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ROGÉRIO

- Então, Rogério... É um procedimento padrão. Estamos apenas ouvindo as testemunhas que estavam lá, no dia, para tentarmos descobrir quem matou Inezita. - Marília, com seu tom profissional, neutro, olhou para o homem que parecia tranquilo e depois para os papéis sobre a sua mesa. Algumas anotações que fez anteriormente. Cassandra não estava ali e nem em lugar algum onde ele pudesse vê-la.

- Compreendo. - Rogério deu um gole na água gelada demais que estava em um copo branco, de plástico, descartável, anteriormente pousado sobre a mesa. - Imagino que o trabalho esteja difícil, porque tinha muita gente lá naquele dia.

- De fato. - Marília confirmou.

- Sem querer soar desrespeitoso, mas qual está sendo o método de filtragem, seleção... Sabe...? - Ele pousou o copo sobre a mesa e cruzou as pernas.

- Essa é uma pergunta interessante. Estamos seguindo mais pelo caminho de quem estava na organização do evento e nos bastidores, porque, querendo ou não, é onde está a informação privilegiada. - Marília falou a meia verdade e o encarou para passar mais convicção.

- Parece bastante lógico. - Ele mostrou seus dentes perfeitos em um sorriso que não chegava aos olhos.

- É preciso ser. - Marília puxou o notebook para mais perto de si. - Então, o que você viu naquela noite, quando Inezita foi assassinada?

- Bem, eu estava no palco um pouco antes, em uma apresentação ousada. Eu desci do palco e fui para o camarim junto com os outros para tirar toda aquela parafernalha de mim. Então ouvimos pessoas gritando e, quando vimos, Inezita, infelizmente, estava morta. - O homem limpou a garganta e desviou o olhar.

- Os outros? Quem estava com você? - Marília fingiu olhar para a tela, quando, na verdade, o analisava.

- Pablo Tamanduá e um profissional do entretenimento adulto. - Rogério tamborilou os dedos sobre a mesa.

- Sabe o nome dele? É importante para o senhor, pois eles servem de álibi. - Marília manipulou.

Rogério esboçou uma expressão pensativa um tanto exagerada enquanto fingia que tentava se lembrar do nome.

- É o nome de um poeta grego... Extravagante... - Ele suspirou. - Acho que Virgílio...

Marília o encarou em silêncio. Virgílio, na verdade, era um poeta romano, e o companheiro de Rogério se chamava Vigílio. Rogério sabia disso, mas estava testando a delegada para entender o quanto de informação ela tinha.

- Salvo engano, temos o registro de alguém com um nome assim por aqui, deixa eu ver... - Marília fingiu abrir os arquivos. - Não sou eu que faço todos os registros...

- Entendo, na clínica eu também não tenho domínio de tudo. - Ele sorriu.

- Ah... Aqui! O nome dele é Vigílio. - Marília corrigiu.

- É isso. - Rogério se reposicionou na cadeira, em uma ação claramente desconfortável.

Marília fingiu ler um pouco.

- Bem, ele deu a entender que você e Pablo Tamanduá são muito amigos. - Ela bateu os dedos em duas teclas e o encarou.

- Somos conhecidos de longa data. Fazemos uma social de vez em quando... Sabe como é, cidade pequena, círculos se encontram. - Rogério continuou neutro, entretanto, parecia um pouco mais tenso.

- A ponto de dançarem seminus sobre um palco. - Marília começou a ser mais incisiva e o pegou de surpresa. - De quem foi a ideia?

- Do Pablo. - Rogério respondeu sem pensar muito.

- E você aceitou porque... - Ela o fitou nos olhos.

- Eu queria me divertir.

- Me parece muita intimidade... - Ela se levantou.

- E é. Foi divertido. - Rogério bebeu um pouco mais de água porque quase engasgou.

- Você aceitou porque queria se divertir. E o Pablo, propôs por qual motivo? - Marília agora não dava tanto tempo para pensar.

- Não sei, talvez ele quisesse ajudar a esposa, que era patrocinadora do evento. - Rogério começou a se sentir sufocado.

- E Inezita estava com quem enquanto vocês dançavam? - Marília indagou.

- Com Virgínia. - Rogério respondeu de supetão e logo se arrependeu. - Imagino... Estavam no mesmo camarote.

- Estavam? E o senhor, estava aonde durante o restante do evento? - Marília olhou nos olhos dele.

O homem se levantou também.

- Estava no camarote. - Ele cruzou os braços na frente do peito.

Marília fez o mesmo.

- Não seria mais fácil ajudar a esposa com uma doação? - A delegada ergueu um pouco o queixo.

- Existe algum problema em se apresentar seminu?

- Nenhum. - A delegada se sentou outra vez. - O senhor parece agitado.

- Confesso que estou, não é fácil perder uma pessoa conhecida e muito querida. Espero que peguem fez isso com ela e ajam com o máximo rigor da lei. - Ele fechou uma mão em punho e bateu sobre a palma da outra.

