22 - Fim do Mistério?
Ela prosseguiu:
— Fui muito burra. Se eu tivesse gritado logo que cheguei ao quarto, quando vi Carlos no chão, morto, eu teria um álibi perfeito, garantido pelo próprio delegado e pela Inês, pois, considerando que o horário do óbito se iniciava às 22h25 e, desde esse horário, até 23h00, quando fomos dormir, eu estive o tempo todo com os dois, eles próprios afirmariam categoricamente: Patrícia não matou Carlos! Mas, quando eu entrei naquele quarto e fechei a porta, ficando petrificada durante quase vinte minutos, tentando saber o que fazer, eu joguei meu álibi na lata do lixo, pois o horário do óbito se estendia até 23h25 e, portanto, eu tivera o tempo de 25 minutos, com Carlos, para matá-lo, estando nós dois a sós... Claro que não houve ruídos, brigas, ponto que sempre o Basílio questionou... Isso porque, de fato, ele já estava morto, quando cheguei. Porém, como provar isso? Quando vi a merda que tinha feito, na questão do álibi, tentei um plano qualquer. Fui ao banheiro, rapidamente, lavei o rosto, saí para o corredor, abri a porta que dá para a área externa e gritei. Depois, inventei a história do vulto... Juro pra vocês que foi isso que aconteceu, de verdade. Só não imaginava que o delegado seria tão astuto, para ir lá na porta e ver que não havia pegadas.
Na minha análise, agora que ela confessava a mentira sobre o assassino fujão e informava que já encontrara Carlos morto, tornava-se não só possível responder o porquê do silêncio, como também resolver a um paradoxo: ela ser inocente e, ao mesmo tempo, ter inventado sobre o vulto. Diante da falsidade ideológica, tentara se safar, ao menos, da acusação de assassinato.
Por outro lado, independentemente de ter havido vulto ou não, a maioria do tempo pensávamos o crime tendo ocorrido depois das 23h15, quando ela fora ao toalete. E isso nos confundiu bastante. Sua declaração de agora, porém, levava o crime definitivamente para antes das 23h00. O almirante disse algo nessa linha:
— Bem, se tudo isso for verdade, isso joga o crime para antes das 23h00 e, antes das 23h00, voltamos ao Ernani. Pois Ernani poderia ter matado Carlos tanto depois das 23h00, como antes. O que me diz, Basílio?
Não respondi, prestando atenção em Patrícia, que pensava alto:
— Estive tão desorientada, que até esqueci o livro que me desmascarava, sobre a mesa... Mas, também, ser desmascarada, seria uma questão de tempo...
Perguntei:
— Se você encontrou Carlos morto, ele já estava vestido com o jaquetão...
— Sim, evidentemente — respondeu ela. — Eu havia dito que não, que ele tinha vestido enquanto fui ao banheiro às 23h15, apenas para dar consistência à ideia de que ele estava vivo quando cheguei ao quarto. Mas não, ele já estava morto e vestindo o jaquetão.
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Enquanto estávamos os quatro ali, meio que anestesiados, pelo cansaço de toda aquela situação, o capitão Cardoso entrou na sala, trazendo nas mãos o cantil. Sinceramente, eu até já havia me esquecido dele. O capitão informou:
— Delegado, fiz aquele exame que o senhor pediu. Existe mesmo algo dentro deste cantil, além de uísque.
Exultei com a descoberta:
— Ah é? E o que lhe parece ser?
— Só um exame laboratorial poderá dizer, mas é sólido. Suponho que despejaram algo dentro, que se diluiu... Mas uma pequena parte decantou no fundo.
Olhei para o almirante:
— Como podemos encaixar esse novo fato, na hipótese que diz que Ernani é o assassino, almirante? Aliás, são dois fatos importantes. O primeiro: algo foi colocado na bebida de Carlos. O segundo: alguém jogou fora o cantil, esperando que a neve o cobrisse, justamente para ocultar o primeiro fato. Novos fatos, novas teorias.
O almirante refletiu um pouco e disse:
— Isso mata a charada, não, Basílio? Tu sempre quis encaixar esse cantil, na história. Agora ficou fácil.
Incentivei-o:
— Quero ouvir sua teoria...
O almirante pediu a Inês que anotasse tudo o que ele ia dizer, como fazendo parte integrante do inquérito. Recomendou, porém, apenas como reforço, pois Inês já vinha anotando tudo, desde o começo da nova reunião.
O almirante desviou o olhar para Patrícia:
— Lá na sala de vídeo, ficou evidente que tu e Carlos tinham se desentendido... O sujeito parecia estar insistindo em fazer as pazes... Te chamou para uma transa, antes que o delegado fosse se posicionar num dos flancos, ou seja, no quarto ao lado. Mas, se tu diz que perdeu todo o interesse por ele, não ia querer transar de jeito nenhum, mesmo com o infeliz tentando um último recurso, vestindo meu jaquetão.
Patrícia o ouvia atentamente. Perguntei:
— E onde entra o cantil?
