47. Despedidas
usem a # para comentar no twitter, me sigam no instagram @disgrasarmy porque acabo postando mais coisas sobre a história por lá. podem me mandar dm chorando que eu adoro!
comentem bastante e me digam o que acharam no final!
#CodinomeFlamingo
Seokjin observava Niida através do vidro da sala de interrogatórios e desejava saber o que ele pensava enquanto estava ali sentado, olhando para o vazio das paredes. Ele parecia uma estátua de cera, exceto pelas vezes em que os olhos piscavam e a cabeça se movia em uma impaciência contida. Será que ele gostaria de sair logo dali? Será que já esteve em uma sala como aquela antes?
— Provavelmente não — Wheein respondeu, de braços cruzados e Seokjin percebeu que pensava alto demais. — A expressão dele de completa surpresa ao ver a equipe o algemando foi impagável.
— Acho que ele não fazia ideia de que algo assim poderia acontecer com ele algum dia — Joong-ki completou, bocejando logo em seguida. A noite fora longa e por mais que o corpo mandasse sinais de que deveria descansar, não conseguia sair da delegacia sem presenciar os frutos da sua árdua investigação tendo o seu destino final.
— Parece que estamos observando um animal exótico enjaulado. — Seokjin franziu o cenho, incomodado de repente com a forma que o olhavam.
— Bom, de certo modo, nunca vimos uma espécime dessa. — Joong-ki riu soprado e Wheein deu ombros.
— O que não deixa de ser verdade — disse, vendo o reflexo do seu cabelo claro no vidro. — Estamos acostumados com mulas e traficantes que tem muito mais a perder do que a ganhar se entregar uma vírgula que seja do que sabem. Estou curiosa para saber o que um chefe do tráfico internacional tem a dizer ou a omitir.
— Vamos esclarecer isso uma vez por todas, antes que ele fique irritado e arredio. — Seokjin elevou o canto dos lábios em um quase sorriso, entrando na brincadeira e abrindo a porta.
O clique da maçaneta foi o que precisava para deixar o ambiente descontraído do lado de fora para mergulhar na tensão de um interrogatório. Seokjin lidava com aqueles momentos como se fosse navegar em alto-mar. Os traficantes da base da pirâmide eram a travessia tranquila e conhecida de uma ilha a outra, já sabia o que iria encontrar. No entanto, naquela tarde, Seokjin era algum navegador italiano velejando pela primeira vez em mar aberto a mando da coroa portuguesa e com medo dos monstros marinhos que encontraria além do horizonte.
— Olá, sr. Niida — disse em japonês, recebendo um olhar enviesado como resposta. — Preciso fazer algumas perguntas para anexação aos autos e também, para elucidar alguns pontos da nossa investigação. Seu advogado está a caminho?
— Não será necessário — respondeu, sem emoção.
— Certo. Também devo lembrá-lo que tem o direito de permanecer em silêncio. Lembre-se de que você está aqui voluntariamente para responder às perguntas. Se quiser interromper o interrogatório a qualquer momento, por qualquer motivo, sinta-se à vontade para nos informar.
— Nos informar? Tem uma galera atrás daquele vidro, não é? — Apontou com o queixo para a esquerda. Dali de dentro, o vidro era escuro e nada se via, tudo o que Niida tinha eram apenas suspeitas.
— O que faz o senhor pensar que é digno de tamanha atenção?
— Então é assim que começamos? — Niida sorriu, achando realmente graça. — Bom, digamos que uma linhagem da família Yakuza vai sentir falta de um filho essa noite. Queria voltar e me vangloriar de controlar o tráfico de drogas por aqui, mas acho que não fui bem sucedido.
— Não foi — Seokjin confirmou.
— Me pergunto quem foi o meu delator. — Niida cruzou os braços. — Achei que não trabalhasse com traidores. — Jogou a cabeça para o lado e estalou a língua no céu da boca. — Mero engano.
— Seu delator foi aquele que pichou a parede de Byun Baekhyun. Qual a sua ligação com ele? — Seokjin rodou a caneta entre os dedos, jogando o corpo para trás.
