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❙❘ Vinte e Quatro ❘❙

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A mentira se constrói lentamente, como um castelo de areia, mas a verdade chega como uma onda gigante, que se forma no mar profundo e se quebra na praia com força avassaladora.

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— Mãe? Como estou? — Dona Maria parou para analisar sua filha em frente ao espelho: as unhas foram pintadas com um tom de vermelho vibrante, os cabelos ganharam ondas suaves e a maquiagem realçou os olhos azuis de Clara.

Ela se sentia de volta uma jovem de 14 anos se aprontando para o Furacão 2000, mas agora tinha o dobro da idade, o vestido não era tão chamativo como naquela época e dessa vez o sapato tinha um salto agulha e solado vermelho. E o mais importante: ela ia se encontrar com os amigos em um bar com bebida alcoólica de verdade.

— Você está linda, minha filha! — sua mãe colocou as mãos sobre a boca e seus olhos se arregalaram ligeiramente enquanto exclamava, ela sabia que a filha era bonita, mas depois de maquiada e com a roupa adequada para a noite ela ficou sem palavras — simplesmente esplêndida, minha princesa!

— Obrigada, minha rainha — ela desviou o olhar do espelho e virou-se para encarar sua mãe de frente, apoiou a mão atrás da orelha para destacar o adorno. — E o brinco? Foi presente do Caio no nosso último aniversário de casamento.

De repente o clima festivo e nostálgico se desintegrou no ar, dando lugar ao clima pesado de tristeza e luto. Fazia pouco mais de um ano que Clara perdera seu marido, o maior surfista mundial, o brasileiro Caio Pupo.

— É lindo filha! Mas vá logo, que está na sua hora, termine de se arrumar, antes que você estrague a maquiagem. Eu não sei o quanto deve ser difícil perder seu marido, porque o meu ainda está saudável e respirando — escapou uma risada —, mas eu sei que a minha filha precisa seguir a vida, mesmo que não encontre outra pessoa, ou se encontrar também, não há problema. Você é minha joia rara, filha. Eu te amo e desejo toda felicidade para você em sua vida.

Dona Maria abraçou a filha segurando suas próprias lágrimas, porque ela sabia o quanto a filha era sensível e provavelmente estava prestes a borrar a maquiagem e estragar a noite.

— Vai logo — apressou sua mãe lhe entregando a bolsa e saindo pela porta o tanto que suas pernas a deixavam se apressar.

Clara deu um forte suspiro mirando seu reflexo no espelho, sua mãe tinha razão, sua vida não precisava parar. Lembrou de um momento em que estavam na Itália antes de um circuito e abraçados observavam o nascer do sol na sacada do hotel.

— Eu sei que meu trabalho é arriscado e eu seria um tolo se te prendesse por causa disso — segurou em seu queixo fazendo Clara olhar em seus olhos.

— Tolo? Que conversa é essa, Caio? — sua expressão era de total confusão, mas se suavizou em seguida.

— Só me prometa, Clara, que se algo acontecer comigo você vai seguir sua vida sem olhar para trás. Eu estarei em paz em qualquer escolha que fizer, eu juro. — Ele foi duro com ela para que ela entendesse a seriedade de suas intenções, mas havia gentileza e amor em cada palavra.

— Eu prometo — respondeu olhando em seus olhos, mas foi puxada para um abraço forte que trouxe para Clara um sentimento estranho de despedida que fez seu coração apertar.

Com essa lembrança, Clara pegou o celular em cima da penteadeira e saiu atrás da mãe, parou brevemente em frente a porta do quarto de Camille para chamá-la batendo à porta levemente.

O endereço que Dominic passou não era muito longe dali, mas a pé seria inviável de salto alto. A praia de Jurerê Internacional era dividido basicamente em três partes, ao sul havia a área de marinas, depois vinha a parte residencial, onde os pais de Clara moravam, e mais ao norte a área turística com bares e restaurantes, baladas e outros comércios a beira mar. E era para o último que estavam indo agora.

Fazia muito tempo que Clara não passava por aquele lugar, mas não estranhou o trajeto que o motorista de aplicativo fez. Aquele caminho, outrora familiar, agora a transportava para um mundo desconhecido, despertando uma nostalgia que a emocionava. As luzes spots das casas noturnas pintavam o céu como um quadro abstrato, e a cada esquina, uma nova fachada iluminada a convidava a entrar. O vento quente da noite carregado pela fumaça dos cigarros eletrônicos acariciava seu rosto, enquanto a vibração do carro ecoava em seu corpo, acompanhando o ritmo da cidade. A ansiedade crescia a cada curva, e a expectativa pela noite a consumia.

