40. Asas de borboleta
#CodinomeFlamingo
Jimin ainda não havia dormido quando o sol entrou fraco entre as frestas da porta da frente. Mais da metade da pizza restava sobre a mesa e ele despejava a cerveja quente na pia. Colocou o seu casaco e calçou as botas, parando a mão na maçaneta antes de abrir a porta, como se precisasse de um pouco de coragem.
Lá fora, o ar era seco e frio. Suspirou, vendo a fumaça branca sair da boca e o seu hálito cheirava a cerveja. Foi só depois de um soluço rompendo o silêncio da manhã que percebeu que estava bêbado. Queria deitar em sua cama, mas observava o quintal. O suporte de vaso de plantas ainda estava quebrado e as pegadas não sumiram com o passar da noite. Não havia uma alma viva na rua, mas Jimin se sentia extremamente exposto, como se um alvo estivesse apontado para a sua testa e não importasse o quanto se movesse, a sua cabeça nunca saía da mira.
No entanto, não sabia o que de fato poderia ter sido: bandidos que vagavam aleatoriamente pelo bairro, ou alguém da gangue de Jeongguk tentando aterrorizá-lo. Se fora a segunda opção, eles conseguiram, mesmo que não entendesse o porquê, pois Jeongguk não parecia disposto a entregar qualquer informação. Se algo havia mudado, ele ainda não sabia. E se fosse realmente isso, seus pais não poderiam saber.
Voltou para dentro apenas para pegar uma vassoura e varrer o deque dos fundos da casa. A lama nos degraus já estava seca e ele precisou passar um pano molhado para retirar as marcas da madeira. Pisoteou as pegadas na grama, arrastando o solado da bota para fazer o tratorado desaparecer e quanto ao suporte para vasos quebrado, deixaria que os pais criassem teorias, estava cansado de inventar histórias.
Como dormiu aquele dia, ele também não sabia. As horas que passou acordado podiam ter ajudado, mas não o livrou dos pesadelos de mãos ásperas pegando em seus pulsos e somente em seus pulsos. Quando acordou, repassou tudo o que vivera no mundo dos sonhos e só conseguia pensar no beta cravado no pulso de Jeongguk, mostrando que o seu subconsciente mostrava-no que fazia parte daquilo também.
Ainda não havia conseguido se levantar, nem sabia se os pais apareceram por ali tentando acordá-lo, ou se algo havia acontecido com eles. Era como se não quisesse saber, como se naquele mundo fechado dentro da sua mente as coisas fossem melhores. Ficou por minutos olhando para Nanquim dormindo em sua cama, sem que os toques do celular fossem ouvidos. Quando deu por si, umedeceu os lábios com a língua, atendendo a ligação sem se atentar a quem era.
— Alô.
— Ei, Jimin. — Reconheceu a voz de Taehyung, esperando que ele dissesse o motivo da ligação, sua mente não conseguia formular uma pergunta sequer. — Estava dormindo? — perguntou, depois de ouvir o resmungo rouco e preguiçoso dele.
— Sim.
— Você virá à casa do Namjoon para se encontrar com o advogado do Jeongguk?
— Que dia é hoje? — perguntou, afastando o celular do ouvido para checar que horas eram. 14h35min.
— Dia 02 de Janeiro de 2020. Para muitos, o ano já começou. — Riu, fazendo Jimin sentir um peso no peito.
— Eu vou.
— Então venha logo, daqui a pouco ele estará aqui.
Colocou o celular sobre a cama, nem se preocupando se a ligação fora encerrada. Vestiu qualquer roupa que viu pela frente e saiu de casa, sentindo o peso do aparelho em um bolso da calça e no outro, as chaves. O carro não estava na garagem, então precisou ir até o ponto de ônibus, caminhando pelas ruas frias.
Jimin perdia-se em pensamentos olhando pela janela, as lojas que conhecia passavam despercebidas sobre os seus olhos, despertava de si mesmo quando o ônibus parava e alguém descia, relembrando-o de que não poderia ficar ali até o ponto final, precisava seguir o seu destino também.
