Capítulo 2
Rosquinhas, eu não as aguentava mais.
— Eu vou começar a procurar um novo emprego — comentei para Hannah enquanto preenchia uma rosquinha com cobertura de glacê.
Hannah vestia um avental rosa listrado e uma toca tapava seu cabelo que também passou por uma mudança drástica, agora comprido e com franja, mas continuava loiro. Ela riu de mim enquanto montava o pedido de um cliente.
— E como pretende conseguir algo melhor? Você nem terminou o ensino médio.
Aquilo era verdade, embora minha identidade falsa dissesse que eu tinha vinte anos, mas poderia encontrar um novo emprego no mesmo nível que o meu atual. É claro, contanto que não tivesse que me vestir inteiramente de rosa e servir malditas rosquinhas.
— Vou dar um jeito — respondi antes de Hannah se afastar para servir uma mesa.
Para a minha sorte, naquela manhã não teve muito movimento, e conseguimos nos liberar mais cedo para o almoço. Tínhamos combinado de nos encontrar com Laysa.
— Encontrei um apartamento bem bom não muito longe daqui, tem um quarto com cama de casal e a cozinha é conectada à sala. É barato e bem preservado — a loira comentou enquanto caminhávamos em direção ao restaurante.
— Quando pretende se mudar?
Ela deu de ombros.
— Ainda não juntei dinheiro o suficiente, mas o proprietário aceitou parcelar em algumas vezes. Se der tudo certo, estou indo mês que vem.
— Isso é demais! — Contente, dei um leve empurrão em seu ombro. Hannah riu.
— Mas não comenta com a Laysa, quero contar à ela com calma.
Assenti antes de entrarmos no restaurante.
O lugar não era muito grande, e tinha uma decoração relativamente comum, mas a comida servida era maravilhosa.
Encontrei Laysa já nos esperando numa mesa, e caminhei com Hannah até ela.
— Oi, meninas — a garota falou animada.
Laysa estava loira, e usava lentes de contato verdes. Eu a preferia com o característico cabelo vermelho, mas tinha que admitir, ela estava linda mesmo assim.
Hannah sentou ao lado da melhor amiga e praticamente enfiou o rosto no cardápio, já escolhendo o que comeria naquele dia. Comida era um assunto importante para a anjo caído.
Me acomodei de frente para elas e li o cardápio com um pouco mais de delicadeza e calma. O garçom logo apareceu.
— Bem-vindas de volta. O que vão querer hoje?
Nós já havíamos ido lá várias vezes, acabou se tornando um costume. Por isso, os funcionários já começavam a nos reconhecer.
— Eu quero um cheeseburger, mas sem pepino — Dei uma pausa para o garçom anotar — e um copo de suco de laranja. Ah, e traz ketchup extra, por favor.
— Anotado. E vocês duas?
Laysa e Hannah fizeram seus pedidos, e logo o garçom voltou para a cozinha onde mandaria prepará-los.
— Como está a loja de rosquinhas?
Deixei que Hannah respondesse.
— Não o trabalho com o qual sonhávamos, mas está rendendo um bom dinheiro.
Concordei com a cabeça.
— Mas pretendo procurar algo melhor logo — admiti — Eu não aguento mais passar cobertura em rosquinhas.
As garotas riram.
— E o consultório? Anda muito lotado?
— Ah — Laysa colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha — Esteve mais calmo nesses últimos dias, logo a doutora entra de férias. Ela vai viajar para a Espanha, vai ter uma conferência da área dela.
— Ela te deu folga nesse tempo? — perguntei curiosa, não seria nada mal tirar uma semana de folga.
— Sim, mas antes preciso desmarcar todas as consultas que ocorreriam nesse tempo.
No fim, a pessoa que conseguiu o melhor emprego foi Laysa.
O garçom voltou com nossos pedidos, e percebi que seu olhar se demorou em Hannah. Ela sorriu para ele e o homem fez o mesmo.
Troquei um olhar cúmplice com Laysa, e esperei o garçom se afastar.
— O que foi isso?!
Hannah me olhou confusa — Isso o que?
— O garçom — Laysa explicou o óbvio — claramente dando em cima de você.
A loira riu.
— Não inventem coisa. Ele só foi simpático — tentou negar.
— Ah sim, só com você.
Dei uma mordida em meu hambúrguer, estava delicioso, e limpei a boca antes de falar.
— Você deveria dar seu número a ele. O cara é gato.