— Muito claro, até uma criancinha percebe. Antes de irem jantar, ela colocou algum tipo de sonífero no cantil. Tu mesmo disse, numa hora dessas, que viu Carlos bebendo nele, no hotel Magallanes... Parece, portanto, que os dois, cantil e Carlos, andavam inseparáveis. Ela sabia que ele, ao chegar no quarto, ia beber uísque. O sonífero, portanto, foi justamente para evitar o desprazer de ter que fazer sexo com ele, depois da tentativa de estupro.
"Assim, ela ficou na sala de vídeo para dar tempo do calmante fazer efeito. Quando chegou no quarto, Carlos já estava grogue. O calmante, portanto, não foi só para evitar o sexo, mas também para facilitar seu novo e planejado ato criminoso. Com ele já quase adormecido, ela o colocou no chão e o apunhalou. Portanto, encontrou-o vivo! E o matou! Jogou o cantil fora, para que não descobrissem o sedativo. A neve ia cobri-lo rápido, foi com o que ela contou. Até que o cantil fosse encontrado, já teríamos ido embora. E, finalmente, para justificar o crime, inventou o assassino, que saiu pela porta.
— E o motivo?
— Fácil, Inês, ela acabou de confessar que o infeliz queria estuprá-la e até acha que ele fez o mesmo com Ema... Quer mais?
"Digo a vocês: nenhum tribunal irá acreditar que Patrícia Rocha está dizendo a verdade, quando diz que encontrou o marido morto. Inventou tantas mentiras, fez-se passar por outra pessoa, acabou de declarar que queria se casar com Carlos e ficar com o dinheiro de Ema — que, segundo ela, está morta, em Punta Arenas... Então, como vão acreditar nessa conversa de que "jogou um álibi no lixo"?
Dessa vez, fui eu quem baixou as armas:
— Devo admitir, parece agora não haver mais pontas soltas. Conseguimos explicar o cantil, o silêncio, a falta de pegadas, o falso vulto e tudo o mais... E não duvido: um exame no cantil vai indicar algum tipo de sonífero dentro dele...
Troquei olhares com Patrícia, que entendeu a expressão de meu semblante. Incontestavelmente, ele exprimia: "Sem saída"!
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H. Nunes chamou o cabo Gerson, solicitando a ele que levasse Patrícia presa, mas que a confinasse em um quarto da ala militar. Cabe observar que ela, desde o crime, estava alojada no quarto que estivera vago, defronte ao dormitório onde Carlos fora morto.
— Gerson, depois de confiná-la, libere o Ernani e o Humberto e retorne aqui. Chame também o sargento Elias e o capitão Cardoso.
— Sim, senhor, almirante.
Assim que o cabo sumiu pelos corredores, escoltando Patrícia, o almirante voltou-se para mim, em tom sério:
— Basílio, fiz questão de que ela não voltasse ao quarto em que está alojada, por uma simples razão: creio que seria conveniente verificarmos os pertences dela, porque podemos achar alguma coisa. Tenho um palpite, que ela está em posse da tira de Peary...
— Vasculhar as coisas dela, sem um mandado? Não é melhor esperar a Polícia Federal chegar?
— Basílio, por enquanto, sou a autoridade máxima aqui. Julgo que convém resolvermos qualquer questão pendente, imediatamente, a título de concluir o inquérito.
Quando os militares convocados chegaram, H. Nunes, acompanhado de mim e Inês, liderou a comitiva até o antigo quarto vago da ala civil. Imaginei que o almirante quisesse testemunhas, para o caso de encontrar algo suspeito. Havia, no quarto de Patrícia, uma única mala, ao que comentei:
— No local do crime, havia três malas, uma delas deve ser essa.
O almirante observou:
— Essa deve ser a de Patrícia. As outras duas... Uma deve ser a do Carlos e a outra, da Dra. Ema, morta em Punta Arenas. Conforme Patrícia revelou, ela ficou com os pertences da doutora, trazendo-os todos para a EACF. Quando mudou de quarto, deve ter trazido para cá somente a mala dela. Cabo Gerson, abra a mala e procure por uma embalagem plástica, com um papel amarelo dentro.
— Sim, almirante.
Gerson fez o que o almirante solicitou, mas, encontrando dificuldades, foi logo acudido por ele:
— Jogue tudo sobre a cama, de uma vez.
O cabo, tanto quanto eu, não se sentia muito confortável, diante daquela situação, mas nada podia contra a autoridade do almirante. Atendido o pedido, vasculhou as roupas, livros, demais pertences e nada encontrou. Um saco plástico transparente grande, porém, chamou nossa atenção. Não havia como não notar que, dentro dele, havia uma camisa preta, rasgada e manchada de sangue, ao que todos nós nos entreolhamos, sem entender. Imediatamente, solicitei ao cabo que deixasse o saco sobre a cama e, como já andasse prevenido, vesti um par de luvas cirúrgicas que retirei do bolso.
