5 - Novas Pistas
A chefe da estação era uma mulher muito atraente e que não passava despercebida. Estendeu-me a mão e passou-me um saco plástico transparente, contendo um cantil de metal, desses que se utiliza para colocar bebidas alcoólicas. Explicou:
— Foi encontrado a uns quinze metros, no lado externo da estação, entre a praia e a porta do final do corredor dos dormitórios, onde o senhor está alojado. Por sorte, ficou preso numa pedra saliente, que evitou que a neve o cobrisse totalmente. Não sei se isso pode interessar ao caso, mas é algo bem estranho, ter encontrado esse cantil. Além de ser expressamente proibido jogar lixo por aí, não pertence a ninguém aqui da estação.
Olhei atentamente. Era um cantil novo, prateado. Estava tampado e possuía, gravado na lateral, próximo do fundo, três letras: "CEA". Mais um enigma? Balancei-o e percebi que havia líquido nele. Comentei:
— Poderia solicitar ao capitão Cardoso para dar uma olhada no conteúdo? Diga a ele que pode despejar num copo, para examinar e depois retornar o líquido no cantil. Verificarei as digitais depois. Só uma pergunta: eu olhei do lado externo dessa porta e não vi o cantil...
Azevedo explicou:
— Da porta, não era possível vê-lo. A pedra o ocultava. Só foi possível visualizá-lo, quando desci abaixo da estação, a meio caminho da praia.
— Obrigado, capitã. Excelente trabalho.
A capitã retirou-se. O almirante, então, retomou a palavra:
— A neve agora pegou forte. Por pouco esse cantil não ficaria desaparecido...
— Acabaria sendo encontrado, quando o gelo derretesse, mas, sem dúvida, foi muito importante encontrá-lo agora. Tenho a impressão que será uma pista importante.
Concentrei-me profundamente, alisando meu bigode. Entrei em êxtase contemplativo e muitos sabiam, quando eu assim ficava, podiam me chamar que eu me tornava alheio a tudo...
— Basílio... Basílio!
Mais alguns segundos em silêncio, tendo sido necessária um pouco mais de energia, na voz:
— Basílio!!
— Oi, sim... Ah... Mil desculpas, almirante...
— Pensei que já estava dormindo...
— Não... Ainda não... Estava pensando no Humberto... Como ele recolocou a mesa no lugar, depois de sair pelo alçapão?
— Talvez, na verdade, como tu aventou, tenha mesmo saído pela porta, com a ajuda de alguém.
— É o que tudo indica.
Inês não acompanhara a investigação no quarto de Humberto, mas o ocorrido no alojamento do geólogo, já era notícia velha dentro da estação. Nisso, o cabo Gerson adentrou o refeitório, trazendo nas mãos uma corda. Bateu continência. O almirante perguntou:
— O que faz com essa corda, Gerson?
— Senhor, encontramos essa corda do lado de cima da estação, perto do alçapão do alojamento do Humberto. Há, no telhado, alguns olhais de içamento dos contêineres, para transporte por gruas...
Solicitei uma pausa:
— Um momento... Deixe-me adivinhar... Ele pegou a mesa — é um sujeito alto... Subiu nela, abriu o alçapão e depois saiu para o lado externo. Amarrou a corda no olhal, jogou-a para dentro do quarto, voltou, recolocou a mesa no lugar e aí, subiu pela corda, fechando o alçapão atrás de si.
O cabo Gerson fez um sinal de positivo:
— Só pode ter sido isso!
O almirante não estava muito certo daquela teoria:
— Será, Basílio? Mas, com que intenção? E onde arrumou a corda?
Ponderei:
— Sobre a corda, de duas uma: ou ele a possuía ou estava dentro de um dos armários de aço do quarto. Sobre o motivo: será que ele queria que pensássemos que alguém o ajudou a sair pela porta? Além disso, em todo esse procedimento de fuga, é estranho que o chão não tivesse nenhum vestígio de água, devido à neve, concordam?
O cabo informou:
— Delegado, perto das 22h00, a neve deu uma trégua. Na hora em que ele saiu, provavelmente, não estava nevando. Ele também pode ter limpado o chão, antes de sair...
— Hum... Isso pode explicar tudo... Mas, para quê, dar-se a todo esse trabalho? Cabo Gerson, pode fazer um levantamento dos alçapões existentes na ala dos civis e proximidades, por gentileza?
O cabo solicitou permissão ao almirante e seguiu, para realizar sua nova incumbência. H. Nunes esclareceu um ponto sobre sua pergunta anterior:
— Basílio, quando eu perguntei "com qual intenção", não me referia ao motivo dele ter armado todo esse circo, mas sim o motivo desse bagual ter fugido. Qual a intenção?
Expus uma teoria:
— Precisava sair do quarto, para voltar à estação por outro lugar. Com a porta do quarto trancada, a solução foi o alçapão.
O almirante não conseguia vislumbrar um motivo. Dei-lhe um, que o fez estremecer:
— Queria estar livre, dentro da estação, para matá-lo, almirante!
— Matar-me?
— Sim, por causa de ter sido preso. Entrou no quarto errado sem saber e ao ver Carlos de costas, que usava parte de seu uniforme, não o reconheceu e o matou por engano. Ontem, eu reparei que o senhor e Carlos, vistos de costas, são muito parecidos. Até comentei com a Inês, não foi, Inês? Eu mesmo me enganei, quando vi o cientista morto no chão, pensando ser o senhor.
Ela confirmou:
— Sim. É um fato: se parecem mesmo!
O almirante parecia alguém que pega a novela a meio caminho e tenta acompanhar o enredo, mas sempre atrás um passo:
— Então foi por isso que pensaste ser eu? Porque, de costas, pareço-me com Carlos?