— Aquele merdinha não passa de uma criança aterrorizada. Fiquei sabendo que não tem mais o pai para protegê-lo, deve estar com medo de mim até agora.
— Então o senhor foi pessoalmente aterrorizá-lo?
— Até que tentei, sabe? De chefe para chefe. — Niida suspirou, como se realmente lamentasse. — Mas ele conseguiu fugir antes, não fui eu que esvaziei o escritório.
— Poderia explicar o que aconteceu? — Seu coração começou a bater mais forte em expectativa, descobrir o paradeiro de Baekhyun era a peça que faltava naquela quebra-cabeça que só mudaria destinos depois de concluído.
— O mesmo de sempre. O mandante da região fica sabendo da minha existência, manda alguém me matar e acaba morrendo em meu lugar, mas antes disso a gente pressiona um pouco aqui, um pouco ali e descobrimos tudo. Fui atrás dele, mas o maldito fugiu, desapareceu.
Seokjin assentiu, engolindo em seco. Jeongguk recebeu a proposta de matá-lo e poderia ter sido torturado e enfim, morrido. Se Jeongguk tivesse aceitado, Niida não estaria na sua frente agora.
— O senhor está confessando um assassinato? — Tentou se recompor, as ideias fervendo dentro da cabeça.
— Não, sou só o mandante. Isso reduz a minha pena? Acho que não. — Deu de ombros, avaliando as unhas bem cortadas. Não havia sangue naquelas mãos, talvez assim ele dormisse mais tranquilo sabendo que a morte de outras pessoas só passavam pelos seus ouvidos e mal chegavam em seus pensamentos.
— Achei que seria mais difícil arrancar alguma informação sua. Confesso que estou surpreso. — Ergueu as sobrancelhas, desconfiando que estava entendendo o japonês fluente alheio corretamente.
— Não sou de bancar o difícil, delegado. E seria uma desonra sem tamanho voltar com todos sabendo que já fui pego, serei visto como menos digno do nome que carrego. Prefiro a morte.
O silêncio brutal que se apossou da pequena sala colocava duas realidades distintas em confronto. Para Niida era o fim, mas para Seokjin era apenas o começo.
— Sabe o paradeiro de Byun Baekhyun?
— Diria se soubesse, mas não sei. — Niida pigarreou, olhando ao redor antes de pedir. — Poderia anotar aí que gostaria de tê-lo na mesma cela que eu?
— Infelizmente, o senhor cumprirá sua pena no Japão.
— Ah, que merda. — Riu sem humor. — Antes que faça qualquer outra pergunta, não tenho interesse em reduzir a minha pena. Quero morrer na cadeia, deu pra entender?
— Mais algum crime que queira confessar, então?
Wheein olhava para a cena a sua frente e se perguntava porquê ainda estava ali se não entendia nada do que falavam, mas algo na maneira como Niida se confessava a cativava. Uma segurança pulsante em cada palavra pronunciada, a certeza de que os seus dias haviam acabado.
— Ainda infeliz sobre ter sido mandado para Jeju? — perguntou, e Joong-ki sorriu irônico.
— Não mais. O cara tá confessando tudo o que fez, sem tocar no nome de mais ninguém.
— Só eu não sei falar japonês? — Olhou para ele incrédula e voltou a se apoiar na parede.
— Você ainda é jovem, dá para correr atrás do tempo perdido. — Cruzou os braços, apreciando o diálogo.
— Não é como se fossemos pegar um membro da Yakuza todos os dias. — Wheein diria mais alguma coisa, o sono e o cansaço a deixavam tagarela de uma maneira estranha, mas Joong-ki ergueu a mão em direção a ela, pedindo silêncio.
— Quem é o delator de Byun Baekhyun? — Niida apoiou o rosto em uma das mãos, piscando lentamente. — Acho que ele acabou me delatando também, mesmo que indiretamente.
