12- Como isso foi acontecer?
CAPÍTULO DOZE
"Como isso foi acontecer? "
♦ ♦ ♦
Eram três horas da madrugada daquele serviço de sábado.
O muro que o suposto invasor pulou levava à Vila dos Oficiais, onde ficava a casa do Comandante, mas Smith preferiu sair pelo portão principal e ir, caminhando, até o local do crime. Na companhia de Dantas.
A Portaria da Vila dos Oficiais era uma estrutura singela, pintada de amarelo. Era a entrada da área onde estavam as casas de alguns dos oficiais que serviam no 10º BPE. Entre o espaço destinado aos carros entrarem e saírem do lugar, existia uma cancela operada por um soldado que tirava seu serviço lá. Ele controlava tudo. Anotava o nome de cada pessoa e os dados de todos os veículos.
E em cada extremidade desse espaço, existia uma pequena guarita, onde esse militar deixava guardada as anotações na gaveta de um pequeno armário.
O soldado que ficava vigiando a entrada e a saída prestou a continência ao Oficial assim que o viu se aproximar.
— Soldado número... — O rapaz começava a se apresentar, até ser interrompido pelo homem.
— Não. Chega! — Ele falava apressado, com uma cara de poucos amigos. Parou em frente ao jovem e pôs as mãos na cintura — Soldado, alguém passou por aqui nas últimas horas?
— Tenente, recentemente passou a Senhora Carmen. Eu anotei o resto ali, mas...
Vinícius examinava o rapaz com seriedade. De olhos estreitos, ele percebia que havia algo de estranho ali. Enquanto o Tenente fazia as perguntas, o Aluno dava voltas na área da portaria, tentando colocar seus pensamentos em ordem junto com as novas informações.
— Só ela? Tem certeza? — Ele se controlava para não sacudir o rapaz, então suspirou e passou a mão na cabeça — A Sargento Kelvin disse que entrou na Vila um ser todo vestido de preto. Você não viu nada?
— N-não, senhor! — Ele gaguejava, abrindo a boca — Como assim? Aconteceu algo mais?
— O Comandante tá morto se você não saiba! Alguém entrou lá e o empurrou da escada!
— T-tenente... Eu estive aqui na portaria o tempo todo. Estava atento! Não vi ninguém assim. Só as pessoas que foram anotadas.
— Você tem certeza? — Vinícius questionou, dentro da guarita. Em suas mãos, ele segurava um celular que exibia, na tela, a imagem de uma mulher desprovida de qualquer vestimenta em uma pose sensual — Então deve saber quem estava assistindo pornô aqui, não?
Jean se virou para o Soldado tão furioso que podia sentir a veia de sua testa saltando.
— Merda! Seu irresponsável! Você não entregou seu celular? Estava usando ele no serviço, é? — Sem perceber, o tom de voz dele ia ficando cada vez mais alto e duro com o militar mais moderno, que se afastava ligeiramente dele, engolindo a seco. Sem argumentos plausíveis para justificar aquela transgressão disciplinar grave, que na verdade, caracterizava-se como um crime.
— E-entreguei um deles, tenente — Disse, mordendo os lábios. Fechou os punhos. Notou que seu coração batia ainda mais forte e suava de nervoso.
— Veja bem — Ele falou pausadamente, com as sobrancelhas unidas, tentando não se descontrolar — Eu vou ver o que aconteceu na casa do Comandante. Quando eu voltar, vou te levar pra cadeia.
O rapaz assentiu, sem razão. O homem respirou fundo. Levantou a cabeça e seguiu em frente, sem dizer mais nada.
Só existia uma rua reta na Vila. Em ambos os lados, existiam três casas e um prédio. A moradia do Comandante era a última mais próxima do Batalhão.
Nem precisou abrir a porta. Carmen fez isso antes deles. A mulher estava com a testa oleosa e os cabelos ligeiramente bagunçados. Seus olhos ligeiramente vermelhos denunciavam que havia chorado pouco tempo atrás.
— Ah, vocês chegaram! Por favor, entrem! — Ela os observou entrar em sua residência. Deixou a porta aberta e só a fechou quando já estavam dentro. Passou a mão entre os cabelos. Ela vestia um vestido branco com pequenos pontos pretos. — Aconteceu faz uns vinte a trinta minutos. Eu cheguei de carro aqui ainda pouco e, quando abri a porta, dei de cara com o Leandro morto! Daí eu liguei pro Alan imediatamente. Ele logo atendeu e veio pra cá me acalmar. Ó, Deus! Como isso foi acontecer?
Logo assim que pisaram na casa, puderam ver o corpo de Leandro morto no chão.
— Oh! — Vinícius exclamou, lembrando-se da cena de alguns meses atrás, quando precisou enfrentar seu primeiro caso de assassinato.
— Vou pedir para que a senhora se afaste e não toque em nada. Precisamos analisar toda a cena do crime — Jean pediu, tentando acalmar a mulher.