Quando desceu, mal reconhecia aquela rua em uma estação diferente do qual estava acostumado. Sempre chegava durante a noite e ia embora pela manhã, as calçadas limpas e secas, sem toda aquela neve suja acumulada nas beiradas dos meios-fios. Não havia muita luz solar, o céu estava nublado e Jimin não conseguia dizer onde o sol estava.
Mas, em uma fração de segundos, o céu já não era mais importante. Foi puxado pela manga do casaco e jogado contra a parede de um beco, sentindo a cabeça doer pelo impacto. O susto intensificara tudo o que sentia, não conseguia ouvir nada além do coração pulsando acelerado dentro do peito. O cérebro, tentando funcionar em um momento como aquele, tentou ver o rosto do sujeito que o empurrara, mas ele descia o tecido da touca em direção ao rosto, revelando uma balaclava que só deixava exposto seus olhos de gancho, fisgando-o em seu ponto mais fraco, levando os seus pensamentos em direção a Jeongguk. Logo as mãos apertavam o seu pescoço e Jimin não conseguia mais pensar em nada.
Tentou livrar-se do aperto, mas o homem, percebendo a movimentação de quem sabia se defender, grudou o corpo no dele, prensando-o contra a parede e colocando o joelho entre as suas pernas, ficando na altura dos seu olhos. A garganta era apertada e ele não conseguia gritar, começou a prender a respiração para tentar aguentar por mais tempo, mas logo um pedido o deixou completamente perdido.
— Passa o celular.
O corpo tão logo afastou-se e sacou uma arma, pressionando o cano em sua têmpora.
— Sem gracinha. Passa o celular.
Jimin apalpava os bolsos da calça procurando-o, entregando-o com as mãos trêmulas e caindo no chão com a coronhada que recebeu. Seus ouvidos zuniram com a pancada, sentindo o rosto frio esquentar-se pelo sangue que escorria. Quando achou que aquele era o fim, o homem abaixou-se e ergueu o seu rosto pelo queixo, o toque das mãos ásperas fizeram as suas sobrancelhas arquearem em uma mistura de nojo e medo.
— Fala com ele para não dizer nada.
Enfim, percebeu a voz abafada pelo tecido na boca. A frase ecoou sem fim dentro da sua cabeça, vendo o homem afastar-se e de costas, retirar a balaclava. Semicerrou os olhos para identificar o número da placa, mas não conseguia enxergar nada daquela distância. E então, sentiu o próprio corpo reagindo à vida: a fome por ter passado tantas horas dormindo, a humidade do tecido das suas roupas chegando a pele, a dor na parte de trás da sua cabeça e na têmpora.
Viu-se naquele beco, as pernas trêmulas não o deixaram levantar-se com facilidade e era como se sentisse o bater das asas de uma borboletas do outro lado do mundo causando um tornado bem diante dos seus olhos. Só não sabia se aquele seria o último, ou se teria muito mais pela frente.
— O que aconteceu?! — Foi o que Taehyung disse quando viu o seu estado, direcionando-o pelos ombros para sentar-se no sofá.
Suspirou e olhou para frente, vendo Hoseok, Hyejin e Namjoon atônitos, e um olhar desconfiado de um estranho que ele julgou ser o tal advogado devido as roupas que usava. Taehyung apareceu com um copo d'água e Jimin afastou-o com a mão.
— Não quero água. Fui assaltado. — Gemeu de dor, pressionando o dedo contra a têmpora, voltando a olhá-lo manchado de sangue. Namjoon exasperou, saindo para procurar a caixa de primeiros socorros.
— O que levaram? O seu celular? Carteira? — Hoseok perguntou, logo indo em sua direção para ajudá-lo a tirar o casaco molhado, revelando a camiseta branca manchada de sangue.
— Só o meu celular. — E jogou-se no sofá novamente, sentindo as pernas ainda moles.
— Você mostrou alguma resistência? — Yoongi perguntou, desconfiado de que aquilo fora somente um assalto. Conhecia o histórico das gangues, uma ameaça uma vez ou outra sempre acontecia para manter os traficantes de boca fechada.