A pergunta chamou a atenção dos dois do lado de fora e Seokjin, lá dentro, riu. Todos sabiam qual era a tática de Niida: confessar seus crimes para ganhar a confiança dos policiais e quem sabe, descobrir qual foi a rota desgovernada que o levou a estar em uma sala de interrogatório, de frente para um delegado falando japonês com sotaque coreano. Niida morreria dentro da cadeia, mas buscar vingança seria o que o distrairia lá dentro.
— Não é o senhor que faz as perguntas aqui — Seokjin respondeu, tentando esconder a irritação.
— Será que as minhas suspeitas de que o programa de proteção às testemunhas está ativo nesse caso são só vozes da minha cabeça? — Niida continuou, ignorando a ideia de que não possuía qualquer poder dentro daquele cubículo e nem em qualquer outro que colocaria os pés nos próximos anos.
— O quê faz o senhor pensar que precise ter um delator? O que era tão perfeito em seu negócio que o deixa tão surpreso ao ser pego? — Seokjin tentou jogar suas perguntas contra ele, mas Niida se recostou na cadeira, afastando-se da mesa sorrindo.
— Nada. Nada mesmo.
(...)
A ligação com Jimin pareceu durar alguns poucos segundos. Era como se Hyunah tivesse entrado em um mundo paralelo e por mais que nem tudo o que sentiu tivesse sido bom, algo na maneira como começou a enxergar o mundo ao seu redor havia mudado.
Com Jeongguk, as conversas eram sempre sobre como estavam e nunca o que poderiam fazer para mudar o status quo. Viam um ao outro como iguais: mesma situação, mesmo destino, mesmo fim.
Na manhã seguinte, tomou o seu café cremoso e teve vontade de enviar uma foto do momento para Jimin, mas deteve-se. A forma como se afastava de tudo o que poderia ser bom ainda estava enraizada. Hyunah queria ser flor que desabrocha só na primavera, mas ela nunca deixava suas pétalas crescerem. Não queria chamar atenção e depois murchar durante a noite, desaparecendo aos poucos até que a sua existência não passasse de lembrança.
Mexeu a espuma na caneca, observando os grãos de canela fundirem-se ao leite. A luz fraca de uma manhã de inverno entrava pelas frestas da cortina e aquilo a incomodava. Puxou o tecido com força para fechá-las e o ranger dos trilhos evidenciava a sua irritação. Ainda era cedo e o gosto do café com calda de caramelo parecia estranhamente amargo. Sua dedicação em esconder o lado repugnante da vida estava falhando.
Depositou a caneca vazia na mesa de centro e deitou no sofá, apreciando a escuridão solitária do apartamento que não refletia as condições do prédio do lado de fora. Transformar aquele lugar em um lar a distraiu da realidade, gastou horas e mais horas do seu dia fazendo tudo sozinha e limpando depois. Desempacotava suas compras de lençóis, toalhas, xícaras e pires em cor pastel como se aquilo pudesse curar uma ferida profunda. E, agora que estava tudo pronto, agora que Hyunah não via necessidade de comprar um copo sequer, tudo parecia estar fora do lugar, até ela mesma.
A campanhia tocou e ela se afundou ainda mais no sofá, torcendo para que a pessoa desistisse no primeiro toque, mas então veio o segundo, o terceiro e algumas batidas na porta. Quando a abriu, viu o porteiro com cara de poucos amigos, segurando um pacote minúsculo. Hyunah sorriu amarelo e agradeceu, enfim acendendo as luzes para ver o que era.
Assim que conseguiu desvencilhar o produto de todo o plástico bolha, sentiu uma tristeza enraivecida ao olhar para a base mais escura do que o anúncio havia prometido. Colocou uma gota na ponta do indicador e passou no rosto, a luz indireta a fez acreditar que era só impressão e decidiu testar de uma vez, fazendo a pele completa. Quando se viu no espelho bem iluminado do banheiro, sentiu-se ridícula, com uma máscara aparente entre a mandíbula e o pescoço.
Continuou se olhando como se aquela sensação fosse a verdadeira forma como deveria se sentir. A inadequação pulsante a fazia criar cenários de ridicularização, sua cabeça era um péssimo lugar para se viver.
