53. Não há tulipas sem o inverno
#CodinomeFlamingo
O alarme tocou, tirando Jimin do seu sono bom. Poderia adiá-lo para tirar uma soneca, mas a falta de Jeongguk na cama o despertou de vez e, notar um envelope feito com folha sulfite dobrada nas pontas, o fez franzir o cenho e sorrir abobado. Que facilidade era aquela de escrever e entregar cartas? Havia até mesmo um selo desenhado que, de longe parecia fazer sentido, mas de perto, eram apenas linhas tentando imitar algo que ele viu na internet.
Jimin abriu o envelope e o peito se apertou um pouco ao ver a caligrafia de Jeongguk, cuidadosamente desenhada emitindo os seus pensamentos da madrugada. No entanto, a sua pele ainda se lembrava vividamente dos toques dele da noite anterior e o lençol conseguia cheirar a Jeongguk mesmo sendo novo. O momento até podia evocar lembranças dolorosas, mas as palavras que lia apenas deixavam cada vez mais claro que vivia um romance melhor do que qualquer livro que já havia lido.
Enterrou a cabeça no travesseiro, sorrindo tão feliz que era impossível não se levantar e tentar achá-lo, sabendo exatamente onde ele estava devido ao zunido da máquina de tatuar que ecoava da sala. A cena que viu assim que se esgueirou entre a porta para não fazer barulho não parecia apenas uma parte dos sonhos de Jeongguk, mas dos seus também.
Jeongguk estava sentado no chão, as pernas dobradas, luvas cirúrgicas pretas cobrindo as mãos que seguravam a máquina com firmeza enrolada por uma bandagem azul. Linhas longas eram feitas na pele artificial, a agulha em movimento de pêndulo, a mão indo no limite do que conseguia, saindo lentamente do contato com a pele e voltando aprofundando-se aos poucos, fazendo da linha algo contínuo e sem emendas aparentes.
Limpou a pele com o papel e satisfeito, assentiu para si mesmo, notando a presença de Jimin. Um nó de felicidade apertou a garganta dele e não se conteve ao ir abraçá-lo. Jeongguk desligou a máquina, sentindo a pele ainda quente do cobertor de Jimin. Beijos foram traçados em sua nuca e sorrindo, ele retirou as luvas para melhor aproveitar o carinho e logo Jimin sentiu o toque das mãos dele, provando que estava em um conto de fadas, onde todos os seus desejos eram atendidos. Ler suas cartas e conseguir satisfazer suas vontades de tê-lo em seus braços era, com toda a certeza, o melhor dos cenários.
— Há quanto tempo está aqui? — Jimin perguntou, ronronando no pescoço alheio.
— Não faço ideia, nem vi quando o sol começou a aparecer. — Beijou o braço atravessado em seu peito e algo na forma como Jimin cheirava quando acordava era completamente viciante. — Meu Deus, como você é cheiroso! — exclamou, jogando o corpo para trás, deitando-se entre as pernas dele e desajeitadamente, enroscaram-se um no outro.
— Podemos ficar aqui para sempre? Desse jeitinho? — Suspirou, acariciando as tatuagens que desciam do peito ao abdômen, as sakuras que saiam das costas e invadiam os ombros, pétalas em um rosa tão claro que pareciam quase imperceptíveis. O coração ao lado esquerdo do peito ainda estava lá, com um pedaço faltando.
— Acho que, se quisermos mesmo, temos licença poética para isso.
— E qual seria? — Jimin perguntou, entre risos.
— Quem iria julgar um belo casal que quer ficar mais tempo junto depois de passarem tanto tempo separados? Quem iria nos obrigar a cumprir com as nossas obrigações depois de tudo isso? — Pegou a mão de Jimin, entrelaçando os seus dedos aos dele, levando-a aos lábios e depositando um beijo casto no dorso.
— Um monstro, com toda a certeza. — Encostou a bochecha na têmpora de Jeongguk e olhou para a bagunça organizada sobre a mesa de centro: papéis toalha cortados, réguas e canetas jogadas sobre o tampo de madeira coberto com plástico filme, peles artificiais à espera de serem vítimas dos erros e acertos de um futuro tatuador talentoso. Sorriu, com ele aconchegando-se ao seu corpo, descansando de uma noite de pesadelos tentando ser esquecidos e sonhos começando a ser realizados. — Mas sabe o que seria muito bom também?
— O quê? — perguntou, preguiçoso.
— Te ver vivendo... Acho que eu seria capaz de parar tudo só para te observar. — Brincou, esfregando o nariz na pele dele.
— E quando é que eu vou te observar de volta? Você precisa fazer as suas coisas também! — Jeongguk riu, falando com uma revolta exagerada que fez Jimin gargalhar.