Ergui a camisa estendida, segurando-a no alto. Pudemos notar claramente sua situação: os botões estavam todos passados. Nas costas, a camisa estava cortada, de cima a baixo, as duas partes presas pelos botões. O sangue marcava a metade correspondente ao lado (e na altura) do coração. Inês soltou um grito:
— Jesus, toma conta! Que é isso?
— Parece ser a camisa de Carlos Eduardo — informei.
H. Nunes estava perplexo:
— Basílio! Não acredito! Será que atiramos numa coisa e acertamos noutra?
— É o que parece — arrematei.
— E o que você me diz, agora? Essa camisa...
— Quase certeza, almirante — balbuciei — é a camisa do morto. Do momento em que foi morto, quero dizer. Vestia essa camisa, quando de sua morte.
Inês estava sem entender:
— E aquela outra, a que o senhor coletou na cena do crime?
Eu estava aturdido, tentando raciocinar, mas logo compreendi:
— Aquela é outra. O assassino deve ter apanhado uma na mala e a recolocou, amarrotada, para que eu pensasse que Carlos tirou a camisa preta que usava na noite de sua morte, enfiando-a na mala, a fim de vestir o jaquetão azul, dando a entender, portanto, que ele próprio vestiu o jaquetão. Porém, diante dessa evidência, o que podemos concluir?
Parei um pouco, para refletir. Havia um suspense no ar:
— Podemos concluir que Carlos jamais vestiu, ele próprio, o jaquetão. Foi morto, trajando sua própria camisa. O assassino, então, rasgou... melhor, cortou a camisa de fora a fora... E depois vestiu o jaquetão em Carlos. Ao vestir o jaquetão, inclusive, com o morto de bruços, não conseguiu fechar os botões, por isso ele ficou de peito desnudo.
O capitão Cardoso estava aturdido:
— E o osso-punhal, Basílio? Trocou a camisa com o osso cravado nas costas dele?
O almirante tencionou acudir-me, vendo-me ali, um tanto quanto anestesiado, mas eu consegui prosseguir:
— Fez um malabarismo, está evidente. Depois de Carlos morto, retirou o punhal improvisado, despiu a camisa, vestiu nele o jaquetão, reenfiando o osso no corpo. A peça é afiada, furou facilmente o tecido...
Cardoso encontrava-se cético:
— Não, Basílio, isso é inverossímil demais.
Tive de discordar:
— Parece ser... Mas não é! E creio que agora eu compreendo tudo... Os itens 8, 9 e 10, daquela minha lista... Está lembrada, Inês?
Ela não se recordava exatamente de cada item, mas, como estava com o inquérito pronto, à mão, para ser entregue às autoridades, rapidamente nos auxiliou:
— Vejamos... Item 8: Tesoura; Item 9: Fio de linha preto; e Item 10: Corte na nuca.
Expliquei onde supunha encaixarem-se aqueles itens:
— Uma vez Carlos no chão, de bruços e morto, o criminoso, para tirar a camisa dele com facilidade, sem precisar desabotoar, pegou a tesoura e cortou a peça de vestuário, de baixo a cima, vindo da cintura, até a nuca, ferindo a pele de Carlos com a tesoura. Não houve sangramento, pois ele já estava morto. Ao passar as metades cortadas da vestimenta, pelas mãos, um fio prendeu-se na lasca da unha do polegar direito.
O almirante interveio:
— Basílio, quando tu diz "assassino", tu quer dizer, Patrícia Rocha, certo? Temos aqui uma prova concreta — e todos nesta sala podem testemunhar, de que encontramos a camisa ensanguentada do morto, dentro da mala dela. Decerto, ela fez tudo isso para tentar incriminar Humberto. E, digo-lhe: roubou o meu jaquetão antes mesmo de ir jantar, porque teria sido o único momento em que teve chance para isso. Depois das 18h00, eu só voltei ao meu alojamento às 23h00.
Respirei fundo e soltei o ar rapidamente:
— Tenho de admitir... Sim, temos aqui uma prova praticamente inconteste de que Patrícia assassinou Carlos Eduardo. Não parece haver mais dúvidas disso.
Ele estava inconformado:
— Não parece haver mais dúvidas, Basílio? Claro que não há mais dúvidas! Inclusive, da tua lista, não ficou nenhum ponto solto. Tudo o que ainda faltava ser encaixado, encaixou-se: a tesoura, a linha na unha e o corte na nuca. Se me lembro bem, tua lista possui dez questões, não é? Respondemos a todas. Além disso, respondemos também a todas as sete perguntas do heptâmetro do tal... Como é mesmo o nome do sujeito?
— Quintiliano!
— Isso. Há de convir, portanto, o caso está definitivamente encerrado.
Tinha de reconhecer, ele estava certo. Xeque mate!
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Xeque mate! O almirante não está mesmo para brincadeira. Será que realmente estamos diante de toda a verdade? Será que o delegado sairá da Antártida, amargando essa terrível derrota?
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