Em um impulso, pegou o lenço umedecido e esfregou o rosto com raiva, lavou os resquícios com água e sabão e voltou a olhar o seu reflexo, agora com grande parte do cabelo da frente molhado. A sensação não havia passado, o que ela sentia era muito mais do que a frustração de ter escolhido o tom errado da base, aquilo fora apenas um gatilho para a sua maior insegurança: Hyunah não achava que se encaixava no mundo, em nenhum lugar. E agora, ela encarava a antiga sensação sozinha, sem Jeongguk ao seu lado e isso parecia terrivelmente pior.
Não conseguia se lembrar de nenhum momento da sua vida em que se sentiu bem consigo mesma e aquilo era sufocante. Hyunah queria respirar, pensar que as coisas estavam no lugar certo. Por tudo que era, por tudo o que conquistou, queria apenas sentir sem que nada a atravessasse como uma manada. Queria andar graciosamente pelo seu apartamento bonito e bem-arrumado, mas seus passos eram pesados, tropeçava na própria existência consistentemente.
Saiu pelas ruas vestindo qualquer conjunto de moletom que viu pela frente, procurando sentir mais do mesmo, como se aquela inadequação pudesse fazê-la sentir-se viva, mas tudo o que pensava era que estar viva já era uma grande coisa. Andou sem medir a velocidade dos passos, para onde estava indo e com quê propósito. Começou a suar por baixo do tecido grosso e as panturrilhas queimavam. As ruas deixaram de ser tão desertas, os comércios deixaram de ser bares e lanchonetes de quinta categoria, o centro mais próximo da cidade foi a envolvendo e quando deu por si, estava cercada por pessoas que viviam suas vidas apesar do frio.
Foi chamada por uma corrente de ar que passava entre os prédios. Buscando o frescor, parou em frente a uma loja de cosméticos e se lembrou da base e de tudo o que havia comprado online porque não tinha coragem de conviver com aqueles que não sabiam sobre a sua verdadeira face. Lembrou da pilha de roupas que não serviram, dos esmaltes que não correspondiam com o catálogo, de tudo o que deixou de comer porque entrar em um restaurante e ser servida era uma conta que não batia. Era ela quem servia, era ela que não se encaixava. Não podia experimentar várias peças até encontrar algo que coubesse. A sua vida não era assim. Tudo era uma grande perda.
— Olá, posso ajudar? — disse a vendedora, saindo da loja e andando na sua direção na calçada.
— Eu preciso de uma base no meu tom de pele — respondeu, automática, sem nem pensar que talvez fosse estranho ficar parada em frente a loja olhando para o nada por tanto tempo.
— Ah, mas isso é muito fácil de resolver. — O rosto simpático sorriu para ela. — Por que não entramos?
Hyunah a seguiu implorando por sentir algo que não fosse ruim, expulsando seus pensamentos intrusivos de que não merecia aquilo. E então, sentiu a atenção da voz meiga sobre si, do pincel espalhando a base da sua bochecha em direção ao seu pescoço, a respiração alheia ricocheteando sua pele, atentando-se as curvas do seu nariz. Viu o sorriso dela surgir no reflexo do espelho e de como todo o restante da maquiagem foi feita como se Hyunah fosse a irmã mais nova nas mãos da mais velha, ouvindo os seus traços serem elogiados.
Fechou os olhos e por alguns segundos, sua mente criou cenários bons, com sorrisos e festas com finais felizes. Abriu os olhos e não quis pensar muito sobre a tática de venda daquela mulher. Ela não a olhava como se fosse uma mentirosa e se ela soubesse, ainda a trataria daquela mesma forma?
E como se algo se desprendesse da sua cabeça para nunca mais voltar, Hyunah encarou o seu reflexo sem a sensação que pesava os seus ombros e encontrou a tal serendipidade que Jimin havia falado. Ela queria ver mais daquela sua versão e tentaria lutar para que ela fosse cada vez mais real.
(...)