O rosto de Hannah enrubesceu, e a garota comeu sua batata frita claramente constrangida.
Enquanto comíamos, Laysa arregalou os olhos e pegou o guardanapo que Hannah ainda não havia usado.
— Acho que não vai ser necessário — Ela virou o papel para nós.
Lá estava escrito em caneta azul um número de celular. Ninguém precisava questionar de quem era.
— Eu falei que ele estava dando em cima de você?
Hannah deu um tapa em meu braço e sussurrou:
— Fala mais baixo, que vergonha.
Eu e Laysa apenas rimos da situação.
Conversa vai, conversa vem, terminamos de comer e fomos pagar a conta. Não me passou despercebido Hannah guardando o guardanapo no bolso, aquilo me fez querer rir.
Fazia tempo que eu não me divertia assim, precisava agradecer muito as garotas por deixarem que eu me tornasse amiga delas. Era assim que eu deveria passar minha adolescência, não presa em um reformatório.
Do lado de fora, cada uma seguiu seu caminho. Laysa voltou para o consultório, já eu e Hannah para a loja de rosquinhas.
A tarde passou rápido, e logo fechamos a loja. Peguei algumas rosquinhas para levar ao pessoal e voltamos para nosso apartamento.
Quando chegamos em casa, Esdras e Katherine já estavam lá.
— Oi, pessoal. Eu trouxe rosquinhas — falei deixando a caixa no balcão da cozinha. Katherine saiu correndo para pegar uma, ela as adorava.
— Como foi o trabalho? — perguntou após dar uma mordida em sua rosquinha.
— Ah — Encolhi os ombros — O de sempre, um pouco cansativo.
Hannah acenou e foi direto para nosso quarto, estava tão cansada quanto eu.
— Hoje precisei chamar o Es no trabalho — Kath contou já comendo sua segunda rosquinha — Um cliente tentou me agredir porque não tínhamos o pedido que ele queria.
Arqueei as sobrancelhas surpresa e lancei um olhar para Esdras. Ele estava sentado no sofá assistindo televisão, mas virou para mim e concordou com a cabeça.
— Expulsei ele de lá — E eu tinha certeza de que não precisou se esforçar muito para isso.
Esdras tinha um treinamento pesado no reformatório, seu físico não era o de qualquer um. Dificilmente alguém conseguiria vencê-lo numa luta, pelo menos não um humano.
— E você está bem?
Katherine dispensou minha preocupação com um balançar de mão.
— Estou ótima, ele nem conseguiu chegar perto de mim por causa do balcão.
Sorri um pouco mais aliviada.
Ela engoliu o resto da rosquinha e chupou os dedos sujos de cobertura.
— Vou tomar um banho, já volto — disse se retirando, deixando Esdras e eu sozinhos.
Fui até a cozinha e enchi um copo de água. Ela era conectada à sala, então não tinha problemas em me comunicar com Esdras.
— Quer alguma coisa? — perguntei alto.
De onde eu estava, dei uma espiada em Esdras enquanto esperava por sua resposta.
— Não, obrigada.
Ainda era estranho ouvi-lo me agradecer por algo, no reformatório eu estava acostumada a ouvir apenas xingamentos.
Voltei para a sala com meu copo e sentei ao seu lado. Do bolso de meu casaco, tirei um pacote vermelho e entreguei para Esdras. Ele olhou confuso, mas logo entendeu. Eram twizzlers.
— Como sabia que eu gostava? — questionou enquanto abria o pacote.
Se eu contasse a verdade, provavelmente deixaria um clima chato, e nós dois nos constrangeríamos à toa. Então, dei de ombros como se não fosse nada importante.
— Adivinhei.
Esdras continuou me olhando um pouco desconfiado, mas acabou se rendendo aos doces.
Bebi um gole de água enquanto o observava. Ele realmente gostava daquilo, pois devorou todos os palitinhos em poucos segundos.
— Ah, também tenho algo pra você — falou limpando os dedos na camiseta e se levantou.
Esdras foi em direção ao seu quarto, e eu fiquei parada apenas aguardando, um pouco confusa com o que poderia ser. Ele voltou tão rápido quanto saiu e sentou novamente ao meu lado.
— Antes de Will... dar a vida em troca da minha, ele colocou isso no meu bolso. Descobri quando fui jogar minhas roupas fora, foi uma baita sorte eu encontrá-lo antes de me livrar do casaco.
Eu não estava entendendo, até que o ex-guarda estendeu para mim o conhecido anel prata de Will.