Chegando ao ponto final no aplicativo de GPS, o motorista parou o veículo e confirmando o local no convite digital, Clara e Camille desceram. O nome do bar era o destaque na fachada de pedras, decorada com um painel de madeira e folhas de palmeira, uma decoração discreta. Pier Havana Lounge Bar.

Um segurança alto e forte guardava a porta de entrada, e após conferir o convite ele as instruiu a solicitar o cartão VIP no balcão, que seria usado para o consumo no estabelecimento.

— Vou mandar mensagem pro Dom pra avisar que chegamos — Camille abre a pequena bolsa para pegar o celular, enquanto Clara se prontificou de pegar o cartão.

Entrando pela porta principal qualquer um ficaria encantado com a decoração boho chique. O piso era dominado por madeira envernizada brilhante, nas paredes a pedra dava uma sensação de aconchego. Na decoração os elementos como palha e folhas verdes nativas traziam a simplicidade e o frescor da praia.

No ambiente tocava o melhor da Música Tropical Deep House de Ibiza, algumas mesas já estavam ocupadas, uns se balançavam sob o som da leve batida, outro riam alto alterados pelo álcool.

Com a vida de universitária, Camille nunca foi a nenhuma balada ou algo do tipo, e mesmo que tivesse tempo, em Paris não teria nada comparado a esse lugar. Automaticamente se tornou seu bar favorito no mundo.

— Olá, boa noite, sejam bem vindas — uma moça muito simpática as recepcionou segurando um tablet junto ao corpo, pediu o cartão de comanda e retirou uma caneta touch do bolso da camisa branca para fazer anotações — mesa para quantos?

Clara avisou que estava esperando uns amigos e a recepcionista as levou até uma mesa adequada.

— Olha só quem chegou — Dominic aproximou-se a passos largos e cumprimentou cada uma com um beijo no rosto — vocês estão muito lindas esta noite.

— Obrigada querido — respondeu Clara, Camille agradeceu com um beijo discreto no ar, Dominic corou levemente, mas só a recepcionista viu.

— O que querem beber? Posso preparar qualquer coisa, mesmo se não tiver no cardápio.

— Hum, eu quero Margarita, — Camille disse depois pensar um pouco — e você mãe?

— Duas então — sorriu para a filha e receberam um sinal para sentarem.

— Pode deixar, eu mesmo vou preparar para vocês, volto logo. — virou para a recepcionista — ah você pode por elas naquela mesa ali — diz apontando — essa mesa é muito boa, mas tenho uma surpresa pra minha futura namorada e aquela mesa será perfeita para o que eu planejei.

Alguns minutos se passaram e Henrique entrou no salão, era impossível não notar Clara, sua presença sempre iluminou qualquer ambiente, era como se tivesse um holofote em cima de si onde tivesse; Seus passos automaticamente seguiram até ela, faziam muitos anos que não tinha notícias, mas jamais se esquecera do seu rosto.

— Clara? — inclinou um pouco a cabeça para ver sob a luz do ambiente e ter certeza se era ela mesmo.

— Henrique? — perguntou retoricamente olhando em sua direção, já se pondo de pé ao reconhecer o amigo dos irmãos que abalaram seu verão de 92 — que surpresa te encontrar aqui!

— Eu que digo, que surpresa incrível! — abraçou Clara rapidamente com um beijo estalado no rosto. — Eu quero muito falar com você, mas eu preciso encontrar primeiro a mãe de uma amiga do meu filho, elas cuidaram dele muito bem enquanto ele estudando fora e eu queria agradecer. — olhou em volta — meu filho disse que elas estavam por aqui, mas não encontro, será que entendi errado?

— E por acaso seu filho se chama Dominic? — Clara se alegrou com a descoberta naquele momento, só deixou seu sorriso mais radiante.

— É sim, como você sabe? — perguntou incrédulo franzindo a testa entre os olhos.

— Por acaso sou eu, e essa é minha filha Camille — a moça se pôs de pé para cumprimentá-lo.

— Oi, eu sou a Camille — seu sorriso era idêntico ao de Clara, mas em seu rosto havia um toque a mais que ele não se lembrou imediatamente.

— Ah, então só pode ser o destino. Muito prazer, Henrique. — respondeu surpreso enquanto ligava os pontos em sua mente, mudou seu tom para melancólico segurando as mãos de Clara — de coração, muito obrigada por vocês darem essa atenção aos meninos, o Dom e o Liam ficariam realmente perdidos se não tivessem vocês lá, e eles falam tanto de vocês, — abruptamente, adotou um tom mais jovial e alegre — e meu Deus, como eles falam, mas não tivemos outra oportunidade de nos conhecer.