As mangas do uniforme da penitenciária guardavam grande parte das suas tatuagens, exceto as que escapavam pela gola e pela manga longa. Eram uma parte tão inerente ao seu corpo que, às vezes, esquecia-se delas e até estranhava os olhares pesados dos companheiros sobre a sua pele quando trocava de roupa, ou durante o banho.
Tatuagens possuem magnetismo. De longe, podem ser vistas como algo turvo que decora sem muita forma, mas de perto, prende os olhos alheios que pedem por mais detalhes, motivos e a consciência de imperfeições nada importantes.
Jeongguk via o seu reflexo na chapa de alumínio polido preso rente a pia da cela, suas tatuagens eram apenas manchas, seu passado estava todo ali, na sua pele, constantemente lembrado. Só o esqueceria se perdesse a memória e se odiar por ele consistia em não suportar viver na própria pele.
Pensava nisso quando relia as cartas que não conseguia responder. Como seria quando pudesse voltar a frequentar o Something e não precisasse ir embora no início da noite? Onde dormiria a sua primeira noite livre, já que não tinha mais acesso ao seu antigo apartamento mofado? Onde seria seguro? A ansiedade que as expectativas de uma nova vida surgiam e todas as perguntas ficavam sem repostas, pois não fazia ideia de como resolver os seus problemas do futuro que ainda não existiam de fato.
Yoongi aparecia de vez em quando para visitá-lo mais como amigo do que como advogado. Com ele, não havia muito presente e para ser sincero, nem muito futuro, eram pessoas completamente diferentes agora e só o que tinham era um passado em que precisavam se esforçar muito para não lembrar de toda a dor que surgiu depois.
Às vezes, ele falava sobre Jimin, mas Jeongguk demonstrava certo desinteresse. Ouvir falar sobre ele, ler as palavras dele, imaginar as ações dele e vislumbrar um futuro com ele, estava longe de tudo o que queria fazer no momento. Jeongguk queria o presente, o agora, sentir à flor da pele tudo o que nunca havia sentido antes: a saudade esvaindo-se para nunca mais voltar porque estaria com ele todos os dias e os beijos que teriam um sabor diferente porque sentia que o seu amor havia dobrado de tamanho.
Tudo isso fazia os seus dias se arrastarem. Nem mesmo as conversas dos colegas conseguiam distraí-lo e quando fechava os olhos, não conseguia dormir pela ansiedade de viver um novo dia diferente, mas nada acontecia. Jeongguk continuava a acordar no mesmo horário e a fazer tudo igual, só a saudade que parecia cada vez mais forte a cada maldita batida do seu coração porque era tudo o que conseguia sentir.
A próxima visita de Seokjin foi rápida, mas não foi assim que Jeongguk a sentiu. No entanto, havia algo de diferente na atmosfera. O delegado não demonstrou que havia notado a sua chegada naquela tão conhecida sala, apenas mudou de postura quando ouviu a cadeira que Jeongguk arrastou para se sentar, despertando-o de seus devaneios.
— Creio que as notícias não sejam boas — Jeongguk disse, encarando-o e semicerrando os olhos.
— Sinto muito, mas não são. — Seokjin suspirou, ainda meio distante. — Os agentes tentaram de tudo, mas não conseguiram rastrear o advogado que te visitou.
— Parece que esse é melhor do que o antigo — disse, referindo-se a Sunho. — Pelo menos na parte de trabalhar e não ser identificado.
— É, aquele outro conseguiu fugir, mas esse... Olharam nas câmeras para identificar a placa do carro que ele usou, mas era alugado. Fomos até a empresa de aluguel e a ficha de registro continha apenas um nome homônimo e nenhum documento. Verificamos os registros profissionais e não encontramos nenhuma licença válida para um advogado com esse nome em nossa jurisdição.
— E Niida?
— Ele até confessou bastante coisa, mas de resto, apenas notícias ruins para você: ele não sabe do paradeiro de Baekhyun e é um membro da Yakuza, o que deixa a sua situação ainda mais delicada. — Engoliu em seco, mordendo o interior da bochecha. — No mais, estamos monitorando a Persona, mas nada fora do normal aconteceu nos últimos dias.