- Então Inezita e Virgínia eram muito amigas? - Marília insistiu.

- Não sei se muito, mas eram amigas. - Rogério suspirou.

- E você? - Marília fingiu olhar para a tela.

- Eu o que?

- Era amigo? - A delegada tocou em algumas teclas.

- Evidente que tinha uma boa relação com todos. Procuro cultivar boas relações. - Rogério saiu pela tangente.

- Um homem de contatos. É essencial hoje em dia, não é? - Marília abriu um sorriso.

- E como. Principalmente para quem vem do pouco privilégio. - Ele replicou.

- De fato... Imagino que eles te trouxeram uma boa clientela... - Rogério parou de sorrir enquanto ela falava. - Já que os ricos gostam de um sorriso perfeito.

- Ah, sim... Com certeza. Eu também era cliente de Inezita. Ótimos serviços. Fará falta. - Ele afirmou e se pôs de pé. - Bem, essa é toda a contribuição que eu poderia dar. Sinto por não poder ajudar mais.

- Caso se lembre de algum detalhe, é só nos procurar. Vai ser de grande ajuda. - Ela estendeu a mão.

- Com certeza. - Ele apertou a mão de Marília.

Ela sabia que não poderia obrigá-lo a falar mais, pois ele se recusaria e iria exigir a presença de um advogado. Bem, aquele encontro serviu para entender que ele realmente escondia algo.

*****

Rogério saiu da delegacia e foi direto para sua casa, onde dispensou a cozinheira, que estava com o jantar pronto. O aroma da comida bem temperada preenchia os cômodos.

- Pode ir, Helena. Eu me viro agora. Vou viajar amanhã, então não há nada mais para fazer. - Rogério ordenou.

- O senhor teve uma visita. - Helena, uma senhora branca, de cabelos castanhos e ralos, face enrugada e baixa estatura, estava com as mãos plantadas nos quadris.

- Quem? Deixou recado? - Rogério questionou um tanto afoito. Não esperava por ninguém e nem desejava receber pessoa alguma.

- A dona Virgínia. Ela disse que precisava falar com o senhor. - Helena observou o homem parar por um segundo e encarar uma parede, com a feição preocupada.

A funcionária não comentou aquela reação. Em briga de cachorro grande era melhor não se meter.

- Pode ir, eu falo com ela depois. - Rogério quase empurrou a mulher para fora da casa.

Ela tirou o avental e se despediu. Ele ia viajar, então não se veriam por dias. Não era a primeira vez que isso acontecia. Helena já estava acostumada. O importante era que estava paga.

Rogério trancou por dentro todas as portas e janelas, assim que a mulher saiu. Desligou todos os telefones e celulares, exceto um que mantinha para emergências e que usaria no dia seguinte.

Entrou no quarto com o coração apertado enquanto tirava as roupas que vestia, para arrumar as malas e depois tomar um banho.

Quase desmaiou de susto quando entrou em seu closet e viu uma figura caída no chão.

Era Pablo.

Rogério o acordou com um safanão.

- O que você está fazendo aqui?! - Gritou, nervoso.

- Eu vim falar com você, meu amor. - Pablo disse um pouco zonzo.

No chão, perto de uma prateleira de sapatos, estava a seringa que ele tinha usado.

- Eu não quero conversar com você. Não há mais nada entre nós! - Rogério determinou.

- Você não pode me chutar como se eu fosse qualquer coisa! - Pablo agarrou o rosto de Rogério com ambas as mãos e tomou um empurrão.

- Você precisa entender que não dá mais, Pablo! A Inezita já morreu, o que mais você quer? - Rogério estava possesso. Sentia-se ameaçado.

- Eu quero o que você me deve! - Pablo tentou agarrar Rogério, mas ele se esquivou.

- Não. - Rogério virou as costas para destrancar as portas. - Vai embora e fica calado.

Pablo, na ânsia de deter o homem, o agarrou por trás. Rogério reagiu mal, andando para trás e empurrando Pablo contra uma coluna das estantes. Ele sentiu o abraço de Pablo cedendo.

Pablo despencou no chão.

Quando Rogério olhou para trás, viu o sangue em seu tapete branco.

*****

Cassandra chegou em casa com a cabeça a mil. Correu para arrumar a mala pequena para a viagem que faria. Na última vez que conversou com Marília, viu a delegada mais convencida de que conseguiriam algum resultado.

Enquanto escolhia as roupas, sua visão e seu coração se acalmaram.

Voltou para a garagem, para colocar a mala no carro. Ia cochilar um pouco e fazer campana na frente da casa de Rogério depois. Foi quando Cassandra viu a caixa que o correio jogou em sua garagem. Não era grande.

Ela não estava esperando nenhum pacote, esse foi o motivo de sua desconfiança sobre aquilo.

