sala, evitando sempre encará-lo para que traumas não voltassem a lhe atormentar. O tenente estava em pé, atrás do sofá, de braços cruzados e olhos cerrados. Não queria um assento. Queria logo sair de lá.
Natan começava a se sentir desconfortável estando perto de Arthur e Kelvin. Os três sentavam-se no chão, sobre um tapete que, por pouco, não foi manchado pelo sangue da vítima. O casal estava próximo e íntimo demais de forma que o rapaz sentia que já segurava vela.
Por outro lado, ainda sentia agonia em voltar aquele local. O local onde visitou pouco tempo antes de seu pai morrer.
Pai.
Começava a gostar da ideia de ter um. Mas por alguma razão, este veio a ser morto.
César pegou uma cadeira da cozinha e a colocou ao lado de Carmen. Esta que controlava o choro ao saber que seu marido morreu. Levando consigo, a esperança de salvar seu casamento.
Na frente do grupo, atrás da televisão de plasma, estava o Primeiro-Tenente Smith. Estava bem vestido em seus trajes civis. Sua postura era séria e impaciente. Pensava, com cuidado, nas palavras que usaria para descrever o que ocorreu na noite do crime, mesmo sabendo que, um dos envolvidos, Diego Fidalgo, não estava presente.
Atrás dele existiam, ainda, Vinícius Dantas, no lado esquerdo, e Astrid Hoegen, no direito.
A jovem loira trajava um vestido coral e mantinha seus cabelos soltos. Um visual que o rapaz ao seu lado não conseguia deixar de admirar em silêncio.
Ele sabia da presença da moça e também não deixou a desejar em sua aparência. Vestiu a melhor roupa que tinha para aquela ocasião e botou o perfume que mais lhe agradava. Queria ser notado por ela. Não como um simples colega, mas algo a mais. No entanto, não notou grandes diferenças em seu comportamento.
Preferiu deixar isso para depois e focar no caso que conseguira lhe tirar o sono.
— Apesar de estar faltando um, iremos iniciar o veredito — Jean começou, entrelaçando os dedos das mãos e observando cada um dos suspeitos — Como vocês já sabem, estamos aqui, hoje, para falar sobre o que aconteceu na noite de sábado. Mais precisamente, sobre a morte de dois militares. O Tenente-Coronel Magno, Comandante do 10º BPE. E o Soldado do Efetivo Variável Vitor. Duas mortes. Duas vítimas — ele falava, fazendo um "dois" com a mão — O mais antigo e o mais moderno. É até estranho pensar assim, levando em conta que estamos prestes a realizar uma Operação tão importante...
— Aonde quer chegar, Smith? — César indagou, com as sobrancelhas baixas e um olhar impaciente.
— Que tudo ocorreu em um momento crítico! E esse contexto não pode ser deixado de lado! — Ele explicou.
— No entanto, esse foi apenas um fator que contribuiu para o crime. Não chega a ser nada decisivo — Vinícius observou, fazendo com que todos voltassem seus olhares para ele.
— Mas para esclarecer a vocês tudo, vamos começar pela morte do Vitor... — O homem falou, quebrando o silêncio que durou poucos segundos.
— Pra falar a verdade, eu não me conformo ainda do porquê de ficarem tanto tempo investigando o caso dele, imaginando coisas inconcebíveis — Astrid se pronunciou, sentada em uma poltrona. Não queria aparecer demais, já que os investigadores oficiais eram Jean e Vinícius — Pelo pouco que ouvi, já sei de tudo o que aconteceu.
Algumas cabeças confusas se viraram para a jovem, que permaneceu olhando fixamente para os militares a sua frente.
— Vitor Mendes dos Santos — O Aluno Dantas falou, tentando se lembrar da face do rapaz antes daquele tiro que lhe roubou a vida — Um garoto novo. Morador de Bangu. Tinha uma família conturbada que não lhe dava muita atenção. Possuía todos os motivos para entrar para o mundo do crime. No entanto, um sonho lhe falou mais alto! Alguém o motivou e abriu seus olhos, fazendo-o descobrir o que realmente queria pra sua vida.
O estômago de Vicente embrulhava só de lembrar da falta que seu amigo fazia. Engoliu em seco, deixando as pálpebras superiores caírem. Não falou mais nada.
— Ele era um sujeito bastante sonhador e otimista — Jean continuava, gesticulando com as mãos — Podemos dizer, também, que um pouco ingênuo. De forma que se apaixonou perdidamente por Kelvin Santana!
A mulher, com os olhos arregalados, pousou sua mão sobre o peito e o encarou com raiva e os lábios comprimidos. Ele fez o mesmo, observando-a de cima, com o cenho franzido e os dentes trincados.
— E você nem comece a me olhar desse jeito! — Ele apontou para ela, sem conseguir disfarçar sua antipatia pela Sargento — Cara feia pra mim é fome!
O comentário de Smith deixou a noiva de Arthur desconfortável, mas preferiu se calar. Sabia que não teria argumentos.
— Enfim... — o tenente continuava seu raciocínio — Kelvin começou esse relacionamento por causa de seu fetiche por homens negros. Mas quando ela viu que Vitor não correspondia com o estereótipo de máquina de sexo. Ela se divertiu realizando sua vontade de controlar o rapaz com um relacionamento abusivo. Ela era uma namorada que fazia piada ao seu respeito, que lhe cobrava coisas que ele não podia atender e que também o humilhava por isso. Era uma namorada que conseguia vencer todas as discussões, fazendo-o se sentir sempre errado e que não demonstrava um pingo de empatia.
Kelvin estava trêmula. Por um momento, viu todos os olhos daquele recinto se virarem para ela. Seu coração disparava e não conseguia manter a compostura. Deixou uma lágrima cair.
— Você fazia isso com o pobre garoto? — Estela, que se sentava atrás dela, no sofá, perguntou, com o nariz franzido.
— Que estranho... — Carmen falava enquanto coçava o queixo — Eu nunca vi uma coisa dessas acontecendo com um homem!
— Pois é, Carmen! — Astrid se pronunciou pela primeira vez — Pessoas ruins são ruins independente de gênero, idade, religião, sexualidade ou cor de pele. Um homem pertencente a uma minoria também pode sofrer preconceito de sua companheira. No entanto, o sexismo atinge aos homens dizendo que eles precisam ser sempre fortes, másculos e irredutíveis, tendo sempre que provar sua heterossexualidade. Aquele que não faz isso, é julgado como menos "homem" e é alvo de preconceitos. Por isso não percebemos tanto quando isso acontece.
— Eu sei bem como é isso — Isaque comentou, de forma que apenas quem estava próximo pode ouvir, engolindo em seco e comprimindo os lábios.
Alan notou o fato com o coração apertado. Com o canto de seus lábios voltados para baixo, aproximou-se do irmão, pondo a mão esquerda em seus ombros, dando-lhe apoio.
— Por isso, não é errado dizer que a Depressão que afeta o homem é muito perigosa. Pois quando se está com essa doença, desabafar é essencial. E para o homem, contar para alguém sobre suas fraquezas é ainda mais complicado, o que não deveria ser. Ninguém está imune dos problemas. Ninguém está imune das tristezas. E isso não deve ser sinal de inferioridade para ninguém! — Ele falava, certo do que dizia.