— Não... O cara estava armado, apontou pra minha cabeça e tudo. — Jimin umedeceu os lábios, pegando a água da mão de Taehyung. — Você é o advogado?
— Sou, Min Yoongi. — Abaixou-se em cumprimento, Jimin fez o mesmo com a cabeça. — Mas me chame só de Yoongi.
Namjoon apareceu com uma caixa branca em mãos e sentou-se ao seu lado, logo passando um algodão encharcado com água oxigenada para limpar o ferimento. Jimin apoiou a cabeça no sofá, não manifestando qualquer incômodo, a frase que o estranho havia dito ainda repetia-se em seus ouvidos. Suas suspeitas provaram-se ser verdadeiras e ele preferia ainda estar dormindo.
— Ele não levou a sua carteira? — Yoongi voltou a perguntar e Hyejin olhou-o de soslaio, com o coração começando a bater forte por estar juntando as peças e não queria ver o que se formaria daquilo.
— Nem pediu por ela — respondeu, sem olhá-lo nos olhos, pois era como se soubesse que escondia alguma coisa.
— Se quiser, posso ir fazer o boletim de ocorrência com você.
— Isso é importante. — Taehyung apontou, levantando-se para guardar o copo.
— Não é necessário, não vai adiantar de nada mesmo. — Jimin negou com a cabeça e Namjoon suspirou, impaciente, por ele ter se mexido.
— Claro que vai. Assaltos não são comuns nessa área, a polícia precisa ser avisada e ficar atenta — Hoseok discordou, cruzando os braços e encarando Jimin, notando que havia algo de errado naquela história. Taehyung parecia ter captado a mensagem implícita e insistiu um pouco mais naquele questionário.
— Jimin... Aconteceu mais alguma coisa?
Jimin ficou parado, sequer moveu os olhos, repensando em tudo o que havia acontecido nas suas últimas horas enquanto esteve acordado. Não queria que aquilo fosse real, nem que Jeongguk tivesse medo de que algo maior pudesse acontecer consigo. Se falasse, deveriam tomar providências em prol da sua segurança e tinha medo das consequências, mas também não poderia ter os mesmos pesadelos todas as noites e nem viver dessa forma até que Jeongguk cumprisse a sua pena.
Colocou as mãos no rosto e começou a chorar, em uma mistura de desespero e medo tomando conta de sua mente e coração.
— Jimin, tudo vai ficar bem se você contar o que aconteceu. Vamos evitar que mais situações como essa se repitam — Yoongi disse, calmamente. — E, talvez... — Suspirou profundamente antes de dar qualquer esperança. — Talvez esse seja um bom motivo para o Jeongguk contar o que sabe à polícia.
— E reduzir a pena — Hyejin completou, os olhos voltando a ter um certo brilho.
— Hoje, ele pode ficar detido entre dez a quinze anos. Ele não conta nada porque tem medo de que algo possa acontecer a vocês, mas já está acontecendo. O silêncio dele não está valendo de nada. — Yoongi, aos poucos, foi captando a atenção de Jimin, que retirou as mãos do rosto, respirando fundo antes de falar.
— Acho que estão vigiando a minha casa, tinha pegadas no quintal, quebraram um negócio perto da janela e... — Mordeu os lábios, tentando segurar as novas lágrimas. — E o assaltante disse: "Fala pra ele não falar nada", com todas essas palavras. — O nó na garganta dificultou repetir a fala alheia que tornava explícita a intenção. O que suspeitava estava realmente acontecendo e era difícil acreditar que estava vivendo algo do tipo, mesmo que todos os seus passos o levassem para aquela situação.
— Por que levaram o celular dele? — Taehyung perguntou em voz alta, mas a pergunta só escapou das que fazia dentro da cabeça e que ele mesmo encontrava as respostas sozinho.
— Acho que querem provas de que Jimin sabe de alguma coisa — Namjoon, parecendo inabalável, colocou um band-aid sobre a ferida e fechou a caixa, recostando-se sobre o sofá sem qualquer reação.