A investigadora pegou a caixa, sentindo que era um pouco pesada para o tamanho. Ela franziu o cenho, colocou a caixa na calçada, de fora da casa, pegou o celular para gravar e uma faca para cortar a fita adesiva marrom que servia de lacre para o embrulho. Não tinha remetente.

Cassandra cortou a fita e abriu as abas do papelão com a ponta da faca, esperando um pedaço de ser humano, mas o que encontrou a surpreendeu mais. Era um impresso. Um impresso grosso, com muitas páginas. Ao chegar mais perto conseguiu ler e entender que eram os projetos feitos para as prateleiras do mercado de Virgínia Tamanduá.

Cassandra entrou em casa, pegou um saco plástico e luvas e embalou a caixa.

Dirigiu até a delegacia e foi direto até Marília, que estava ainda ali. Explicou tudo.

- Vamos chamar o Celso - A delegada resolveu. -, antes de mexer nisso.

Cassandra não obedeceu e abriu a caixa outra vez, calçada com luvas, curiosa.

Celso avisou que não poderia se deslocar até elas, devido ao grande volume de trabalho, e que deviam fazer o contrário. Foi assim que Marília e Cassandra pararam em uma sala da polícia técnico-científica.

- O que é isso...? - Celso coçou a cabeça. - Um livro?

Celso leu a informação na capa do projeto e ficou perplexo.

- Deixaram na minha casa. - Cassandra disse com certo nervosismo.

- Mal sinal em vários sentidos. - Marília suspirou, exausta.

Celso começou o trabalho de tirar o livro da caixa, com todo cuidado. Marília e Cassandra prenderam suas respectivas respirações.

- É... São designs e plantas do supermercado Boa Compra. - Celso disse o óbvio, pois estava escrito na capa. - Ele olhou a lateral e percebeu que tinha algo entre as páginas. Havia um vão expressivo entre as folhas. Celso abriu com cuidado e ficou lívido, assim como Cassandra e Marília. Havia, embalado a vácuo em um pacote plástico e fino, um dedo fatiado em quatro partes, com sua constituição integral exposta. E uma orelha.

Celso retirou o pacote, mesmo trêmulo. Cassandra sentiu as pernas falhando, por um instante. A página abaixo estava marcada com um círculo em um tom ferroso de vermelho, muito característico.

- Tenho certeza de que isso é sangue. - Celso disse e apertou os lábios em uma linha fina.

Estava circulada a parte do projeto da prateleira que tinha cedido e causado uma tragédia. A questão era, que não havia nada errado no projeto. E os presentes logo notaram isso.

Com cuidado, Celso folheou a obra e encontrou uma parte anexada com transcrições de conversas telefônicas. Havia os números e o que tinha sido dito em cada uma delas. Nelas, Sebastião mandava economizar no projeto de Virgínia Tamanduá, pois ela estava em dívida com ele.

- Seriam verídicas? - Celso perguntou enquanto coçava a cabeça.

- Se são verídicas eu não sei, mas está ficando difícil demais. - Cassandra suspirou. - Duas forças estão brigando uma contra a outra e é nítida a disputa. A questão é: quem está de qual lado?

- O que você quer dizer? - Marília encarou Cassandra.

- Isso aí veio para incriminar Virgínia, certo? E Vigílio disse que o grupo deles estava um pouco dividido, já que aparentemente há uma disputa entre ela e o marido. De um lado temos Virgínia, Vigílio e Inezita, enquanto do outro temos Pablo, Rogério e, talvez... Sebastião? Dá a sensação de que estão se degladiando, tentando acabar uns com os outros. - Cassandra elucidou.

- Quem mandou isso para a sua casa sabe informações privilegiadas sobre você e está contra Virgínia? Já que ela teria motivos para tirar a vida de Sebastião? - Celso não podia se abstrair daquela conversa.

- E o dedo? - Marília pensou alto.

- Isso é o Celso quem vai dizer.

Os três expiraram o ar com força. Era um quebra-cabeças muito complicado. Não bastava deduzir, era preciso ter provas, evidências, consistência. Havia muitos suspeitos e nada de concreto.

*****

No silêncio da noite, na certeza de que não era seguido, Rogério jogou três malas pela ponte do Rio Claro. As observou enquanto afundavam, apenas para ter certeza. Mas ele sabia o que estava fazendo, tinha enchido elas com pedras para que não flutuassem.

Depois de um suspiro aliviado, se sentindo um pouco melhor e menos culpado, caminhou de volta até seu carro e dirigiu para o hotel onde ficaria até a hora da viagem.

*****

Cassandra fez campana na frente da casa de Rogério até quando pode, mas não viu nada demais, nem sombra. Começou a duvidar um pouco de si mesma e do seu plano mirabolante.

*****

- Sim, o açougueiro foi usado de exemplo. Mantenham ele vivo por enquanto, ainda vai ter serventia.

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