51. Penumbra
Oiê genteee
Eu sei que é chato pedir, mas eu gostaria muito que vocês comentassem mais e deixasse um votinho, pode ser só no final, não tem problema.
Essa reta final da história tá mexendo muito comigo e toda vez que posto capítulo novo fico meio baqueada das ideias. Enfim... Espero que gostem :)
#CodinomeFlamingo
As janelas ainda estavam cobertas com papel pardo e a mancha de mofo no teto permanecia escura. A lâmpada amarela iluminava o pequeno apartamento de uma forma irritante e familiar. Jimin estava sentado no chão, com as costas apoiadas na parede enquanto o olhava com lágrimas nos olhos, brilhando com aquela mesma dor do inevitável.
Jeongguk se desesperou e tentou correr em direção a ele, no entanto, a cena mudou de repente e tudo o que conseguia ver eram os lábios de Jimin sussurrando dentro de uma cabine do banheiro da Universidade de Yonsei:
— A polícia.
Abriu os olhos em um ímpeto de fuga, o corpo completamente imóvel, como se tivesse sido atingido por uma paralisia do sono e o peso em seu peito o prendesse na cama. As janelas eram cobertas por cortinas na cor creme que deixavam um pouco da luz da manhã passar. Nas paredes brancas não havia manchas e o carpete era gostoso de pisar.
Percebeu-se sozinho na cama e xingou Jimin mentalmente por sempre ser o primeiro a acordar. Despertar de um pesadelo como aquele e tê-lo ao lado parecia ser o melhor dos cenários, pois tentar mover o corpo à sua procura indicava que havia um pedaço seu, bem mais aparente do que desejava, que precisava criar mais certezas de que ele estaria por perto, de que o pesadelo era apenas uma forma de ser lembrado do passado.
Andou até a sala e ele estava lá, sentado à mesa de centro com as pernas dobradas, teclando alguma coisa no notebook e fazendo algumas perguntas para alguém que Jeongguk não conseguia ouvir as respostas devido ao fone nos ouvidos dele. A voz de Jimin era baixa, vivendo o seu dia pensando no sono alheio.
O cabelo estava penteado, secando naturalmente depois do banho. Cheiro de café exalava pelo apartamento e fumaça saía de uma caneca ao lado dele. Jimin sorveu o líquido algumas vezes antes de Jeongguk perceber que estava parado no mesmo lugar por longos minutos, dissociando sem saber se era o despertar recente ou se era o seu cérebro precisando racionalizar a presença de Jimin.
— Café? — Jeongguk perguntou, dilatando as narinas para cheirar melhor.
— Bom dia, neném — Jimin disse, percebendo-o. Seu tom de voz era tão acolhedor que Jeongguk sentiu algo doer dentro do peito, ainda era cedo demais para a sensação do pesadelo deixá-lo seguir o dia tranquilamente. — Passei no mercado hoje e comprei algumas coisas. Pensei em fazermos kimchi, o que acha?
— Eu dormi tanto tempo assim? — Franziu o cenho, olhando para os raios solares que incidiam através das janelas e percebendo as inúmeras tarefas que Jimin havia feito dentro daquelas horas da manhã.
— Deve ser o jet lag, com o tempo você se acostuma. — Jimin abraçou os joelhos, observando-o despertar.
— Podemos fazer, sim. — Jeongguk começou a andar em direção à cozinha, respondendo atrasado às perguntas e, antes de desaparecer no outro cômodo, disse. — Bom dia, meu amor. — E ganhou um beijo jogado no ar só porque Jimin não se aguentava ao ouvir aquelas palavras naquela voz, ditas por ele.
— Eu ainda estou aqui — Taehyung disse, a voz rouca ecoando nos fones de Jimin, que os desconectou e deixou que o rosto bonito do amigo preenchesse a tela, sorrindo com a língua que Jimin mostrava.
— Taehyung quer te ver — Jimin disse mais alto ao que Jeongguk saía da cozinha com uma caneca em mãos, sentando-se no sofá.
— Grandão?! — Jeongguk pareceu surpreso, ficando na ponta do móvel para olhá-lo melhor.