— Exato! Pela semelhança, reforçada pela peça do uniforme.
O almirante mostrou-se incrédulo:
— Isso é surreal.
Concordei:
— Sim. Mas, convenhamos, a ideia de Humberto fugindo pela porta do corredor, encaixar-se-ia perfeitamente no relato de Ema... Não fossem as pegadas...
H. Nunes espantou-se:
— Relato de Ema? Pegadas? Do que está falando, Basílio?
Tive que rir:
— O senhor está igual ao marido traído, o último a ficar sabendo... Não lhe contei, não é? Mas eu explico. Quando estávamos no corredor e o senhor saiu para chamar o médico, senti um vento gelado e perguntando de onde vinha, Ema apontou a porta no final do corredor e disse: "Foi por ali que o assassino fugiu".
— Ei, deste detalhe não sabia.
— Pois é, almirante, não tive ensejo de contar. Seria esse assassino, o nosso querido Humberto?
"A porta estava encostada e por ali entrava o vento — porta essa, aliás, que também não estava trancada pouco depois das 23h00, apenas fechada com o giro da maçaneta, mas que eu mesmo tranquei, passando o ferrolho, com medo da neve invadir o corredor do módulo.
"Quando ela falou que viu alguém fugir por ali, fui até a porta e examinei o lado de fora. A luz do sol estava baixa, mas havia luz artificial de lâmpadas que iluminam o terreno. Não tive coragem de sair e nem julguei ser o melhor a fazer, mesmo assim, consegui observar uma boa extensão de neve à frente e dos lados. Não havia nada lá fora, nada mesmo!
— Como assim "nada mesmo"? — indagou Inês, curiosa.
Diferentemente do almirante, Inês sabia sobre o 'assassino fujão', mas, igualmente a ele, não entendera ainda a questão das pegadas:
— Não havia nada! Mas tinha de haver, concordam? Se alguém tinha acabado de fugir por ali, tinha de haver pegadas na neve. Aliás, a neve já tinha subido tanto, que nem pegadas seriam. Seriam buracos, por causa da neve fofa e o meliante, inclusive, teria tido muita dificuldade em escafeder-se. Mas não, não havia nada, tudo um liso tapete! Por isso que disse, não fosse a ausência das "pegadas", o relato de Ema encaixar-se-ia perfeitamente à ideia de Humberto ser o possível assassino e, consequentemente, o possível fujão.
Os dois me olharam, perplexos. H. Nunes quis uma confirmação:
— Tem certeza sobre a falta de pegadas ou marcas, Basílio?
— Tenho, almirante.
Lancei um olhar a Inês, que ficara pensativa. Ela não se aguentou e perguntou:
— Deduz-se, então, que Ema mentiu?
— Sim!, pois não há evidências concretas de que alguém saiu por aquela porta. No entanto, a porta estava apenas encostada, isso é um fato, sendo que pouco antes eu mesmo a havia trancado com o ferrolho.
"Após trancar a porta pela segunda vez, também observei o chão do corredor: limpo!, exceto pela neve que entrou, com a porta aberta; fora isso, mais nada. Portanto, pensei, se ninguém saiu, também ninguém entrou. Se bem que, se tivesse entrado, teria que ter sido antes das 23h00, não depois, pois eu tinha trancado a porta às 23h00. Mas, de qualquer jeito, teria sujado o corredor — a menos que carregasse um pano de chão, a tiracolo, o que acho bem improvável.
Respirei fundo e soltei o ar, devagar:
— Não fosse a ausência de marcas na neve, o relato de Ema poderia estar fazendo todo o sentido. E Humberto estaria em maus lençóis. Ele teria entrado na estação por algum outro lugar, ido até os alojamentos e matado Carlos, pensando ser o almirante. Aí, teria aberto a porta do corredor e fugido. E esse seria o vulto visto por Ema, escapando pela porta. Seja como for, almirante, recomendo ao senhor muito cuidado daqui pra frente. Pode haver um sujeito bem nervoso aí fora, querendo matá-lo.
O almirante estremeceu diante da possibilidade. Fiz uma última observação:
— Lembram-se, quando eu disse, há pouco, que Ema seria, preliminarmente, a única pessoa que poderia ter cometido esse crime num momento de ira? Bem, agora já são duas: ela e Humberto! Se bem que, Humberto, teve muito tempo para esfriar a cabeça: um dia inteiro de confinamento e depois uma tempestade no dorso. No entanto, em ambos os casos, há entraves: se foi Ema, em que momento discutiu com Carlos? Mas, se foi Humberto, sendo que ele não saiu por aquela porta, por que Ema inventou essa história de 'assassino fujão'?
Havia tantos fatos estranhos ocorrendo simultaneamente, que difícil estava poder concatenar as ideias. Era necessário conversar com Ema, o mais rápido possível, pois isso poderia levar luz a várias outras perguntas, por exemplo, explicar o que o infeliz do morto fazia vestido com o jaquetão do almirante. Ou, dar uma luz sobre o lenço de cabeça manchado de sangue, encontrado debaixo da cama. E, principalmente, revelar por que Ema se parecia tanto com Patrícia Rocha, a moça da orelha do livro, muito embora numa foto bem antiga, onde as semelhanças só ficavam evidentes, olhando-se com muita atenção.
— Já são três e meia da manhã. Vamos dormir?
Sem pestanejar, minha sugestão foi acatada por unanimidade.
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Hora de dormir. Nossos personagens estão exaustos. Mas o amigo leitor continue, se desejar, mesmo se for alta madrugada. Eu não tiraria os olhos dessa história, enquanto não visse o fim. Que tal me seguir nessa empreitada?
*Peço seu voto e comentário. Grato.
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