12 - Round Decisivo
Sentei-me para dar uma trégua a Ema. Como era dura na queda, a danada. Qualquer outro já teria confessado até o que não fizera, apenas para se livrar de mim.
— Se quiser, não precisa dizer mais nada — comentei.
— Continue com suas perguntas! Está meio cansativo, mas não tenho nada a temer! Quem não deve, não teme.
— Essa minha mãe usa... Quer um café?
— Não!
— Mas eu quero. Com sua licença.
A tensão estava no ar. Saboreei o café, que estava ótimo, providenciado pelo cabo Gerson:
— O tal lenço é este?
Ela o examinou e confirmou:
— Sim, é esse. E, antes que me pergunte, não sei nada sobre a mancha de sangue nele, mas também é muito óbvio.
— Ótimo!
Respirei, mudando de assunto:
— Carlos entrou clandestinamente no dormitório do almirante e pegou uma das jaquetas dele? O que pode dizer a respeito?
Essa também era uma resposta aguardada com ansiedade. Ela respondeu:
— Não o vi fazer isso, mas suponho o motivo. Foi um erro, eu sei.
— O quê, foi um erro?
— Pegar a jaqueta.
— E quando ele fez isso?
— Depois que foi dormir, eu acho... Pois antes não foi, estive o tempo todo com ele.
— E com que finalidade?
— Só me ocorre uma: sexual!
— Sexual?
— Sim, uma fantasia!
— Fantasia sexual?
— Claro. Isso mesmo.
Não conseguia entender como ela não se encabulava com tudo aquilo. Uma fantasia sexual, quem diria? Mas só podia mesmo ser isso!
— Então ele furtou a jaqueta para ensejar uma fantasia sexual?
— Sim, é o que imagino. Pegou-a com esse fim, afinal, nossa relação estava estremecida, desde a tarde. E o senhor sabe como são os homens, sempre acham que sexo é a melhor forma de fazer as pazes. As mulheres, invariavelmente, não pensam assim, mas as mulheres pensam com a cabeça de cima, já os homens... Ele já devia ter algo em mente, quando foi mais cedo para o quarto. Ao passar pelo alojamento do almirante... A porta estava aberta, almirante?
O almirante disse que destrancada, sim. Entreaberta, não se lembrava. Ela prosseguiu:
— Não acho que foi uma boa ideia, da parte dele, mas... Quando cheguei no quarto, ele ainda não estava vestido com ela... Colocou-a depois, quando fui ao banheiro...
Interpelei:
— É por isso que diz que acha que o motivo foi uma fantasia sexual?
— Sim, pois não tive oportunidade de perguntar, pois, quando cheguei de volta, ele já estava morto. Logo percebi o que ele tinha pretendido, afinal, já tínhamos feito isso antes, criar fantasias...
Eu precisava estar muito atento aos horários:
— Chegaram a conversar algo, entre 23h00 e 23h15, até você ir ao toalete?
Houve outro suspense inevitável, embora, antes mesmo dela responder, já soubéssemos que os fatos desmentiriam nossa imaginação fértil, coisas do tipo: 'Carlos a fez bater continência e ordenou que se ajoelhasse, com fins sexualmente sórdidos'... 'Ema pediu a ele que fizesse um strip-tease'... O silêncio, porém, do qual eu fora testemunha, já havia, bem antes, posto por terra qualquer imaginação mais prodigiosa:
— Não aconteceu nada. A minha dor nos rins tinha voltado. Carlos estava sonolento, por causa do vinho. Estava jogado numa das camas e eu deitei na outra. Ficamos os dois ali, quietos, sonados... Isto foi até mais ou menos 23h15, quando eu me levantei, tomei um remédio para a dor e fui ao banheiro.