— E quem disse que você é o investigador do caso, Smith? — A voz de Alan podia ser ouvida do primeiro andar pelos militares. Ele descia os degraus com o cenho franzido, meio debochado. Vestia uma camiseta branca e uma bermuda.
— Sou o Oficial-de-Dia, Alan. Não comece! — Ele inclinou a cabeça e lhe lançou um olhar reprovador.
O homem, ao descer todos os degraus, teve que tomar cuidado para não pisar em Leandro ou no sangue.
— E eu sou um Oficial de carreira! E sobrinho da vítima. Obviamente este Inquérito Policial ficará sob minha responsabilidade — Ele dizia, pondo as mãos na cintura.
— Já chega! — Carmen gritou, separando os dois, que já trocavam farpas como sempre. Ela olhou para o sobrinho do seu, agora falecido, marido com preocupação — Alan, você tem certeza que quer pegar esse caso? Deixa com ele!
— Aliás, esse não é o único assassinato que tivemos hoje.
— Como é? — A mulher pôs a mão a boca e arregalou os olhos — O que houve?
— Um soldado morreu baleado ainda pouco.
— Que soldado? — O outro oficial questionou.
— O Vitor. Do seu pelotão! A Kelvin viu. Disse que um ser vestido completamente de preto, com touca e tudo, o matou e entrou aqui na Vila.
— Que estranho! — Alan exclamou, coçando o queixo — O mais moderno do Batalhão e o mais antigo... Ambos mortos.
— O que isso tem a ver? — Carmen indagou, confusa.
— É só um fato curioso — O loiro explicou.
— Enfim, vou precisar interrogar vocês dois! — O tenente anunciou, apontando para cada um com o dedo.
— Perfeitamente. Pode começar logo? Eu quero terminar com isso! — Carmen implorava, esfregando-se no vestido.
— Não. Aconselho que vá para um hotel, sei lá... Preciso analisar a cena antes — Ele pediu, olhando para a mulher. Virou-se para Vinícius. Ele observava o corpo, em silêncio, de perto.
— Dorme lá em casa, tia — Alan falou, aproximando-se da mulher e a confortando com um abraço carinhoso.
— Oh, tudo bem, meu filho...
— É... Senhora Carmen — Vinícius falou, ainda checando o corpo — Qual foi a primeira coisa que fez quando viu o corpo do seu marido?
Ela arqueou as sobrancelhas e inclinou a cabeça.
— Liguei pro Alan. Por quê? — Ela gaguejou, engolindo a seco. O garoto ficou um tempo em silêncio.
— Nada — Ele disse, agora, virando-se para ela — Pode me informar as horas de agora, por gentileza?
— Oh, sim! — Ela disse, levantou seu pulso e checou, no seu aparelho — São três e vinte e seis da manhã.
— Oh, sim. Obrigado! — Ele falou, balançando a cabeça simpaticamente.
— Podemos ir agora, então? — Alan perguntou e Jean fez que sim com a cabeça.
— Não vai levar o celular do senhor, tenente? — Vinícius indagou, pegando o smartphone do homem que estava esquecido sobre o rack.
— Oh, claro! Obrigado por lembrar! — Ele disse, esboçando um pequeno sorriso amarelo. Pegou o aparelho e, junto com sua tia, caminhou até seu apartamento.
Quando ficaram, finalmente, sozinhos, Jean Smith observou seu auxiliar com os olhos semicerrados. Notou suas atitudes recentes e soube que algum pensamento estava por trás daquilo.
— Que foi? — Ele perguntou, sério.
— Onde fica a casa do tenente Alan? — Ele perguntou, andando até a janela, podendo observar os dois se dirigindo até o local.
— Fica logo ali, no prédio. Uns cem metros daqui. Ou menos. Mas não mude de assunto. Diga logo o que se passa na tua mente.
— Observe isso, tenente — O jovem disse, convidando o oficial a se aproximar do cadáver — Ele morreu não faz muito tempo. Veja como está pálido... Parece até mais branco. Curioso, não? — O homem assentiu, prestando atenção nas palavras do aluno. — Observe aqui... — O garoto se aproximou ainda mais do corpo, apontando para o pescoço do homem. Um pouco abaixo da orelha direita. Havia uma mancha minúscula de um furo. Desse furo, saía um pouco de sangue. — O senhor vê?
— Um furo no pescoço. O que isso pode significar?
— Envenenamento. Por via cutânea.
— Acha que alguém pode ter envenenado o Comandante com uma seringa?
— Sim, senhor. Isso explicaria a palidez dele e seus músculos contraídos. Só a queda da escada não explicaria sua morte.
— É. Pode ser. — Os dois se levantaram e começaram a pensar.
— E tem outra coisa — Ele atentou — O senhor viu com que mão estava o relógio da senhora Carmen?
— No pulso direito!
— Ou seja, é bem possível que ela seja canhota. Veja o senhor, novamente, onde está localizado o furo. A agulha perfurou o lado direito dele. Levando em consideração que o assassino inseriu a seringa estando de frente para ele, pense, o senhor, como um destro conseguiria fazer isso?