— Ainda não estou entendendo... — Arthur confessou.
— Vitor entrou em Depressão. Que só piorou após o término do relacionamento. Vocês me falaram sobre o comportamento dele... Eu estive presente em alguns momentos... Tudo indicava que ele sofria isso! A falta da vontade de viver, o pessimismo, a melancolia... Estavam evidentes! Mas quem fez alguma coisa? Quem o ajudou de verdade?
♦ ♦ ♦
— Livro negro? — Dantas questionou, inclinando a cabeça e semicerrando os olhos, curioso com a fala de Arthur.
— É o que eu sempre digo: Quem tem como me pagar, nunca fica me devendo! No meu livro negro, anoto todo mundo que vacila comigo de alguma forma. Deixo guardado até a hora de dar o troco. Obrigo ele a vir final de semana fazer faxina, deixo até depois do expediente no Batalhão fazendo alguma tarefa ruim, entre outras coisas!
♦ ♦ ♦
— Poxa, cara! — Vicente mexeu com a cabeça e suspirou. Deu um tapa de leve na perna de seu amigo — Você precisa esquecer essa mulher! Ela te faz muito mal!
— Não, Vicente... — Ele não conseguia segurar mais suas lágrimas, deixando-as cair — Eu me sentia bem com ela! Você sabe do que estou falando. É quase a mesma coisa que você sente com a Joyce! Agora tem um vazio dentro de mim tão grande que eu não sei se vou conseguir suportar sem ela... Eu quero mesmo é que a gente volte.
— Ah, não fala assim! — Ele dizia, pegando no braço do rapaz — Eu e a Joyce somos muito diferentes que você e a Kelvin! Ela me trata bem, me entende, me ama e demonstra isso. Ela me coloca pra cima! E eu faço o mesmo com ela. Diferente da Kelvin, que só fica bem quando os outros estão mal. Tudo bem você ter seu luto, mas entenda: você vai superar isso! Quando menos esperar, vai encontrar alguém que goste de você de verdade! Claro que vai!
— Eu não estaria tão certo disso...
♦ ♦ ♦
— Ah, mas espera! — Vicente protestou, sentindo-se atingido com a acusação — Eu sempre soube da depressão dele! Eu reparava e tentava ajudar da melhor forma. Só não ficava enchendo o saco dele sobre isso pra não piorar as coisas. E outra! Ele estava bem na sexta-feira!
♦ ♦ ♦
— E ele já comentou sobre suicídio?
— Ah, mais ou menos... — ele respondeu, cabisbaixo — Ele dizia sempre que queria sumir, que se fosse pra ficar sofrendo assim, seria melhor não viver, que a vida pra ele não fazia mais sentido... Mas nada tão determinante, sabe? Ele falava da boca pra fora, com certeza! Por quê?
— Ele podia ter contratado o invasor para matá-lo. Essa ideia não sai da minha cabeça...
— Não acho que ele faria isso, aluno... Apesar de estar muito mal naquela semana, o Vitor parecia ter superado isso. Não fazia sentido ele inventar de morrer.
♦ ♦ ♦
— Vicente... — Astrid começou, encarando no fundo dos olhos do Soldado que se mostrava nitidamente desesperado — Você é uma boa pessoa. Mas não sabe como lidar com alguém com Depressão, o que não é surpreendente, já que falar sobre o tema é um tabu na nossa sociedade — voltou seu olhar para todo o público — Gente, isso precisa ser quebrado! Quanto mais gente entendida no assunto, melhor! Esse assunto tem que estar massificado nas nossas cabeças para sabermos agir quando um companheiro sofre desse mal! Às vezes, uma palavra nossa pode afetar de forma desastrosa para a saúde mental de uma pessoa. Mas pode, também, salvá-la! — Ela deu uma pausa, percebendo que todos se viraram para a garota que se emocionava ao dizer aquilo — Ninguém está livre dessa doença! Temos que ficar atentos! Ela afeta nosso cérebro de forma que não conseguimos ver o lado bom da vida! Deixar de falar sobre o suicídio é um dos maiores erros que alguém pode cometer. Incentivar um depressivo a falar sobre suas angústias só vai fazer bem a ele!
— Eu... — O jovem se entristeceu e logo seus olhos se encheram d'água — Eu não sabia disso! Então... Eu poderia ter ajudado meu amigo?
— Poderia, Vicente — Vinícius falou, também com o coração apertado — Mas por favor, não se culpe. Ninguém pode te culpar por você não saber disso. Ou por você ter errado uma vez. Você foi a pessoa que mais apoiou o Vitor e isso não pode ser ignorado!
— O fato de ele ter demonstrado estar bem antes de sua morte só confirma a minha teoria — Jean falou, mas logo deu uma pausa para um leve suspiro — Vitor cometeu suicídio.
— Como é? — O jovem exclamou, incrédulo — Eu achei que...
— Essa alegria espontânea é um sinal grave de que o suicídio já está planejado e decidido — O tenente explicava — Ele já havia tomado sua decisão de que acabaria com sua vida. Deu seu jeito para sair, ver sua família pela última vez... Pois já sabia que morreria em breve. A princípio, seu serviço seria armado, o que facilitaria seu trabalho. Seu plano era dar cabo à própria vida com um tiro certeiro de fuzil bem na cabeça. No entanto, graças a Sargento Jéssica, ele ficaria desarmado. Então, naquela sexta-feira, ele deu um jeito de falar com o maior traficante de armas e drogas de Bangu que acabava de sair da cadeia...
— Diego Fidalgo! — Isaque falou, boquiaberto, com as pupilas contraídas.
Joyce notou o estado do primo e o abraçou, tentando consolá-lo.
— Exato! — Vinícius exclamou — Vitor havia comentado, certa vez, sobre o Digão, não é mesmo, Vicente? — Perguntou, ao se virar para o jovem que assentiu com a cabeça.
♦ ♦ ♦
— E ele tinha alguma ligação com o Vitor?
— Ah, eu não sei... Vitor nunca... — Ele falava confuso, inquieto com seus olhares que percorriam toda a sala, como se buscasse na memória algo de utilidade — Pra falar a verdade, ele já comentou que passou pela nova casa daquele bandido. Disse que ele tá com um papo de que quer reconstruir sua vida fazendo o certo e tal... Mas ele nunca acreditou naquilo. Ele falava que duvidava na mudança dele. E nunca mais tocou no assunto.
♦ ♦ ♦
— Foi — ele falou, com a mandíbula levemente caída.
— Espera! — César reivindicou — Isso não faz sentido! Como que ele se matou? E a pistola encontrada no tronco da árvore? E o depoimento da Kelvin?
— Pois é, Comandante! — Vinícius disse, empolgado para responder aquelas perguntas — Não foi apenas isso. Ele conseguiu a pistola, sim. No entanto, suspeitamos que algo estava errado quando percebemos que não existia carregador. Isso porque a pistola não veio com o carregador. Era uma pistola Taurus 809C 9mm. Bem pequena. Colocou a arma na cueca até chegar em seu posto, o que explica os fios de cabelo encontrados na arma. Eram pelos pubianos. Deixou lá no buraco assim logo no primeiro horário. Ainda estava agoniado... Seu objetivo era se matar à noite. E foi o que ele fez. Quando estava perto de dar onze horas, Vitor pegou a arma que deixou escondida e esperou Kelvin se aproximar. Talvez ele estivesse esperando pela ex-namorada. Só sei que ele mesmo apontou a arma para sua cabeça e apertou o gatilho.