— Você... — Peguei o anel de sua mão — Você estava com ele esse tempo todo?
Esdras pareceu ficar sem graça com meu comentário.
— No início, achei que só iria magoá-la se o entregasse. Pensei em esperar um pouco, até a poeira baixar. E depois, bem, a gente mal se vê desde que todo mundo começou a trabalhar.
Não respondi, pois estava vidrada demais no anel em minhas mãos. Aquela era minha última lembrança de Will, a única coisa que tinha para guardar que era dele.
Coloquei o anel em meu polegar e levei a mão contra o peito, fechando os olhos por alguns segundos.
— Obrigada — sussurrei.
Esdras deixou sua mão sobre meu ombro, e o apertou de leve.
— Eu sinto muito mesmo. Se pudesse mudar o que aconteceu, pode ter certeza que eu mudaria.
— Não — deixei minhas mãos caírem sobre meu colo — Se você morresse, o que seria de Katherine? E de todos nós?
Seu aperto em meu ombro aumentou, até que Esdras o soltou.
— Não posso dizer que preferia estar morto, mas não queria ser o motivo de você perder seu irmão mais uma vez. Me sinto no mesmo nível que seu padrasto.
— Você não é igual a ele — respondi em tom sério, meu olhar focado nos olhos azuis de Esdras — Jamais vai ser. Não pense que eu o culpo pelo que aconteceu, pois não é verdade. No fim, foi a escolha de Will se sacrificar.
Depois de dois meses do ocorrido, eu tive tempo para pensar em tudo o que aconteceu. Will foi mais uma vítima da Corte, assim como todos nós. Ele fez a escolha dele, embora tenha me deixado arrasada mais uma vez, mas eu não poderia culpá-lo por isso. Perder suas memórias e descobrir que tudo o que acreditava era mentira, tudo que você é era mentira. Quem não iria querer se livrar dessa dor?
Esdras sorriu, um sorriso triste e distante, mas que fez meu peito esquentar.
— Eu só espero fazer jus à segunda chance que recebi — Seu sorriso vacilou.
Segurei uma das mãos dele entre as minhas.
— Você já está fazendo. Cuidou de nós depois de tudo que aconteceu, ainda cuida. Sem você, a gente estaria ferrados — Eu estaria ferrada.
— As vezes me impressiono com o quão errado estava sobre você — admitiu, me pegando de surpresa.
— Como assim?
— No reformatório, eu pensava que você era uma adolescente mimada e irritante — contou, mas isso não me chocou, eu era mesmo — Mas você se mostrou ser muito mais do que isso.
— E o que exatamente eu sou? Diga, com todas as letras — tentei fazer graça.
Esdras negou com a cabeça rindo.
— Bem, já que faz tanta questão de saber — Desviou o olhar para cima — Você se preocupa com os outros, embora tente não demonstrar. Está sempre pronta para ajudar quem precisa. É um pouco irritante sim, mas isso não dá pra mudar — Dei um tapa no braço dele, que apenas riu — Você tem um bom coração, Aalis. Mesmo que acredite não ter.
Apertei a mão de Esdras em agradecimento, e não consegui conter o sorriso que surgiu em meu rosto.
— Sabe, você é a primeira pessoa que realmente acredita em mim, no meu potencial, desde que Will se foi pela primeira vez.
Quando revelei meu segredo para Esdras, ele relutou no início, mas depois me apoiou como ninguém havia feito antes. Eu devia muito a ele.
Esdras abriu a boca para responder, mas a porta de entrada foi aberta com certa violência, nos assustando. Acabei soltando a mão dele no susto, e me virei para onde vinha o barulho.
Nike e Tristan entraram carregando sacolas de supermercado. Eles não pareceram perceber o momento íntimo que estava rolando entre mim e Esdras, graças a Deus.
— Trouxemos o jantar — o loiro falou indo largar as sacolas na cozinha, Nike o acompanhou.
Alguns minutos depois, Laysa e Logan apareceram, completando o número de habitantes da casa.
Esdras levantou do sofá e foi ajudar os garotos com a comida, me deixando sozinha no sofá com meus pensamentos.
Eu precisava sair daquele apartamento, e logo. Não conseguiria esconder por muito mais tempo o que sinto, e isso poderia dar muito errado.
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Meu deus como eu tava com saudades de escrever essa história kkk
Não esquece de votar e comentar o que achou do capítulo <3 <3
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