— Olá, Haru — respondeu, deixando que o nome se suavizasse em sua língua. — Vejo que ainda é cedo por aí.
— Não para Natsu que já fez mil coisas hoje. Parece que estou ficando para trás. — Piscou os olhos lentamente, sorvendo o café e apreciando o sabor.
— O mercado é aqui do lado. — Deu de ombros, como se dissesse que não era nada demais.
— Como está a vidinha de casados? — Taehyung ergueu as sobrancelhas, brincando.
— Você é impossível... — Jimin negou com a cabeça, apoiando as costas no sofá.
Jeongguk não conseguiu responder. Ele poderia culpar o sono, mas no fundo sabia que qualquer pergunta ouvida teria uma resposta mais profunda do que a real intenção, a qual ele não tinha coragem de verbalizar. Não achava que estava vivendo de qualquer forma e mesmo com a idade adulta, sentia-se como um adolescente tentando se descobrir depois de concluir o ensino médio e essa não era a melhor sensação do mundo.
— Ah! — Taehyung exclamou, depois que os dois entraram em um assunto que rapidamente chegou ao fim e Jeongguk não percebeu. — Você não vai acreditar em quem veio falar comigo hoje.
— Quem?
— Chanyeol. Ele parecia realmente triste com a morte do Jimin. — Taehyung balançou a cabeça, como se sentisse o mesmo calafrio que percorreu a espinha de Jeongguk ao ouvir tal frase.
— Ele também sabe sobre... — Jeongguk perguntou, sem coragem de concluir. Falar da própria morte forjada, dizendo o seu antigo nome, parecia algo que não cabia em palavras.
— Ele não perguntou, talvez não saiba e eu também não vou dizer. — Taehyung suspirou, desviando o olhar por alguns segundos. — Às vezes é bem complicado lidar com a morte de quem ainda está vivo.
Jeongguk absorveu a resposta, pensando sobre o que aconteceu com aqueles que ficaram e sem conseguir imaginar o vazio deixado.
— Vocês conseguiram se despedir?
— Não... — Jimin respondeu, sorrindo melancólico. — Foi tudo muito rápido.
— Eu sinto muito, de verdade. — Jeongguk sentiu um nó pulsar na garganta. Tudo aquilo era culpa sua e ele não sabia o que fazer com aquele aperto.
— Você não precisa se desculpar por nada — Taehyung garantiu, negando com a cabeça. — Eu estou sentindo muito a falta dele, sim — disse como se Jimin não estivesse o escutando. — mas está acabando e eu vou sobreviver.
Seus olhos estavam pesados, pois tentava regular o sono no horário de Seul. Desde que Jimin havia partido e entrado em contato consigo em um fuso horário completamente diferente do seu, Taehyung viveu como se estivesse em Leiden, dormindo e acordando com a voz do amigo em seu ouvido, assistindo a aulas que não eram suas e esperando Jeongguk aparecer junto a ele. A solidão doía e se apegar à presença distante de Taehyung era tudo o que Jimin conseguia fazer.
— Sim, a faculdade está acabando e em breve teremos uma vida inteira para fazermos planos de viagens — Jimin disse, mais otimista. — A nossa ideia é de nos encontrarmos todo ano em um canto diferente do mundo.
— É um bom plano — Jeongguk comentou, tentando disfarçar a agonia que sentia com a forma que os dois tentavam continuar juntos apesar da distância.
Queria ter sido leve para Jimin, no passado, presente e principalmente, no futuro, mas não sabia se conseguiria ter tamanha leveza com o peso que sentia ao ver tantas vidas mudarem por sua causa. O silêncio que se seguiu foi preenchido pela conversa dos dois que, infelizmente, não conseguia distrair Jeongguk dos próprios pensamentos.
O cotidiano calmo daquela manhã foi pesando em seus ombros e, quando a chamada foi finalizada, a banalidade da última conversa ainda parecia estranha para o que fazia morada em sua cabeça.
— Preciso pensar na minha palavra favorita — disse, tentando levar a sua mente para outro lugar. E qual seria a grande tarefa do dia além de fazer kimchi? Visto que as únicas habilidades culinárias que possuíam era saber como cortar legumes. — Qual é a sua?