— Então me observe fazer o nosso café da manhã. — E com um beijo na nuca dele, Jimin se levantou para fazer o apartamento começar a cheirar a café, construindo uma rotina que era apenas dos dois e essa era a melhor parte.
Kimchi foi colocado em uma torrada e na outra, ovos mexidos. O conforto das conversas e do joelho dobrado tocando a coxa nua de Jimin fez os olhos de Jeongguk pesarem. Dormiu no sofá enquanto Jimin tentava encontrar algum espaço na mesa de centro para responder os seus e-mails e estudar alguma coisa antes de sair. Naquela manhã, Taehyung não o ligou e ele aproveitou da própria companhia, embalado pelo ressonar do sono tranquilo do namorado.
Quando estava pronto para a aula, sentou-se na beirada do sofá e o acordou com beijos espalhados pelo rosto. Jeongguk resmungou feliz, mostrando um sorriso ainda que os seus olhos permanecessem fechados.
— Acorda, vai — Jimin sussurrou. — Não quero que você troque o dia pela noite. Quero que durma agarradinho comigo.
— Uhum... — Esforçou-se para abrir os olhos, sentindo que as suas forças foram renovadas enquanto Jimin guardava o seu sono.
Assistiu-o levantar-se, a antiga bolsa carteiro pendurada no ombro, a calça apertada evidenciando as pernas longas, o casaco grosso escondendo-lhe o torso e o sorriso antes de fechar a porta, deixando para trás aquela certeza de que era amado, que a sua companhia era requisitada.
Ainda preguiçoso, pegou o celular e viu que havia uma notificação do e-mail respondido por Yoongi. O nome de Emi Ozawa saltou aos seus olhos e estranhamente, o seu coração acelerou. Se entrasse em contato com ela, teria de seguir até o fim e algo na ideia de pedir ajuda para algo que parecia tão natural ainda o fazia pensar que era desnecessário. Só estava tendo pesadelos toda noite, só achava que deveria ter pressa de viver e então, paralisava, sem conseguir mover um músculo sequer. Só se sentia culpado por ter mudado todo o curso da vida de Jimin e só achava que precisava fazer toda essa mudança valer a pena. Só se cobrava demais e acreditava que tudo aquilo iria se esvair estre os seus dedos em uma piscar de olhos, como todo o resto da sua jornada até então.
No entanto, a vida contém episódios inéditos um atrás do outro, sem qualquer possibilidade de ensaio. Jeongguk não deveria se culpar por continuar vivendo seguindo os padrões familiares, pois essa era a única forma de viver que conhecia.
Ao olhar para a mesa de centro à sua frente, encontrou não somente objetos aleatórios de um tatuador iniciante, mas algo que encheu o seu peito de orgulho. Algo na forma como a madrugada deu lugar à manhã o fez sentir que poderia fazer aquilo pelo resto da sua vida. Deveria estar preparado para os episódios inéditos que viriam a seguir e queria de todo coração conseguir encará-los com olhos diferentes. Suas feridas não deveriam distorcer a realidade. Seus estilhaços estavam todos ali, ele só precisava de coragem para reuni-los e tentar parecer inteiro até de fato ser.
No dia seguinte, Emi respondeu ao seu e-mail com uma lista de horários pensados no fuso-horário e Jeongguk marcou a primeira sessão para alguns minutos depois que Jimin saía para a faculdade. Seu coração não se tranquilizou até que o rosto gentil de Emi apareceu na tela do notebook no início de uma tarde de quarta-feira, fazendo com que a sua ansiedade ao pensar no que falaria primeiro e como ela reagiria deixasse de existir. Jeongguk respirou fundo e começou com o que mais lhe afligia no momento.
— Como são esses pesadelos? — ela perguntou, empurrando os óculos para cima. Emi era uma mulher na casa dos recentes quarenta anos, seu rosto era visivelmente maduro, mas a pele parecia intacta.
— Às vezes, sonho com coisas que realmente aconteceram e me machucaram, como a vez em que precisei me afastar de Natsu. Mas em outras, são apenas situações que no fim eu me encontro precisando de ajuda e não tem ninguém por perto. — Abraçou os joelhos, sentindo um nó surgir na garganta e engolindo-o com dificuldade.
— Você se sente sozinho agora?
— Não.
— Existiu alguma situação que você sentiu que precisava de ajuda?
— Quando a minha mãe me expulsou de casa — disse, com tanta facilidade quanto as lágrimas que rolaram pelos olhos e embargaram a sua voz.
— Acho que precisamos falar mais sobre ela, tudo bem?
