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19- Certas coisas só acontecem com certas pessoas

CAPÍTULO DEZENOVE

"Certas coisas só acontecem com certas pessoas"

♦ ♦ ♦

Após Vinícius terminar sua conversa com Vicente, na sala das Relações Públicas, o soldado se dirigiu ao apartamento do seu Comandante de Pelotão, o Tenente Alan Nunes. Era lá onde Joyce estava.

No entanto, o auxiliar do Oficial-de-Dia não tinha tempo para esperar a sobrinha de Magno descer e vir falar com ele. Afinal, a jovem ainda precisava de tempo para processar as informações, falar com seus familiares e, só então, estar em condições de dar seu depoimento.

Naquele momento, o rapaz olhou seu relógio. Eram oito e quinze da manhã. Foi até os aposentos do tenente Smith, mas ele não estava mais lá. Procurou por ele por alguns minutos, até finalmente encontrá-lo caminhando em um dos corredores.

Mas dessa vez, ele não vestia mais a gandola, apenas uma camisa camuflada, também não portava sua pistola. Nem mesmo seu cinto e suspensório, usados pelos militares quando estão de serviço.

Assim que o viu, o garoto fez o mesmo. Foi até a armaria, entregou seu armamento, tomou um banho e trajou-se apenas com a calça e a camisa camuflada, calçou seu coturno novamente e colocou o gorro na cabeça.

Trinta minutos depois, foi até o tenente, que se encontrava na Enfermaria. Era a hora de falar com Jéssica Santiago e Kelvin Santana.

Ao entrar na sala, olhou o ambiente. A recepção daquela Seção era um cubículo bem pequeno, com um balcão, onde as pessoas são atendidas, uns bancos, onde elas esperam e uma pequena balança com defeito em um dos cantos. Havia, ainda, uma porta por onde levava para as outras áreas.

Nas paredes brancos, haviam quadros informativos sobre doenças como Aids, Dengue, Hepatite, entre outras. Além de uma imagem de Duque de Caxias.

Não demorou muito até a comandante da Guarda do dia anterior abrir a porta e dar de cara com o aluno. Ela já não estava mais fardada, mas trajava uma blusa cinza, calça jeans e uma jaqueta de couro. Seus cabelos tingidos de loiro escuro estavam soltos e caíam até os seios. Os olhos estavam fundos e as pálpebras cansadas. Não havia dormido aquela noite também.

— Oh, oi Dantas — cumprimentou Jéssica, esboçando um sorriso amarelo.

— Sargento Jéssica, é... O Tenente Smith está?

— Sim. Ele passou aqui agora pouco. Foi falar com a Kelvin, que está de cama. Posso ajudar?

— Pra falar a verdade, sim. Gostaria de fazer algumas perguntas para tentar solucionar esse crime. Tudo bem? Pelo menos, antes da senhora ir.

— Oh, claro! — Ela falou, fazendo um gesto com a mão para ele a acompanhar até o interior da Enfermaria.

Como era um final de semana, poucos militares trabalhavam no local. Apenas um soldado e um sargento, que precisavam ficar de plantão para os cuidados necessários de Kelvin. Mas estes seriam liberados assim que a situação dela melhorar.

Vinícius sabia para onde estava indo. Era uma sala diminuta, onde fez todas as suas consultas com o médico do Batalhão. Ela se sentou na cadeira acolchoada atrás da mesa de madeira e o jovem fez o mesmo no assento oposto. Os dois ficaram um de frente para o outro, encarando-se por um tempo.

Os olhos castanhos de ambos se cruzaram. Pareciam estudar um ao outro.

Antes de começar qualquer coisa, Vinícius fez como sempre fazia. Ligou o modo gravador de áudio no celular e o escondeu de forma que a mulher não percebesse.

— Pode começar me falando sobre seus passos na noite do crime. Soube que você não ficou no alojamento do Comandante da Guarda, como deveria — O jovem falou, alfinetando a Sargento com a última frase. Estreitou seus olhos e prestava atenção em cada fala. Ela engoliu a seco.