— Epifania — Jimin respondeu, sem mover os olhos da tela.
— Fácil assim? Puxa vida... — Jeongguk derreteu-se no sofá, sentindo a suavidade do amargo do café invadindo as suas papilas gustativas.
Jimin riu e olhou para trás.
— Diga a ela que você ainda está pensando, mas não a deixe sem resposta. Eu vou deixar o notebook aqui enquanto estiver na aula e você pode ter a tarde toda para conversar com os seus amigos.
— Pode ser, vai que eu tenho uma epifania no processo. — Jeongguk deu de ombros e colocou um dos pés no sofá, Jimin apontou o indicador para ele, mostrando que a palavra era realmente boa e voltou a fazer o que fazia. — O quê você tanto digita aí que ainda não parou para me dar um beijo?
— Um minuto e eu juro que paro — Jimin prometeu. — Não conte ao meu professor, mas estou reaproveitando um trabalho que fiz na Yonsei. Só espero que a minha tradução faça sentido.
— Não tem como ele saber?
— Eu espero de todo o coração que não.
Depois de terminar um parágrafo, Jimin sentou-se no sofá enroscado em Jeongguk, que tentava fazer aquele aperto no peito passar com a presença notável dele em seu pescoço. Tentava encontrar consolo na forma como as suas mãos se encaixavam na cintura dele, como se não pudessem mais se separar porque o beijo transmitia sinais de proteção para o destino. Quem ousaria trazer à tona aqueles pesadelos? Deveriam ficar apenas dentro do seu inconsciente, perturbando somente o seu sono.
Beijou-o com o desejo de que a angústia pulsando em seu peito passasse, mas tudo parecia doer ainda mais. Era inconcebível pensar que a sensação do arrepio causado pelo toque fantasma de Jimin, criado pela insanidade da sua mente, poderia percorrer o seu corpo novamente. Seus dedos enrolaram-se nos fios escuros do cabelo dele e os puxaram levemente pela nuca, fazendo-o suspirar e gemer tão baixo que só estando tão perto como estavam para Jeongguk escutá-lo.
Suas mãos percorreram o corpo deitado sobre si, buscando a pele debaixo da camiseta, suas mãos em pura necessidade de sentir a textura conhecida, como se as suas digitais tomassem posse do que era seu. E Jimin não conseguia resistir. As mãos de Jeongguk dedilhavam a linha da sua coluna, tirando música involuntária da sua boca.
— Para... — pediu, manhoso, mas sem conseguir se afastar. — Eu não tenho muito tempo para isso agora.
— Para isso o quê? — Jeongguk se fez de desentendido. — Eu só estou te beijando.
— Certo... — Jimin semicerrou os olhos e se deitou no peito de Jeongguk, aconchegando-se e desejando não precisar sair de casa. — Você pode beijar a minha testa agora.
Jeongguk aproximou os lábios, projetando-os na pele repetidamente, sem deixar que o beijo estalasse. Jimin gargalhou com a bobeira, sem saber que as mãos do namorado ainda eram firmes em sua cintura porque ele apreciava a sensação de tê-lo ao seu alcance.
Assistiram aos poucos minutos se passarem até que Jimin partisse para cumprir com as suas obrigações, deixando o vazio e o tédio dominarem as ações e pensamentos de Jeongguk. Foi no tédio que pensou sobre a resposta para Hyunah e tomou coragem para começar a digitar, mesmo que atrapalhado por não estar acostumado com um teclado como aquele.
RE: Meu primeiro e-mail
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Haru Yamamoto > 07/02/20 13:32
Para Hyunah
Cara Hyunah,
Sim, cheguei em Leiden e desde então estava grudado em Natsu. Agora ele foi para a faculdade e eu acho que a rotina vai tomar conta dos nossos dias e eu digo isso de uma forma positiva. Ainda estou me acostumando com a ideia de, você sabe: o que eu posso fazer hoje? As coisas realmente podem começar a acontecer na minha vida se eu decidir dar os primeiros passos? Espera aí! Eu posso ousar mover os meus pés do chão?!