Jeongguk concordou e no fim da sessão, não sentiu que nada estivesse resolvido e se arrependeu de ter falado sobre ela, pois não conseguiu parar de pensar em tudo o que aconteceu até o próximo encontro, evidenciando que os pesadelos com Jimin continuavam permeando o seu subconsciente.
— O quê você sente quando tem esses pesadelos?
— Que eu o perdi novamente, que nada do que eu fiz valeu a pena... É como se eu acordasse com a sensação de que perdi tudo o que conquistei, mas olho ao redor e parece que eu não tenho nada. É como se eu precisasse ser constantemente lembrado de tudo o que aconteceu, mas não para me sentir grato, ou algo assim. Parece que é um lembrete de que a minha vida pode retroceder e eu não quero que isso aconteça.
— Isso não vai acontecer, Haru — Emi garantiu. — E você adquiriu a liberdade. Isso já é grande coisa.
— Eu sei.
— Sabe mesmo? — Ela o olhou com os olhos enviesados, retirando os óculos e colocando o cabelo escuro atrás das orelhas. — Às vezes, parece que você fala como se tudo que você fez não fosse nada. Você tem que se apropriar dos seus grandes feitos e começar a acreditar que o lugar que você ocupa agora te pertence. Pesadelos são, na grande maioria das vezes e, eu acredito que esse seja o seu caso, projeções dos seus maiores medos e traumas. Você viveu todos os acontecimentos anteriores à flor da pele e agora você precisa viver essa calmaria com a mesma intensidade.
Jeongguk ouviu tudo sentindo algumas sombras irem embora. Sonhos não eram premonições ou lembretes, seus medos eram palpáveis e compreensíveis.
— Existe um luto que você precisa viver: o da sua antiga vida e o da perda daquela mãe que cuidava e que não o deixaria sozinho — Emi completou, e Jeongguk sentiu algo dentro de si se quebrar.
— Porque ela me deixou — refletiu, dizendo o óbvio para si mesmo.
— Sim, ela deixou, mas isso não é culpa sua. Vamos trabalhar nisso juntos, tá bom?
Jeongguk assentiu, mordendo os lábios, sentindo algo engasgado no fundo da garganta querendo vir à tona. E então, um soluço invadiu aquele silêncio distante, a dor da perda daquela mãe irradiando em seu peito, tornando-se algo físico. Desejou ter um remédio para fazer passar.
— Você não tinha tempo para lidar com isso. Você precisava sobreviver. — Emi continuou. — O erro foi dela, não seu. Vamos passar por isso juntos e mais tarde, no futuro, se você quiser, podemos ver se existe um espaço dentro do seu coração para essa outra mãe: a arrependida que já não te conhece.
A falta de respostas da parte de Jeongguk deu o tom ao fim da sessão, pois havia coisas que ele só conseguiria refletir sozinho.
Nas quartas-feiras, Jimin percebia Jeongguk mais silencioso e grudento, como se só o seu abraço pudesse fazer aquela angústia passar. Quando Jimin chegava em casa, os olhos de Jeongguk já não estavam vermelhos e inchados e só o que encontrava eram desenhos mais elaborados feitos na pele artificial apoiadas em balões e almofadas para tentar imitar a flacidez natural da pele humana, fazendo uma tatuagem atrás da outra para tentar viver o dia com mais leveza quando tudo o que conseguia pensar eram nas falas de Emi.
No dia seguinte, os pensamentos se acalmavam e ele conseguia viver de forma menos afoita. Ao menos era o que tentava fazer quando Jake enviou uma mensagem para o seu celular.
[número desconhecido]
oi, aqui é o jake do estúdio que você comprou a máquina de tattoo
como vão os treinos?
falei de você para o CEO e ele queria bater um papo contigo
já se sente preparado para começar?
Jeongguk leu as mensagens algumas vezes e em todas elas, ele se sentia vendo o mundo ao redor em amplitude, como se tudo fosse grande demais para a sua mera existência. Seu coração disparava ansioso e ele não sabia o que responder. A última pergunta o fez perder o ar de repente.
Já sabia fazer linhas firmes e sem emendas aparentes e os mais diversos tipos de sombreados, graças a tutoria de Namjoon e Hyejin. Tatuou cascas de frutas e as peles artificiais estavam empilhadas, preenchidas frente e verso com desenhos tornando-se cada vez mais complexos. Com o celular na mão e tudo o que fez à sua frente, perguntou-se o que mais poderia aprender que não fosse tatuando uma pessoa de verdade.
E foi esse questionamento que levou para Emi na próxima sessão.
— Se você já consegue fazer tudo isso, por que ainda lhe resta dúvidas? — ela perguntou, cruzando os braços sobre a mesa.