— Olha, sei que deve estar pensando que, por eu ser mulher, fico fingindo ser boba para não ser escalada como Comandante da Guarda, mas isso não é verdade! Eu sei que falhei em ter me ausentado da Guarda, mas isso poderia ter acontecido com qualquer um! E outra, eu estava em meu turno de descanso! E também...

— Sargento, não é isso! — O jovem fez estendeu a palma da sua mão para ela, interrompendo-a — Por favor, a senhora já mostrou que não é nenhuma incapaz de cumprir com essa missão. A questão é outra! Eu só quero saber o que aconteceu.

— Desculpa... Você não sabe o quanto eu ouço esse discurso! Tem gente que fica na minha cola procurando cada vacilo meu para deslegitimar meu trabalho, me inferiorizar como profissional e me esculachar como pessoa. E, bem... Eu tento fazer o máximo para não ser tratada assim. Para me sentir como igual a todos aqui. Mas parece que eu só consigo agradar com sexo e atividades domésticas — ela falava, fazendo um esforço para segurar as lágrimas.

— Eu sinto muito por tudo isso — O jovem falou, encarando-a com um olhar amigável, permitindo-a desabafar. Talvez, assim, em um momento de emoção, ela poderia deixar escapar alguma pista importante.

— Você, por acaso, quando tirava serviço de Guarda, tinha que ficar ouvindo comentários do tipo "Isso é coisa de homem", "Oh lá em casa", "Quero ver segurar a minha pistola", ou coisas assim? Ou simplesmente tinha que ficar chamando a atenção dos soldados mil vezes pois eles, simplesmente, acham que uma mulher não pode estar no comando? É humilhante, aluno! Sorte a minha que, ontem, o Oficial-de-Dia foi o Tenente Smith, pois há outros que ficam no meu pé o tempo todo porque acham que estou fazendo alguma coisa errada. Ou então, ficam me lançando cantadas totalmente impróprias!

— Realmente, isso nunca me aconteceu... Aliás, não me lembro de isso acontecer com nenhum homem — ele admitiu, assentindo com a cabeça.

— Pois é! Infelizmente, sofro com isso todos os dias. Tento mudar a mente de alguns mostrando que sou forte, mas parece que certas coisas só acontecem com certas pessoas, né? — Ela falou, cabisbaixa, esboçando um singelo sorriso após a última parte para o Aluno.

— Imagino, Sargento. E eu vejo isso. Sei que você não é pior nem melhor do que ninguém aqui. Mas ainda preciso saber o que houve ontem à noite.

— Oh, me desculpa! — Ela exclamou, dando um tapa de leve na testa, mas depois voltou a encarar o garoto — Eu fiz tudo o previsto. Vez ou outra eu relembrava para os soldados sobre a função de cada um e tal. Quando deu dez horas da noite, o Sargento Alvim chegou para a permanência dele. E então, fui ao meu alojamento. Aquele, no próprio Corpo da Guarda. Deitei na minha cama e fiquei lá... Mas é complicado... Faz tempo que eu sofro de insônia. E eu havia esquecido meu remédio aqui na Enfermaria. E então, às dez e vinte e cinco, mais ou menos, eu saí de lá e vim até aqui, pegar o medicamento. Acabou que eu me esqueci onde estava e fiquei procurando. Quando deu umas onze horas, ouvi um tiro. Era o Vitor! Corri imediatamente pra cá, mas já era tarde demais. Depois disso, não saí do Corpo da Guarda. Você mesmo viu.

— Então, você só queria vir aqui pegar o remédio, né? — Ele disse, coçando o queixo.

— Exatamente — Ela falou, com os olhos arregalados.

— Pode me dar um pouco dele? — Ele pediu, deixando a mulher ainda mais desconfortável.

— P-por quê? — Ela questionou, gaguejando, com uma das sobrancelhas arqueadas.

— Ora, porque com todo esse caso, também acho que vai ser difícil eu conseguir dormir. Tudo bem você me dar um comprimido, apenas?

— Ora, mas é claro que não! Eu posso pegar aqui na Seção pra você e...

— Ah, mas você sabe a burocracia que é pra conseguir pegar medicamentos. Precisaria ter um médico, né?