Você também está se sentindo assim com o seu emprego? Se sim, acho que não éramos amigos unicamente por estarmos nadando juntos no fundo do poço, talvez esse seja um fator importante, mas eu gostaria de pensar que não era o único.
Estou muito feliz por você e no fundo, tenho a estranha sensação de saudade por não conseguir viver essa nova fase ao seu lado. Acho que temos que nos acostumar com a distância e tentarmos manter contato por aqui, o que é muito esquisito para mim porque sempre fomos de nos falar pessoalmente. E agora?
Parece que estou pensando apenas nas partes ruins disso tudo, mas eu não sei o que fazer com a parte boa. Me sinto perdido e por mais que faça pouco tempo desde que cheguei, às vezes sinto que deveria estar fazendo tudo de uma vez, realizando todos os meus sonhos antes que seja tarde demais, como se eu precisasse fazer o dobro para correr atrás do tempo perdido.
Sinto que estou entre a luz e a sombra, mas ainda é tudo muito escuro.
Jeongguk parou por um instante, os dedos imóveis no ar pairando sobre o teclado. Sabia exatamente o nome daquele lugar, a exata gradação de sombras aos poucos dando chance à luz de se fazer presente. Recomeçou a digitar, já sabendo qual seria a sua palavra preferida.
E esse lugar se chama "penumbra". Gosto dessa palavra, acho que é a única que consigo pensar para a sua pergunta e para tentar saber qual espaço a minha mente ocupa agora.
Ando tendo pesadelos com Natsu. Faz pouco tempo que cheguei e o reencontrei, mas em todas as vezes que dormi, acordei com uma estranha sensação que eu não sabia dizer o que era, talvez pelo fato do meu primeiro sono ter sido curto e o segundo embriagado, mas hoje eu acordei sabendo exatamente o que estava sentindo: perda. Como eu posso sentir isso se agora eu tenho tudo o que sempre quis? Parte de mim ainda reluta em acreditar que tudo seja real, mas o que eu posso fazer para me acostumar?
Somos sobreviventes de uma guerra e tanto, Hyunah, e acho que como em toda guerra, os sobreviventes encaram o resto da vida com algumas marcas. Ainda mais quando essa guerra é contra nós mesmos. Eu já deveria estar acostumado com isso, pois já sou cheio de cicatrizes, mas a cada dia parece que o meu kintsugi interior se quebra e se separa um pouquinho. Queria permanecer inteiro, mas meus cacos estão uma bagunça no momento.
Espero que aos poucos as coisas se acomodem em algum lugar, mas não sei o que fazer até lá.
Espero que você seja inundada do mesmo sentimento: se sentir tão livre que não saiba o que fazer com toda essa liberdade.
Espero te reencontrar em breve e que o tempo que esperamos até que isso aconteça passe bem depressa, como quando a vida é boa com a gente.
Te amo.
Devolvo os abraços ainda mais apertados.
Haru.
Depois que enviou o e-mail, Jeongguk ficou absorto em pensamentos. Juntou os joelhos perto do tronco e se sentiu tão pequeno naquele apartamento. Havia cômodos demais para ocupar e eles mal conseguiam pensar na decoração da sala.
No canto da tela, o nome de Hoseok pulou, indicando que estava online em um site de videoconferência que Jimin usava. Jeongguk não pensou duas vezes antes de clicar e fazer uma chamada de vídeo. Um som característico ecoou dos altos falantes e o coração de Jeongguk batia acelerado à espera.
Hoseok o atendeu distraído, esperando falar com Jimin, mas nada o preparou para o momento em que olhou para a tela e viu o rosto de Jeongguk o olhando com aqueles olhos de quem parecia viver pela primeira vez. O que, de certa forma, não deixava de ser verdade.
— Jeo-HARU! — interrompeu-se, corrigindo-se, pois foram orientados a dirigirem-se a eles somente pelos novos nomes.
Jeongguk sorriu, daquele jeito inevitável toda vez que ouvia o seu novo nome saindo da boca de quem bem lhe conhecia.
— Liguei em má hora? — perguntou, aproximando-se da tela e observando a movimentação dos amigos no estúdio.
