Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

33. Desde Outubro

Taehyung achava estranho ver o seu o quarto tão bem iluminado, apreciava mais a luz indireta que a tela do notebook e o abajur sobre a escrivaninha proporcionavam. O cômodo era pequeno e só aquilo parecia ser o suficiente, mas não com Jimin ali, perambulando pelo pouco espaço, observando as pinturas coladas na parede, pouco se afetando com as memórias que algumas artes evocavam dos primeiros semestres da faculdade, mas suspirando alto ao notar o desenho do guarda-chuva destacando-se entre os demais. Aquele quarto também continha pedaços da sua história.

Como se engolisse um nó na garganta, moveu os pés em direção a pequena prateleira de livros apoiada em um canto da parede perto da janela. Leu os títulos organizados em ordem alfabética e todos eles pareciam ter parado no ano de 2014, sem muitos clássicos, apenas o que era popular na época, pois todos os novos exemplares deixaram de ser manchados pela aquarela de Taehyung e ficaram arquivados em um modelo antigo de um leitor de livros digitais.

— Quer levar alguma coisa? — Taehyung perguntou, deitando-se na cama e incomodando-se com a lâmpada acesa. Ela refletia no espelho e na tela do notebook aberto, então parecia haver três lâmpadas em um lugar tão pequeno. Era horrível.

— Não, eu só gosto de mexer nas suas coisas. — Olhou para trás e sorriu por trás dos ombros, sentindo um pouco do resquício do perfume de Jeongguk ainda grudado no moletom que vestia.

Sua tentativa de se agarrar a qualquer detalhe da vida alheia para aliviar um pouco da dor não poderia ter fracassado tanto, de nada adiantaria contar quantas canetas Taehyung tinha em um porta lápis de acrílico transparente, ou memorizar os detalhes da bagunça bonita disposta na escrivaninha, com pincéis mergulhados em copos cheios de água aquarelada e o godê arredondado com as tintas já secas. O papel no meio da mesa possuía uma margem de fita branca, a pintura, já em muitas camadas, parecia estar repousando, algo na tentativa de fazer aquele rosto desconhecido havia dado errado e Taehyung a deixara ali, esperando que as horas se passassem e alguma solução surgisse, como se tivesse todo o tempo do mundo para fazer todas as pinturas que quisesse, do jeito que quisesse.

— O que anda fazendo nessas férias? — Taehyung perguntou, retirando o antebraço da testa quando Jimin percebeu o seu incômodo e apagou a lâmpada, deitando-se ao seu lado na cama, abraçando o travesseiro que amassava a bochecha.

— Lendo.

— Lendo? — Taehyung perguntou, desconfiado e preocupado com os romances que só serviriam para lembrá-lo das feridas que não iriam se curar tão cedo. — Que tipo de livros?

— Ficção científica, alguns de física que tentam explicar a grandiosidade do universo e até algumas biografias de cientistas religiosos europeus. Nem eu sei muito bem onde estou me enfiando, mas é interessante ver as ideias que, hoje em dia já foram comprovadas, serem refutadas como se fossem o maior pecado do mundo.

— A ideia de pecado sempre muda no lado ocidental e católico da história — comentou, olhando para o teto. — Quem diria que achar que a Terra é redonda e que todos os planetas giram em torno do Sol seria um pecado.

— Bom, independente de onde estaríamos nessa linha histórica do tempo, seríamos pecadores em todas elas — disse, melancólico, olhando para o nada das listras da camisa de Taehyung. Deixar de ler romances fora apenas uma tentativa de lembrar menos de Jeongguk, mas era só fechar o livro para a ausência dele pesar uma tonelada. — Nosso pecado nunca deixou de ser pecado.

— Por que chegamos a esse assunto? — perguntou, depois de uma pausa reflexiva, demonstrando todas as interrogações no timbre de sua voz, chamando a atenção de Jimin, que riu ao responder de volta.

— Foi você quem perguntou o que eu estou lendo.

— Mas você não está lendo nenhum romance gay.

— Eu sou o romance gay, e dos tristes. — Virou-se para olhar o teto também, os braços dobrados atrás da cabeça, não levando muito a sério o que dizia.

— E como andam as coisas? — Taehyung perguntou, já sabendo da resposta, mas sentindo que ele queria falar sobre o assunto. Prometeu a si mesmo que, toda vez que Jimin desse qualquer brecha para falar sobre os seus sentimentos, aproveitaria cada uma delas para não o deixar sufocar dentro de si mesmo.

— Péssimas, mas eu acho que sou capaz de sobreviver, só não sei até quando. Não sei se tenho tantos livros de ficção científica em casa.

— Sempre dá para recorrer aos livros de heróis que saem em busca de algum objetivo e parecem nunca chegar a lugar algum enquanto vivem diversas aventuras.

— Eu não vou ler nada do Tolkien — Jimin respondeu, sabendo que Taehyung, mais uma vez, tentava convencê-lo a ler O Senhor dos Anéis.

— Meu Deus! — Taehyung bufou. — Eu dei a sinopse mais ordinária e mesmo assim... — Levantou a cabeça apenas para mostrá-lo o seu olhar mais incrédulo e concluir. — Não é porque você tentou ler aos 12 anos e não entendeu nada que não pode dar mais uma chance.

— Você sabe que eu não sou de dar segundas chances para nada — disse, com as sobrancelhas arqueadas em um tom jocoso, rindo internamente das reações sempre exageradas de Taehyung quando tocavam naquele assunto.

O qual morreu sem que precisassem dar um ponto final, de todo jeito, não adiantaria, uma vez ou outra Taehyung voltaria com aquele papo. E o silêncio se fez presente por um instante, confortável como os cobertores felpudos que lhes esquentavam os pés e, tão naturalmente quanto o silêncio, a vontade de falar sobre Hoseok surgiu e precisou morder a língua para que o nome dele não escapasse despretensiosamente de sua boca. E ainda havia aquele diálogo antigo escrito em seu caderno, tinha vontade de mostrá-lo, mas receava pela reação dele. Suspirou forte, o ruído preenchendo os seus ouvidos e Jimin, logo ao lado, estranhando a sua quieta agitação.