— Tem alguma coisa lá?! — Hoseok perguntou, alarmado, adivinhando as preocupações de Hyejin.
— Jeongguk nunca me contou nada, muito menos por mensagens. Ele me deixava o mais distante possível de tudo. — Jimin olhou para as mãos sujas devido a queda e os dedos decorados com os anéis que pegara de volta no apartamento do namorado. — E além do mais, desde que nos afastamos, não nos falamos mais. Nosso primeiro contato foi na penitenciária.
— Bom, mas não é o que eles pensam. — Yoongi entrelaçou os dedos, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Precisamos ir até uma delegacia fazer o boletim de ocorrência e pedir pela proteção da polícia.
— Mas só eu que vou precisar? Será que não irão atrás de mais ninguém? — Jimin o olhava através dos cílios, desejando tomar um banho para quem sabe, se livrar da sensação horripilante que sentia toda vez que se lembrava das mãos do estranho em seu rosto.
— Os outros não possuem evidências que comprovem tal necessidade. Também não consigo dar certeza se darão continuidade ao caso, mesmo que você seja vítima indireta por ter um relacionamento com Jeongguk.
O coração de Jimin acelerava a cada palavra dita por Yoongi, sentindo o bater das asas da borboleta queimando os seus olhos, como se ela voasse apressada desde o primeiro momento em que ele e Jeongguk se conheceram e só agora, Jimin notasse o tornado a sua volta.
(...)
Jeongguk olhava para a janela e não tinha boas memórias do inverno. Tudo de pior que acontecera em sua vida fora naquela estação. Deitado em seu futon, com a luz da televisão ligada, lembrava-se dos seus primeiros dias em Seul, de como tentou convencer o sr. Gong que era maior de idade mesmo sem mostrar os documentos e assim, poderia alugar um dos apartamentos naquele canto obscuro da capital tão iluminada.
Lembrava-se de dormir perto do aquecedor, com o nariz enfiado na dobra do cotovelo porque não aguentava o cheiro do colchão velho que fora esquecido ali, mas era melhor do que dormir no chão e além do mais, o moletom que usava ainda tinha o cheiro da sua casa, se fechasse os olhos e se tivesse um cobertor, pensaria que ainda estaria lá, cercado do conforto da mãe que trabalhava para lhe proporcionar o mínimo e que se sentira traída quando descobriu sobre a forma como amava.
Seu cabelo ainda era castanho e Jeongguk gostava de mantê-lo até às orelhas e das ondas que formavam-se, navegando junto ao vento praiano de Busan. Ali, em Seul, era lavado em água fria e frio ficava enquanto andava pelas ruas, em busca de algum emprego que aceitasse um jovem de dezesseis anos. Foi à lojas de conveniência, postos de gasolina e supermercados, mas quando perguntavam em que escola estudava, Jeongguk travava, não conhecia nenhum nome da região. Era um péssimo mentiroso. E quem poderia aceitá-lo, — bares com fachadas quebradas e pano sujo usado para enxugar copos — não precisavam de ninguém, nem possuíam dinheiro para pagar por mais um funcionário, mesmo que muito mal.
Os dias foram se passando e o frio aumentando, andava pelas ruas soprando as mãos doloridas e ficando o mais longe possível da polícia. Parecia que a relação entre eles começara ali, já que não podia ser pego andando tão tarde da noite ainda sendo visto como uma criança que precisava de cuidados.
O mês já estava vencendo e Jeongguk se esquivava do dono do apartamento, sem ter dinheiro para pagar o aluguel. Comia do lámen mais barato da loja de conveniência, aproveitando-se para se esquentar com o caldo quente e aquela era uma das poucas vezes em que não sentia as mãos frias enquanto segurava o pote e sentia o vapor da mistura em seu rosto. Uma mulher comia ao seu lado e era ali que ele deixava-se levar pela imaginação fértil, que o fazia acreditar que vivia aquela vida tranquila de quem divide mesas em lojas de conveniência enquanto lê-se um livro, sente-se satisfeito e só então, anda até em casa fazendo o caminho mais longo para alongar as pernas e é recebido pelo cachorro faminto. O som da ração sendo colocada na vasilha reverberava em seus ouvidos e ele despertou quando a mulher empurrou a banqueta em direção a mesa, o ranger do metal titubeando no chão emborrachado.
A diferença era que quando o sininho da porta indicou a saída dela, Jeongguk espichou o pescoço para ver se havia algum lámen sobrando no pote deixado sobre a mesa. Ainda havia metade. Ele olhou para trás, para os lados e, enfim, puxou o pote em sua direção, comendo mesmo que já estivesse satisfeito, só queria se lembrar daquela antiga sensação do estômago cheio, mal conseguindo respirar de tanto que havia comido da pizza congelada e mais barata que a sua mãe trazia em um final de semana que ela julgava ser especial. Aquela noite, dormiu até mais tarde e quando acordou, ainda sem abrir os olhos, pensou estar em Busan, animado para dizer a mãe que acordou sem fome porque comeu demais na noite anterior.
— No que tanto pensa? — Kouyou quebrou a linha dos seus pensamentos, tirando-o daquele lugar antes que tudo ficasse ruim. Apesar de tudo, aqueles foram os seus melhores dias em Seul.
— Em comida — respondeu, escondendo toda a profundidade da história que repassava na cabeça.
— Que tipo de comida? — Dong-wook sussurrou, para que Sung-min não escutasse e reclamasse que não estava conseguindo prestar atenção no dorama.
— Pizza congelada. Já comeram a de lombo canadense?
— Hmmm, pizza não era algo que eu gostava de comprar no supermercado. — Dong-wook franziu o cenho e Kouyou ficou quieto, preferindo esconder que não sabia qual fora a última vez que pisou em um.
— Ah, era o que a minha mãe comprava quando queria me agradar. Era o que dava pra comprar de diferente. — Suspirou, olhando para o teto e sentindo a barriga cheia, satisfeito. Talvez devesse exagerar no próximo jantar para lembrar-se daquela sensação. Será que acordaria pensando estar em Busan?
— Você tem memórias boas da sua mãe — Dong-wook comentou, sorrindo, deitado de bruços.
— Essas são as que eu prefiro contar. — Arrependeu-se do que disse assim que as palavras escapuliram da boca. Se aquilo atiçasse a curiosidade alheia, não saberia como esconder o fato de que Jimin, na verdade, era um homem.
— Essas são as que valem a pena lembrar. — Dong-wook aconchegou-se no travesseiro, encerrando o assunto e desejando que a sua filha fizesse o mesmo, pois de ruim já bastava a sua ausência.
A escuridão tomou conta da cela e a imagem dos seus pés subindo as escadas do prédio com tranquilidade logo surgiram na parte de dentro das suas pálpebras. Sr. Gong apareceu furioso com o molho de chaves na mão, pronto para lhe dar uma intimação seguida de uma ameaça. No entanto, qualquer palavra foi engolida junta a satisfação de receber as notas de wons em mãos, dobradas com um elástico segurando-as. Já Jeongguk, não sentiu nada além de alívio e terror, pois era ali que as asas da sua borboleta começaram a bater e ele sabia o que isso significava.
Foi despertado pelas luzes acesas, indicando que mais um dia se iniciava. Pintou alguns vasos com as mãos automáticas no pincel, não se importando muito em colocar algum pedaço seu no produto. Aquilo não era arte. Almoçou sem sentir o gosto da comida porque não mais expulsava a tristeza que lhe afligia de vez em quando, não tinha muito o que sentir além disso ali dentro, então, deixava que ela a tomasse uma vez ou outra.
O turno da tarde foi interrompido por uma visita que ele sabia ser de Yoongi, todos estavam recebendo seus advogados, como se fosse uma grande temporada de visitas de homens e mulheres engravatados. Jeongguk não gostava de receber Yoongi porque ele não era muito a favor do seu silêncio. Ele enxergava saídas demais, enquanto Jeongguk sabia tudo o que tinha a perder caso abrisse a boca e dissesse apenas um nome.