— Não, estamos apenas encerrando o dia. — Hoseok o tranquilizou, dando espaço para que Hyejin e Namjoon se acomodassem para aparecerem também, apressados com a euforia de finalmente conseguirem se falar.
— Ah, Haru... — Hyejin disse, a voz carregada da emoção em seus olhos enchendo-se de lágrimas. Repetiu aquele nome diversas vezes desde que soube da mudança de identidade, mas agora repeti-lo para quem o detinha encheu o seu peito de amor. — Como você está?
Namjoon acariciou as costas da namorada, sorrindo para ela.
— Estou bem. Estamos todos bem por aqui. Ouvi dizer que contrataram uma recepcionista. — Apoiou os braços nos joelhos dobrados, apoiando o queixo sobre eles.
— Ah sim! Daqui a pouco ela aparece por aqui. — Namjoon sorriu. — Estamos trabalhando a todo vapor, criando promoções, eventos... Tudo para arrecadarmos dinheiro para uma futura viagem internacional.
— Vocês só podem estar brincando... — Jeongguk negou com a cabeça, sentindo um nó surgir na garganta.
— O que você quer que a gente faça com a saudade que estamos sentindo? — Hoseok perguntou, sem entender o motivo do espanto do amigo, dando de ombros como se fosse a coisa mais natural a ser feita.
— Não é a distância que vai nos afastar. A gente vai dar um jeito nisso — Hyejin afirmou, e as suas palavras pareciam carregar tanta verdade que Jeongguk não sabia o que dizer, apenas deixou que o nó na garganta desafrouxasse e ele finalmente chorasse de uma forma que nem sabia que queria até então.
— A gente sempre quis o seu bem... — Namjoon continuou. — Acho que, no fim de tudo, desejos podem se tornar realidade. Você está bem agora.
— Nem sei porquê estou chorando. — Jeongguk secava as lágrimas com o dorso das mãos, fungou e olhou para eles. — Acho que tem tanta coisa que eu quero dizer para vocês que eu nem sei por onde começar. Vocês fizeram tanto por mim e eu queria tanto retribuir...
— Você sabe que não precisa, não é? — Hyejin negou com a cabeça. — Só queremos estar suficientemente perto para ver os seus sonhos se realizarem.
— Quando vai começar a tatuar? — Namjoon perguntou, sorrindo ansioso.
— Eu não sei como eu vou começar a fazer isso por aqui. Com vocês teria sido muito mais fácil.
— Mas estamos aqui, não é? Vamos procurar por alguma máquina usada à venda, só para você começar. — Namjoon começou a digitar e os outros dois acompanhavam o que aparecia na tela com os olhos semicerrados. — O resto você já sabe: agulhas, biqueiras, batoques... Você está na frente de muito tatuador iniciante.
— A gente te ajuda com os treinos. Você não está sozinho — Hyejin mostrou o polegar, fazendo Jeongguk rir. Logo, apontou para algo na tela que ele não conseguia ver. — Amsterdã é perto para você?
— Dá uns 40 minutos de trem. — Jeongguk os observava, perdido. Era uma estranha sensação de que eles resolviam algo para si que ele não conseguiria fazer sozinho, por mais simples que fosse.
— Achei uma boa para começar, vou te mandar o link no chat. — O som de uma nova mensagem apitou e Jeongguk a abriu. — Posso entrar em contato?
— Pode. — Acenou que sim, assistindo-os e ouvindo os dedos ágeis de Namjoon no teclado.
— Aqui tá dizendo que você precisa fazer a retirada em um estúdio de tatuagem. Leva o seu portfólio, faz uma propaganda de si mesmo — Hoseok comentou de um jeito divertido. — Vai que te chamam para tatuar lá, nunca se sabe.
— Mas o meu portfólio não está aqui — respondeu, confuso.
— Eu coloquei no fundo da mala — Hyejin avisou. — Acho que deve ter se camuflado com o fundo preto.
Jeongguk estreitou as sobrancelhas e levantou-se, indo atrás da mala e voltando segundos depois com a pasta preta em mãos, negando com a cabeça, desacreditado.
— Acho que estou um pouco desatento.
— Você deve estar com muita coisa na cabeça. — Namjoon sorriu, abraçando os próprios ombros enquanto o olhava folhear as páginas.