Respirei fundo e soltei o ar pela boca vagarosamente, contando até três, para diminuir meus batimentos cardíacos. Era um exercício que sempre fazia, em momentos de tensão:
— De acordo com seu depoimento, então, deduz-se que o óbito ocorreu entre 23h15 e 23h30... É... Está dentro do horário que o médico disse... Inês, acrescente à nossa lista de horários: "23h20: Provável hora do crime (de acordo com o relato de Ema)".
Ema comentou:
— Já lhe disseram que o senhor é muito detalhista?
— Já! Mas preciso ser! E quanto a este livro autografado, que estava junto da agenda de Carlos?
Dei o livro para ela olhar:
— Eu estava lendo.
— E quem é Patrícia Rocha?
Ema respondeu com muita tranquilidade, como se já esperasse a pergunta:
— Minha irmã!
— Sua irmã?
— Sim. E como o senhor é observador, já deve ter reparado que somos cara e focinho uma da outra, não? Embora a foto seja de quinze anos atrás, dá para ver que Patrícia é minha irmã gêmea!
Considerei:
— Quinze anos! O livro é de 1996... Você e sua irmã tinham 25 anos, na época. Ela parece até mais jovem na foto, talvez 20. É uma foto ainda mais antiga?
— Delegado, que idade o senhor acha que tenho?
— Eu te daria uns trinta e cinco...
Ema estampou um lindo sorriso no rosto:
— Tenho um pouquinho mais, quarenta. Cuido-me bem. Agradeço o elogio. E aí está sua resposta, sobre nossos vinte e cinco anos parecerem vinte. Digo "nossos", por uma razão evidente: somos idênticas.
O mais óbvio não me ocorrera: uma irmã gêmea! Por que pensara primeiro num pseudônimo, depois, num heterônimo? Ema, assinando como Patrícia? Ou, como pensei depois, embora não tenha registrado durante o transcorrer da narrativa, que ela pudesse até ser uma impostora, isso é, Patrícia fazendo-se passar por Ema... Ah, as vias tortuosas da mente...
— Ainda têm muitas perguntas, delegado?
Eu ainda estava pensando em Patrícia:
— Uma irmã gêmea... Claro! E por que o livro têm tantas anotações nas páginas?
Ela, pela primeira vez, pareceu hesitar, mas respondeu:
— Estou fazendo uma revisão... para a minha irmã. Ela vai fazer uma reedição.
— Além de bióloga é também revisora de livros?
— Não vou responder a essa pergunta, delegado. Mais alguma coisa?
— Vou terminar logo. Sabe, até agora tenho alimentado muitas teorias com sua afirmação sobre o vulto fujão. Porém, será que o vinho não a fez ver coisas?
— Por que diz isso?
— Porque, quando olhei para fora, depois que a porta abriu com a força do vento, não vi pegada alguma sobre a neve. Como é que alguém poderia ter saído por ali e não ter deixado pegadas?
— Eu sei o que vi!
— E eu sei o que não vi! Como me explica a ausência de pegadas?
— A neve que caía cobriu as pegadas.
— Cobriu as pegadas, apenas e tão somente alguns minutos depois de alguém ter passado por ali? Não haveria tempo para que nenhuma neve cobrisse as pegadas, nem parcialmente. Foi tudo muito rápido. Coisa de poucos minutos: o vulto, o grito e eu ter ido olhar o lado externo.
— Se ninguém saiu e se estou mentindo, isso quer dizer que acha que matei meu marido?
— É o que dizem as digitais.
Sabia que as digitais não seriam prova, porque estavam invertidas, mas joguei verde para colher maduro, como diria minha nobre genitora. Ela ficou surpresa:
— Digitais?
— As suas, que encontrei no punhal improvisado.
Como também diria mamãe, enquanto eu ia com o milho, ela já vinha com o fubá:
— Ora, posso explicar. A brincadeira que fiz com meu marido, lá na praia. Estava sem luvas. Por isso deixei as digitais.
— Estava sem luvas, com o frio que faz por aqui, principalmente lá fora?
— Eu me esqueci de levar! Mas utilizei os bolsos do casaco para proteger as mãos. Era um passeio rápido. Podia muito bem passear com as mãos no casaco. E fiquei com preguiça de voltar aqui dentro. Aliás, tenho uma testemunha de quando deixei essas digitais. O Ernani viu.
Dei um sorriso:
— Sim, já perguntei ao Ernani e ele me confirmou que você estava sem luvas... Prossiga.
— Sempre jogando verde, não é delegado? O senhor é muito esperto... Quanto às pegadas, o senhor deve estar equivocado. Apenas o senhor olhou para fora, portanto, somente temos a sua palavra de que não havia pegadas. Se vale para mim, vale para o senhor: "Só temos seu testemunho a esse respeito".
Parecia que os papéis haviam se invertido. Perguntei:
— Está querendo dizer que estou mentindo?
— Com certeza sua mãe também diz: "Pimenta nos olhos dos outros é refresco", não diz?
O pior é que dizia. Ela prosseguiu:
— Não estou dizendo que está mentindo, mas quero dizer que o senhor pode ter se enganado. Talvez não tenha visto direito. Ou talvez a neve já tivesse coberto as pegadas. Como pode garantir que alguns minutos não seriam suficientes para isso, com a forte neve que estava caindo?
— Não posso garantir, mas me parece óbvio que não.
— Isso é o que o senhor acha. Mas também a neve pode tê-las coberto parcialmente e, pela pouca luz, o senhor achou que não houvesse nada. Enxerga bem?
— Enxergo sim, muito bem.
Ela insistiu:
— Seja o que for que aconteceu, vi alguém saindo por aquela porta. Aliás, o senhor tirou alguma foto da área externa?
— Não!
— Então, como pode provar o que está dizendo, quero dizer, como poderá sustentar a sua tese sem que outra pessoa possa examinar, mesmo que através de foto, o que o senhor supostamente viu, para dar outra opinião, se havia ou não pegadas ali e se a neve poderia ou não as ter coberto, mesmo em poucos minutos? Portanto, não tem como provar o que está afirmando.
— Não, não tenho. Mas também só temos o seu testemunho de que alguém saiu por aquela porta. Como poderá provar que isso realmente aconteceu?
— Não posso, mas será a sua palavra contra a minha. Eu afirmo que alguém saiu. O senhor afirma que não. Mas nem eu, nem o senhor, podemos provar o que vimos ou deixamos de ver. É o dito pelo não dito.
Silenciei, pois ela tinha toda razão. Por um instante me senti perdido, sem saber como continuar, talvez reflexo do cansaço e da idade. Ela prosseguiu, buscando o golpe de misericórdia:
— Sei que acha que matei meu marido...
— Não disse isso. Novamente está colocando palavras na minha boca.
— Eu não o matei! Não fui eu! Para as digitais, há explicação: empunhei o osso lá na praia, sem luvas. Para a jaqueta, há explicação: Carlos a pegou para me motivar a fazer sexo com ele. Para a utilização do osso de baleia no crime, há explicação: foi pego pelo assassino antes de Carlos chegar ao quarto. Para a ausência das pegadas, há explicação: a neve as cobriu, embora o senhor não admita. Ou então elas ainda estavam lá, parcialmente cobertas, sendo que o senhor talvez esteja precisando de óculos para longe. Por falar nisso, esses óculos sobre a mesa, que o senhor usou algumas vezes para ler, durante o meu depoimento, são somente para perto ou são multifocais?
— Para perto! Para longe, não uso.
— Pois então! Quem sabe já não esteja precisando...
Ela se levantou de forma inopinada e abrupta:
— Já terminou?
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Parece que nosso delegado sofreu um duro golpe. Conseguirá se restabelecer dessa "porrada"? O que você acha, amigo leitor?
*Peço a gentileza de registrar seu voto e comentário. Grato.
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