— Eu acho... — Jeongguk começou e parou, pensando nas melhores palavras e Emi esperou pacientemente. — Eu acho que não estou duvidando da minha capacidade, mas, sim, se eu mereço viver isso. Essa é a vida que eu sempre quis e agora parece que eu não sei o que fazer com ela.
— Você está na Holanda, certo? Você sabe como se planta tulipas?
— Não faço ideia. — Jeongguk franziu o cenho, não entendendo onde Emi queria chegar com aquela pergunta.
— Os bulbos precisam ser plantados em terra úmida, com aproximadamente 15 cm de profundidade. — Ergueu os dois indicadores, tentando mostrar qual era o tamanho certo. — Isso precisa ser feito antes do inverno porque os bulbos precisam do gelo para que a casca seja quebrada e então, as flores conseguem brotar na primavera... — Emi riu de si mesma após encarar a expressão perdida de Jeongguk. — O que estou querendo dizer é que, você já passou pelo inverno, tudo o que lhe resta é florescer na primavera. Seja fazendo tatuagens, tentando vender seus desenhos. Sua vida é essa agora, não tem mais o que esperar.
— Está dizendo que eu sou como uma tulipa?
— Você gosta de flores, não é? — Deu de ombros, rindo e sacudindo a cabeça. — Acho que eu não sou tão boa com metáforas como Natsu — comentou, mostrando que se lembrava da forma como Haru falava sobre o namorado.
— Se eu sou como uma tulipa, isso quer dizer que o caminho natural seja florescer agora.
— E fazer o que um tatuador iniciante precisa começar a fazer em algum momento...
— Tatuar pessoas — completou, respirando fundo.
— Foi para isso que você começou, não foi? — Elevou as sobrancelhas e Jeongguk concordou em silêncio, abraçando os joelhos ao olhar para o rosto de Emi na tela. — Não há nenhum obstáculo para vencer agora, você só precisa ir.
Emi não insistiu mais, não levantou nenhum outro tópico, pois Jeongguk mergulhou no silêncio sepulcral que sempre ocorria no fim das sessões, como se algo estivesse morrendo dentro de si para renascer. Despediram-se e Jeongguk olhou para a rosa tatuado no dorso da sua mão direita como se aquilo pudesse significar alguma coisa.
Podia ser como uma tulipa, a primavera já estava em seu nome e o mês de março era dali alguns dias. Talvez algo acontecesse, talvez florescesse de verdade com a chegada da nova estação, mas nada disso aconteceria se fugisse do que já estava cansado de lhe aguardar.
Pegou o celular e respondeu Jake.
(...)
Taehyung
me pergunto o que seria desse personagem se o irmão dele não tivesse morrido
[10h15 a.m.]
Taehyung observou a mensagem enviada para Jimin, mas não havia qualquer sinal de que ele havia lido. Eram 2h00 da manhã em Leiden e o seus pensamentos se perdiam nas longas horas que deveria esperar até que ele o respondesse. Taehyung sentia uma solidão que poderia ser confundida com muitas coisas, mas ele sabia exatamente o que era: saudade.
Para além da demora das respostas, ainda havia aquele espaço vazio na sua rotina que não era exatamente sobre os últimos meses que viveram juntos, mas, sim, do vazio das aulas que recomeçaram e dos comentários que guardava apenas para si. Nos estudos dirigidos feitos sozinho porque era inconcebível alguém tentar responder todas aquelas perguntas em uma letra que não fosse a de Jimin. E ainda havia a sua vida acadêmica para além das salas de aulas: a carona que não daria ou as passadas rápidas na sorveteria, festas que voltariam acontecer no campus e Taehyung não precisaria ir porque Jimin não sentia mais a necessidade de conhecer mais ninguém. Aquela saudade doía e era um disfarce perfeito para o luto que os outros achavam que ele deveria estar vivendo.
Ainda respeitava o seu ritual de chegar mais cedo e contemplar a sala vazia à espera dos alunos e do professor que daria a próxima aula, mas a ausência de Jimin naquele ambiente tranquilo tornava tudo ao redor um desalento. Voltou a ler o livro, pois já não havia nada que pudesse fazer.
A floricultura de Yong-sun ainda não estava colorida o suficiente quando estúdio reabriu as portas em um clima que não fosse parecido com o de um enterro. Os desenhos de Jeongguk ainda decoravam a parede e a sensação que todos tinham agora era que eles pertenciam a um tatuador que morava longe dali e não somente a um amigo que gostava de desenhar.
Taehyung passava suas tardes perambulando pelo sofá e pela bancada de Hyunah porque era bom estar rodeado de pessoas que sabiam o que havia acontecido e poderia desabafar caso quisesse. Aquele era um tipo de solidão que não o abatia, pois compreensão era o que não faltava quando começava tocar Bring Me the Horizon e todos entreolhavam-se sabendo exatamente quem passeou em seus pensamentos.