— É. Seria muito difícil. Agora, usando a mão esquerda....
— Exato! Se foi desse jeito que aconteceu, muito provavelmente o nosso assassino é canhoto.
— Agora, e se o assassino o atacou de costas? — Ele indagou.
— Pois é. Acho muito difícil. Isso porque a posição do furo está mais para a frente do corpo da vítima. Nesse caso, nosso assassino seria destro. Descobriremos isso mais precisamente quando for feita a análise mais detalhada. O Tenente Alan pegou o celular com a mão direita, então ele é destro, provavelmente.
— Bem pensado, Dantas.
— E tem mais! Se ele foi atacado na frente, só temos duas possibilidades: ou o Tenente-Coronel conhecia bastante o assassino a ponto de deixá-lo confiante para chegar bem perto, ou ele foi atacado desprevenido. Por alguém mais forte que ele, obviamente. Até porque, não tem indícios de que houve alguma luta além dos hematomas causados pela queda da escada.
— É. Bem observado.
— E outro fato mais óbvio... Ele está de cueca. Apenas de cueca. Ele não ficaria nesse estado com alguém que ele não conhece. Não intencionalmente.
— Talvez até ficaria, desde que seja, é...
— Uma prostituta? — Vinícius questionou, fitando o tenente, que era mais alto — Seria bem hipócrita da parte dele.
— Temos que considerar todas as possibilidades.
O rapaz assentiu e os dois continuaram dando voltas pela casa. Tanto no primeiro andar quanto no segundo. Tomando sempre cuidado para não deixar impressões digitais em nada, para que não atrapalhassem as investigações.
De repente, a campainha tocou e a porta foi logo aberta. Eram três funcionários do Instituto Médico-Legal. Uma mulher alta de cabelos bem curtos foi a primeira a entrar. Jean os recebeu, enquanto Vinícius continuava seu trabalho no quarto do oficial morto.
— Tenente Smith, Boa noite! — A mulher disse, olhando na identificação do homem fixada na farda, apresentando-se para ele — Eu me chamo Daniela, do IML. Foi o senhor que nos solicitou, certo?
— Perfeitamente — Ele confirmou, checando atentamente os outros profissionais entrando. O resto deles ficaram fora da casa, envolvendo o perímetro da casa com faixas amarelas com os escritos "Cena do Crime" — Eu sou o Oficial responsável pelo Batalhão e, provavelmente, o encarregado pelo Inquérito Policial que se abrirá.
— Será você mesmo, Smith — Uma voz vinda de fora interrompeu os dois, que se viraram imediatamente. O homem grande, forte, negro e completamente careca entrou no recinto. Ele vestia uma camisa cinza e calça de moletom.
— Subcomandante! — Ele exclamou, ficando em posição de "Sentido", prestando continência e a desfazendo logo em seguida.
— O Alan me avisou ainda pouco sobre isso — Ele disse e, inclinando a cabeça, observou o corpo sem vida de Leandro sendo fotografado por diversos ângulos — Que tragédia!
— Eu ia avisar ao senhor, subcomandante. Mas, aconteceu de... — Falou, engolindo a seco.
— Tudo bem, eu entendo — Interrompeu-o, aproximando-se do cadáver. Balançou a cabeça negativamente e ficou observando cada detalhe da sua morte. Depois, voltou-se para Jean — O Alan pediu para ser o responsável pelo Inquérito Policial, mas não será assim. Apesar de ele ser de carreira, acho que você é muito mais competente que ele para isso.
Uma pontada de orgulho e felicidade se fez presente no coração de Jean naquele momento. Raramente recebia elogios de seus superiores hierárquicos. Principalmente tão sinceros quantos esse.
— Farei meu melhor, senhor! Descobrirei quem matou o Comandante e o Soldado!
— Sei que fará — Ele disse.
Após uma hora na casa do morto, todas as fotografias foram tiradas e o cadáver já havia sido retirado. Assim como o de Vitor. Em algumas horas, teriam o resultado da autópsia. Agora, a investigação já estava nas mãos de Jean Smith, com o auxílio de Vinícius Dantas. O Tenente-Coronel partiu, assim como os funcionários do IML.
— Está certo — o homem mais velho falou, estando a sós com seu auxiliar — Vamos recapitular agora: Às 23 horas, Vitor foi morto a tiros. A Sargento Kelvin estava por perto. Acabou levando um tiro na mão. Em algum momento que não sabemos, o Tenente-Coronel Magno foi envenenado com algo que ainda não conhecemos. E jogado pela escada. Não sabemos a verdadeira arma de nenhum crime. O motivo, até agora, também é desconhecido, já que nenhum pertence foi roubado de ninguém. Possivelmente, mataram o Vitor para queimar arquivos da morte de Magno, mas também pode ser o contrário! Oh, Deus! São tantas perguntas!
— Bem, tenente — Dantas se pronunciou — Temos um longo trabalho pela frente agora.
— E vamos começar pelos suspeitos.
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