— Vocês estão dizendo, então, que a Kelvin mentiu em seu depoimento? — O mais velho questionou, boquiaberto.
— Positivo! — O rapaz afirmou.
— Mas isso não faz sentido... Por que ela faria isso? Por que não contar a verdade? — William, curioso, indagou, com os olhos cerrados.
♦ ♦ ♦
— Ela é Sargento Técnica Temporária, certo? — Vinícius perguntou.
— Isso. Ela se formou como técnica em Eletrônica e, após um tempo desempregada, teve a chance de vir para o Exército. Agora, felizmente, está indo embora! — A mulher respondeu.
♦ ♦ ♦
— Ela mentiu porque viu, naquela situação, a oportunidade perfeita para ser reformada! — O investigador do caso respondeu, apontando para a mulher que o encarava com ódio enquanto era alvo de inúmeros julgamentos — Pensem bem! Ela é técnica em eletrônica, uma área predominantemente composta por homens. É de conhecimento geral que ela sofria dificuldades para conseguir emprego antes do Exército. E como agora ela está prestes a ser mandada embora, ela precisava de uma forma para manter com seu salário. Sendo reformada. Se ela provocasse um acidente nela mesma, fazendo parecer que não foi culpa dela, que não lhe possibilitasse movimentar as mãos, conseguiria seu objetivo! E foi o que fez. Demorou cinco minutos para o reforço chegar. Foi tempo suficiente para ela pensar no plano e executá-lo. Pegou sua arma e atirou no chão. Precisava dizer que tentou reagir. Depois, tirou seu carregador e colocou na arma de Vitor. Apontou para a sua mão e apertou o gatilho. Em seguida, tirou o carregador e jogou a arma no buraco onde viu seu ex-namorado pegar a pistola e se virou, forjando toda a cena. Eu sempre me perguntei o porquê do assassino jogar a arma no buraco. Então, descobri! Kelvin jogou porque precisava! Não havia outra saída!
♦ ♦ ♦
— Pois é — Ela começou novamente, com as pupilas retraídas — O senhor é temporário assim como ela, mas se formou em um ano. Ela em quarenta e cinco dias. Eu acho isso um absurdo! Formação miojo: três minutos e está pronto! Lembra daquele dia em que, no Treinamento Físico, ela caiu na rua que nem merda e quase quebrou a perna por bobeira? Por isso temos militares tão ruins dentro da Força. É uma paisana que veste farda e paga embuste com arma e divisas por aí. Achando que é alguma coisa!
♦ ♦ ♦
— Essa é uma acusação muito grave! — Arthur protestou, em defesa da mulher que permanecia em silêncio.
Afinal, ela sabia que aquilo era verdade.
— Sim, e digo mais! Você a ajudou nisso! — O homem falou, encarando-o seriamente — Percebemos isso assim que descobrimos mais sobre as munições...
♦ ♦ ♦
— O senhor já viu aquela reportagem falando que o Exército não possui munição suficiente para duas horas de guerra? — Ele respondeu, com outra pergunta, que fez o oficial ficar alguns instantes refletindo sobre a questão. E então, como se uma lâmpada acendesse na sua mente, ele arregalou os olhos.
Imediatamente, apanhou seu aparelho celular e fez como Dantas sugeriu. Assim que obteve a resposta, desligou.
— A munição que Kelvin disparou venceria em quatro meses. Enquanto o bandido usou uma que venceria em dois — Ele informou a Vinícius, que coçava o queixo — A outra não foi possível identificar ainda. Ela praticamente explodiu na mão da Kelvin e, para reconstruir demora mais.
— Entendo. Mas nem precisa perder tempo com isso — Ele afirmou, por fim — Só precisamos achar a arma do crime para eu...
♦ ♦ ♦
— Está tudo muito claro na minha cabeça! — Ele exclamou, rindo logo em seguida — Se entregasse as munições que tinha, todos descobririam que ela tinha utilizado duas munições e não uma. Então, recorreu aquele que já estava recomeçando o relacionamento: Arthur Enoch! Ele é o Sargento de Tiro! Quando se realiza qualquer atividade de tiro, sempre sobra algumas munições, que com o tempo, vão acabando a validade. Se alguém pode ter extraviado alguma, esse alguém era ele! É só irmos lá para nosso depósito e conferir. Aposto que tem munição que está com o prazo de validade vencido.
♦ ♦ ♦
— O senhor é o Sargento-de-Tiro do Batalhão, certo?
— Sou — ele confirmou, observando o jovem com os dentes trincados — Auxilio o Tenente Alan.
— Sei bem. E o senhor, normalmente, é o controlador de munições em instruções de tiro, certo? — Ele questionava, com os olhos estreitos, enquanto se lembrava do dia que atirou de fuzil pela primeira vez.
♦ ♦ ♦
— Por isso que não faz sentido o Exército ter munição para uma guerra inteira. Se tivesse, o prazo de validade venceria e muito material seria jogado fora! — Alan falou, pensando consigo mesmo.
— Arthur — César o chamou com sua voz séria, grossa e intimidadora.
Ele engoliu em seco e, com as pálpebras bem abertas, virou seu rosto para o homem. Não conseguia evitar de deixar seus membros temerem.
— S-senhor? — Gaguejou, sabendo que receberia uma punição severa.
— Você fez isso mesmo? — Ele falava pausadamente, deixando o coração do outro disparar em acelerado — Ou vou precisar conferir o paiol?
— S-sim, senhor! — Ele admitiu, em um suspiro, e abaixou a cabeça, evitando olhar novamente para o oficial.
Mentir seria pior e ele sabia disso.
— E você, Kelvin? — Ele franziu o cenho fitando com raiva a mulher que sequer o encarava nos olhos, mas os mantinha voltados para frente — Não vai dizer nada?
— Eu errei, sim — falou, ainda sem trocar olhares com o atual Comandante do Batalhão — Estou arrependida, sim. E estou disposta a pagar a minha punição.
— Espera! Mas, e por que não dizer que a própria Kelvin atirou contra o Vitor? — Jéssica perguntou, virando-se imediatamente para a suspeita que já não tinha muita simpatia.
— Você a encontrou quando foi para a Enfermaria, não foi? — Jean a indagou, fazendo-a engolir em seco — Viu alguma arma com ela? A pistola estava escondida no buraco da árvore. Aquela área fica vigiada por vinte e quatro horas por um sentinela. Ela não conseguiria ter feito isso sem ser vista.
— E as roupas que vocês acharam? — Isaque questionou, arqueando as sobrancelhas — Não faz sentido! Então, espera... O que isso tem a ver com a morte do meu tio?
— Absolutamente nada a ver — Vinícius respondeu, precisamente — Todos pensaram que a morte dos dois estavam ligadas. Mas não foi! Foram dois casos separados totalmente independentes entre si! E as vestimentas pretas só comprovam isso!