— Oh, claro! É verdade — ela dizia, em nítido desespero. Olhava de um lado para o outro, confusa — Eu também não sou médica! Não posso te dar esse medicamento! Vai que acontece alguma coisa, né? — Ela falou, inclinando a cabeça, tentado convencer Vinícius de desistir daquela ideia.

— Então deixe eu ver seu remédio, por favor. Para eu comprar mais tarde — Ele solicitou, pela última vez, irredutível. Sua expressão era serena, séria.

Havia criado um clima sufocante para a mulher. O que fazia parte do plano do rapaz.

A mulher suspirou e revirou os olhos. Abriu sua bolsa e puxou uma pequena caixa e tirou, de lá, uma cartela de comprimidos que comportava dez unidades. No entanto, três deles estavam vazios, indicando que tinham sido tirados de lá recentemente. Entregou o material para o aluno, que examinou com cuidado.

— Eu não queria te mostrar porque, bem... — Ela falava, cabisbaixa — É realmente vergonhoso uma técnica em enfermagem tomar tanto remédio pra dormir de uma vez. Mas acontece que ando com a cabeça tão cheia, com tantas neuras, que, nossa... É perturbador.

"Data de fabricação: duas semanas atrás. Se não me engano, a última vez que veio medicamentos aqui pro Batalhão foi há três"

— Não te julgo — Vinícius falou, fingindo estar convencido. Estendeu a mão com os medicamentos de volta para a mulher — Mas então, me diga sobre o Vitor. O que achou dele durante todo o momento?

— Você sabe, ele tinha sido escalado como sentinela! Mas do jeito que ele estava, ficar com um fuzil não ia dar certo! Felizmente, anteontem, logo de manhã, consegui mudar isso. Mas acabou que nem deu muito certo e, bem... Ele morreu de qualquer jeito. Mas o garoto estava visivelmente mal! E depois que a Kelvin foi falar com ele, tudo ficou pior! No entanto, após aquele episódio, ele apenas fechou a cara e continuou. Não falou muita coisa. Pelo menos, nada que eu achasse estranho. Foi uma tragédia o que aconteceu com ele, apesar de achar que, se ninguém o fizesse, ele mesmo tiraria a própria vida...

— Você chegou a fazer uma revista nas coisas dos soldados?

— Sempre revisto. Eu e o Cabo também. Posso te garantir que eles não levavam nada nas bolsas.

— E poderia ter acontecido de, em algum momento, um deles ir no alojamento, fazer alguma coisa?

— De forma alguma. Peguei no pé do Cabo pra controlar isso. Pessoal da Guarda fica na Guarda! Ponto.

— Tenente Smith pegou um soldado com o celular.

— Mas aquele caso era diferente! Ele escondeu o celular na cueca! Como eu vou revistar uma coisa dessas?

— E sabe dizer se o Vitor ficou, todo o momento, naquele posto?

— Absolutamente, sim. — Ela afirmou, com convicção — Não houve rodízio entre os postos. Quando ele não estava aqui, ele estava lá naquele posto.

— Hum... — Vinícius coçou o queixo, estudando a mulher que estava com seu coração disparando — É o posto que fica de frente para a Vila dos Oficiais. Obviamente, se alguém passasse pelos fundos para matar o Comandante, o Vitor veria. Como era a sua relação com as vítimas, Jéssica?

Ela inclinou a cabeça e franziu o cenho, confusa.

— Nunca troquei muitas palavras com o Tenente-Coronel Magno. Muito pelo contrário, sempre procurei distância dele. Apenas cumpro suas ordens!

— Por quê? Ele já te procurou alguma vez? Fez você se sentir mal? Te assediou?

— Oh, não! Não! — Ela falou, levantando as mãos e arregalou os olhos — Ele nunca fez esse tipo de coisa. Mas eu suspeito de que ele estivesse passando por uma fase difícil em sua vida.

— Ah, é? E como sabe?

— Reconheço uma pessoa depressiva de longe. Sou enfermeira e, bem.... Também já passei por isso — Ela fez uma pausa, em que Vinícius estreitou ainda mais seus olhos na direção dela. Ela não havia superado a doença ainda e isso estava nítido — Eu também vi como ele olhava pro Aluno Steinberg. Lembra que ele baixou no campo de vocês? Então, não deixei de escutar a conversa. Eles são pai e filho! Não entendi direito a história, mas parece que ele não gostou muito de saber que o Comandante era pai dele.