Jeongguk fechou os olhos e deixou que o cansaço das noites mal dormidas finalmente fossem sentidas, assim como o cansaço de toda aquela tensão latente, do medo de criar expectativas frustradas e da sensação de não ter nenhum controle sobre nenhuma peça daquele jogo. Era como se Baekhyun só fosse encontrado se caso quisesse. Seus olhos ardiam e apertar as pálpebras trazia algum alivio, no entanto, pensar que aquele era um dos únicos alívios que teria durante muito tempo, era devastadoramente agoniante.
— Se eu ainda estivesse lá fora, eu saberia onde ele está, mas não faria nada com essa informação. Agora que eu estou aqui preso, não sei de nada e diria tudo o que sei. A porcaria da minha vida é toda invertida.
As palavras de Jeongguk pareceram acender uma ideia e os olhos de Seokjin se iluminaram. Deixou que o silêncio tomasse conta daquela conversa enquanto ponderava sobre possíveis obstáculos ou outras alternativas, mas nada parecia melhor do que o que estava prestes a sugerir.
— Jeongguk, se eu arranjasse um jeito de você saber onde ele está, o que você faria? — Seokjin ficou encarando as rugas que surgiram na testa dele, queria completar a sua fala na mesma medida que queria ouvir a resposta.
— Eu tentaria — disse, com a certeza de quem não suportaria viver daquela forma por mais alguns anos.
— Se eu te colocasse lá fora, equipado com escutas e uma equipe pronta para fazer o flagrante e garantir a sua segurança, você iria?
— Como assim? Tipo um disfarce? — Jogou a cabeça para o lado e o seu coração disparou porque, no fundo, sabia sobre o que o delegado falava.
— Não seria um disfarce porque ainda seria você. Ao menos seria a sua antiga versão. O Flamingo.
Jeongguk sentiu o impacto ao ouvir aquele codinome depois de tanto tempo. No dia em que foi pego em flagrante, que a sua cabeça fora raspada e era Jeon Jeongguk aquele que pagava pelos crimes, provando que os dois sempre foram um só e que Flamingo era apenas um codinome idiota, alguma tentativa de segurança e separação, Jeongguk realmente achou que estava se despedindo daquela parte do seu passado.
O coração de Seokjin martelava dentro do peito, ameaçando romper a caixa torácica. Se Jeongguk dissesse sim, a sua vida mudaria drasticamente, de uma forma que nem mesmo Seokjin conseguia compreender no momento. Se ele dissesse não, o caminho já era conhecido e nada confortável, e era por isso que Jeongguk ainda estava ali fazendo as suas perguntas.
— E o que aconteceria comigo depois? Baekhyun saberia que eu o entreguei, certo? — Apontou para si, sentindo o medo voltar para o seu corpo.
— Sim, saberia, mas você entraria no programa de proteção as testemunhas. E isso quer dizer que você teria que dar adeus a tudo o que conhece e a todos que amam, inclusive ao seu nome. — Seokjin percebeu o pânico que tomou os olhos de Jeongguk e entendia que uma escolha como aquela não seria fácil, mas era a única saída que conhecia. — Jimin seria o único que poderia te acompanhar, pois ele já foi ameaçado e está sob medida protetiva. A vida dele também estaria em risco.
— Isso quer dizer que ele também deve se despedir de tudo o que conhece e ama? — Jeongguk franziu o cenho e negou com a cabeça. — Eu não posso exigir isso dele. Jimin tem uma vida além de mim, ele estuda, tem a família dele...
— Jeongguk — Seokjin o interrompeu. — Não estou aqui tentando influenciar a sua decisão, mas preciso esclarecer todas as implicações que uma escolha como essa teria em sua vida e na dos demais que o conhecem. Seus familiares e amigos não poderiam te ver pessoalmente, mas nada impede que vocês se falem via canais de comunicação criptografados. Você seria rigorosamente monitorado por um período de dois anos e em algum momento, eles poderiam ir ao seu encontro, mas você nunca poderá ir até eles.
