16 - Humberto
— Por que fugiu?
— Desculpem-me. Eu não devia ter feito isso. É que eu estava revoltado, por me achar injustiçado e resolvi fugir.
— E saiu por onde?
— Pelo alçapão no teto.
— E como recolocou a mesa no lugar?
Ele riu:
— Isso foi para confundir. Tinha uma corda dentro do armário. Lembrei de um filme que vi. Amarrei a corda...
O interrompi:
— Ok, isso nós já sabemos. De fato, nos confundiu mesmo, até encontrarmos a corda. Mas, como evitou que a neve entrasse no alojamento, estando o alçapão aberto?
— Não estava nevando, na hora que saí.
— Mas, após amarrar a corda e voltar ao quarto, para recolocar a mesa no lugar, não deixou nenhum rastro de neve, trazido de fora?
Novamente riu:
— O senhor é mesmo bem observador. Saí e amarrei a corda. Quando voltei, sim, deixei vestígios, mas antes de sair novamente, limpei a mesa, o chão e as botas, com uma toalha. Levei-a comigo, além de uma pequena mochila, com algumas provisões, como chocolate e barras de cereais. Por isso o quarto ficou limpo. Quis que pensassem que eu tinha saído pela porta, com a ajuda de alguém.
Estava abismado com a trabalheira que ele havia tido, mas, tempo, era o que não lhe tinha faltado. Prossegui:
— Seja sincero, o que pretendeu com essa fuga?
Ele passou as mãos sobre os lábios:
— Voltar depois, pela manhã, entrando por algum lugar, para tirar satisfações com o almirante. Mas primeiro fui para o refúgio, para me instalar. Além das provisões que mencionei, tinha alguma comida comigo, que o cabo Gerson deixou no meu alojamento, às 19h30. Custei a dormir, por causa do frio, que aumentava a cada instante. Adormeci, com medo da hipotermia. Felizmente, resisti. E também, há mantas e agasalhos disponíveis nos armários dos refúgios.
Ele voltou-se para o almirante:
— Desculpe-me, almirante, pelas coisas que eu disse e tentei fazer.
— Tu queria me dar uma coça, bagual? Foi um ato impensado, principalmente por tua força. Graças a Deus conseguimos te segurar, senão, nem sei... Bem, aceito teu pedido de desculpas. A noite que passaste lá fora já te fizeste pagar por tudo isso, por tuas atitudes impensadas. No entanto, quando da retomada das atividades normais, aqui na EACF, tu deverá estar ciente que essa atitude praticamente vetou a tua participação em atividades futuras.
Ele baixou a cabeça, evitando cruzar o olhar do militar, mas parecia, no entanto, uma pessoa incorrigível, que pedia desculpas aqui e, logo adiante, cometia os mesmos erros de novo. Disse:
— Eu já imaginava isso. Mas é provável que o senhor também esteja com os dias contados...
— Tu não te emenda, não é mesmo, rapaz? — concluiu o almirante.
Pessoas destemperadas como Humberto, em geral colocam tudo a perder, devido à bipolaridade. Humberto devia ser o tipo de pessoa que já perdera muitas oportunidades na vida. Ou já fizera interromper bruscamente muitas de suas atividades, por sua destemperança, como, aliás, acabava de acontecer. O ato de desculpar-se mostrava uma qualidade boa, mas, num mundo onde a mágoa se sobrepõe ao perdão, nunca os relacionamentos são os mesmos, após uma rusga. Principalmente para os reincidentes.
Procurei mudar o rumo da conversa para os assuntos mais urgentes:
— Você soube do crime?
— Que coisa, hem? Fiquei sabendo.
— A que horas fugiu?
— Acho que eram umas dez da noite, pouco mais que isso. Fazia pouco tempo que o cabo Gerson tinha passado.
— Saiu e foi direto para o refúgio? Ou ficou zanzando por aí?
— Com esse frio? Fui direto para o refúgio.
— Bem, temos apenas o seu testemunho de que foi direto ao refúgio. Na verdade, não teria procurado outro acesso à estação, logo que fugiu?
— Claro que não!
— Mas admitiu que pensava em fazê-lo. Assim, não teria voltado para dentro da estação, logo em seguida?
— Nunca! Pensei em voltar hoje de manhã. Mas não o fiz!
Prossegui, de forma inapelável, sem dar atenção ao que ele dizia:
— E ainda: não teria buscado encontrar o quarto do almirante, para tirar satisfações com ele, como admitiu há pouco, ter pensado em fazê-lo?
— Almirante, esse velho está doido!
O almirante empertigou-se:
— Exijo-te respeito! E cale-se! Já teve problemas demais por desacato. Prossiga, Basílio.
— Ainda mais: você não teria entrado num dos quartos e vendo o almirante de costas, sendo um homem forte e tendo-o dominado por trás, tampado sua boca e covardemente cravado um osso de baleia em suas costas?
— Mas o almirante não está aqui? Que história é essa de osso cravado nas costas?
— Não lhe contaram que Carlos Eduardo estava vestido com o jaquetão do almirante, quando foi apunhalado pelas costas, por alguém que lhe enfiou um pedaço de osso de baleia na altura do coração?
— Não! Ainda não estou sabendo de nada disso.
— Será? Não teria entrado no quarto errado e confundido Carlos Eduardo com o almirante — de costas os dois são muito parecidos — e, sendo assim, não teria assassinado o homem errado?
Humberto tencionou levantar-se para intentar uma nova agressão, dessa vez contra mim. Mas o sargento, que estava de pé às suas costas, colocou uma das mãos em seu ombro direito e fê-lo sentar. Ele esbravejou:
— Vou processá-lo por essa difamação!
— Difamação, não! O correto seria calúnia! Mas, é tão somente uma linha de raciocínio. Você fez algo do que falei?
— Não! Quando saí, fui direto para o refúgio! E só saí de lá quando me pegaram, agora mesmo.
— Mas, quando fugiu, não tencionava vir aqui, tirar satisfações com o almirante? Por que não o fez?
— Mudei de ideia, oras.
— Se é como diz, que fique registrado.
Humberto estava vermelho de raiva. As faces completamente ruborizadas e os olhos saltados, as mãos crispadas sobre a mesa. Ele era bem o tipo capaz de matar alguém, mas somente num momento assim, em que a emoção dominasse sua razão. Não depois de um tempo, em que já tivesse esfriado a cabeça. Foi-lhe oferecido um copo d'água, que bebeu num relance. Acalmando-se, fez uma revelação:
— Sei que não devia dizer o que vou dizer. Não sei se é justo. Mas também não vou ficar sozinho nessa lista de suspeitos que o senhor tem. A esposa de Carlos, é evidente, deve ser suspeita. Agora também eu. Mas o senhor deveria incluir aí mais uma pessoa.
— Quem?
— Ernani.
— Ernani?
— Sim, Ernani. Ele tinha um motivo muito forte para dar fim na vida do Carlos.
Ficamos surpresos. Aguardávamos ansiosos, qual seria a revelação. Olhei para o almirante e ele entendeu o que dizia meu olhar: um fato novo!
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Humberto dará uma de "X9", mas, convenhamos, ele não pode esconder qualquer fato que sabia sobre Ernani, não acham? Afinal, o "seu" está "na reta". O que será que ele tem a dizer? Rapaz, que ansiedade. Vou prosseguir e saber.
*Peço que registe seu voto e comentário. Grato.
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