— Vou pedir para você preencher esse formulário, tudo bem? — Hyunah disse para um cliente à espera, entregando-lhe uma prancheta e uma caneta. Seu cabelo descolorido estava preso em uma trança boxeadora, a raiz escura se confundia com o resto claro em uma estranha harmonia.
— Sabe o que eu andei pensando? — Taehyung estava sentado ao balcão, equilibrando-se em uma banqueta enquanto desembrulhava uma bala de caramelo. — Dublin.
— O meu voto continua em Paris — ela respondeu, franzindo o cenho.
— Para de ser tão óbvia. — Colocou a bala na boca enquanto dobrava cuidadosamente a embalagem, tornando-a um quadrado minúsculo perfeito. — Pensa nos castelos que podemos ver, as campinas... Meu Deus, vai parecer que eu estou em um cenário de "O Senhor dos Anéis".
— Mas isso não foi gravado na Nova Zelândia? É aqui do lado, você consegue ir sozinho.
— Você me odeia? — Taehyung fechou a cara, deixando que a bala derretesse na boca.
— Eu só estou implicando com você. — Hyunah sorriu angelical antes de pegar a papelada do cliente preenchida e logo, Taehyung foi distraído pelo celular vibrando ao receber uma notificação.
Natsu Inoue
eu acho que os dois ainda precisariam de terapia por causa dos pais, mas quem é que não tem uma família complicada? mas gostei da forma como a autora abordou a questão do luto
[05h17 p.m.]
Taehyung
estou pensando em deixar Hoseok furar o meu nariz
[05h17 p.m.]
Natsu Inoue
me liga agora
[05h18 p.m.]
— Ele finalmente te convenceu? — disse Jimin, assim que o rosto de Taehyung surgiu na tela.
— Ele fica me mandando foto de piercings o dia todo. — Negou com a cabeça, revirando os olhos. — Você sabe que eu não resisto a um elogio ao meu lindo nariz. Onde está Haru? Hyunah está aqui do meu lado.
— Saiu bem cedo, foi para Amsterdã conversar com o dono de um estúdio.
— Sério?! — ela perguntou, colando o rosto ao de Taehyung em meio as conversas paralelas de Namjoon e Hyejin com seus clientes. "Jello" de Brockhampton tocava ao fundo e Hoseok caminhava em sua direção no ritmo da música.
— O quê? — perguntou, curioso com o tom surpreso de Hyunah, apoiando o queixo no ombro de Taehyung.
— Ele foi conversar com o dono de um estúdio — Jimin repetiu, mostrando algumas peles artificiais que estavam em cima da mesa de centro. — Olhando bem pra isso aqui, eu acho que ele ainda demorou muito para ir até lá.
— Sabe quando a gente sabe muito sobre a teoria de uma coisa e quando colocamos em prática, tudo fica mais fácil? — Hoseok comentou, apreciando as tatuagens que Jimin mostrava. — Esse foi o caso dele.
— Eu não duvido, mas então... — Mudou de assunto, erguendo o queixo para os três que o encaravam. — Vai furar o nariz do Taehyung quando?
— Agora, se ele quiser. — Hoseok arqueou as sobrancelhas, vendo a reação do namorado pela tela do celular.
— Você precisa usufruir do privilégio de ter um namorado body piercer! — Hyunah empurrou o seu ombro e Taehyung riu nervoso.
— Vai ser de graça? — perguntou, olhando para Hoseok.
— Claro, quero que você seja a minha cobaia para um novo furo que quero experimentar. Uma única peça passando entre as três cartilagens. — Apontou para o próprio nariz, mostrando o seu plano. Taehyung olhou para a tela, mais branco do que o normal ao levar a sério e Jimin caiu na gargalhada.
— Ele está brincando, seu bobo. Como que tira meleca do nariz desse jeito?
— E eu já o vi testando filtro de piercing no celular — Hyunah o entregou, fazendo Taehyung parar de rir no mesmo instante.
— Que bocuda! — Taehyung negou com a cabeça, ainda relutante.
— Se você não quiser, tudo bem. Tem quem queira. — Hoseok deu de ombros e Hyunah franziu o nariz, de repente mais animada.
— Eu quero!
— Vamos agora, sem tempo para pensar no depois. — E os dois saíram, deixando os outros dois sozinhos.
— Eu quero ver! — Jimin gritou e Taehyung os seguiu em direção à sala do body piercer.
— Como você vai querer?