— Como? — Natan indagava, com as sobrancelhas erguidas.
— Kelvin precisava ir logo embora para conseguir aquelas roupas e sustentar a história que contou. Rapidamente, ela comprou as vestimentas e voltou apenas para jogá-las no lixo quando ninguém estava olhando! Provavelmente, Arthur ajudou no processo!
— Mas o fato de estarem, as duas, em bom estado e fora de um padrão me fez questionar se realmente haviam sido usadas. Foi então que percebi que não. E, além disso, Kelvin não comprou duas roupas. Comprou apenas uma.
— Então, se não houve invasor, então a segunda roupa foi... — Joyce, ainda confusa, tentava acompanhar o raciocínio do rapaz.
— Foi colocada pelo assassino do Leandro! Ele se aproveitou da situação para fomentar a ideia de que o Comandante havia sido assassinado pelo invasor encapuzado, mas não foi!
— Meu Deus! — Carmen levou a mão a boca, surpresa com a notícia — Mas então, quem matou meu marido?
— Aí que está a questão — Vinícius começou, destacando-se no recinto. O clima ficou ainda mais tenso e a ansiedade de cada um só se intensificara — A primeira suspeita que tive foi que Leandro havia cometido suicídio. Afinal, ele também estava com Depressão. No entanto, sua doença estava sendo curada aos poucos com novas sensações prazerosas que tinha a oportunidade de sentir. Ter o Steinberg era um sonho que Magno tinha desde a juventude. E ele estava feliz demais com a ideia de ter um filho de novo. Não é como o caso de Vitor que, instantaneamente, aparentou uma felicidade falsa. A paz interior do ex-Comandante era verdadeira. Definitivamente, ele não se suicidaria! E isso ficou mais claro para mim depois de ver aquele testamento incompleto. Ele não deixaria os seus bens para Carmen daquele jeito!
— Então, Magno foi mesmo assassinado? — A viúva perguntou, permitindo que suas lágrimas caíssem.
— Sim. Mas a identidade do assassino só me confundiu durante todo esse tempo. Eu precisava imaginar quem poderia, entre as dez e onze horas, entrar na casa de Leandro e injetar estricnina em seu pescoço. Só mais tarde fui descobrir o porquê de meu pensamento estar errado!
— Como assim? — Alan perguntou, curioso.
— Para que isso acontecesse, só haveriam cinco hipóteses: A primeira, Leandro teria se suicidado. A segunda, Leandro havia tomado estricnina por engano. A terceira, alguém, utilizando a chave, entrou na casa e o atacou. A quarta, alguém invadiu a casa e o injetou o veneno. A quinta, e última, o próprio Leandro abriu a casa para o assassino que o golpeou.
— E qual era a certa? — Estela indagou.
— Nenhuma. Já vimos o porquê de ele não ter se suicidado. Fazia tempos que Leandro tomava Valdoxan, mas aquele que encontramos era uma falsa descarada! Não existe desse produto em líquido no mercado e, provavelmente, Leandro sabia disso. Não cometeria esse erro. A possibilidade de alguém ter invadido a sua casa também era inválida. Todas as portas e janelas inferiores estavam fechadas. Ninguém conseguiria entrar ou sair de lá da janela do segundo andar sem ser visto também... Só existiam quatro chaves. Uma ficava com ele mesmo, outra com Carmen, outra com Joyce e outra com Astrid. Para nenhuma dessas suspeitas, a vítima se apresentaria de cueca! E isso também vale para a quinta hipótese. Como, alguém, sem a chave, trancaria a porta e nem mexeria na chave do militar?
— Nossa, mas como foi que entraram lá então? — Natan perguntou, confuso demais com todas aquelas informações.
— Essa é a grande questão. Ninguém entrou na casa de Leandro — O rapaz falou, dando uma pausa logo em seguida para que todos manifestassem sua surpresa com a descoberta.
— Espera! Alguém o matou fora de casa? — Vicente indagou.
— Exatamente. Todo mundo tinha um álibi, confere? Mas apenas um de vocês tinha um álibi falso. Ou melhor, um álibi que era mais uma prova do que um álibi.
— Alguém que foi capaz de abusar de alguém para tentar esconder seu crime que foi meticulosamente planejado! — Astrid falou, restringindo-se a essa abordagem, sem entrar em mais detalhes.
♦ ♦ ♦
— Cumprir com a palavra? Como assim? Ele disse que deletaria?
— Sim. Ontem. Ele disse que apagaria a foto se eu transasse com ele.
A mandíbula da jovem caiu ao ouvir aquelas palavras. Não esperava atitude tão abusiva e mau caráter vinda do irmão de Isaque, que parecia ser um sujeito bom.
— Espera... Então, você... Você prometeu a ele que...
— Eu fui para a Enfermaria transar com ele — Pronunciou a frase com muita dificuldade. No entanto, a angústia que sofria era tão grande que precisava desabafar. Astrid parecia ser uma pessoa que não a estava ali para acusa-la — Virtualmente.
— Nossa, isso foi que horas?
— Umas dez e meia... Logo assim que cheguei na Seção de Saúde, liguei a câmera e começamos. Eu estava muito mal com aquela foto, aquela pressão... Tudo! Eu sei que eu não deveria ter feito isso! Sei que foi errado. É pederastia. Mas aquilo estava tirando o meu sono!
♦ ♦ ♦
— Foi uma das pessoas que entrou na casa dos Magnos recentemente para quebrar o ar-condicionado deles. Pois era preciso que Leandro estivesse com a janela do quarto aberta para executar seu plano. Quando o homem tirou suas roupas para ir dormir, abriu as janelas do quarto. Nessa hora, alguém já lhe esperava do outro lado. Alguém com uma carabina apontada para o pescoço do homem. Alguém com uma boa habilidade com tiro. Talvez, algum esportista em tiros.
♦ ♦ ♦
— Tenente, o fuzil alcança quantos metros? — Perguntou, com um tom de euforia em sua voz.
— Boa a pergunta do Soldado Vicente! Você pode usar seu fuzil para atingir um alvo de até seiscentos metros, mas se estiver com luneta, pode ir até oitocentos.
Parte dos soldados arregalaram os olhos, surpresos com a incrível potência de tal armamento.
— Tenente, todas as armas são assim? — Questionou o soldado Vitor.
— Você é precoce, guerreiro? — O oficial respondeu, permanecendo sério. O militar ficou quieto, enquanto os outros ao seu redor riam. — Não. Cada uma tem sua finalidade. A pistola IMBEL de 9 mm só pode ser usada com o alvo à cinquenta metros. A Metralhadora MAG pode ir até mil e oitocentos, as carabinas são inúmeras e variadas, entre trinta a cem, mas depende da munição. Enfim, isso é indiferente! Voltemos para a instrução... A não ser que sejam oficiais de tiro como eu, ninguém aqui é autorizado a ser proprietário de uma arma dessas. Então, prestem atenção para que não cometam nenhuma besteira. Aliás, um oficial só pode ficar com uma pistola ou com, no máximo, uma carabina. Mas se vocês forem como eu e também ser atleta de tiro, podem conseguir um fuzil. No entanto, ainda falta tudo para vocês chegarem lá!