— Imagina, só estou retribuindo um favor que recebi uma vez — Clara relembrou da vez que um senhor muito simpático a abordou na loja de pranchas do Rodrigo, lhe oferecendo uma bolsa de estudos em Paris.

Foi inesperado e a proposta a deixou muito desconfortável. Porque oras um senhor mais velho iria lhe faria tal proposta na beira da praia? Mas para provar que suas intenções eram genuínas ele solicitou uma conversa com seus pais e com a ajuda do seu filho também.

Acontece que esse humilde senhor era dono de uma grande empresa no setor de surf na Europa, lá eles faziam pranchas e outros adereços, roupas de mergulho, tudo para o mundo aquático, e ver o talento escondido de Clara era como encontrar uma joia rara dentro de uma concha recém aberta: precisava ser polida antes de se tornar um brinco ou anel em uma vitrine de uma loja de luxo.

Dona Maria e senhor Narciso nasceram na roça e viveram na praia, mas não eram ingênuos, e precisou muitos encontros e provas de recomendação antes deles decidirem deixar sua filha mais velha estudar fora do pais.

— Eu trabalhei no ramo a minha vida inteira — explicou o senhor gesticulando — e eu vejo o talento emanando da pessoa quando eu vejo. A filha de vocês tem esse talento e eu gostaria de lapidar. — E continuou recostando no sofá velho da família. — Podem ter certeza de que ela terá tudo por lá, um lar para viver, estudo e trabalho, eu quero realmente investir no futuro da filha de vocês.

Depois de tanto pensar, por mais que estivesse tentados, eles jamais obrigariam a filha a fazer algo que não quisesse, e caberia ela tomar a decisão final.

— É verdade, você sumiu do nada e fiquei sabendo que você tinha ido à Paris estudar — fez um sinal para elas se sentarem para não interromper a conversa, o garçom chegou em seguida com as bebidas, serviu e avisou discretamente que Dominic estava verificando pessoalmente os petiscos com o Cheff.

— Sim, eu fui para lá estudar, casei e essa é minha preciosa. — disse segurando a mão da filha.

— Ela é linda, a sua cara — foi sincero, mas não podia deixar de notar a semelhança naquele olhar. Ahá, como um estalo ele havia se lembrado com quem ela também se parecia, seu amigo de infância.

— Parabéns pelo seu bar, ele é lindo — elogiou reparando no delicado lustre acima da sua mesa, era como uma árvore rosé de cabeça para baixo e nas pontas dos galhos fossem pontos de luz — me lembro que me disseram que esse era seu sonho.

— Verdade, eu também adorei e olha que não fui a muitos bares.

— Ah é? — perguntou em tom de deboche — e a quantos você já foi?

— Bom, esse é o primeiro, e por isso é especial. — Ambos fizeram um sonoro "ah entendi" tentando segurar o riso olhando pela perspectiva da garota.

— Então não puxou a sua mãe, porque ela não saia do Furacão 2000!

Com essa piada interna foi difícil segurarem a gargalhada, até Camille se juntou a eles.

— Mas e o Liam? Onde ele está? — perguntou olhando ao redor na tentativa de captar a presença do rapaz.

— Ele está logo ali — disse apontando para a janela grande, onde os fundos do terreno dava para a praia e além dele no breu do mar apenas um ponto luminoso podia ser notado, — na lancha do pai dele, no caso, ele está com a namorada e acho que vai passar a noite com ela.

— Ali está ele! — exclamou ele, apontando para a imensidão escura do mar. A janela emoldurava um quadro noturno: o mar, calmo e escuro, se estendia até onde a vista alcançava. A luz fraca de uma lancha cortava a noite, revelando uma pequena embarcação balançando suavemente sobre as ondas. — Na lancha do pai, com a namorada. Provavelmente passarão a noite juntos.

Dominic se aproximou com a ajuda do garçom. Por um momento, Clara observou o rapaz servir os petiscos. Seus ombros largos, a barba por fazer e a segurança em seus movimentos a fizeram piscar, surpresa. Não era mais o adolescente que ela conhecia, aquele que vinha à sua casa com a mochila nas costas, pedindo ajuda com o francês. Agora, ali, diante dela, estava um homem, seguro de si e com um charme que a surpreendeu. Um nó se formou em sua garganta.

Aqueles meninos, que ela acolhera em sua casa como se fossem seus próprios filhos, haviam se transformado em homens. E um deles, Dominic, parecia ter conquistado o coração de sua filha. Clara e Camille trocaram um olhar rápido, repleto de cumplicidade. A jovem sorriu, e Clara sentiu uma emoção diferente. Era como se estivesse sendo apresentada a uma nova versão de sua filha, uma mulher forte e independente.