E com apenas uma pergunta, Hyunah se mostrou mais corajosa que Taehyung ao dizer que queria um em cada ponto alto das suas sobrancelhas. Jimin, indiretamente, o chamou de covarde e mesmo que a pinça que mais parecia uma tesoura nas mãos de Hoseok fosse amedrontadora ao segurar a pele, Taehyung estava focado nas reações de Hyunah e no profissionalismo que o namorado exalava toda vez que vestia as mãos com aquelas luvas cirúrgicas.
— Como você se sente? — Hoseok perguntou, depois de terminar o segundo furo.
— Estou ótima — ela respondeu, levantando-se da maca para se olhar no espelho. — Já consigo imaginar os delineados gráficos que vou fazer. — Dançou, admirando o próprio rosto em diferentes ângulos.
— Combinou com você e com o seu estilo — Jimin disse, sorrindo para a tela.
— Deixa eu tirar uma foto para aumentar o meu portfólio, que ficaria ainda mais bonito com o nariz mais lindo mundo decorado com um piercing meu. — Hoseok olhou de canto para Taehyung, jogando uma indireta que pretendia apenas irritá-lo, por sorte, agora contava com uma ótima cúmplice.
— É Hoseok, acho que você vai ter que se contentar com os meus lindos olhos. — Hyunah deu de ombros, colocando uma máscara cirúrgica preta para posar para a foto.
— Desse jeito, não acho que eu seja capaz de resistir por mais tempo — Taehyung confessou e Jimin comemorou silenciosamente com os braços em punho para cima enquanto a boca abria sem emitir uma única palavra.
— E onde vai ser? Nostril ou septo? — Hoseok perguntou, já se dando por vencido.
— Nostril — respondeu, cansado.
E antes que o temível cotonete com álcool entrasse dentro do seu nariz, Taehyung recebeu selinhos nos lábios, fazendo seu coração bater menos acelerado e Hyunah resmungar.
— É muito difícil a vida das solteiras.
— Já estou pensando nos beijinhos que vou ganhar quando Haru tiver coragem de me tatuar — Jimin comentou depois de ouvir a voz mais alta de Hyunah porque ela estava segurando o celular.
— Como assim coragem?
— Ah, ele ficou falando que só vai me tatuar quando estiver muito bom.
— Então será em breve — Hyunah concluiu, confiando no amigo.
— Foi isso o que eu disse para ele.
— Respira pela boca — Hoseok pediu, logo enfiando a agulha curva e vendo os olhos de Taehyung se arregalarem com a pressão sentida. — Tudo bem?
— Uhum... — disse, em um fio de voz, ignorando as risadas disfarçadas de Hyunah e Jimin. — Eu odeio vocês.
Quando Taehyung se olhou no espelho, não conseguiu disfarçar o descontentamento ao ver a pedrinha ao invés da argola, mesmo que Hoseok tivesse explicado os motivos. As fotos foram tiradas, Namjoon e Hyejin apareceram para averiguar o motivo da bagunça, perguntaram de Jeongguk para Jimin e todos voltaram para os seus postos, inclusive Hyunah.
A ligação foi encerrada alguns minutos depois e sozinho no apartamento, Jimin sentiu que estava perdendo alguma coisa. E no estúdio, sempre havia aquela sensação de que havia alguém faltando. Algo na forma como os dias se passavam e aquelas ligações começavam a fazer parte da rotina, amenizava um pouco daquela agonia de querer estar perto e o conformismo deixava de ser opção para se tornar refúgio. Estava tudo bem ser aqueles que iam embora e ser aqueles que ficavam, contando que se reencontrassem no futuro.
(...)
Algumas semanas haviam se passado e o clima começava a ficar mais quente à medida que a primavera tomava conta dos dias. As luzes incidiam sobre as janelas da biblioteca da universidade e Jimin treinava o seu inglês lendo algum livro que já conhecia. No entanto, algo na forma como as palavras pareciam fazer mais sentido na sua língua materna era desconfortável. Não que a tradução parecesse errada, mas talvez fosse melhor iniciar os seus estudos com algum autor inglês.
Suas expressões não passaram despercebidas enquanto dividia uma longa mesa com outros estudantes espalhados a uma curta distância, igualmente quietos, imersos em cálculos, reações químicas e textos que contavam sobre uma época distante e difícil.
— Por que está torcendo o nariz para o Murakami? — Uma voz suave e baixa invadiu os seus ouvidos, o tom quase saindo da esfera do sussurro para não incomodar os outros, mas ainda, sim, contendo um teor de revolta.
Jimin olhou para frente no segundo em que ouviu o nome do autor, respondendo no mesmo tom de voz, ocupando mais espaço da mesa larga para se aproximar da mulher que estava sentada à sua frente:
— Não me leve a mal, mas Murakami é melhor em japonês. — E piscou um dos olhos, voltando ao seu lugar na cadeira, sorrindo para a desconhecida.