♦ ♦ ♦
— Afinal, a distância para essa casa e o prédio do Tenente Alan não são cem metros?
O Oficial de Tiro engoliu em seco. Suas pálpebras ficaram bem abertas, suas pupilas contraíram e sua mandíbula caiu. O coração do homem começava a pulsar três vezes mais rápido.
— Tá me acusando de quê, Aluno? — Ele perguntou, fazendo-se de desentendido.
— Não venha com essa, Alan! — O Tenente Smith se pôs na frente dos dois, apontando com o dedo indicador para o assassino de Leandro Magno.
— Alan? — Isaque se virou para ele, seus olhos se encheram d'água e ficou boquiaberto. Um olhar de pânico se fez presente em sua face.
— Realmente, Alan — Smith dizia, após ter respirado fundo para se acalmar — Você fez questão de afirmar que estava na sua casa no momento do crime. E cheguei a acreditar piamente em sua inocência. Até eu descobrir que o assassino do Comandante sequer chegou a entrar na residência dele! Você era o único capaz de ter feito isso. O único! Achar provas contra você foi mais fácil do que imaginei, até.
♦ ♦ ♦
— Você não tinha dito quatro pistolas? — Jean falou, arregalando os olhos.
— Oh, e não é que é verdade? — Alan disse, pondo as mãos na boca e encarando, assustado, para o tenente, que mal respirava diante aquela informação. E isso era facilmente notável.
Enquanto dava um suspiro, Alan puxou uma das gavetas de sua cômoda e pegou o armamento. Uma pistola Beretta, calibre 9mm. Permitiu-se dar uma leve risada.
— Você não devia brincar com isso... tenente — avisou, enfatizando a última palavra. Voltou sua visão para a caixa — E esses espaços vazios?
— Não estão vazios. Estão completamente cheios com bastante oxigênio, não vê? — Falou, em deboche.
♦ ♦ ♦
— Você tinha espaços vazios na caixa onde guardava suas armas, Alan. Diga pra mim que, se eu procurar, não vou achar uma carabina perfeita para lançar dardos tranquilizantes? Daquelas muito usadas para caçar?
— Alan! — Carmen se virou para ele, sem acreditar naquilo que ouvia. Amava muito o sobrinho para imaginá-lo sendo o responsável pelo seu sofrimento — Diz que isso não é verdade, Alan! Fala pra eles!
Ele bufou. Encolheu os ombros e se sentou em uma cadeira, olhando fixamente para o chão. Sua atitude atraiu muitos olhares. Alan não era bom de inventar desculpas assim tão fácil. Havia pensado na melhor maneira de executar seu crime, mas falhou. Apesar de tudo, não era um mal perdedor.
— Sim. Fui eu — as palavras foram difíceis demais para serem ditas. O homem comprimia os lábios com força para tentar controlar a forte vontade de chorar. No entanto, não conseguiu e uma lágrima caiu de seus olhos, que logo foi enxugada pela mão direita dele. Suspirou e encarou a viúva nos olhos, ainda com o pesar no coração — Eu causei o estrago no ar-condicionado justamente para Leandro deixar a janela aberta. Quando você saiu de casa, soube que aquele era o momento certo! Quando eu fiquei sozinho no quarto, preparei a arma, coloquei a seringa com o veneno, me posicionei na janela e fiz a mira. O tiro precisava ser certeiro, mas eu sou experiente com isso. Meu tio apareceu e ficou na posição certa. E então, apertei o gatilho. O dardo foi perfeito. Pude vê-lo sentido a dor da picada e logo jogando fora a seringa. Mas já era tarde. O veneno já havia contaminado o seu sangue. Ele olhou para mim com desespero. Porém, eu já não podia fazer nada. Ele começou a se contorcer e foi para fora do quarto, quando caiu das escadas e, por fim, morreu.
— Não! — Joyce berrou, levantando-se de seu assento e encarando o primo com os olhos marejados e os membros trêmulos — Alan! Pare com isso! Você não matou o meu tio! Você é meu primo! Não um assassino! Não é!
— Mano! — Os olhos de Isaque já estavam mais marejados que os do próprio Alan. As bochechas do rapaz já estavam encharcadas com as lágrimas que caíam sem parar — Me diz que não é verdade! Por favor! Você não... Por quê? Por que fez isso?
— Ele matou por você, Zack — Vinícius falou, tentando não ser muito indelicado. Isaque, que estava de costas para ele, virou-se devagar. Sua mandíbula tremia.
— Mas... — Ele não conseguiu terminar a frase. Fitava o chão e os cantos da sala alternadamente. Seu coração foi consumido por uma dor devastadora.
— Apesar de toda a figura caricata de sujeito ruim, preconceituoso e babaca que ele pintou para a gente, o Tenente Alan Nunes fez tudo isso com um propósito. Proteger seu irmão.
— Como assim? Proteger do quê? — César questionou, surpreso ainda com a revelação.
♦ ♦ ♦
— Eu sei o que devo fazer no meu trabalho, Alan — Ele avisou, calmamente, ainda paciente com o companheiro de farda — Preciso que você me diga, detalhadamente, sobre o que você fez nesta noite.
— Não sei se posso te ajudar muito quanto a isso. Mas já que insiste, eu falo. Hoje eu fiquei em casa. Saí apenas para fazer algumas compras. Coisa rápida. E voltei. Mas isso foi logo de manhã. À tarde fiquei à toa em casa. Quando deu umas seis horas, convenci Isaque a ir ao shopping comigo comer alguma coisa. Fomos mesmo. Comemos em uma pizzaria. Mas não era bem aquela a "comida" que eu me referia. Você sabe, o garoto está com uma fama de gay pelo NPOR. E depois que descobri que ele era virgem, não resisti. Disse que iríamos voltar pra casa e o levei ele a uma casa de massagem que, bem... Não faz só massagem.
— Você fez o quê? — Jean erguia apenas uma das sobrancelhas e o lado esquerdo da boca.
— Foi o que você ouviu. Seu "aluninho" não é mais um cabaço.
♦ ♦ ♦
— Ele planejou levar o Isaque para casa de massagem para que ele tivesse um álibi. Ele só não contava que seu irmão fugiria e iria para Bangu!
— Você foi pra onde? — César vociferou, fixando os olhos que fuzilavam o rapaz — O que foi fazer em Bangu?
— Ele foi para seu refúgio! — Astrid respondeu, levantando-se antes que o jovem pudesse argumentar. Defenderia seu amigo a todo custo — O lugar onde ele poderia dar uma pausa na dor interna que sofria durante muito tempo. As drogas lhe causavam uma sensação momentânea de paz! Desde que perdeu a mãe, sua situação só piorou com as ofensas que sofria por se atrair por homens e com a chegada de Diego Fidalgo, o responsável pelo seu trauma de infância!
— Então você é viado mesmo? — O Comandante o olhou com as bochechas puxadas para cima, o nariz franzido e o centro de seus lábios elevados. O desprezo e o nojo eram bastante perceptíveis em sua voz — Como pode?
— Coronel César! — Alan se exaltou, fuzilando seu Comandante com os olhos — Meu irmão é mais competente do que muita gente naquele Batalhão! O senhor pense muito bem antes de falar dele!