— Filho, você não tinha me mostrado nenhuma foto nem o nome dela, mas nós já nos conhecíamos — reclamou se divertindo com a descoberta.

— Olha que legal, e de onde se conheciam? — Clara sempre perspicaz, pensou rápido no que poderia responder, em sua cabeça ela estava diante de todo o seu passado vindo para cima como se levasse uma onda na cabeça.

— Ela era...

— A gente morava no mesmo bairro em Cerca Grande — Clara disse rapidamente interrompendo Henrique, que percebeu que Clara não queria tocar no assunto, se perguntou o que ela estava pensando e o que queria esconder.

Clara não sabia que Diego era o sócio de Henrique e estava no escritório a poucos metros e sem sombra de dúvidas que ele iria sem rodeios até Diego lhe contar que Clara estava no salão.

De repente um trio se aproximou da mesa escoltados por uma recepcionista. Clara olhou na direção e ficou em pé imediatamente, eram seus amigos da escola. Petry ainda era magro e alto, mas a idade lhe caiu bem e agora ele arrasaria corações, com toda certeza. Catarina deu um tom diferente ao seu ruivo com uma californiana discreta, clareando um pouco as pontas, seus cachos foram domados, enfim. Douglas agora tinha braços fortes, um deles tatuado do ombro até os dedos da mão e não havia nenhum traço do menino baixinho, roliço e desengonçado.

Revê-los fez Clara se emocionar, indo ao encontro deles para abraçá-los, todos se cumprimentaram e Henrique os deixou conversando fazendo um sinal silencioso para ela "depois a gente conversa mais".

Clara apresentou orgulhosa a filha aos amigos, a última vez que eles a viram ela era adolescente e agora ela era uma mulher feita.

Entre conversas animadas, Dominic apareceu com o barman e uma surpresa para o grupo: em uma bandeja especial ele trouxe drinks coloridos e entre os copos velas estrelinhas soltavam faíscas deixando o momento extasiante.

Enquanto todos estavam hipnotizados com o show do barman, Dominic cochichou no ouvido de Camille e segurando sua mão a levou pelo salão sem dizer uma palavra, ela apenas o seguiu.

— Deixa eu te ajudar — fora do salão principal, o rapaz se abaixou e tirou o salto de Camille calçando um sapatinho confortável para o trajeto na areia, andaram entre quiosques até chegar em seu destino.

O pequeno ninho que preparara era um convite ao relaxamento: almofadas macias em tons pastel, velas cintilantes espalhadas sobre a mesa de centro e a presença das estrelas cintilantes em um céu sem nuvens, criando uma atmosfera suave e aconchegante. O som das ondas, quebrando suavemente na praia, era a trilha sonora perfeita para a ocasião. A penumbra, intensificada pela luz das velas, revelava pequenos pontos verdes que dançavam entre a vegetação. Vagalumes! Camille sorriu ao reconhecer os antigos conhecidos de sua infância.

— É incrível como a natureza nos surpreende, não é? — ele comentou, observando os vagalumes.

Ele pediu para que ela se sentasse e ele se sentou ao seu lado. Na mesa central já haviam dois drinks coloridos que Clara fez questão de provar quando o rapaz abriu a caixinha turquesa que pousava ali, revelando um tesouro: um par de anéis em ouro rosé, delicados e elegantes com um design moderno e a letra "T" entrelaçada nos elos. Um deles, era acompanhado por um anel "Half Eternity", cravejado de diamantes que cintilavam como estrelas.

— "T" de você é meu "tudo". Aceita ser "toda" minha? Minha melhor amiga, minha amante, minha mulher, minha namorada...

— Sim!!

Institivamente Camille inclinou seu corpo em direção ao rapaz e selou seus lábios no dele tentando segurar um sorriso tímido, ela estava feliz, porque ele a deixava assim.

— Deixa eu por em você — deslizou os anéis nos dedos magros da sua agora namorada e ela colocou o anel no dedo dele. Notou uma mancha azul e fez uma cara de interrogação.

— O que seria essa mancha nas suas mãos? — riu divertida.

— Ah, é o corante dos drinks, a prova de que fui eu quem fiz, viu? — puxou as taças até a borda da mesa para ela alcançar. — O que achou?

— Uma delícia! Você me surpreende sempre — bebericou do canudinho entre risadas e depois se aconchegou nos braços do seu amor aproveitando aquela noite tranquila.


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