Sua respiração ficou mais pesada e as palmas estavam estendidas no tampo da mesa, tentando sentir o toque confortável da madeira sob cada uma de suas falanges, tentando se colocar no momento presente. Jeongguk sonhava com uma nova vida, aquela que sempre quis e que parecia tão fora do seu alcance, mas nunca havia imaginado precisar retirar a sua existência daquele jogo. Jeongguk seria uma peão retirado do tabuleiro.
— Para onde eu vou?
— De certo, para outro país. Algum bem longe daqui e que tenha uma boa relação com a Coreia, que seja confortável ser um imigrante asiático e que você possa viver a sua relação com Jimin em paz. Não quero e não vou te colocar em um lugar que seja ruim para vocês.
— Eu comecei a pintar esse cenário desde que aceitei participar da delação premiada, não foi? — Jeongguk coçou a cabeça, tentando aceitar que aquele seria o seu destino. — Isso já aconteceria independente da minha participação ativa nessa operação.
— Sim, provavelmente te mandaríamos para uma cidade mais distante, mas se você aceitar, Baekhyun saberia que você está por trás de tudo, não seria apenas uma suspeita. Você entende? — perguntou, depois de um considerável silêncio.
— Entendo.
Se não fosse recomeçar em outro país, com outro nome, acostumando-se com uma nova língua, conhecendo pessoas que nunca poderiam saber sobre o seu passado, que outro final a sua história poderia ter? Jeongguk gostava do som daquela saída, parecia ser bonito lá fora. Ouviu o ranger das algemas em seus pulsos e a vontade de se sentir bem, seja ali, ou em qualquer outro lugar do mundo era tentadora demais.
— Eu aceito, mas eu preciso saber a resposta do Jimin. Ele precisa concordar também.
— Vou te manter informado.
Seokjin levantou-se e Jeongguk imitou os seus passos. Sentia-se tenso, mas os olhos do delegado transmitiam tanta confiança que ele não conseguia não acreditar e isso o apavorava, pois um dia acreditou que seria acolhido pela mãe e um dia acreditou que o tráfico lhe proporcionaria algum futuro. E ainda havia Jimin, que acreditava tanto em si e agora estava com a vida toda complicada. No entanto, se não seguisse o plano com a intenção de fazer dar certo e ressignificar tudo o que viveu até então, não valeria a pena dar o próximo passo.
Se fosse para voltar a acreditar em alguém, que acreditasse em Kim Seokjin.
Jeongguk andou pelos corredores sentindo a frieza das paredes e ouvindo os murmúrios de conversas de pessoas reais atrás das portas de metal. Todos queriam encontrar uma forma de voltar no tempo e consertar tudo o que fizeram para chegar até ali, ou alguma saída rápida que trouxesse de volta o brilho de ser quem eram. Jeongguk tinha acesso à segunda opção e era difícil se apropriar dela porque não sabia se a merecia.
— Será que aquele bolo de peixe que eu comi no último dia do ano já fez efeito? — Jeongguk perguntou, pegando uma fatia de ovo cozido do seu lamen.
— Está perguntando se já é um cara sortudo? — Kouyou perguntou, meio alheio a comida.
— Surtado talvez. — Dong-wook se intrometeu, engolindo uma risada. — Com todo o respeito.
Jeongguk revirou os olhos, deixando um sorriso escapar.
— Está falando sobre sobre a delação premiada? — Kouyou perguntou de novo, esforçando-se muito para acompanhar a conversa.
— Acho que quem devia ter comido bolo de peixe, nesse caso, era a polícia. — Sung-min deu de ombros, não se importando de falar com a boca cheia. — Você já disse tudo o que sabia, agora é com eles.
Jeongguk mastigou em silêncio, percebendo que a conversa não caminhava para o mesmo ponto que o seu porque os outros sequer imaginavam quais eram as suas novas alternativas.
— Uma das coisas que eu queria fazer enquanto estou aqui era jogar na loteria. — Dong-wook mudou de assunto de repente, gesticulando com os hashis respingando molho. — Pegar o dinheiro que consigo fazer na fábrica para pagar os jogos, se eu ganhar, saio daqui com a vida feita, fazendo tudo o que eu quero.