— Ele tinha seus motivos.

— Oh, provável. Eu não gostava dele como profissional, sabe... Meio colado, parece. Não sabe agir direito. Fiquei até com medo de ele comandar essa missão agora... Mas como pessoa, não tenho nada contra.

— Hum, sendo assim... — Ele disse, enquanto pensava nas novas informações a ele transmitidas — Está feito. Só vou pedir que fique com seu celular ligado, pois podemos acioná-la a qualquer momento.

— Brasil! — Ela falou, levantando-se e esboçando um sorriso amarelo, da mesma forma que Vinícius fez. Os dois se retiraram da saleta e o jovem fechou a porta.

Em passos longos e rápidos, Jéssica caminhou até o Portão. O que mais desejava era sair daquele lugar.

Enquanto isso, Vinícius prosseguia com seu trabalho, indo em direção a sala onde o Tenente Smith estaria conversando com Kelvin.

♦♦♦

Jean Smith abriu a porta da área onde ficavam os leitos da Enfermaria. Era lá onde Kelvin estaria sendo medicada. Ele não teve nenhuma reverência. Não achava a Sargento digna de sua delicadeza. Quando entrou no recinto, viu a mulher sentada em sua cama. Seus cabelos estavam soltos. Em uma escrivaninha, estavam gorro e gandola. Já havia descautelado seu armamento. Ela ergueu as sobrancelhas. Em seu braço esquerdo, recebia soro fisiológico.

Um soldado a acompanhava. Ele estava sentado no seu lado direito, em uma cadeira. Segurava a mão ferida da mulher enquanto terminava de enfaixar. Ele se virou para o homem em frente a entrada e o observou com surpresa.

— Sargento Kelvin! — O homem a cumprimentou, observando-a com malícia, enquanto caminhava vagarosamente na direção da mulher.

— Tenente Smith! — Ela respondeu-lhe, esboçando um sorriso amarelo. Sua expressão não era de nervosismo e nem de cansaço. Afinal, parecia ter dormido depois de tudo o que aconteceu.

— Soldado — Ele disse, chamando o rapaz que acabara de enfaixar os dedos da militar — Como está a situação dela?

— Então... — O garoto falou, evitando olhar nos olhos do tenente. Ele era um pouco acima do peso e usava óculos — O caso dela é complicado. Ela chegou a perder parte do dedo polegar. Após ela chegar aqui, deixamos ela no soro e nós tivemos que tirar os resquícios de munição que estavam aqui. Para não infeccionar. Depois, limpamos a ferida e fechamos tudo. Agora, acabei de enfaixar. Ela vai ter que trocar a gaze regularmente. Vai ter que tomar bastante cuidado agora, mas infelizmente... Os movimentos da mão direita foram, parcialmente, perdidos.

— Oh, não! — Seus olhos se encheram d'água. A mulher olhava para sua mão direita. Aquela que fazia a maior parte de seus movimentos. Trincou os dentes e deixou as lágrimas caírem — E agora?

— Provavelmente será reformada — O jovem disse, cabisbaixo.

— É uma pena perder o movimento das mãos assim... — Jean admitiu, fingindo-se comparecer pela mulher. Virou-se para o rapaz ao seu lado — Soldado, pode me deixar a sós com a Sargento agora? Ainda preciso fazer algumas perguntas...

— Oh, claro! — Ele disse, levantando-se.

— Ei, espera! — Kelvin o chamou, com o coração disparando — Diga-me, quando poderei sair dessa cama? Eu preciso falar com algumas pessoas...

— Ah, tenho que perguntar para o médico, sargento. Mas creio que já possa ser dispensada, mas terá que fazer visitas regularmente.

— Oh, se Deus quiser, está certo! — Ela disse, fechando os olhos e sorrindo de leve.

Jean Smith revirou os olhos para aquela cena. Pegou uma cadeira e se sentou ao lado da militar acamada.