Sentou-se de frente para ele e nunca se acostumaria com aquele cabelo lambido.
— Você já viu como o Alex Turner está hoje em dia?
Yoongi franziu o cenho, levantando o olhar dos papeis .
— O que quer dizer com isso?
— Seu cabelo, parece com o dele.
— Faz tempo que eu não os ouço. — Sorriu, lembrando-se de quando dividiam o fone de ouvido e Jeongguk o achava a pessoa mais legal do mundo. — Logo depois que você sumiu, o meu MP3 pifou completamente.
— Era um sinal. Você não poderia escutar Fluorescent Adolescent sem mim.
Apoiou o cotovelo na mesa e a bochecha na mão, fechou os olhos e se sentisse alguma brisa na pele, poderia imaginar que estava com ele em uma mesa de bar, dividindo um soju com cerveja. Não entendia porquê ainda fazia isso, pois toda vez que abria os olhos encarava uma decepção diferente. Era a sala branca, com guardas em cada saída e o vidro na frente, abafando a voz alheia e era como se Yoongi nem estivesse ali de verdade.
— De certo, foi uma grande virada de página. — Suspirou, deixando que a tensão brotasse em suas mãos entrelaçadas, os dedos gelados se apertavam com medo do que iria avisar. — E sinto que mais uma está bem próxima, mas para você, não para mim.
— Como assim?
— Jeongguk, eu vi o Jimin ontem. — Molhou os lábios, suspirando antes de continuar.
O tatuado escutou o nome do namorado e o coração começou a bater mais rápido, não pela paixão já tão intrínseca a si, mas, sim, pelas expectativas deturpadas que começou a ter desde que o advogado mandado por Baekhyun foi embora. Sabia o que poderia acontecer e tinha medo disso, mas encará-las vindo aos tropeços em sua direção era desesperador.
— Ele foi assaltado, levaram o celular dele.
— Ele está bem? Como foi isso?
— Jeongguk... Existe uma grande possibilidade disso ser algum tipo de retaliação. Rondaram a casa dele e mandaram um recado.
Seus ouvidos zuniam e o vidro que os separava parecia embaçado, sua cabeça parecia solta do pescoço, ficou tonto de repente. Segurava o tampo da mesa como se os seus dedos fossem capazes de lhe segurar naquele momento e encarar até o fim o que precisava ser ouvido.
— Que recado? — sussurrou, chegando mais perto do vidro, repetiu. — Que recado?!
— Pediram que você ficasse de boca fechada.
— Mas eu não disse nada e nem pretendo! Só pode ter sido o... — E a frase morreu na garganta, junto ao nó latente.
— Jeongguk, você precisa falar comigo. Fomos até a delegacia e fizemos um boletim de ocorrência sobre o assalto, mas quanto a segurança dele, eu não posso garantir que a polícia vá comprar o caso.
— Veio um advogado aqui, pedindo que eu assinasse uma procuração para me representar no tribunal. — Olhou Yoongi nos olhos por alguns segundos, mas logo voltou a olhar para dos dedos riscando uma linha invisível na mesa. — Ele me mostrou a tatuagem da gangue. O beta. Eu não assinei, mandei ele ir embora.
— Sinto lhe informar, mas agora eles irão até o fim. Seu silêncio não serve de mais nada, não está salvando ninguém.
Jeongguk ficou em silêncio com a fala de Yoongi, parecendo sentir o tornado chegando. Como se precisasse abrir uma porta para que ele entrasse. O único obstáculo entre ele e a maçaneta eram as suas mãos, presas sobre o colo, sem saber o que fazer.
— O que você sabe? O que você pode dizer?
Jeongguk aproximou-se do vidro e olhando diretamente para os olhos do advogado, deixou que as palavras saíssem da boca com a emoção que tentava engolir.