O sinal de uma notificação foi ouvido e todos os três moveram os olhos para a mesma direção, deixando Jeongguk curioso.
— Você consegue ir até lá hoje? — Namjoon perguntou.
Jeongguk olhou para o relógio no canto da tela e, inconscientemente, para a janela, ainda era início de tarde e o coração dele bateu em um ritmo ansioso, como se sair pela porta e dar um passo em direção ao que sempre desejou fosse demais para um dia.
— Não sei se posso gastar todo esse dinheiro de uma vez. — Engoliu em seco. — Talvez seja melhor esperar.
— Você pode gastar o que tem agora e tentamos vender a sua caminhonete por aqui, vai repor o valor e ainda sobrar — Hoseok sugeriu. — O quê acha?
Jeongguk começou a mastigar os lábios com a solução rápida para um problema que ele criou. Coçou a sobrancelha e respirou fundo, ciente de que aquilo era algo que ele precisava fazer.
— Pode ser... — Moveu o cursor em direção ao anúncio, olhando para o endereço e as fotos da fachada do estúdio, como se saber o que deveria encontrar antes de chegar ao local fosse o suficiente para amenizar a ansiedade que sentia. — Acho que eu consigo fazer isso.
— É claro que consegue... — Namjoon riu soprado, com uma expressão tão confiante que, por um segundo, Jeongguk se achou invencível. — Não se esqueça de quem você já foi e do que fez para ser o que é agora.
— A sua vida é bem maluca, mas não deixe que uma simples viagem de trem te deixe nervoso — Hoseok brincou.
— Não sei se é isso que está me deixando nervoso... É estranha essa sensação de que as coisas estão finalmente acontecendo. Se eu for rápido demais, será que tudo vai deixar de ser realidade na mesma velocidade?
— O mundo e as suas inúmeras possibilidades estão parados à sua espera, você só precisa ir até elas.
Jeongguk olhou para a porta à sua frente, o coração batendo acelerado querendo recolher a sua insignificância, mas a fala de Namjoon martelava em seus pensamentos. E se fosse até lá e tudo começasse a girar ao seu redor? E se o primeiro passo precisasse apenas da coragem de se arriscar lá fora?
Olhou para as mãos sobre os joelhos e percebeu os dedos trêmulos. Os três ainda o olhavam, mas ele não pensava sobre isso.
Jeongguk percebia a grandeza do mundo sob os seus pés e ele se sentia sentado na borda de um precipício com os olhos insistindo em olhar para o abismo, o fim planejado e rotineiro de quem chegava lá embaixo já era conhecido, mas ele se esquecia de que deveria olhar para o céu. O fim de quem erguia a cabeça também era conhecido, mas para uma estrela morrer, leva-se uma infinidade de tempo e há muito o que se viver até lá.
— Eu vou — disse ele. — Eu posso ir hoje.
— Ok, ele vai estar te esperando — Namjoon concordou e começou a digitar uma resposta para o anunciante. — O nome dele é Arthur.
A chamada terminou depois deles fazerem várias sugestões do que Jeongguk deveria levar para passar o tempo até chegar em Amsterdã e, no fundo, ele queria que os três continuassem falando consigo durante todo o trajeto, mas Namjoon ainda tinha um cliente e Hoseok precisava dar uma olhada na própria agenda. Sair de casa mesmo com todos aqueles pensamentos intrusivos dizendo-lhe que era melhor deixar para depois foi um passo e tanto. Jeongguk sentia um medo irracional, mas viveu grande parte da sua vida sentindo-o e nunca pensou em parar, por que faria isso agora?
Lembrou-se de mandar uma mensagem para Jimin avisando o que faria. E no trem, sentou-se perto da janela. Pelo horário, não estava cheio e o silêncio era intrigante, fazendo-o pensar que aqueles trilhos estavam o levando em direção às pessoas que estavam à sua espera e que não tinham a menor noção do que aquele simples ato significava para si e, talvez, nem ele mesmo soubesse.
Naquela de tentar entender a si mesmo, conectar os seus pensamentos confusos com a vida palpável que acontecia do lado de fora, Jeongguk pegou o caderno dentro da mochila e começou a rabiscar algo que não parecia fazer sentido.