Ela parecia estar de cara lavada, se não fosse o batom vermelho nos lábios. Os fios do cabelo eram volumosos e ondulados, castanhos como os seus olhos grandes. Seu rosto era levemente arredondado e simpático demais para Jimin ignorá-la.
Um homem que estava logo ao lado colocou a mochila no ombro, pegou seus cadernos e saiu. Jimin e ela se entreolharam, trocando um sorriso sem graça ao pensarem que estavam incomodando.
— Enfim... Acho que deve fazer mais sentido para você mesmo. Eu sinto a mesma coisa quando pego alguma tradução do Gabriel García Márquez — mostrou a sua fluência no espanhol na forma como pronunciou o nome e deu de ombros. — Por que está se forçando a ler um livro que já leu?
— Para praticar o meu inglês. As coisas não estão sendo fáceis para mim. — Ergueu as sobrancelhas e jogou a cabeça para o lado, folheando o livro.
— Sabe uma coisa que me ajudou muito? — Jimin a olhou, encorajando-a a responder a própria pergunta. — Trabalhar com tradução e revisão. Eu nem confiava tanto assim no meu inglês, mas fui estudando e fazendo, uma loucura só. No fim, deu certo.
— É? Eu nunca pensei em trabalhar com isso. Achei que seria professor no meu país, mas não sei se consigo fazer isso aqui.
— E o quê você estuda? — ela perguntou, curiosa.
— Literatura clássica.
Os olhos alheios brilharam com aquela informação e talvez, se estivesse procurando alguém como Jimin, não teria tanta sorte assim de encontrá-lo.
— Você já leu Morangos Mofados? — ele mudou de assunto, cruzando os braços sobre o tampo de madeira escura.
— Claro, é uma obra muito importante para a literatura latino-americana. Li em português. — Empinou o nariz e dançou com os ombros, exibindo seus conhecimentos.
— Argh, que inveja... — Fez um bico, que logo transformou-se em um sorriso.
— Se quiser, posso te dar algumas aulas particulares de espanhol, português... Sei fazer muitas coisas com a língua.
O tom provocativo que a estudante usou poderia parecer bastante tentador em meio a biblioteca e os seus corredores de prateleiras vazias que carregavam inúmeras possibilidades, mas Jimin riu, sem nenhum controle sobre a sobrancelha direita que se ergueu, como se não estivesse acreditando no que ouviu.
— Ah é? Meu namorado também — respondeu, negando com a cabeça e olhando de volta para o livro para esconder os olhos revirando-se.
A risada dela iniciou-se em um engasgo e logo aumentou o tom, morrendo aos poucos quando alguém sibilou pedindo silêncio.
— Enfim... — voltou a falar como se não nada tivesse acontecido. — Se quiser entrar em contato com a editora, pode dizer que fui eu que te indiquei. — E empurrou um cartão em direção a ele, que a olhou desconfiado. — É sério, não é o meu número, mas se você quiser... — Brincou, e o seu sorriso sapeca fez Jimin rir de volta e sacudir a cabeça em negativa, pegando o cartão. — Desculpa, fico nervosa perto de homem bonito.
— Me admira muito que você nervosa vire uma metralhadora de cantadas podres. — A sua fala fez a estudante colocar a mão no peito, levemente ofendida.
— Deve ser por isso que eu estou solteira. — A tristeza que ela mostrava em suas feições era claramente falsa e aquela conversa mudou de rumo completamente.
— Ou porque fica dando em cima de homem gay — sugeriu, inocentemente.
— Eu preciso de alguém que aponte para onde devo ir, sabe? Tenho o dedo podre. — Ela apoiou a bochecha no pulso, percebendo que a sua tentativa de estudar fora por água abaixo. Não que tivesse entrado ali com alguma intenção genuína, Laura tinha muitos problemas de foco. — Como conheceu o seu amado? Vamos ver se você consegue me ajudar com isso.
— Fumando maconha — sussurrou, como se fosse um segredo e Laura achou aquilo muito fofo da parte dele.
— Isso não é crime por aqui.
— Bom, onde eu morava é. — Deu de ombros, prestando mais atenção no que dizia, surpreendendo-se ao perceber que aquele tipo de conversa que Jeongguk previu e quis ensaiar as respostas, estava acontecendo mais rápido do que ele gostaria.
— Ah, vocês se conheceram lá? E vieram para cá juntos?
— Exatamente.
— Por que?
— Eu vim para estudar e ele para tatuar. — Tentou esconder o sorriso nervoso, queria parecer simpático. Fazia tempo que não conversava com alguém pessoalmente que não fosse Jeongguk e respirou aliviado com a próxima pergunta que ela fez.