— Está em condições de fazer um interrogatório? — Ele perguntou, como se estivesse realmente preocupado. Ela assentiu com a cabeça, encarando-o com seriedade. Ele ligou o modo gravador do seu celular e começou os questionamentos — O que você fazia ontem à noite?

— A minha ronda. Como de costume — respondeu sem pensar muito.

— Não. Digo, deixa eu reformular minha pergunta: A partir das oito da noite, o que foi que você fez? Por favor, diga tudo com detalhes.

Ela engoliu a seco, mas concordou. Ficou um tempo em silêncio, para se lembrar de tudo e dizer com propriedade.

— Depois daquela nossa reunião, eu fui para o alojamento feminino até dar o meu horário de fazer a ronda, que seriam às dez e quarenta da noite. De lá, eu não saí mais. Liguei a TV e fiquei assistindo uma coisa que havia lá.

— Você estava sozinha?

— Sim, senhor. Final de semana, nenhuma das mulheres dorme aqui no quartel. A não ser as que estão de serviço.

— Jéssica não apareceu por lá, né?

— Oh, não senhor. Ela ficou na Guarda, que eu saiba. Apesar de que, quando eu saí pra fazer minha ronda, eu a vi indo pra Enfermaria. Não sei o que ela queria fazer lá...

— Sei... E pode contar como foi a sua ronda? Conte tudo o que parecer relevante.

— Está bem, é... — ela disse, e jogou a cabeça para trás. Não queria relembrar aqueles momentos, mas era necessário. Voltou a encarar o tenente e continuou — Comecei a ronda pelo Vigia 4, que fica lá no Corpo da Guarda. Fui falando com soldado por soldado no sentido horário. Tudo normal. Sem alterações. Até que, em passos curtos, passei pela PTC, pelo banco e, enfim... Cheguei no Vigia 1. O Vitor... — Ela engoliu a seco, a última parte saiu falhada. Foi difícil pronunciar as palavras. Seus olhos, já molhados, deixaram escapar ainda mais uma lágrima. As imagens na sua memória a faziam se sensibilizar — Nem tive a chance de vê-lo com vida. Antes disso, eu ouvi o tiro. O assassino estava por perto. Eu vi sua silhueta... Mas meus olhos só encaravam o corpo morto do meu ex... Tá certo de que, naquele momento, ele não tava muito bem com a vida, mas também não queria morrer! Era tudo da boca pra fora. Conheço aquele garoto...

— Então, o que você fez quando o viu sendo morto? — Ele questionou novamente.

— Oh, perdoe-me. Acabei divagando... Quando eu o vi naquela situação. Abriguei-me e fiquei paralisada. Eu sabia que precisava tomar uma atitude, para que ele não causasse mais vítimas. Saquei a minha pistola, carreguei, destravei, mas ele notou o barulho e agiu primeiro. Foi tão rápido que, quando vi, minha mão já estava em carne viva e meu armamento no chão. Abriguei-me de novo. Suportando a dor, peguei com a mão esquerda a pistola. Mirei bem, mas com a dor, não deu muito certo. Acabei atirando no chão. Não tenho muita habilidade com a mão esquerda. Pelo menos, ele pareceu se assustar. Pulou para a Vila dos Oficiais e sumiu por lá. Possivelmente foi assassinar o Comandante, se não fez isso antes. Afinal, dava pra ver quem entrava na casa dele daquele posto. Fiquei assustada e quando dei conta de tudo, gritei, acionando o Plano de Defesa. Quando cheguei na Guarda, recebi os Primeiros Socorros e vim direto pra cá. E daqui não saí.

— E você pode dizer pra mim como era a aparência do assassino?

— Perdoe-me, tenente... Mas não vou poder ajudar nisso. Além de estar muito escuro, ele vestia uma toca balaclava, um casaco, calça e tênis. Todos pretos. Ele tinha estatura mediana, meio forte.

— Tem certeza de que era homem?

— Ora, certeza não, mas... Acho muito difícil não ser, né? — Ela falou, arqueando uma das sobrancelhas.

— Nenhum outro detalhe na roupa que você possa ter reparado? Alguma mancha, uma marca... Não sei. Alguma coisa?