— Eu sei de tudo. Eu sei o nome dele, sei como é o rosto dele, sei onde mora, qual a rota que está usando, sei como ele lava o dinheiro imundo dele. Sei como a voz gentil consegue ser agressiva, sei de qual whisky ele gosta e de como arruma a mesa. Eu sei absolutamente tudo e não queria saber de coisa alguma.
Cobriu o rosto com as mãos, deixando as palmas molharem com as lágrimas descontroladas que escapavam sem querer. Engoliu a saliva e um soluço. Queria que alguém lhe desse uma outra alternativa, queria ligar para Baekhyun e prometer que não diria nada, mas Jeongguk já sabia prever as suas respostas: "Você não confia em mim, então eu também não confio em você."
— Abra essa caixa de pandora — Yoongi disse, em tom neutro, olhando unicamente para o reflexo do vidro. — Não se esqueça que dentro dela, além de ter todas as desgraças do mundo, também existe a esperança. Jimin confia em você.
— Não faça isso. — Jeongguk negou com a cabeça.
— Se não por ele, por quem mais? — Yoongi moveu minimamente a pupila, encarando-o. — Você é capaz de apodrecer nesse lugar em nome do medo, de quem te substitui com a mesma facilidade que se esconde.
Silêncio. O tilintar das chaves de algum guarda, sua respiração saindo forte das narinas, a ponta do nariz queimava com as novas lágrimas que tentava segurar. Ouviu um arrastar de cadeiras em algum canto, mas seus músculos não responderam aos estímulos sonoros.
— Por que não assinou a outra procuração? Por que me quer como seu advogado se ainda persegue o mesmo destino que o outro poderia lhe oferecer?
Silêncio. Secou as lágrimas com as mangas do uniforme, fungou o nariz, percebendo que seus medos vieram à tona porque procurou por aquilo. Não queria ter o mesmo destino dos outros, queria ser livre e pela primeira vez na vida, não sofrer as consequências de ser quem era. De saber o que sabia.
— Acho que já tem a resposta, só lhe resta aceitá-la.
— Estou correndo contra o tempo? — Jeongguk perguntou, seu peito subia e descia mais rapidamente, a respiração ansiosa.
— Se eu fosse você, não arriscaria.
Jeongguk assentiu, vendo Yoongi voltar a movimentar os papeis na mesa, sentindo que ele revirava as páginas da sua vida.
(...)
— O quê é isso? — Seokjin analisava a pasta sobre a sua mesa, as sobrancelhas franziam-se a medida que as palavras formavam as frases e as letras flutuavam na folha, euforia crescendo dentro do peito.
Seokjin sentou-se na cadeira lentamente, analisando o depoimento como se saboreasse o tteokbokki da barraquinha do Sr Lee.
Pegou o celular e discou o número de Wheein, sendo atendido em apenas dois toques.
— Você não vai acreditar no que aconteceu — disse, assim que ouviu a respiração dela.
— O quê?
— Alguém comunicou à polícia uma retaliação daquela gangue do beta. — O papel estava firme em sua mão, ainda lendo. — Park Jimin. Estudante. Lesão corporal e ameaça verbal direcionada a Jeon Jeongguk.
— Não me lembro desse nome.
— Flamingo.
— Ah! Sei... — Wheein pausou, pensando. — Isso quer dizer que ele vai falar alguma coisa?
— Por quê esse garoto denunciaria algo do tipo se o Flamingo fosse ficar em silêncio? Isso só chamaria mais atenção da gangue.
— Mande uma equipe para a casa dele. Sinto que algo grande vai acontecer. Nunca ninguém denunciou algo assim e nós sabemos que esse tipo de ameaça acontece com bastante frequência.
A ligação terminou e Seokjin continuou olhando para o depoimento, sentindo gosto de resoluções, ou ao menos, um grande passo em direção ao fechamento daquele ciclo que nunca terminava.
notas:
oieee, feliz ano novo!
me digam o que acharam do capítulo! tá bem morno, eu sei, mas as coisas vão começar a se resolver a partir daqui. vocês tem alguma expectativa? me deixem saber!
beijos e até breve ♥
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