A reação do homem gerou muita surpresa para todos que estavam presentes. Principalmente para Isaque. Alan não tinha mais a obrigação de esconder o que realmente pensava. César não teve nenhuma reação, apenas abriu bem as pálpebras. Quando pensou em falar alguma coisa, Astrid Hoegen foi mais rápida.
— Ei! A orientação sexual de ninguém é motivo para um tratamento diferenciado! — A garota protestou, com os punhos cerrados. A veia de sua testa sobressaltou e encarava o homem com um bico — Parem de menosprezar quem é diferente de vocês! Estamos discutindo um assassinato e o que mais te escandaliza é isso? Prioridades! — Ela falou, pausadamente.
— Se quiser me chamar assim, Comandante, tudo bem — ele falou, engolindo em seco.
— Zack... — Alan o chamou, com uma voz chorosa. Ele nunca havia chorado na frente daquelas pessoas — Eu sabia de tudo. Eu arranquei as páginas daquele teu diário. Eu li a parte em que dizia daquele acordo...
♦ ♦ ♦
Acho que só estou vivo, ainda, pois preciso fazer a diferença. Alguém precisa chegar até uma posição de destaque para isso. Eu quero ser esse cara. Quero muito. Mas não sei se serei capaz. Não se continuar assim. Não se eu não arrumar uma solução...
Porque agora, as coisas conseguiram ficar ainda mais agonizantes para mim. Não,"
♦ ♦ ♦
— Não... — Ele balançava a cabeça em negativa, sem conseguir acreditar naquela realidade. Comprimiu os lábios para tentar controlar o choro mais forte, mas quase não conseguiu — Você não! Era para ter sido eu!
— Do que estão falando? — Natan falou, intrigado. Olhava para o Tenente com ódio. Nunca imaginava que seria Alan o responsável pela morte de seu pai. Que, na verdade, também era seu primo.
— Diego Fidalgo apareceu para ele naquela noite — O auxiliar do investigador explicava — Disse que já estava feito. Imediatamente, Zack soube que seu tio estava morto. Porque era isso o que o ex-presidiário queria. A figura de bom moço que ele tentava passar era uma farsa! Ele foi atrás de Isaque para chantagear o garoto a matar seu tio e fazer cumprir sua vingança! Se não o fizesse, ele divulgaria as fotos tendenciosas dele usando drogas e o atormentaria até o resto de sua vida. Quando Alan executou o crime, logo avisou a Diego que estava feito, que tratou de dizer o mesmo para Zack, que entrou em uma crise. Ao chegar em casa, Diego fez sua parte do acordo. Queimou as fotos no seu próprio quintal e, logo em seguida, preparou-se para fugir no dia seguinte.
♦ ♦ ♦
— Isaque! — Vinícius teve que berrar mais uma vez para interromper as insanidades do colega.
Ele segurou seus punhos, aproximando-se um pouco mais. Os dois se encararam.
— Desculpe, é que... Era para ele continuar na cadeia! Aqui, entre nós, ele vai terminar de destruir o que eu ainda tenho... Começou com meu tio, depois vai pro meu irmão, minha carreira, minha inocência... E após disso a minha vida!
— Isaque, basta! —— Gritou de novo, pressionando ainda mais os punhos do rapaz, que dessa vez parou — Ele não vai tirar a sua vida! Está me ouvindo? Não vai!
— Você não entendeu, Dantas... Ele já tirou. Falta apenas concretizar.
♦ ♦ ♦
— Ele o obrigou a matar Leandro para sair de sua vida e não divulgar suas fotos, não é mesmo? — Jean perguntou, aproximando-se do rapaz que estava encolhido no sofá. Não desejava mais encarar ninguém. Aquelas memórias o atormentavam demais.
— Foi sim — ele confessou, contraindo os músculos do rosto, permitindo-se liberar mais lágrimas — ele veio até mim. Mostrou as fotos. Disse que nunca me deixaria em paz... A menos que eu matasse meu tio. Ele queria se vingar do homem que o colocou na cadeia. Se ele morresse, eu poderia ter a certeza de que nunca mais o encontraria... Mas eu não conseguiria fazer isso! Não conseguiria fazer as vontades daquele traste! Estava disposto a me matar para me livrar, de vez, desse inferno! Até que meu tio morreu.
— Eu ainda não consigo acreditar nisso... — Carmen comentou, olhando incrédula para seu sobrinho.
— Pois você me deu uma das pistas mais valiosas e nem percebeu, Carmen! — Jean falou, apontando para a mulher, que se virou arqueando uma das sobrancelhas.
— Como?
♦ ♦ ♦
— Entendi — Jean dizia, coçando o queixo — preciso que você diga, detalhadamente, o que você fez quando pisou na entrada da casa.
— Bem — Ela disse, olhando para cima, como se tentasse puxar na memória os acontecimentos daquela noite — eu abri a porta. Ela estava trancada. Acendi as luzes e já vi o corpo. Minha primeira reação foi gritar. Aproximei dele e vi que, realmente, era Leandro. Comecei a chorar. E então, peguei meu celular na bolsa e liguei imediatamente para a única pessoa que conheço que saberia o que fazer: o Alan. Sabia que ele poderia me ajudar. Ele atendeu em poucos segundos e também se chocou com a notícia. Veio apressadamente até a casa e se espantou. Viu que ele, realmente, estava morto. Não daria nem mesmo para reanimá-lo. Então, eu fui para o banheiro. Tive que vomitar. Fiquei uns três minutos vomitando! Quando saí, Alan já estava ligando para você.
♦ ♦ ♦
— Afinal, quando se está dormindo e, às três da manhã, te ligam, você fica meio zonzo pra acordar e atender, né? Mas não foi o caso. Alan atendeu bem rápido. Quase que imediato. Como se já estivesse esperando uma ligação...
— Jesus! — Ela pôs a mão na boca e se virou novamente para o assassino.
— Quando ele chegou na sua casa, foi nos três minutos que você passou vomitando que ele procurou pelo dardo e tirou todo o material que usou para que ele acionasse o dispositivo de injetar o veneno, deixando apenas a seringa. E ainda deixou o pote de veneno na sua cozinha para pensarmos que estava lá o tempo todo! Estou certo?
— Está sim — o Tenente admitiu e logo deu um suspiro profundo — Eu o matei às dez e vinte, mais ou menos. Mandei a mensagem para o Diego e logo fiz a chantagem com a Jéssica para, mais uma vez, ter um álibi. Não imaginava que pensariam na hipótese de eu ter matado meu tio sem ter chegado perto dele! E quando descobri a história da Kelvin sobre os invasores, logo tratei de fomentá-la. Comprei as roupas pretas e joguei no lixo.
— Foi assim que Diego descobriu que Leandro estava morto e foi falar comigo — Isaque falou, trincando os dentes.