Duas cabeças fundidas lutavam para se separar, os olhos arregalados e a boca aberta pareciam se manter assim para deixar que algo saísse de dentro. Inevitavelmente, os dois, mesmo que ocupando o mesmo corpo, eram diferentes. O primeiro era o Jeongguk de agora, Haru, a cabeça raspada pintada com força de caneta preta, deixando o tom escuro em demoradas rabiscadas, como se gastar mais tempo nele lhe desse a ideia de que seria Haru por mais tempo do que já foi Flamingo. E ainda havia o outro lado do corpo, a outra cabeça, o cabelo mais longo feito com poucos traços, dando a ideia de fios mais claros, rosados, apagando-se com o único fenômeno que o faria lembrar-se daquele tom de rosa com olhos menos pesados: o tempo.
O que te impede de continuar sonhando? O que te impede de realizar? foram escritos ao redor, com os caracteres do seu idioma materno compondo o que parecia uma poesia.
Desenhar depois de tanto tempo, alheio ao que acontecia ao redor, pareceu fazer parte de uma viagem no tempo. No entanto, a sensação não era a mesma daqueles dias em que se perdia dentro de si mesmo enquanto vendia droga no campus universitário, saindo de seu transe porque algum estudante cutucou o seu ombro e a vida real passava longe de ser o que queria. O trem foi parando devagar ao que chegava à estação, ao seu destino final e, no fundo, Jeongguk também sentia que chegava a algum lugar.
Andou pelas ruas seguindo as coordenadas que via no celular e por mais que tivesse visto as fotos da fachada do estúdio, ainda se surpreendeu quando viu a porta de vidro decorada com letras góticas, tão perto da avenida central. Quem passava pela calçada sabia exatamente o que acontecia lá dentro e aquilo era muito diferente do que era o Something.
Empurrou a porta e o zunido característico de uma das máquinas invadiu os seus ouvidos e ele fechou os olhos por alguns segundos, tentando controlar seus batimentos cardíacos. O som era o mesmo, as risadas parecidas e as conversas em outro idioma até enganariam o seu cérebro se permanecesse de olhos fechados, mas o cheiro era diferente e os seus amigos não estavam ali. Olhou para os espaços vazios e sentiu vontade de preenchê-los, de fazer parte de algo que era maior de tudo o que já tivera.
— Olá, em que posso ajudar? — A voz do recepcionista guiou os seus movimentos em direção ao balcão, encontrando um homem tatuado vestido de preto o olhando com atenção. O boné virado para trás deixava uma parte do seu cabelo loiro exposto, caindo em pontas desconexas e bagunçadas sobre as orelhas.
— Olá. Eu sou o Haru. Conversei com o Arthur mais cedo sobre uma venda.
— Ah, suspeitei de que fosse você. — O recepcionista levantou-se. — Arthur está em um atendimento agora, mas vou avisar que você está aqui.
Jeongguk assentiu e foi guiado a um dos sofás, enquanto o homem andava em direção a uma das macas dos fundos. Jeongguk o seguiu com os olhos, atento aos movimentos da mão do tatuador, que parou ao ouvir o aviso do recepcionista e o procurou com as sobrancelhas franzidas pelo estúdio amplo. Jeongguk acenou de longe, vendo-o arregalar os olhos e devolver o aceno com um sorriso escondido pela máscara cirúrgica. Arthur fez um sinal de que ele deveria esperar e Jeongguk respondeu com o polegar para cima, deixando que ele voltasse ao trabalho.
— A propósito, eu sou o Jake — disse o recepcionista quando voltou. Jeongguk levantou-se e inclinou o tronco em cumprimento, não vendo que Jake erguia a mão para fazer o mesmo à sua maneira. — Ah, ok. — E imitou os movimentos naturais de Haru, sorrindo quando se olharam nos olhos novamente. — Ele vai tentar fazer uma pausa para te atender, tudo bem?
— Sem problemas. — Deu de ombros, voltando a se sentar enquanto olhava para as paredes repletas de decalques enquadrados, em uma composição que beirava à poluição visual, mas permanecia na harmonia das molduras iguais perto uma das outras.