— Definitivamente, não — Ela disse, balançando a cabeça.

— E sobre o Vitor... Ele parecia gostar muito de você.

— Ah, meu relacionamento com ele foi um erro — bufou, revirando os olhos — no começo, eu me encantei com aquele garoto. Jovem, bonito, sarado... Mas na cama, era até bom, mas parecia ser meio inexperiente. Fiquei decepcionada. Não era aquilo que eu imaginava, sabe? Relevei pela primeira vez, afinal, era bom de qualquer jeito. Topei ensiná-lo algumas coisas. E ele evoluía cada vez mais. Aí sim, eu me deliciei de verdade com aquilo tudo! Foi bom mesmo. Mas ainda assim, não era o que eu esperava de um homem como ele.

— Um homem negro, você diz?

Ela engoliu em seco, sem saber o que falar. Gaguejou algumas palavras, mas não saiu nada.

— Bem, não exatamente. É que... Enfim, eu percebi que não estava mais gostando. E então, pedi separação. Ele ficou maluco, mas o senhor deve me entender... Separações fazem parte da vida. Sofrimentos fazem parte da vida. Não devemos fugir deles, mas sim aprender a lidar. Ele precisava aprender isso!

— Aham, entendo você, Kelvin — Ele falou, sarcasticamente, de forma que ficou bem nítida para a mulher, que não disse nada.

— Oh, então, bem... Desde então, ele ficava me mandando mensagens pedindo para voltar, dizendo que iria me fazer gostar dele de novo... Apenas o bloqueei. Quando ele me via aqui, me olhava de um jeito pidão, mas eu o ignorava. Enfim, evitei o contato. Não queria papo, sabe? Só ontem que fui falar com ele no serviço.

— E ele já comentou algo contigo sobre matar?

— O Vitor? — Ela perguntou, com uma das sobrancelhas arqueadas — Aquele lá não faz mal a uma mosca! De forma alguma, tenente!

— E você, por acaso, não sabe de ninguém que poderia querer a morte dele?

— Do Vitor? Oh, não! Ele era um garoto tão do bem. Infelizmente, foi morto por alguém mal intencionado, que precisava matá-lo para atingir o Comandante.

— Uhum, sei... E você está em algum relacionamento agora?

Ela inclinou a cabeça, como se suspeitasse da pergunta do homem. Franziu o cenho.

— Não... Por quê?

— E o que acha de Arthur?

— Ah, hoje ele é meu amigo. Mas já namorei com ele por oito meses. Não sei se ele ainda nutre algo por mim... Por quê?

— Nada — Ele disse, dando uma pausa nos questionamentos e pensando no que mais poderia ser útil naquele momento — Sendo assim, acho que é só.

— Estou liberada? — Ela disse, empolgada.

— Ainda não — Ele disse, pegando seu celular e desligando a opção de gravador de áudio e o guardando em seu bolso — Quero te falar umas coisas ainda...

— Senhor? — Ela questionou, fazendo uma engraçada cara de interrogação.

— Você terá uma grande sorte se realmente for reformada por causa dessa mão aí — ele falou, indo direto ao ponto. Logo, a mulher arregalou os olhos e pousou a mão no peito, espantada — Porque se não, eu vou usar todas as minhas armas pra te destruir aqui nesse lugar! Não como fez com aquele pobre garoto, é claro. Mas é bom você não se atrever voltar aqui com essa sua cara lavada de novo, sua bruxa!

Ele controlava as suas palavras para não ir além do que pretendia. Mas não conseguia deixar aquilo preso em sua garganta. O tenente não se conformava com tamanha injustiça. Injustiça que era ignorada por tanta gente. Talvez pelo fato de a vítima ser um homem e, na sociedade, um homem admitir que sofre depressão ou que está sendo abusado por uma mulher, é algo ainda mais vergonhoso e humilhante. Ele poderia ser tachado de culpado, fraco, frouxo e banana.

Jean engoliu a seco. Não podia se exaltar. Levantou-se de sua cadeira e partiu, deixando Kelvin sentada no leito, observando-o caminhar até a porta, que foi batida com força.

Ao ficar sozinha, respirou fundo. Seu coração disparava a mil.

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