— Meu irmão... — Ele dizia, comprimindo os lábios, fitando os olhos azuis do rapaz que chegara há tão pouco tempo em sua casa e havia se afeiçoado tanto, mas que, ultimamente teve que se portar de forma fria para colaborar com a imagem que achava que precisava manter— Eu também perdi minha mãe e não tenho pai, praticamente. Mas fiquei feliz em poder conviver com meu irmão mais novo! Me desculpe por não ter cuidado de você como deveria. Você estava frágil, sim. Mas quem nunca esteve? Eu nunca te falei isso por algum motivo idiota, mas hoje eu falo: Você é especial demais, cara! A sua garra, o seu esforço, os seus sonhos... Continua assim! Você tem tudo pra ter sucesso! Não deixa ninguém te limitar! Eu te vi no fundo do poço e ficava me remoendo sem saber o que fazer, sem desfazer a minha pose de durão, sendo que só depois descobri que, a melhor forma de resolver, era conversando contigo! — Ele fez uma pausa para enxugar as lágrimas — Quando achei teu diário, eu vi que precisava fazer alguma coisa. Descobri o contato do Diego com um dos seus informantes e pensei no plano. Eu não poderia matar o Diego. Ele só vivia em Bangu, onde estava cercado de comparsas. Mas eu poderia jogar o jogo dele e fazê-lo sumir da sua vida.
— E foi o que ele fez — Jean completou, bufando.
— Pois é. Não foi a mais inteligente das opções... Mas foi o que, na hora, pensei que podia fazer. Não foi fácil pra mim matar o meu tio. Eu sabia que você não faria isso. Eu também achei que não, mas antes ele do que você. Eu não poderia te perder! Eu queria recomeçar minha amizade com o meu único irmão. O que eu fiz contigo e com a Jéssica naquela noite foi imperdoável. Sinto nojo de mim mesmo por isso. Mas eu precisava que você ficasse fora de suspeitas. E eu conseguiria isso se você estivesse na Casa de Massagem durante todo o momento.
— Alan...
Ele não se controlou, saiu do sofá e foi até o assassino, que estava aos prantos. Quando se aproximaram, Zack ficou meio sem jeito. Foi quando o mais velho o puxou para o forte abraço que durou por muito tempo. Um envolvendo o corpo do outro em um gesto que era muito raro entre eles.
Uma lágrima inesperada caiu do olho de Estela.
— Nossa, isso é tão... — A atriz falou, emocionada.
— Me perdoa, cara! — Alan falou, chegando a molhar a roupa do irmão com suas lágrimas. Sabiam que estavam sendo o centro das atenções, mas não se importavam. Precisavam daquele momento. — Eu te amo demais!
— Eu também te amo, Alan! — Ele dizia, com os olhos fechados, sentindo o abraço caloroso daquele que fez o que fez para o proteger — Eu também te amo muito! Eu que peço perdão por te envolver nessa!
Os dois desfizeram o abraço e o mais velho o encarou por alguns momentos.
— Você vai seguir em frente agora. Ok? — Ele falou, enxugando as lágrimas do outro com as mãos.
— Tá bem, mano. Pode deixar! — Ele disse, ainda triste pela revelação.
Apesar de saber que fora ele o responsável pela morte de Leandro, Isaque conhecia o coração de seu irmão. Sabia que tudo aquilo foi feito por ele. Uma tentativa de protegê-lo. Não conseguia odiá-lo como muitos já faziam naquele momento.
Foi no fim daquele gesto que o som de uma sirene podia ser ouvida do lado exterior da casa.
— Primeiro-Tenente Alan Ricarte Nunes — Jean disse, logo atrás do criminoso, sem que ele percebesse — Você está preso por homicídio qualificado!
Os olhos do homem se arregalaram quando sentiu seus punhos serem movidos para trás, sendo logo envolvidos pelas gélidas algemas de metal que impossibilitaram seus movimentos.
O choro cessou para ele. Esboçou um sorriso amigável para o irmão, que logo foi interrompido pela presença de Carmen, que se pôs a sua frente com a face de espanto ainda.
— Meu filho... — Ela dizia, passando a mão pelo peito do rapaz, com os olhos afogados em lágrimas — Você não precisava ter feito isso. Foi tão... Foi o seu tio!
— Me desculpe, tia! Eu fiquei sem saber o que fazer! — Ele admitiu, comprimindo os lábios.
— Primo... — Joyce se aproximou, também em prantos — Você não devia ter feito isso! Não devia! Olha só isso... Você podia... Podia, é...
— Espero que, um dia, vocês me perdoem — Ele falou, com sinceridade, sem ter a coragem de encarar cada um nos olhos.
— Nem tudo está perdido, Alan — A voz doce e suave de Astrid se fez presente ao seu lado, tocando seu ombro — Você possui um bom coração, no fundo. Esteja certo de que te visitarei.
— Pois é — Jean Smith falou, com falsa seriedade.
— Me perdoe, Smith... — Ele dizia, meneando a cabeça — Perdoe por tudo o que falei! Pra falar a verdade, eu te admiro pra caramba.
O investigador respirou fundo. Ainda não estava certo da sua escolha. Ele continuava sendo a pessoa que o tentara jogar pra baixo. No entanto, sabia que guardar rancor nunca é uma boa opção.
— Está perdoado, Alan. E pode contar comigo pra advogar por você quando eu entrar pra reserva.
Os olhos dele brilharam. Voltou a chorar como nunca chorou em toda a sua vida.
Astrid esboçou um sorriso para o investigador. Estava muito contente por aquela atitude. Ela sabia que aquilo seria um desafio para o Tenente. Trabalharia sua compaixão. Seu orgulho. Seu amor ao próximo.
De repente, a porta bateu rapidamente.
Vinícius logo se prontificou para abri-la. Eram dois militares da Polícia do Exército prontos para levar o criminoso.
Ao vê-los, Alan não fez resistência. Abaixou a cabeça e os acompanhou.
— Kelvin Santana e Arthur Enoch — O oficial chamou pelo casal, com sua voz grossa e autoritária — Vocês estão presos também. Um por extraviar munição e a outra por adulterar a cena do crime e prestar falso testemunho!
O coração dos dois acelerou. Não aceitaram aquilo.
— Não! — Kelvin gritou — Eu não posso ser presa! Eu não...
— Fique tranquila, Kelvin! — Jean falou, com um sorriso sarcástico no rosto — Cobra gosta de ratos, né? Vão ter muitos deles vagando pela sua cela!
— Desgraçado! — Arthur berrou, avançando contra o tenente, mas logo parou quando retomou a consciência.
Com as sobrancelhas unidas, as pálpebras abertas, os dentes trincados e os punhos cerrados, o Sargento de Infantaria ficou encarando com fúria o olhar sereno de Jean, que ficava de braços cruzados. Sabia que o homem não atentaria contra ele.
— Então... É assim que tudo termina, né? — Jéssica comentou, cruzando os braços.
Foi quando um dos policiais segurou com firmeza nos braços do outro criminoso e o algemou, assim como fizeram com Alan e Kelvin.
— Espera! — César exclamou, enquanto coçava o queixo — Que eu saiba, consumir maconha é crime militar! — ele falou, direcionando seu olhar para Isaque, que engoliu em seco.
— O Código Penal Militar prevê como crime militar o uso de drogas dentro de área sob administração militar — Vinícius explicou, sem que, antes, o jovem precisasse se defender — O que não foi o caso dele. O que ele precisa é de tratamento. Não de cadeia. O Isaque é cem por cento inocente. Ou seja, não há motivos para prendê-lo. Ele sofre, sim, de uma doença mental. Mas com a nossa ajuda — ele se virou para o amigo e não conteve um leve sorriso — ele se recuperará! E continuará sendo o profissional exemplar que é. Fazendo o que sempre quis.