— Ui, tatuador, é? Ele é bonito como você?
— Acho que você está querendo saber demais. — Semicerrou os olhos e cruzou os braços, fazendo-a exibir, mais uma vez, aquele sorriso sapeca de dentes grandes e perfeitos.
— Ciumento?
— Eu gosto de cuidar do que é meu.
— Possessivo é a palavra certa. — Ela apontou com o indicador e Jimin franziu o cenho.
— Para de apontar esse dedo podre para mim. — A gargalhada dela com a sua fala foi controlada, colocando a mão sobre a boca quando ele começou a rir também.
— Vamos tomar um café lá fora? Eu não estou rendendo mais nada. — Arregalou os olhos, pressionando as têmporas.
— Tudo bem, mas fique claro que isso não é um encontro. — Jimin começou a recolher as suas coisas, levando o livro consigo, apesar do estranhamento ao lê-lo.
— Okay... — Laura começou a fazer o mesmo e quando ficaram de pé lado a lado, ela enrolou o braço no dele e começou a andar. — Vai ser difícil não cair de amores por você, mas juro que vou tentar.
Jimin deixou que ela o guiasse, notando que havia algumas tatuagens escapando da manga da jaqueta jeans dobrada. Com o café em mãos, sentaram-se debaixo de uma árvore sobre a grama verde e de aparência fresca. Laura perguntou o seu nome e o som da letra J quase saiu entre os seus lábios. Por um curto momento, pensou que ainda estivesse na Yonsei e sentiu saudades de Taehyung. E por um momento que se arrastou infinitamente dentro da sua cabeça, desejou que, em algum dia no futuro, Laura soubesse o seu primeiro nome.
Pedalou até o apartamento ainda com os pensamentos em Laura e em como as respostas sobre a sua vida foram ditas naturalmente. Não mentiu sobre nada, apenas não deu muitos detalhes. Ao subir as escadas do prédio, sentiu o relevo do livro sob a bolsa carteiro e talvez, Murakami não tivesse conseguido lhe ajudar com o inglês, mas, sim, em conhecer uma nova amiga.
Quando abriu a porta, a mesa de centro da sala estava estranhamente organizada e uma voz desconhecida ecoava de algum canto. Deixou a bolsa na poltrona e seguiu para a cozinha, vendo Jeongguk muito focado ao assistir um vídeo de culinária no celular.
— O quê está tentando fazer? — perguntou, abraçando-o por trás e enterrando o rosto em sua nuca, matando um pouco daquela saudade que só um dia cheio conseguia ter.
— Fui no mercado e vi massa de yakissoba, pensei "por que não?" — Deixou o celular de lado e virou o corpo, abraçando-o apertado antes de encher a linha do pescoço dele de beijos. Jimin aproveitava o carinho, ronronando em seu ouvido e observando a bancada da cozinha bem organizada com todos os legumes já picados. Jeongguk segurou o rosto dele e selou os lábios com força, como se o amor facilmente se transformasse em raiva ao querer apertá-lo e esmagá-lo.
Jimin começou a rir e logo os seus lábios foram tomados pelo beijo que se aprofundou sem cerimônias, assim como as mãos que desceram pela sua cintura e agarraram a sua bunda. O vídeo ainda rolava e a voz do cozinheiro narrava o preparo, fazendo-os gargalharem com o som ambiente nada adequado.
— Eu vou tomar banho. Pode deixar que depois eu lavo a louça — Jimin avisou, afastando-se e Jeongguk voltou os seus esforços para a preparação do jantar.
Enquanto comiam, Jimin contou sobre Laura, das suas perguntas e sobre a forma como ela deu em cima de si, fazendo Jeongguk rir com a sua resposta.
— Pior que eu sei mesmo. — Arqueou as sobrancelhas, enfiando uma porção do yakissoba na boca enquanto trocava olhares carregados de memórias sexuais com o namorado.
Naquele apartamento, com a comida preparada por ele e com a troca de palavras que saíam da boca um do outro sem que percebessem a naturalidade das suas ações, Jimin sentiu um contentamento que ia de encontro à conversa com Laura: ainda bem que Jeongguk era seu e podia cuidar do que o pertencia porque ele se entregava todos os dias, não restando nada além de abrigá-lo e fazê-lo se encaixar em suas curvas enquanto deitavam-se no sofá e ele repousava a cabeça sobre o seu peito, que batia dizendo que também o pertencia.
notas:
oiê
me digam o que acharam. o que estão achando sobre a reta final? qual é a sua parte favorita até agora? estão sentindo falta de alguma coisa?
já comecei a adaptação para o original, será que o livro físico vem aí? ihuuu
beijoss
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