Pensou se algum dia algo seu ocuparia algum canto daquelas paredes, se deixaria de ser uma presença desconhecida como tantas outras que já passaram por aquele sofá para Jake, tão entretido nas mensagens que recebia em seu celular. Andar pelo estúdio fora inevitável, contemplar os retratos dos tatuadores residentes emoldurados perto do balcão parecia algo tão próximo de fazer parte da sua realidade que era assustador. Seus nomes estavam escritos em placas de metal talhadas e nenhum deles pareciam ter saído do mesmo lugar.
— Você tatua? — Jake perguntou, virando-se na direção de Haru.
— Não, mas quero começar. — Jeongguk sorriu, olhando nos olhos verdes de Jake, a barba clara e rala foi coçada enquanto ele murmurava, formulando a próxima pergunta.
— Você já desenha?
— Ah, eu sempre estou desenhando alguma coisa para mim, espero conseguir fazer para os outros — respondeu, lentamente, deixando que as palavras ganhassem sentido enquanto falava, lembrando-se do vocabulário aprendido enquanto começava a praticar a nova língua.
— Você posta os desenhos em alguma rede social? Fiquei curioso agora. — Pegou o celular, à espera de que Haru começasse a ditar o seu username, mas ele apenas girou a mochila pelo ombro e tirou o portfólio de dentro. — Ah! Você é das antigas. — Riu, começando a folhear as páginas de plástico.
Jeongguk ficou parado, observando as reações de Jake e algo na forma como ele parava e mostrava os desenhos para si, fazendo comentários, o deixava estranhamente confortável. Os dois só pararam de conversar sobre possíveis locais para aquelas futuras tatuagens quando Arthur apareceu, devorando um copo d'água e enchendo-o de novo para esvaziá-lo avidamente.
— Acho que achamos um substituto para você, Arthur — Jake disse, notando a presença do amigo.
— Mas eu nem fui embora e você já está pensando em me substituir? — Arthur arqueou as sobrancelhas, tocando no ombro de Jeongguk carinhosamente. — Com todo o respeito, Haru.
— Você está vendendo a máquina porque vai embora? — perguntou, girando os calcanhares na direção de Arthur.
— Sim, vou voltar para o Brasil. Pretendo abrir um estúdio próprio lá. — Assentiu, cruzando os braços e evidenciando as tatuagens escuras em sua pele negra clara. — Você também não é daqui, estou certo?
— Não, sou da Coréia. — Sorriu sem graça, sabendo do seu sotaque carregado.
— Que irado! Você pretende fazer estilo oriental?
— Não exatamente... Eu tenho algumas no estilo, mas não é o meu preferido, acho que consigo me expressar melhor no black work.
— Eu concordo — disse Jake, ainda olhando para as páginas do seu portfólio. — Guarda esse aqui para mim. — Apontou para o corpo de uma cobra que se transformava em uma mão em posição de garra, envelhecida e de aparência maléfica, a língua venenosa escapando do meio da palma.
O recepcionista escreveu "Jake ツ" em um post-it e o colou ali, fechando a pasta e entregando para Haru, com um sorriso amigável nos lábios.
— Já vai sair daqui com o primeiro horário marcado — Arthur brincou, mais uma vez tocando no ombro de Haru e o levando em direção ao sofá para finalizarem a venda da máquina.
Jeongguk saiu do estúdio não só com um primeiro futuro cliente, mas também com o endereço de uma loja que vendia tudo o que ele precisava comprar para começar os seus treinos. No entanto, o melhor de tudo foi a sensação de que não precisava ter medo. O mundo era grande, mas cabia na palma da sua mão e as pessoas podiam ser gentis e amáveis umas com as outras, ele só precisava ter coragem de se aproximar e se fazer acreditar que a vida poderia ser boa.
notas:
Eaí, o que acharam? Esse tá mais morninho porque o Jeongguk tem que resolver algumas coisas na vida, na verdade, ele pode finalmente tentar resolver alguma coisa!!!
Nos vemos semana que vem com um capítulo bem boiola cheio de amor. Beijos!
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