— O que foi? — Jimin perguntou.

— Eu achei uma coisa e queria te mostrar, mas talvez seja um tópico sensível para você e eu-

— Mostra logo — interrompeu-o, desconfiado, pois no mesmo momento Taehyung levantou-se, pegou algo em sua escrivaninha e voltou para a cama, estendendo o caderno para que Jimin pudesse pegá-lo em mãos.

— O que é isso? — Jimin franziu as sobrancelhas e sentou-se, lendo as palavras escritas com a letra garranchada do amigo, desbloqueando memórias que fizeram lágrimas surgirem rapidamente em seus olhos.

— Eu estava folheando esse caderno um dia desses e achei esse registro de uma das nossas conversas. Você se lembra? — explicou-se, sem saber se Jimin ouvia o que dizia, pois os olhos estavam vidrados no papel.

— Eu senti isso — confessou, olhando para Taehyung com os cílios encharcados. — Quando ele deitou a cabeça no meu peito depois da nossa primeira vez e eu não consegui imaginá-lo longe de mim. Eu estava em órbita no espaço sideral, sem capacete, nem nada que amortecesse a minha queda e eu amei isso. Eu senti exatamente o que você descreveu, talvez porque você seja um puta poeta, ou são os olhos de universo que só ele tem.

Taehyung prendeu a respiração e bufou olhando para os lados, as lágrimas desatando o nó na garganta. Nunca ouviu o depois daquela noite, só se lembrava de um Jimin assustado e arredio, da calçada onde se sentou para clamar por um nome e uma garrafa de vidro que fora esquecida no chão do bar. Não sabia do efeito das suas palavras, de como elas penetraram nos ouvidos dele e que era tudo o que escutava quando observava, mesmo de soslaio, os olhos grandes e estrelados de Jeongguk.

Depois que tudo se resolveu, achou melhor deixar para lá e lidar com o fato de que adorava ouvir Jimin falar sobre o amor, sobre Jeongguk. Nunca se cansaria de perceber as nuances doces que a voz dele atingia ao desbravar o que fazia morada em seu peito e era por isso que doía tanto ouvi-lo falar daquela forma agora, porque a súplica era explícita até na forma em que ele respirava. Jimin descobriu que o amor dói da pior forma possível: amando quem queria correspondê-lo, mas simplesmente não podia.

— E, diferente do Jimin de meses atrás que achava que amar é estar perdido, posso dizer que eu mais me encontrei do que me perdi.

— Que partes são essas que eu ainda não conheço? — Taehyung enxugou as lágrimas do rosto de Jimin, passando delicadamente os dedos sobre a pele macia.

— Descobri que prefiro viver do amor do que fugir dele. E mesmo que agora tudo esteja uma merda, eu sei que escolhi a pessoa certa, que assim que eu olhei pra ele meu relógio disse que era a hora de me deixar levar pela primeira vez. — Sorriu com as lembranças que afogavam os seus olhos, Taehyung já havia desistido de secar as lágrimas, Jimin precisava daquele momento. — Quando eu percebi, já estava lá, sem saber o caminho de volta porque eu não queria mesmo voltar.

— Ah, meu amor... — Taehyung avançou em Jimin, derrubando-o na cama, os corpos encaixando-se em um abraço e o caderno entre os dois. — Tudo isso vai passar, eu juro pra você.

— Só vai passar quando ele puder voltar pra mim. Até lá, eu não sei muito bem o que fazer com isso.

— A gente vai descobrindo aos poucos, vivendo um dia de cada vez — disse, com os lábios colados na testa dele, ouvindo-o fungar.

— Só não queria que o tempo fosse tão cruel comigo. — Suspirou e pausou por um segundo, não gostava de ser tão reclamão, mas não conseguia nadar contra aquela maré. — Será que posso ser tão dramático assim? — Afastou-se para olhar Taehyung nos olhos, que sorria carinhoso para ele.

— Pode, a vida tem mesmo um jeito torto de nos ensinar, mas o tempo nos ajuda a entender. — Acariciava os fios negros do cabelo alheio e assistia os olhos fecharem-se com o carinho enquanto a mente viajava para longe.

— Parece que a vida é a vilã, e o tempo, o mocinho da história.

— Não sei se ela é tão ruim assim, só gosta de ensinar com uns bons tapas na cara.

— Sabe quando o peito aperta e tudo o que sobra é a revolta, frustração de não ter controle sobre nada? — Jimin perguntou, ainda de olhos fechados, a voz enraivecida não combinava com o semblante calmo de quem ganhava cafuné. Taehyung apenas resmungou, confirmando qualquer coisa para a sua pergunta retórica. — Eu fico me questionando o que caralhos eu vou aprender com tudo isso.

— Bom, o tempo faz parar de arder o tapa na cara, mas ele também se mostra um grandessíssimo filho da puta. Talvez não tenha nada para aprender, só esperar.

— Nossos relógios não estão marcando a mesma hora, não é? — Abriu os olhos e apertou o caderno contra o peito. — Às vezes, me arrependo de não ter me tocado que estava apaixonado antes, eu poderia ter passado uma semana a mais com ele.

— E o que aconteceu com o Jimin que não gosta de ir pelo relógio dos outros? — Bateu na testa dele com a ponta do indicador só para fazê-lo lembrar. — Vocês ainda vão ter muito tempo, acredite.

— Só o tempo dirá... — Suspirou, cansado de toda aquela conversa sobre o tempo, mesmo que tudo fizesse sentido. — Odeio isso.

Taehyung deixou que o assunto morresse mais uma vez, assistindo os dedos decorados de anéis de Jimin virarem a folha do caderno e as sobrancelhas franzirem-se ao reconhecer o rosto de Hoseok desenhado ali. O coração já batia na boca, mas não havia o que esconder, iria contar sobre aquilo naquela tarde ou em outra.

— Você não é um dos meus cigarros.