— E quanto ao Diego? — William questionou, ainda inconformado com a impunidade do homem — O cara que causou tudo isso?
— Ele fugiu, mas já mandamos uma equipe atrás dele — Vinícius falou com pesar — Se Deus quiser, ele será pego. O caso dele é muito comum. Apesar de a nossa Polícia ser a que mais mata, ela também é a que mais morre. Não é raro um criminoso sair da cadeia e buscar eliminar o policial que o colocou lá. Isso é mais frequente do que se imagina!
— Que horror, meu Deus! — A atriz exclamou, lembrando-se dos momentos em que o homem estava vivo — Eu me arrependo tanto do que fiz com Leandro... De verdade. Ele pode ter errado comigo, mas eu também excedi os limites. Ninguém pode esconder o filho de ninguém. E sinto que a mágoa que guardei só me fez mal durante todo esse tempo.
— O bom é que você se arrependeu, Estela. E entendeu que perdoar sempre é a melhor saída — Astrid falou, com mansidão e um sorriso no rosto. Tocou o ombro da mulher e a acariciou, deixando-a consolada — Nós erramos muito em nossas vidas. O que nos resta a fazer com os erros, se não os usar como aprendizagem, tornando-nos pessoas melhores?
— Você tem razão, moça... Eu mal te conheço, mas sei que você é uma pessoa incrível! Tem algo dentro de você que, sei lá... É inexplicável!
Ela deu uma leve risada e encolheu os ombros.
— Creio que é o Espírito Santo que habita em mim — ela falou, sorrindo de leve, convicta de sua crença.
A atriz a observou com admiração dos pés a cabeça e lhe puxou para um abraço acolhedor.
Quando desfizeram o gesto, Astrid se virou para trás e encontrou Vinícius a observando. Ela era esperta demais para não perceber o que se passava pelo coração e pela cabeça dele em relação a ela. No entanto, ela não era do tipo que fazia o famoso joguinho. Gostava de ser direta, apesar de não ter se interessado por ele da mesma forma.
As coisas com ela aconteciam mais devagar. De todo modo, ainda admirava o rapaz e sabia que seria uma experiência boa tê-lo no seu círculo de amizades.
— E aí, Víni! — Ela falou, passando a mão pelo cabelo, meio sem jeito.
— Oi — ele disse, timidamente, coçando a nuca.
— Meus parabéns pela conclusão do caso! — Ela falou, tentando deixar o rapaz mais à vontade. Não deixou de notar que sua presença lhe deixou corado e com os olhos brilhando.
— Sem a sua ajuda, nada poderia ser feito! — Ele disse, exibindo um sorriso para ela. Foi a primeira vez em que ela reparou no sorriso do garoto. Aliás, não se lembrava quando o viu sorrindo. Talvez, aquela tenha sido a primeira vez. Ela gostou — Obrigado! Você é muito boa!
— Vocês fizeram a maior parte do trabalho! — Ela falou, cruzando os braços e lhe devolvendo o sorriso.
Os dois se encararam por um momento, ainda alegres. Fazia tempo que o rapaz não se sentia daquele jeito. Quase que podia ouvir as batidas do próprio coração. Tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu formular nada bom.
— O que acha de... É... Bem... — Ele se enrolou nas palavras, ficando ainda mais envergonhado.
— A gente pode sair qualquer dia desses, que acha? — Ela sugeriu, pousando a mão na sua cintura, ignorando o jeito atrapalhado de Vinícius, que só lhe fez achar mais graça.
Os dois deram uma gargalhada.
— Ah, sim. Claro! É... Num restaurante, talvez? — Ele disse, inclinando a cabeça e cerrando os olhos para ela, em tom de brincadeira.
— Por mim, está ótimo! — Ela disse, exibindo um sorriso verdadeiro para o rapaz — Seria muito bom te conhecer melhor!
— Eu acho o mesmo — falou, piscando para ela com um olho só.
— Aliás, vou te fazer outro convite! — A loira se lembrou, pousando o dedo indicador nos lábios, que estavam com seus cantos voltados para cima — Eu estou ensaiando para cantar lá na minha igreja. Se você puder ir me assistir... Eu adoraria ter sua presença!
O jovem abriu outro sorriso de orelha a orelha. Suas pálpebras se fecharam um pouco.
— Mas é claro! Só me passar o endereço!
— Você tem o meu contato! — Ela o lembrou, arqueando as sobrancelhas.
— Está bem, então... — Ele falou. De repente, estavam naquele silêncio perturbador de novo.
— Ei, você poderia ir atrás do Isaque. Ele deve estar precisando da sua ajuda agora... — A jovem sugeriu, fazendo Dantas se lembrar que tudo aquilo não fez muito bem para a sanidade do amigo.
Vinícius mal reparou quando ele sumiu de suas vistas, diferente de todos os outros, que mantinham na sala comentando sobre o fim daquele caso. Intrigado, ele foi ao banheiro procurar pelo rapaz. Não o encontrando, foi até a cozinha. Nada.
Ao abrir a porta do quarto dele, encontrou o jovem com seus braços apoiados na janela. Os olhos azuis estavam fixos na viatura policial transportando os criminosos.
— Zack! — Ele o chamou em voz alta, despertando-o de seu devaneio.
Isaque se virou para seu parceiro de trabalho. Não fazia questão de esconder os olhos marejados.
— Dantas! O que...
O rapaz se aproximou do amigo, inclinando o rosto. Era nítido o estado de tristeza que o irmão do assassino passava.
— Cara, eu não vou dizer que você precisa ser forte. Eu sei que você já é! Ainda mais agora — Ele falou, segurando o ombro dele com a mão direita e, com a esquerda, tocando no peito com o dedo indicador — Se precisar de ajuda para alguma coisa, qualquer coisa, quero que conte comigo! Não hesite em me chamar.
— Muito obrigado, cara! — Foi o que ele conseguiu falar, por estar bastante emocionado. Vinícius percebeu isso e também ficou em silêncio. Os dois se envolveram em um abraço que durou cerca de um minuto.
A partir dali, um forte vínculo de amizade se criava. Foi naquele momento em que ambos perceberam a importância de ter amigos verdadeiros.
Uma amizade verdadeira é muito mais que ter alguém para compartilhar momentos bons. Ou alguém para estar te ajudando nas situações ruins. Também é uma prevenção ao suicídio.
São os amigos verdadeiros que vão te puxar do fundo do poço. E isso inclui, também, sua família e, principalmente, o próprio ser divino.
Os amigos verdadeiros nos fazem sentir amados, o que é muito importante para valorizar a autoestima de cada um — apesar de não ser fundamental —. Independente do gênero, credo, religião, sexualidade ou raça.
Amor.
A ausência desse sentimento e de seus derivados se mostrou ser a real causa de todos os males que culminaram naquela tragédia.
No fundo, todos perceberam que o mundo precisava de amor. De muito amor. De um amor mútuo.
De um amor que enchesse.
FIM.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro