11 - Segundo Round
Voltei à carga, junto a Ema:
— Pode relatar em detalhes tudo o que ocorreu após a chegada do passeio, até a hora do jantar?
— O senhor e suas perguntas... É uma técnica, não é? Policial é cheio de artimanhas. O senhor já sabe de tudo isso, por que tenho de repetir?
— É quase certo que ainda não sei tudo o que preciso saber.
— Está bem... Fomos para o nosso quarto, conversamos sobre a tira do Peary, Carlos a colocou dentro da agenda. Tomamos banho, transamos... Quer mesmo os detalhes?
— Se puder relatar...
— Quer mesmo saber?
Dei uma gargalhada:
— Até gostaria, mas pode pular essa parte. Após transarem...
— Fomos jantar e depois fomos todos para a sala de vídeo. É isso. Não existem outros detalhes, exceto os picantes.
Tirei meus óculos do bolso, para ler algumas anotações que fizera, deixando-os depois sobre a mesa:
— Diga-me, Carlos te falou algo ao ouvido, antes de sair da sala de vídeo, para ir dormir. Pode dizer o que foi?
— Muita indiscrição da tua parte, delegado. Mas não tenho o que esconder. Ele disse: "Vou na frente, vem logo em seguida", afinal, como queria transar — e o senhor dormiria ao lado do nosso quarto, com uma parede fininha nos separando... Era melhor não haver testemunhas; tinha que ser antes do senhor ir deitar-se.
Que atrevida! Mesmo com meus anos de prática, corei levemente, mas me mantive firme:
— E por que ficou até o final do filme? Não teve vontade?
Ela também se manteve firme:
— O senhor deve ter ouvido eu dizer a ele que só ia após o filme terminar. Verdade, não estava a fim. E o filme estava bem interessante... Carlos já tinha tomado muito vinho. Imaginei que ele fosse acabar dormindo.
Fiz um aparte e perguntei ao almirante:
— No período que ficou ausente da sala de vídeo, quando foi falar com a capitã Azevedo, não viu ou ouviu algo de anormal? Algum barulho? Chegou a ir até a ala em que estamos dormindo, a ala dos civis?
— Não, nada de anormal. Tem razão... Se eu tivesse ido até a ala dos civis, poderia mesmo ter visto qualquer coisa que ajudasse, talvez alguém entrando por algum lugar ou se escondendo, sei lá. Mas me limitei à ala dos militares, no sentido oposto. Fiquei conversando com a capitã, coisa de cinco minutos, para saber sobre a tempestade e também se estava tudo em ordem com o Humberto. Ela informou que sim, que o cabo Gerson tinha feito a ronda às 22h00 e voltaria às 7h00 da manhã. Em seguida, voltei para a sala de vídeo e te informei sobre a tempestade.
— Então, não viu nada mesmo que possa ajudar?
— Infelizmente, não.
Abri os braços, batendo depois as mãos espalmadas, cruzando os dedos, como a lamentar o fato. Dirigi-me novamente a Ema. Agora vinha uma parte realmente importante da história, que todos nós esperávamos ansiosos:
— O que aconteceu entre 23h00 e 23h30, desde que chegou ao quarto, até ir ao toalete e, na volta, encontrar Carlos morto?
Ema aprumou-se na cadeira, como a tomar coragem:
— Estive com meu marido no quarto quase o tempo todo. Quer novamente as particularidades do que fizemos?
Olhei-a, sorrindo, um sorriso largo:
— Não, não há necessidade, até porque eu sei que nada aconteceu. Você mesma disse, a parede é bem "fininha" e eu nada ouvi. Além disso, acabou de dizer que não teve interesse na prática sexual. Acho até que vocês discutiram, bem antes do jantar e já não estavam em muito clima de fazer sexo, certo? Reparei que você esteve um tanto quanto arredia, durante os filmes, bem diferente dos outros momentos em que os vi juntos, antes. Estou certo, mais uma vez?
— É, o senhor é bem astuto. Verdade.
— Discutiram, à tarde?
— Não exatamente. Coisas de casal, o senhor deve saber. É casado, sabe como é.
Não respondi, mas sabia bem do que ela estava falando. Regina não era nada fácil, muito embora ela dissesse o mesmo de mim. Ema comentou:
— Aliás, sua esposa é muito simpática.
— Direi a ela... Obrigado... Mas, voltando ao assunto, eu gostaria de ser mais específico e saber o que aconteceu entre 23h15 e 23h30, quando você diz ter ido ao toalete, retornando praticamente quinze minutos depois. Por que ficou tanto tempo ausente?
— Sempre indiscreto... É que estava sentindo novamente dores nos rins e também me deu um desarranjo intestinal. Fiquei no banheiro mais de dez minutos.
— Entre a sua ida e volta do toalete, viu algo de anormal?
— Não, tudo silencioso. Somente o vento, lá fora. Exceto, depois, o vulto que saiu pela porta.
Refleti:
— Tudo silencioso... É verdade! Estive acordado desde que entramos para os quartos, bem próximo das 23h00. E, até você soltar o grito, perto das 23h30, não ouvi absolutamente nada. Estava apreensivo com a neve e tudo mais, então, estava alerta. Porém, não ouvi nada, absolutamente nada, em nenhum momento. Curioso, não, esse silêncio? Chamo-o de "silêncio ensurdecedor", pois é algo que grita, mas não diz. Totalmente contrário à dinâmica de um assassinato.
Respirei um pouco e aproveitei para tomar um gole d'água:
— Quando saiu para o toalete, reparou se a porta do final do corredor estava trancada?
— Não reparei.
Fiz uma consideração adicional, em novo aparte:
— Registre-se que fui olhar melhor essa porta. Ela só pode ser trancada por dentro, com um ferrolho (ou tranca) e não possui chave, mas tem maçaneta, que fecha a porta com lingueta, mas sem trancá-la. Pouco depois das 23h00, antes de entrar para o dormitório, eu próprio a examinei e o ferrolho não estava passado, a porta apenas fechada com o giro da maçaneta, sendo que passei o ferrolho.
Ema interrompeu-me:
— É, eu vi o senhor olhando ela, na hora que fomos deitar. Já na hora em que fui ao banheiro, se a porta estava trancada ou não com o ferrolho, não sei dizer. Não observei. Ao menos fechada com o giro da maçaneta, como o senhor diz, estava. Mas, quem abriu a tranca — que o senhor havia fechado, deve ter sido o vulto que eu vi fugir por ali.
Fiz um novo registro:
— A tranca é fácil de abrir e fechar e não faz barulho ostensivo.
Voltei a Ema:
— Sobre o vulto, homem ou mulher?
— Não posso dizer. Foi muito rápido. Ele praticamente já saia quando o vi. Eu estava na porta do banheiro, a uma distância de dez metros, quero crer. Vi praticamente uma sombra, por isso disse "vulto". Acho que vestia um casaco escuro. Vi apenas esse vulto esgueirando-se para fora e fechando a porta.
— Fechou a porta?
— Modo de dizer. Deixou-a encostada, até porque ela só pode ser trancada por dentro, como o senhor mesmo acabou de dizer. A porta é pesada. Ele a puxou e ela encostou, sem, porém, fechar com a lingueta da maçaneta.
— Quanto a essa "sombra" que fugiu, você disse "ele", não foi? Então, era um homem.
— Disse ele, me referindo a vulto. Ele, o vulto, saiu pela porta, mas muito bem pode ter sido ela. Como disse, não sei se era homem ou mulher.
— E por que chamou o vulto de "assassino"?
— Pura força de expressão.
— E como sabia que ele, ou ela, tinha cometido um homicídio?
— O que queria que eu pensasse? Encontro meu marido caído no chão, morto...
— Morto? Como sabia?
— Delegado, eu o vi no chão, caído, com aquele osso nas costas. Foi o que pensei na hora, que ele estivesse morto. É o que qualquer um pensaria, não é? O senhor mesmo deve ter pensado isso.
— Não, não pensei. Só admiti essa possibilidade após examinar a vítima, embora sumariamente. Ainda assim, pedi ao médico que confirmasse.
— Sim, mas é um policial, tem experiência. Eu sou apenas uma bióloga. O que entendo de crimes? Nada! Vi meu marido ali, naquela situação. Julguei que estivesse morto. E meu julgamento foi correto, não foi? Ele realmente estava morto!
— Sem dúvida. Mas como sabia, então, tratar-se de um homicídio, por conseguinte, que o vulto era o de um assassino?
— Como eu dizia... Vendo meu marido naquelas condições, o osso nas costas, julgando-o morto, foi o que logo pensei, que aquele vulto só podia ser de um assassino, que entrou, matou meu marido e fugiu. Meu Deus, isso é tão óbvio! Por que perder tempo com essas perguntas? Quanta infantilidade! Ou ardilosidade, quem sabe...
Ignorei mais uma vez o juízo a meu respeito:
— Quem teria motivos para matar seu marido?
— Que eu saiba, ninguém! Mas, se Carlos estava envolvido com o roubo da tira do Peary, pode ser que alguém nos espreitava na estação inglesa. Talvez Carlos atravessou o negócio dessa pessoa e ela entrou aqui, mais tarde e se escondeu, para reaver o que julgava lhe pertencer. Matou Carlos, roubou a tira e depois fugiu. Vai saber... São cinquenta mil dólares...
Entreolhamo-nos com certo ceticismo, embora não fosse uma teoria de todo descabida. O almirante aproveitou o ensejo, para uma informação importante:
— Basílio, o Gerson fez aquele levantamento que tu pediu. A estação possui alguns alçapões, estrategicamente posicionados, destinados a "saídas de emergência", mas esses sempre se localizam nos corredores. Por alguma razão construtiva ou de aproveitamento de módulos, apenas dois quartos possuem alçapão. Um deles é o quarto do Humberto. O outro, um quarto vago, defronte ao quarto de Carlos e Ema. Um detalhe: a tranca do alçapão do quarto vago está danificada e o alçapão destrancado. Sugestivo, não?
Ema adiantou-se a mim:
— Tá vendo, delegado... Estou dizendo ao senhor... Eu vi um vulto, garanto! Pode ter entrado por esse alçapão, o do quarto vago, onde já teria ficado escondido e depois, fugido pela porta do corredor, quem sabe?
Inês ponderou:
— Mesmo assim, como esse intruso ia saber onde encontrar os apontamentos, dentro da estação? Isso é, se é que algum dia eles realmente estiveram aqui dentro.
Ema fechou o cenho:
— Também está me chamando de mentirosa?
— Não é isso. É que tudo necessita de provas. Parafraseando o que o delegado disse há pouco: "Só temos o seu testemunho acerca disso"... Boa, essa frase! — disse Inês, sorrindo. — Sua mãe já disse algo parecido, delegado?
— Não, acredito que não — afirmei, rindo. — Não sei quem disse isso pela primeira vez, mas, devo reconhecer, é uma grande sacada.
Num ato quase reflexo, fiz menção de bater o filtro do cigarro na mesa, algumas vezes, antes de acendê-lo, um antigo hábito, mas felizmente deixara de fumar há bastante tempo. Interessante... Não imaginava que vivenciar novamente um inquérito, faria com que eu tivesse vontade de fumar de novo. Tamborilei levemente na mesa e depois alisei meu bigode demoradamente. Segundo meu analista, cofiar o bigode com mais frequência, poderia ser uma forma de compensar a falta dos cigarros.
Sobre alçapões e quartos vagos, eu não era pessoa de me animar com pistas muito fáceis. Considerando o assunto do vulto, por ora, esgotado, resolvi mudar um pouco o rumo do depoimento, para obter outras informações:
— Perguntei antes, onde você tinha deixado o osso quando voltou do passeio lá fora e você disse que o deixou sobre a mesa do quarto.
— Sim. Ao lado da agenda.
Já percebera que Ema gostava de dar as cartas. Assim, julguei interessante tentar induzi-la a expor suas teorias à vontade:
— Tem alguma suposição de como o suposto bandido, que veio de fora, teria se apoderado do osso?
Ema parecia já ter pensado a respeito:
— Pegou o osso antes, quando o quarto ainda estava vazio e depois esperou Carlos entrar no quarto, para golpeá-lo.
Duvidei:
— Mas, se já tinha entrado no quarto antes e furtado os apontamentos, por que esperar Carlos aparecer, para matá-lo? Não teria ele, simplesmente, ido embora, uma vez que já tinha o queria, ou seja, a tira de Peary? Para quê, matar Carlos?
— É algo que o senhor terá de responder, não eu.
Ela era muito esperta. Não tinha o perfil de bióloga, mas de uma advogada. Percebeu logo minha intenção de dar-lhe corda, para se enforcar.
Inês anotava tudo, freneticamente. Retomei as perguntas:
— E você deixou o osso à mostra?
— Não. O enrolei num lenço de cabeça e o deixei do lado da agenda.
— E quando foi dormir, às 23h00, reparou se o osso já havia sumido?
— Infelizmente, não reparei.
Ao menos — e finalmente, o lenço de cabeça florido entrara na história. E, como aventáramos, com toda certeza fora usado para evitar digitais na arma, uma vez que estava facilmente à disposição, envolvendo a mesma. Esse o motivo do sangue no tecido.
Փ
Indaguei a Ema, sobre a tesoura que havia na mesa, junto ao livro e à agenda de Carlos. Explicou-me o que havia acontecido, quando Carlos quebrara a unha e ela utilizara a tesoura para cortar a parte quebrada, não obtendo total sucesso, permanecendo uma lasca, justamente onde o fio de linha ficara enroscado.
Sobre a linha preta, ela não atinava de onde pudesse ser. Examinamos mais uma vez a camisa utilizada por Carlos e não havia nenhum sinal de rasgo ou fio puxado no tecido, que justificasse aquela linha.
Deixei o item em stand by, não sabendo dizer de sua real importância. Seria necessário verificar, em laboratório, o tipo de tecido e a sua eventual e real procedência.
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Será que alguém de fora veio e matou Carlos Eduardo? Com toda essa neve? Humberto? Agora eu não arredo pé e vou até o fim! Preciso saber e você?
*Registe seu voto e comentário. Grato.
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