A voz de Jimin lendo a frase fez tudo parar de vez, pois enquanto era só ele e as suas lembranças daquela ligação, a declaração inesperada parecia fazer parte de um sonho, um conto lido em uma noite fria e um chá de erva cidreira esfriando ao lado. Mas não era, Hoseok realmente falou tudo aquilo e ele mal esperava pelo momento em que o teria à sua frente, a um passo dos seus dedos.

— Ele quem disse isso? — Jimin virou-se para Taehyung, olhando-o com os olhos grandes e sapecas em curiosidade.

— Uhum. — Apoiado em um dos cotovelos, confirmou meio tímido.

— E aí?!

— Você se lembra que eles comentaram sobre uma noite de filmes com o projetor velho e tudo o mais? — Esperou que Jimin confirmasse para continuar. — Então, ele quer que eu vá.

— E você ainda tá pensando sobre isso? — perguntou, incrédulo com as dúvidas que Taehyung parecia gostar de ter.

— Bom, é que talvez o Jeongguk apareça por lá. — Sua resposta pareceu mudar a feição leve de Jimin instantaneamente. Se a lâmpada ainda estivesse acesa, conseguiria ver o dilatar das pupilas com apenas a menção de um nome.

— Ah... — Engoliu em seco e ergueu as sobrancelhas como se a presença dele mudasse tudo, mesmo quando não devia. Não era sobre ele e Jeongguk, mas sim sobre Hoseok e Taehyung, no entanto, ter a presença do seu grande amor e do melhor amigo no mesmo lugar, despertava vontades que ele jamais conseguiria controlar. — Eu com certeza não vou, mas você pode ir. Traz notícias dele pra mim.

— Jimin... — Taehyung disse, com a garganta voltando a apertar. Não sabia se aquilo o faria bem, mas não dava para viver como se Jeongguk fosse um fantasma, tão distante da realidade que um dia viveram juntos.

— O que mais eu posso fazer? Esperar? — Negou com a cabeça, ajoelhando-se na cama como se implorasse por qualquer sinal da existência dele. — Conversa com ele, pergunta como andam as coisas, fala que eu tô aqui... esperando. Fala de mim pra ele não me esquecer.

— Eu duvido que exista algo além de você na cabeça dele.

Jimin suspirou e desabou nos braços de Taehyung. O abraço encaixado, sem lágrimas, só aquela velha angústia de ter que lutar contra os impulsos de um amor que estava mais vivo do que nunca, a reciprocidade banhando costas marítimas altas, levando-os mais longe do que a lua cheia podia levar.

— Vai lá, não só por mim, mas principalmente por você e Hoseok. Eu sei que você tá doido pra ver ele.

— Tô mesmo, mas não podia ir sem antes falar com você e ver se está tudo bem — disse, através dos fios negros de Jimin que emanavam um cheiro gostoso e artificial de manga. Estranhou a posição de quem consolava, pois o corpo tão pequeno que sempre o acolheu, agora estava perdido entre os seus braços, deixando que lágrimas escorressem pelos olhos sem maiores alardes.

— Cara, eu nunca acertei tanto na vida quanto quando te escolhi pra ser meu amigo no nosso primeiro dia de aula. Yonsei, vou ficar te devendo essa.

A sua fala fez Taehyung gargalhar e Jimin já não conseguia controlar o choro há muito tempo. Sabia que, enquanto estivesse ali naquele abraço, o mundo inteiro podia colapsar, mas nunca seria machucado ou se sentiria sozinho. Taehyung era mais do que um amigo, também foi o seu primeiro amor correspondido, a cura breve de um coração partido.

(...)

Deixar para trás a atmosfera quente do seu quarto pequeno, o cheiro de comida chinesa e a voz do narrador do documentário que assistiram naquela noite para vivenciar o frio presente na rua e a visão da caminhonete de Jeongguk estacionada na calçada era uma mudança e tanto. Enquanto estava com Jimin, falando sobre ele e tentando entender a dor de um amor causado por ele, parecia alguém distante demais, um personagem principal e cativante de algum livro, alguém com quem se deseja estar, mas que nunca irá encontrar.

Mas lá estava, um sinal tão vívido da sua existência. Taehyung se lembrava da primeira vez que entrou na caminhonete, com um Jeongguk em pânico ao seu lado, Jimin dirigindo furiosamente pelas avenidas de Seul e um caderno em suas mãos. Ainda era nítida a memória da sua vontade de abri-lo e descobrir o que ali havia, escrito ou desenhado, mas nada foi melhor do que ver os olhos brilhantes de Jeongguk ao mostrar-lhe o seu portfólio, permitindo que Taehyung desse alguns passos para conhecê-lo melhor.

E vê-lo diante dos seus olhos foi como encontrar com algum famoso das telas de cinema, ou um cantor das bandas preferidas de Jimin. Jeongguk era alguém de quem se falava muito e pouco se via.

Observava o cabelo, agora alcançando as orelhas, em rosa pastel, quase encontrando o tom amarelado dos fios anteriormente descoloridos, a raíz escura mais aparente do que jamais esteve e as tatuagens ressecadas pelo frio, as veias do dorso da mão seguiam caminho até os braços que eram morada do coração do seu melhor amigo. Nos olhos, não havia mais estrelas, muito menos o rastro de qualquer elemento celeste. Jeongguk estava triste e aquilo era perceptível até na forma como bebericava a cerveja, ciente de que nada seria capaz de apagar o que virou cicatriz no peito.

Jeongguk notou a presença de Taehyung só quando Hyejin o anunciou. Conseguiu ver na expressão dele o lampejo de esperança, tolo e apaixonado, de que Jimin também estaria ali. Taehyung, então, ganhou um sorriso sincero, mas que não chegava aos olhos, como nada andava refletindo muito por ali.

— Ei, Grandão — disse, no mesmo tom doce de sempre e Taehyung só conseguiu sentir angústia.

Namjoon estava logo ao lado, Hyejin voltava da cozinha com uma garrafa de cerveja para Taehyung, não havia qualquer sinal de Hoseok e a outra companheira dos quatro era a tensão. Ninguém sabia o que falar, a música que tocava era baixa, não conseguia silenciar os pensamentos de que faltava alguém. E esse alguém não era Hoseok.

E não só isso. Namjoon queria confrontar Jeongguk, perguntar porque não atendeu às suas ligações, porque sumiu e o deixou tão preocupado, no entanto, não conseguiu fazer nada além de abraçá-lo quando o viu, assim que abriu a porta do apartamento, em um ato de alívio desesperado. Deixou que uma lágrima vagasse sorrateira pela sua bochecha ao perceber a falta de emoção em Jeongguk, as poucas palavras de quem parecia estar ali apenas cumprindo uma obrigação, dando satisfação da sua vida quando tudo o que mais queria era sumir sem que ninguém se importasse.

E era exatamente pelo fato de se importarem tanto que Jeongguk se incomodava. Não podia nem pedir que fizessem igual a sua mãe porque até ela andava ligando a cada três dias, uma frequência de quem o queria de volta em sua vida e ele só queria ser sozinho.

Lembrar do que Jimin havia feito doía como nada nunca antes doera. Pesava a sua existência, achava-se um fardo que ninguém deveria carregar, ou deixar de viverem as suas vidas perfeitas para se preocuparem com um desgraçado como ele.

Não queria falar sobre o que aconteceu com eles, de nada adiantaria. Não queria falar sobre aleatoriedades, não conseguiria esquecer. De fato, estava exausto de viver daquele jeito, com cada passo seu sendo contado, não bebia um copo d'água sem calcular todas as suas ações até a torneira, pensou em cada frase que Namjoon podia ter falado, cada pergunta que podia ter feito enquanto se imaginava subindo as escadas do prédio onde ele morava, ainda deitado em seu colchão. Mal recobrava a consciência da péssima noite de sono que tivera e a angústia já batia no peito como parte do sopro da vida, o aperto nunca ia embora e ele não conseguia se importar completamente, pois não era como se achasse que estaria vivo dali duas semanas. Não porque alguém ameaçava a sua vitalidade ou pensasse em fazer algo contra si mesmo, era só a fina camada de mofo ganhando mais vida dentro de si, alimentando-se de todos os fragmentos de uma história que sempre parecia ir para frente, mas não ia.

Estava irredutível, achando que nem deveria estar ali. Saboreava o amargo da cerveja e só um assunto rodeava os seus pensamentos, tornando-se cada vez mais forte quando os seus olhos procuravam pelo único rastro de Jimin naquela sala: Taehyung.

— Como ele está? — Jeongguk perguntou, a voz quebrada como o seu próprio coração.

Taehyung mordeu os lábios e quis chorar. Não sabia exatamente o que dizer, no fundo sabia que ele perguntaria sobre Jimin também, até tentou pensar em outras previsões, pois vai saber se Jeongguk achava que o seu amigo poderia estar com outro alguém apenas para esquecê-lo, mas não. Jimin o amou tão intensamente que não restava dúvidas sobre os seus sentimentos, apenas queria saber como ele estava suportando os dias, se ameaçava desmoronar como a ele mesmo.

E se estivesse, Jeongguk moveria o mundo para reerguê-lo novamente.

No fim, Taehyung sabia que o relógio de Jimin não poderia ter marcado melhor hora para amar pela primeira vez. A única certeza que tinha era que não foram os livros que o ensinaram, talvez fossem as tatuagens em traços pretos e fortes, a espera da chegada da primavera estampada no dorso da mão de Jeongguk, os olhos que diziam mais do que a boca e aquele jeito bom e único de o tocar. Disso, Taehyung jamais saberia, muito menos Jimin, que aproveitou a jornada sem olhar para o caminho, percebeu que chegou ao destino somente quando viu que o coração não era mais seu.

— Ele também pediu por notícias suas — Taehyung respondeu, a garrafa de cerveja pendendo entre os dedos, os cotovelos apoiados nos joelhos e o cabelo ondulado movimentando-se quando deixou de olhar para o carpete onde Jeongguk estava sentado e o olhou nos olhos. — O que você quer que eu diga para ele?

— Eu não sei... Não tem nada de que eu me orgulhe.

Olhou para Namjoon e Hyejin encolhidos lado a lado no sofá, a preocupação pulsante em suas feições, assim como a vontade de abraçá-lo e segurar todo aquele peso por ele e para ele, mesmo que fosse por alguns instantes. Eles sabiam das suas fraquezas e piores pesadelos, então confessar como realmente estava se sentindo não era difícil pois não haveria julgamentos, só não sabia de Taehyung.

— Eu não como direito, eu quase não durmo, não sinto o frio porque tudo dói, então não faz diferença. O meu apartamento está do mesmo jeito que ele deixou porque é só uma tentativa frustrada de guardar qualquer pedaço dele comigo. Eu só sei pintar o rosto dele porque é tudo o que vejo e ao mesmo tempo preciso lidar com as ligações da minha mãe.

— Ela te procurou? — Hyejin perguntou, com uma mágoa aparente na voz por saber de tudo o que ela causou.

— Sim, ela me ligou pedindo desculpas e continua querendo ter contato comigo, mas eu não sei se consigo perdoar. Não quando toda essa merda aconteceu depois que ela me expulsou de casa, depois que eu deixei Busan e parei aqui nessa cidade que me apresentou pessoas incríveis, as quais eu não posso amar com todo o meu coração porque o tráfico de drogas consumiu toda a minha liberdade.

Depositou a garrafa que segurava na mesa de centro, os vidros encontraram-se em um baque e as mãos ocuparam-se em enxugar as lágrimas que ele nem sentiu derramar.

— Eu tô fazendo um esforço mental absurdo de me apegar somente às coisas boas que vivi com o Jimin. Quando a minha mãe me ligou, eu pensei que talvez isso fosse uma coisa boa acontecendo na minha vida, pelo menos uma coisa boa, sabe? Mas toda vez que eu ouço a voz dela, eu lembro da última noite que tive com Jimin. Eu lembro dele enfiando a pochete na bolsa... — Soluçou, precisando respirar por um segundo antes de concluir. — Lembro dele no meu apartamento, sentado no chão me encarando, esperando por qualquer ação minha porque sozinho não conseguiria ir embora.

Hyejin desceu do sofá e o tomou em seus braços, Namjoon tomou impulso para ir junto a ela, mas ficou sentado. E, Taehyung, deixou a garrafa sobre a mesa e suspirou forte, pois não importava o quão mal Jimin aparentava estar, Jeongguk estava mil vezes pior porque não era só o seu relacionamento que o feria, mas todo o resto em sua vida.

— Os outros não costumam ser muito cuidadosos com pessoas fortes, afinal elas aguentam tudo. Mas você precisa ser cuidadoso consigo mesmo, Jeongguk — Taehyung disse, vendo Hyejin abraçá-lo como ele mesmo queria. — Jimin está sendo muito forte. Ele está se alimentando porque quer estar saudável para quando você voltar. Ele usa os seus moletons pedindo para que o seu cheiro não desapareça. Ele evita ler romances para não lembrar de você, ele está reinventando a forma como vive só para lidar melhor com a sua ausência, mesmo que isso seja uma dor que não há alívio. E eu vou falar de você para ele porque eu não quero que se torne abstrato, para provar que existe alguém do outro lado que está tentando ser tão forte quanto ele está.

— Eu não sou forte... não como ele. — Desenroscou-se do pescoço de Hyejin e cada palavra que Taehyung disse fez com que uma lágrima escorresse pelo o seu rosto, densa e quente, imaginando o corpo de Jimin executando todas as ações descritas e, céus, como aquilo doía.

Tê-lo somente em suas memórias e imaginação era uma tortura e, a fala de Taehyung acabou surtindo efeito, pois nunca foi abstrato com Jimin. Ele não era só um rosto em uma pintura, ou um exemplo a seguir em casos de coração partido. Ele era o seu Jimin, que o levou ao show de sua banda favorita, que o pediu em namoro de joelhos no chão e deixou tatuagens em textos nos seus ouvidos.

— Você é, a sua mãe que não está sendo cuidadosa com você. — Namjoon refletiu, sentado na ponta do sofá e a garganta apertada por não querer mostrar as próprias lágrimas. — Nem sei se ela poderia agir de outra forma, ela ainda não sabe o que causou.

— Ela perguntou o que eu faço pra viver — disse, brincando com os dedos de sua noona. — E eu falei sobre vocês, dei até o nome do estúdio para que ela não achasse que fosse mentira, falei das minhas tatuagens achando que ela se afastaria de novo, com nojo de mim. Mas não. Ela comentou das tatuagens que eu fazia de caneta quando criança, se a rosa que eu fazia no dorso da mão é real agora. — Suspirou, com a dor das memórias resgatadas pelas ligações expostas em cada segundo da sua curta respiração. — Eu quero odiá-la, mas não consigo porque por muito tempo desejei que ela fizesse exatamente o que está fazendo agora.

— O momento não foi o mais oportuno. O tempo é realmente um filho da puta — Taehyung resmungou, lembrando-se de sua conversa com Jimin.

— Se ela tivesse voltado em qualquer outra hora, não doeria tanto assim e você não ficaria tão confuso — Hyejin disse, colocando os fios de cabelo de Jeongguk entre os dedos e os jogando para trás, assistindo-os voltarem para o lugar de costume.

— E não se sinta culpado por estar confuso — Namjoon completou. — Ela ficou longe por muito tempo, muita coisa aconteceu como resultado dos atos dela, você era jovem, não sabia o que fazer e agora, bem... tudo virou de ponta-cabeça.

Jeongguk suspirou, rendido aos consolos de seus amigos. Apesar de ter cometido diversos erros ao longo da sua jornada, não se permitia ao perdão pois encarava as consequências deles todos os dias. Era o seu futuro como tatuador postergado até sabe-se lá quando e, agora, o seu futuro com Jimin. As duas coisas juntas formavam uma tempestade da qual ele não conseguia se proteger, estava se afogando aos poucos.

E naquela de encarar o tempo como amigo ou inimigo, não o viu passar. A neve caía lá fora e ele conseguia ver os flocos em cascatas discrepantes, mas quando havia começado a nevar? Quando o seu inconsciente começou a ignorar os espasmos do seu corpo e os lábios ressecados? O tempo não parava, embora tentasse manter o seu apartamento do mesmo jeito que Jimin deixara, ele estava longe agora e só o que tinha dele eram histórias de um cotidiano vivido apesar da sua ausência. Jimin conseguia encarar a dor de ver o tempo passar, Jeongguk ainda não.

Seus devaneios sobre o tempo e a neve foram dispersados quando Hyejin voltou a sentar-se ao seu lado e ele nem havia percebido que ela se levantara em algum momento. De repente, o cheiro de amêndoas doces invadiu o ambiente e o hidratante começou a ser passado em seus braços expostos e ressecados.

— O que você tá fazendo? — perguntou, olhando confuso para a quantidade de creme que besuntava a sua pele.

— Cuidando das minhas tatuagens — ela respondeu, tentando ultrapassar as mangas da camiseta para chegar até a medusa desenhada por ele.

— Mas as tatuagens são minhas.

— Mas eu sou a sua tatuadora!

E foi assim que os dois começaram a rolar pelo chão, com Jeongguk tentando fugir dos dedos gelados de Hyejin e de suas eventuais cócegas. As gargalhadas dos quatro invadiram o ambiente, até que as lágrimas que surgiram no canto dos olhos de Jeongguk fossem de tanto rir e, então, ele começou a chorar sem saber a razão.

Era a contemplação de não estar sozinho, apesar de preferir, mesmo que no fundo soubesse que isso só faria bem ao seu ego. Seria um sonho não afligir ninguém, não incomodar, vagar pelo mundo sem deixar marcas, desaparecer e voltar a fazer parte da poeira estelar que o compunha. Mas isso era só a sua ansiedade e desesperança falando.

As mãos que cuidavam das suas tatuagens eram as mesmas que cuidariam de qualquer nova cicatriz deixada no coração, que entenderia o motivo de um desenho dizer tanto e ser cravado em sua pele com carinho, sabendo de cada linha da sua história. No fim, era só gratidão transbordando dos seus olhos, nenhuma palavra poderia mensurar os seus sentimentos naquele momento. E dali em diante, prometeu que não fugiria de quem sempre o fazia bem, Jeongguk era parte das suas vidas plenas e perfeitas, mesmo que ele fosse um tanto desgraçado da cabeça.

Jeongguk não estava sozinho e era isso que Taehyung diria a Jimin.

— Vocês estão torturando o moleque?

A voz de Hoseok soou alta na sala após o baque da porta ao ser fechada. Seu casaco amarelo estava cheio de flocos de neve, imperceptíveis na luz de fim de tarde que entrava pela janela. Retirou o capuz e bagunçou o cabelo, mostrando a lente dos óculos manchadas pelas gotas d'água.

Taehyung travou, apertando os braços macios da poltrona. Sorte a sua que estava sentado de costas para a porta e que todos os outros moveram a atenção para quem chegava, não queria que notassem os seus olhos arregalados e boca entreaberta de quem não o esperava, mas perguntava-se mentalmente onde ele poderia estar.

— Trouxe o seu sabor favorito — Hoseok disse, apontando com o queixo para Jeongguk, deu a caixa de pizza para Namjoon e pendurou o casaco no gancho atrás da porta, logo deitando-se no chão, enrolando-se no corpo do seu dongsaeng e aproveitando da tensão que já havia dissipado.

Toda a atenção de Hoseok estava em Jeongguk e a de Taehyung nos dois. Conseguia ouvir os murmúrios da conversa baixinha que trocavam daquele jeito, tão de pertinho, e o tilintar dos pratos que Namjoon e Hyejin traziam da cozinha.

Se Jimin fosse de compartilhar, Taehyung saberia que Jeongguk estava nos braços de quem fazia parte da sua morada, seja pelo cheiro de cigarro ou pela risada escandalosa. Mas talvez não fosse necessário uma confissão em palavras, pois dali, sentado na poltrona, observando, percebia que Hoseok era mais parecido consigo do que de fato um dia achou, porque não importava o quanto precisou esperar para vê-lo, Jeongguk estava ali agora depois de inúmeras ligações não atendidas e isso era tudo o que importava. Jeongguk era a prioridade dele, assim como Jimin era a sua.

— Estão com fome? — Hyejin disse, sentando-se sobre os pés, perto da mesa de centro que mais parecia um chabudai naquele momento.

E só então Hoseok e Jeongguk se desgrudaram, o cheiro gostoso de lombo canandense que emanava da caixa de pizza o fizeram perceber a própria fome e a presença de Taehyung, que se sentava em uma almofada, na ponta da mesa. Ele nem queria comer, mas achou melhor executar qualquer outra ação do que ficar olhando feito um bobo para Hoseok.

Mas seus receios não tinham o menor sentido, não depois daquela ligação, de tudo o que escutou e não conseguiu dizer. Hoseok ainda não sabia do retrato que fizera e da frase escrita em seu caderno, mas podia suspeitar do coração acelerado, já que o "oi" tímido que recebera só conseguiu ser respondido com um aceno de cabeça.

Ele e Hoseok ainda não tinham códigos secretos, piadas internas e nem sabiam muito bem qual era a textura do cabelo um do outro. Tudo o que tinham era o sentimento querendo transbordar do peito em uma pressa desesperada, no entanto, mantinham-se daquela mesma velha forma: fingiam que os joelhos encostados eram o suficiente, que a conversa alheia fazia algum sentido e que os olhares que trocavam não diziam nada.

Quando o projetor foi ligado, as luzes apagadas, a parede da frente foi vista de repente sem quadros, a mesa de centro fora afastada para que colchões de qualidade duvidosa fossem colocados no chão e o filme começasse, Taehyung escolheu ficar no sofá largo com Hoseok, assistindo Jeongguk acomodar-se no abraço de Hyejin e logo pegar no sono. O filme era uma comédia qualquer sobre um grupo de amigos que saía à noite para se divertir, sem romance, sem dramas, sem problemáticas sérias a serem tratadas, escolhido a dedo para que Jeongguk não pensasse demais sobre o depois, mas ele nem conseguiu assistir os primeiros vinte minutos.

De barriga cheia e pele hidratada, todos sabiam que ele só acordaria na manhã seguinte, mas havia algo a mais. Diferente da noite com Hyunah na qual o sono demorou a chegar, ali naquele pequeno apartamento no centro, onde o aquecedor funcionava perfeitamente e o aromatizador de ambientes tinha um cheiro genérico de baunilha, ele se sentia seguro. E não era só porque a polícia podia arrombar a porta de Hyunah por engano porque algum outro vizinho não pagou o aluguel, mas falar sobre os seus fantasmas com quem os entendia nem sempre era bom, parecia ficar cada vez mais assombrado. Viver em uma realidade paralela, por pelo menos uma noite, era apenas uma tentativa de escapar da temível realidade, permitiria-se achar que o mundo resumia-se a uma noite no colo de sua noona.

Se de um lado Jeongguk preferia sentir a leve e breve paz interior, os outros dois no sofá sentiam-se evaporar com cada mínima ação alheia. Dividiam um cobertor sem necessidade e as pernas cobertas por suas calças de sarja os impediam de sentir a pele um do outro. As besteiras do filme não conseguiam distrair Taehyung, Hoseok estava ali, ao seu lado, conseguia sentir o calor do corpo dele queimando o seu e as memórias da ligação em seus ouvidos, como se o telefone ainda estivesse pressionado contra a sua orelha.