— Mas você precisaria ir até a lotérica para reclamar o prêmio. — Kouyou riu, achando graça das ideias malucas de Dong-wook. — E isso não poderia acontecer.
— Em um mundo hipotético, no qual nós, prisioneiros, podemos jogar na loteria, ganhar e reivindicar o prêmio seria uma das minhas últimas preocupações — Dong-wook respondeu, nervoso.
— E o que você faria com tanto dinheiro? — Jeongguk entrou na onda, querendo ouvir mais da voz boa do amigo. Não sabia mais quantos jantares teriam juntos, talvez aquele fosse o último e se conseguisse, faria aquele momento perdurar por mais alguns minutos.
— Eu viajaria o mundo todo. — Fugiu do olhar dos companheiros, não querendo ver a reação deles sobre o que falava. — Ficar aqui preso, sem poder fazer muita coisa, me dá uma vontade absurda de viver e tudo isso não passa de um desejo e nada mais do que isso.
— Acho que essa é a pior parte — Sungmin comentou, preparando-se para beber o caldo diretamente da tigela.
— Bate uma vontade de fazer tudo diferente, não é? — Kouyou disse e Dong-wook concordou, acenando com a cabeça.
— Às vezes, eu me esforçava para pensar que as coisas aconteciam porque algo maior estava nos esperando no fim, mas não sei se a caminhada vale a pena. — Jeongguk sentiu os olhos pesarem, a comida fazendo os seus efeitos antes mesmo do fim do jantar.
— E não é como se todo mundo pudesse ter um final feliz. Nem todos são sortudos assim. — Uma careta atingiu o rosto de Dong-wook por alguns segundos, mas logo ele voltou a comer, não querendo mais tocar naquele assunto.
— A vida não é um conto de fadas. — Kouyou suspirou e deixou os hashis de lado.
— Queria que tivesse um bolo de peixe aqui para vocês calarem a boca — Sung-min resmungou, alto o suficiente para todos ouvirem. Não gostava daquelas conversas que o faziam pensar demais.
— Queria ter a sorte de ver você na cela do Gi-hun! — Dong-wook deu a língua para ele e Sung-min se sentiu profundamente ofendido.
— Aquele cara fede!
— Por isso mesmo!
— Não briguem crianças — Kouyou disse, com um tom tão brando que se ele fosse um professor em uma sala cheia de alunos fora de controle, mal seria ouvido. O que fez Jeongguk rir e olhar para eles com aqueles olhos grandes e brilhantes, cheios de uma saudade que não poderia ser interpretada.
Jeongguk sabia que estava se despedindo e queria dar a chance dos outros se despedirem também, mas deixaria aquela cela sem qualquer aviso prévio.
E antes que fosse tarde demais, enquanto os outros distraíam-se com a sua rotina noturna, o dorama embalava os seus ouvidos e ele desenhava uma rosa para Dong-wook, gastando toda a tinta da sua caneta esferográfica preta. Dong-wook nunca poderia procurá-lo quando saísse dali, nunca acharia o tatuador Jeon Jeongguk residindo em algum estúdio em algum canto do país.
Na calada da noite, enquanto os outros dormiam e Jeongguk ouvia o ressonar de seus sonos tranquilos, levantou-se do futon e colocou o desenho na prateleira de Dong-wook, enfiado entre algumas revistas. Pegou a bolsa que recebeu com itens de higiene pessoal e colocou todas as cartas ali dentro, até mesmo as não respondidas. O ronco de Sungmin foi a última coisa que ouviu antes que a manhã chegasse e Jeongguk acordasse com a sensação de que não os veria nunca mais. Seu nome foi chamado e ele não foi para a fábrica. Os colegas esperariam que ele chegasse depois de alguns minutos, mas esse momento nunca aconteceu.
Dali em diante não havia mais volta. Jeongguk seria passado e o seu futuro ainda era muito incerto.
E a contagem regressiva começa agora, em 3...
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