O mundo parecia estar em câmera lenta, mas pensar que só ele havia percebido o deixara com um nervosismo que não era lá muito bom. Perguntava-se mentalmente se Hoseok se lembrava do que havia dito, ou se as palavras dele tinham a mesma intenção que interpretou. Sentia-se estupidamente inseguro, porque os olhos de Hoseok estavam vidrados no reflexo do projetor na parede, mas os seus encaravam a existência dele de uma outra perspectiva: ele não era mais apenas o melhor amigo do namorado de Jimin a quem queria muito beijar, e, sim, o dono das ligações confortáveis e constantes que se declarava espontaneamente, como se fizesse parte de um diálogo marcante de um conto curto e intenso, lido pela voz da sua consciência. Encarar a realidade das coisas boas também podia ser difícil e olhando para o perfil de Hoseok, com a luz enviesada iluminando os olhos de lua minguante, pensou que poderia estar dentro de um dos muitos livros que lia. Queria pintar aquela cena imediatamente.

Mas a realidade o pegara em flagrante como somente algo concreto poderia fazer. Hoseok o encarou com aquelas malditas lentes esverdeadas e manchadas, o cabelo maior do que o normal em ondas tímidas e desfiguradas, amassadas pela almofada. Sentia certa raiva daqueles lábios tão bem desenhados, pois o fazia pensar em coisas divinas das quais nem acreditava. Somente um Deus com tempo de sobra gastaria horas e mais horas para esculpi-lo. E mais uma vez, sentiu vontade de pintar aquela cena, de tentar reproduzir o jogo de luzes e sombras só para que não se perdesse na fragilidade de sua memória.

No entanto, nada daquilo era só uma pintura ou a cena de um livro. O som do filme, que em nada combinava com os seus pensamentos, era real. O cobertor fazendo as suas pernas suarem era real. O coração perdendo o controle e a língua umedecendo os lábios secos quando percebeu que Hoseok o beijaria era real. A ponta dos dedos macios tocaram suavemente a sua mandíbula e tentou permanecer o máximo possível de olhos abertos para presenciar o momento em que ele fechara os dele e as lentes dos óculos embaçaram.

Os dedos de Hoseok desceram para o queixo de Taehyung e os seus lábios o tomaram delicadamente, sentindo o arfar quente da boca entreaberta dar passagem para a língua, enrolando-se sorrateiramente em uma mistura do amargo do cigarro e o doce do refrigerante de limão. O som tornou-se turvo e Taehyung não conseguia evitar de mergulhar no momento que tanto ansiou, escorregando a mão grande para a nuca de Hoseok, segurando-a em uma firmeza que o fez afastar-se, encostando os lábios no canto de sua boca para não fazer barulho.

Entendia a preocupação dele de não parecer um pervertido enquanto os amigos estavam logo abaixo, realmente prestando atenção no enredo do filme e até comentando sobre ele entre si de vez em quando, mas Taehyung não conseguia evitar o desejo de repetir a dose, algo ali o viciara de imediato. No fim, o beijo apenas serviu para que pensasse nele durante todo o resto do filme e nessa de pensar demais, percebeu que nada saiu como imaginara.

Seu primeiro beijo com Hoseok não foi seguido de declarações e lábios chocando-se com fervor, fruto da pressa de tanta espera. Mal conseguira prever o momento, tão trivial, como se tivessem se beijado inúmeras outras vezes. No entanto, não deixou de ser extraordinário dentro da sua mente apaixonada. Podia ser daquele jeito desajeitado de Hoseok, que não media as palavras e muito menos as ações, Taehyung lembraria-se da cena pintada em sua cabeça, a qual nunca ganharia lugar no papel. Morreria junto a sua frágil memória, pois não sabia se conseguiria livrar-se de tamanha obra de arte quando tudo desse errado no futuro. E se desse.

Por enquanto, aproveitava da sensação de tê-lo em seu colo e suas mãos logo trataram de rearranjar as ondas da cabeça dele, acostumando-se com a textura macia do cabelo repicado escapando entre os seus dedos, gravando a sensação ao ponto de saber que, na próxima vez que o visse, não precisaria tocá-lo para saber o que esperar. Taehyung já o conheceria.

E saboreava cada segundo da intimidade que surgia, matando a saudade daquela estranha sensação de achar que morreria com um simples entrelaçar de mãos e não fugir do toque. Taehyung em nada apreciava estar na ponta dos dedos no precipício, gostava mesmo era de estar sem ar, mergulhado no cheiro de Hoseok enquanto o abraçava em uma crise de riso. O cabelo dele cheirava a menta, e se fosse pensar demais, percebia que o aroma era facilmente confundido com creme dental e, assim, a magia se perdia um pouco no ar, o coração acelerava diferente e o nervosismo tomava conta, voltava a pisar em ovos e as mãos suadas se afastavam, não queria molhar a camiseta larga dele.

Quando o filme acabou e o projetor foi desligado, achou que algo aconteceria, que Hoseok fosse dizer alguma coisa, mas nada de extraordinário aconteceu. Ajudou Namjoon a puxar o colchão com Jeongguk em cima e controlaram as risadas para não acordá-lo, apesar dele ter se levantado meio desnorteado para se deitar no sofá, agora um sofá-cama.

As cervejas foram deixadas de lado há muito tempo, Jeongguk apagou de cansaço – físico e mental – e os outros seguiram na velha rotina de escovar os dentes antes de irem dormir, com conversas baixas e aleatórias enquanto esperavam a vez. Não queriam tocar no assunto que estava logo ao lado, de fato, estavam preocupados, mas deixariam que a noite terminasse leve. Jeongguk não gostaria de saber que foi motivo de conversas noturnas.

E os seus passos ao lado de Hoseok para o quarto de hóspedes pareciam ordinários demais para todo o deslumbramento que sentia. A luz foi apagada, mas o abajur do lado esquerdo da cama foi mantido aceso, as cortinas estavam fechadas e todos os móveis pareciam velhos, talvez fossem da avó de Namjoon ou de Hyejin e por sorte, não havia qualquer fotografia dela no ambiente.

O quarto também cheirava levemente a coisa guardada misturada com o do aromatizador de ambiente que exalava uma fragrância tranquila de alecrim. Ouviu alguns comentários do casal de transformá-lo em um escritório só pela ideia de ter um, possivelmente teria o mesmo cheiro que já tinha, nunca traziam trabalho para casa.

Taehyung olhava para o teto e apreciava a iluminação, até parecia que Hoseok sabia de suas preferências, mas nunca chegaram a tocar naquele assunto. O cheiro que parecia impregnado em seu nariz dissipou-se quando sentiu o colchão ao lado afundar com o peso do corpo dele, o perfume masculino amadeirado fez-se presente e o de cigarro mentolado era distante, mas não passava despercebido pelo seu faro apurado. Aquele aroma sempre o faria lembrar-se de Hoseok.

— Por que você parece tão nervoso? — Hoseok perguntou, a voz parecendo soltar uma observação que havia segurado por toda a noite.

Taehyung suspirou, colocando os braços atrás da cabeça, sem conseguir pensar em uma resposta que fizesse sentido.

— Eu não sei.

— Posso levantar uma hipótese? — Hoseok disse e Taehyung olhou para ele, dando de cara com o seu rosto como nunca vira antes: sem os óculos, os olhos pareciam mais abertos e ele precisou de alguns segundos para se acostumar com o que via.

— Pode — respondeu, meio incerto, tinha receio do que ele via enquanto o lia tão facilmente, mas não podia negar que adorava saber o que as suas feições e trejeitos diziam.

— Bem, eu acho que você está nervoso porque ainda tem algumas coisas entaladas na garganta. Olha eu, por exemplo — Apontou para si, deitado de lado e dando de ombros. —, já disse tudo o que queria, estou pronto para te beijar a noite inteira e passar o resto do inverno ao seu lado, mas você parece ficar junto por um tempo e logo em seguida corre para longe, mesmo que não tenha saído do meu lado. Foi o beijo repentino? Não foi como você esperava? Desculpa, eu não consegui evitar quando te vi me olhando daquele jeito.

— De que jeito? — Taehyung perguntou, sem ar, como se tivesse sido ele a disparar uma frase atrás da outra.

— Como se eu fosse muito bonito, como se você quisesse muito estar comigo e que toda essa espera valeu a pena.

Taehyung prendeu a respiração ao saber que o seu olhar dizia tanto, mas Hoseok ainda parecia ter algumas dúvidas e então, decidiu afirmar:

— E era isso mesmo. — Acariciou a lateral do rosto dele, vendo-o se esforçar a manter os olhos abertos, piscando lentamente.

Hoseok nunca recebera uma declaração de amor, em parte porque não deixava que os outros lhe dissessem coisas bonitas e, bem, não acreditaria nelas de qualquer jeito. Nada daquilo o afetaria, pois todas as pessoas que conheceu não despertaram a vontade de ir além das ondas que se quebravam na margem, mas com Taehyung estava completamente sufocado. Seus olhares o queimavam, o dilaceravam com os sentimentos que conseguia sentir através dos cílios piscando carinhosos para si. Ao lado dele, sentia que podia chegar em casa no fim do dia e ter a certeza de que alguém pensou em si, que lhe desejou o bem, e aquilo parecia um feitiço que aumentava o efeito a cada vez que se viam e se falavam.

— Eu sempre fui muito bom em imaginar. — Taehyung continuou. — Não sou a pessoa mais experiente em relacionamentos, mas já tive alguns e, por isso, tentei prever cada mínima ação sua, desde um possível desinteresse no passado, até a forma como nos beijaríamos essa noite, mas você sempre me surpreende.

"Todas as vezes que procurei pelo o amor, ele parecia vir do mesmo jeito e o fim era me mostrado em um dia ruim, uma previsão ignorada, porque eu não podia me apegar ao pessimismo. E agora, pensando nisso tudo, eu entendo o porquê de desejar que o brilho que orbita os seus olhos nesse exato momento, nunca morra: porque não quero me acostumar com a sua ausência, não quero pensar em destruir cada detalhe seu da minha estante, os quais já estão se acumulando. Não quero que você seja mais um pedaço do meu amontoado de experiências, eu quero que você fique. E olhando para o passado, eu percebo que nunca desejei isso com tamanha intensidade e que talvez, o amor tenha chegado de um jeito diferente dessa vez."

— Eu vou te beijar de novo, tá bom? — Foi tudo o que Hoseok conseguiu responder, recebendo um acenar desesperado antes das bocas se encontrarem no mais puro desejo.

Foi inconsciente se sentar no colo de Taehyung apenas para chegar mais perto e aprofundar o beijo do jeito que queria, do jeito que sempre quis. As mãos dele adentraram a sua camiseta, descobrindo, finalmente, a textura da pele sob o tecido sempre tão largo. As palmas frias o fizeram arquejar, logo os toques tornaram-se cuidadosos e as pontas dos dedos foram passadas pela lateral do tronco, puxando a camiseta para cima e assistindo o rosto de Hoseok sumir por alguns segundos até que ela não fizesse mais parte do seu corpo. E quando os olhos voltaram a encontrarem-se, percebeu que estava hipnotizado. Essa era a sensação toda vez que conseguia vislumbrar o rosto dele, ainda mais tão perto do seu.

Sentou-se no colchão e Hoseok lhe tirou o moletom que ainda vestia, arrepiou-se imediatamente com o contato inédito de pele contra pele e corações batendo na mesma sintonia e ansiedade. Apreciou a sensação e deixou que o beijo se tornasse lento e intenso, saboreando a forma como os lábios eram mordidos e chupados, seus suspiros graves já não tinham controle. Nunca foi de segurar o que queria dizer mesmo.

E naquele quarto, com a meia luz do abajur tingindo tudo em volta de amarelo, mesmo que lá fora o gelo fosse absoluto, sentiram à flor da pele o contraste de uma paixão que começou no outono, mas só ardeu no inverno.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro