05 - Carência
"Não sei por que, mas você é a primeira pessoa com quem eu gostaria de dividir todos os meus momentos bons!"
O celular de Ângela tocou fazendo seu sorriso sumir; era o irmão querendo saber da conversa delas.
— Ainda estou conversando com ela, Anselmo. Calma. Escuta, você a mandou sair do corpo de bombeiros. Você enlouqueceu?
— Eu fui transferido para lá, não podia ir sozinho e apenas me certifiquei... É pro bem dela, Ângela. Acredite.
— Isso não se faz, Anselmo — repreendeu, aborrecida. — Preciso desligar, depois nos falamos. E o senhor vai me ouvir, nem adianta fazer drama. — Ofegava quando disse a última frase e desligou sem esperar resposta do irmão.
Ângela suspirou profundamente. Olhou para Fabí e segurou sua mão em apoio. Abraçou a cunhada carinhosamente.
— Vou gostar de tê-la por perto! — disse por fim.
— Obrigada. Agora preciso trabalhar. — Afastou-se sem fitar os olhos da médica. — E você deve ser muito exigente, pois linda desse jeito eu teria um monte atrás de mim. — Beijou-a no rosto e saiu.
Sorrindo, Ângela meneou a cabeça e observou-a sair. Não sabia de onde vinha a química que nasceu entre elas, mas estava gostando muito da ideia. Seriam grandes amigas.
∞
Fabí, sentindo-se a pior pessoa do mundo, deu entrada no pedido de exoneração do Corpo de Bombeiros.
— Pense bem, sargento! Peça uma transferência, uma licença, mas exoneração acho muito radical. Afinal você só vai para outro estado — aconselhou o diretor de gestão de pessoal do batalhão.
— Eu sei — disse sentindo uma pressão na garganta, só queria correr dali. — Mas já decidi. Obrigada pela preocupação.
— Está acontecendo algo? Você deseja conversar com alguém a respeito? — insistiu.
— Não. Já fui à secretária, só preciso dar andamento — garantiu sem fitar os olhos do superior.
O procedimento de desligamento dela da corporação correria e teria até quarenta e cinco dias para ser publicado, finalizando sua estadia naquele cargo. Fabí estava anestesiada com tudo aquilo. Saiu do batalhão com lágrimas de ódio nos olhos, levando suas coisas. Uma sensação de impotência tomou conta de seu corpo. Colocou seus pertences no carro e tentou se recompor. Pegou o celular, ainda trêmula, e ligou para Anselmo, o delegado não atendeu. Então ligou para Ângela.
— Onde você está? — perguntou a médica. — Encontro você — garantiu, preocupada com o tom de voz da cunhada.
— Estou querendo morrer de raiva. Vou para a minha casa, obrigada, mas não precisa vir me encontrar. Achei que Anselmo estivesse com você.
— Eu quero ir, Fabí. Estou sozinha, me diz onde você mora, encontro você lá.
— Ok. Pegue um táxi e peça para que ele a deixe no edifício La Paz, na Liberdade, 407.
Quinze minutos depois, Ângela estava tocando a campainha do apartamento de Fabí. Logo notou que havia chorado.
— O que ele fez dessa vez? — Ângela perguntou, abraçando-a.
Fabí apontou um sofá para a médica se sentar e acomodou-se ao lado dela.
— Eu dei entrada no meu desligamento do cargo que mais batalhei para conseguir.
— Já disse que você não precisava fazer isso. Não tem como voltar atrás?
— Desculpe, Ângela, mas seu irmão não é santo. Não tenho como voltar atrás. Devia ter voltado há alguns anos, agora é tarde.
— Do que está falando? Vou ligar para ele. Ele vai ter que desfazer isso. Que espécie de homem ele é? Vai me contar direitinho o que está acontecendo. — Ângela pegou o celular, indignada, mas Fabí a impediu.
— Não precisa. Vou me casar, morar no Rio de novo e seja o que Deus quiser.
Ângela franziu o cenho. Achou aquela reação estranha, mas decidiu não se meter demais no assunto naquele momento. Conversaria com o irmão. E tentaria descobrir o motivo de tudo aquilo.
— Você quer conversar? — Tentou uma abordagem mais sutil.
— Não. Só quero chorar em seu colo.
Apesar de tudo, Ângela apenas deixou que ela se deitasse em seu colo e a consolou. Mas aquela história esquisita não saía de sua mente. Martelava sem parar.
Há algo muito estranho entre esses dois! — pensou enquanto acariciava o cabelo trançado de Fabí.
Os dois dias que se seguiram foram de preparativos para retornarem ao Rio de Janeiro. Fabí fez a inspeção de saúde e entregou todo o material que estava cautelado em seu nome e recebeu dispensa da agregação, não precisaria ficar à disposição do quartel, esperaria o processo de desligamento fora da cidade. Os três desembarcaram no Rio; e Ângela foi para casa, Anselmo foi com Fabí para apartamento dele.
— Vou descer.
— Mas já? Descansa um pouco. Vou fazer algo para comermos. Acabamos de chegar, Fabí.
— Eu sei, mas graças a você, sou uma desempregada. Vou comprar um jornal e procurar emprego.
— Espera. Eu preparei tudo, fica tranquila.
— Preparou tudo, Anselmo? O que você fez agora?
— Enviei seu currículo para o Bueno Sanchez. Você tem uma entrevista segunda-feira às dez horas. Você é formada em enfermagem, vai poder exercer. — Quando viu que ela não esboçou a reação desejada, perguntou: — O que houve? Não está feliz?
— Não. Não tem como ficar feliz com você me tratando como se eu fosse uma boneca, propriedade sua. Vai ser assim? Vou estar sempre à sua sombra?
— Mas meu...
— Calado, Anselmo. Vamos repensar nossa vida, vai ser melhor. — Interrompeu e passou as mãos no rosto. — Largar o corpo de bombeiros daquela forma me fez pensar em tudo o que me levou a fazer aquilo.
— Você vai quebrar sua promessa?
— Não. Vou estar sempre com você, mas pare de viver minha vida por mim. Eu sou capaz de conseguir emprego, sozinha, não preciso de você para isso. Eu poderia ser bombeira aqui sem correr esse risco que você acha que correria. Mas você é desprezível e não só usa a chantagem emocional como a mais mesquinha das chantagens.
— Desculpa. Você vai fazer a entrevista? — perguntou ignorando o que ela falava.
— Vou. — Passou as mãos no rosto, exausta, já desistindo de qualquer assunto com ele. — Mas vou descer agora e procurar outra coisa. Se ainda me lembro, o seu pai não é flor que se cheire e tenho certeza de que você não contou quem eu sou.
— Não. Desculpa. — Tentou respirar fundo, mas não conseguiu e foi à cozinha, onde pegou uma garrafa de água.
Fabí correu até ele e entregou um remédio e o abraçou em seguida:
— Oh, Anselmo, pare de fazer as coisas por mim. Eu adoraria correr atrás de emprego. — Suspirou ao vê-lo melhor. — Vou procurar um apartamento para morar. Afinal ainda faltam seis meses para nosso casamento.
— Você...
— Não diga nada — interrompeu-o. — Não vou morar aqui. — Beijou-o suavemente na boca e o olhou nos olhos. — Gosto muito de você, mas se continuar com esse controle sobre mim, nós vamos ter muitos problemas. Temos um acordo. Não sou propriedade sua. Entenda! E nunca mais em sua vida faça o que fez comigo de novo, ouviu?
— Vou tentar me controlar, prometo. Vou à 16ª agora, mas volto para jantarmos juntos.
Fabí desceu, entrou em uma banca de revista, já conversou com o dono como se o conhecesse há muito tempo. Seu carisma e desenvoltura para lidar com pessoas conquistava quem se aproximasse dela.
— Você é baiana? — perguntou um cliente do jornaleiro.
— Só de coração. Sou daqui, mas estava morando em Salvador havia dez anos. Amo aquela cidade. Você é de lá?
— Sou de Juazeiro, vim tentar a vida aqui.
— Conseguiu? — indagou, sorrindo.
— Estou na luta!
— Pois pronto. Vai conseguir. Quem luta sempre alcança. — Apertou o ombro dele em despedida e saiu da banca.
Entrou numa loja de artigos para o lar, falou com as vendedoras.
— Tô só olhando e conhecendo o bairro, minha linda. — Olhou para o crachá dela. — Cilene, nem precisa me mostrar nada — disse para a vendedora que a seguiu.
A jovem sorriu e respondeu a perguntas de Fabí, que quis saber sobre o que faziam para se divertir por ali. Outra moça entrou e chegou perto da vendedora.
— Essa é a Luciana, trabalha aqui perto, mas vai dar uma festinha na casa dela. Quem sabe pode ajudar.
— Oi, Luciana — disse e beijou o rosto da moça, que sorria. — Sou Fabiana, mas pode chamar de Fabí, que eu atendo também.
— Oi, Fabí.
— Me diga que história é essa? — perguntou e a puxou para um lugar com menos movimento dentro da loja.
— Vamos sair daqui? — sugeriu e olhou para a funcionária. — Depois falo com você, Ci. — Voltou-se para a bombeira. — Você bebe, Fabí?
— Só líquido... — brincou e saiu junto com a nova amiga.
Foram a um quiosque. Pediram cerveja e iniciaram uma conversa.
— Você trabalha onde?
— Na casa de uma atriz, naquele condomínio. — Apontou os prédios a alguns metros delas. — Pelo sotaque você é baiana, né?
— Moro na Bahia desde os 15 anos. Não deixei amigos aqui. Até minha família queria me ver longe. — Fabí disse sorrindo e tomou um gole da cerveja. — Agora fiquei doida, digo: noiva, e voltei pra cá. E você mora onde?
— Eu moro no Vidigal, lá é bom. É perigoso, mas é só não brincar com a sorte.
— Como em todo lugar, né? Mas me fale da festinha que Cilene comentou.
— É aniversário do meu irmão, amanhã. Se puder ir, leva teu noivo.
— Oxeeente! Você acha mesmo que eu vou levar carne assada para churrasco? Me respeite. — Fabí brincou e bateu com a garrafa na dela.
Luciana abriu sua bolsa ainda rindo do comentário, e retirou um flyer impresso de dentro.
— Aqui está o panfleto da festa. Aparece. Se quiser eu chamo o pessoal e a gente busca você aqui. Vou apresentar você a todo mundo.
— Falando em todo mundo, estou precisando alugar um lugar pra mim. Se souber de alguma coisa, me avisa, tá?
— Vou ver com a dona Mara, se ela tem algum apartamento desocupado. Lembrei que uma cabeleireira que morava no 201 estava falando que ia embora para a Europa.
— Se você conseguir isso, vou ser grata pelo resto da vida.
— Me dá seu telefone, eu te ligo ainda hoje. Espera! — pegou seu celular e ligou para a dona do prédio, que ficava no Vidigal. — Ela sai essa semana? Que bom, dona Mara, eu tenho uma amiga que está procurando apartamento. — Esticou a mão e apertou a de Fabí. — Isso. Amanhã a senhora a conhece, vou levá-la na festa do Lucas. Beijo, dona Mara, até amanhã. — Desligou — Pronto. Achei um lugar para você.
— Mas, menina, você é porreta demais!
— Vamos ser vizinhas. Você vai se apaixonar pela vista. Incrivelmente linda.
E Luciana estava certa: a vista do Vidigal para o mar era uma das mais belas do Rio de Janeiro. Fabí foi com Luciana no dia seguinte para a festa e viu o apartamento que desocuparia. Ficou encantada com a vista.
— Preciso trazer Ângela aqui!
— Quem é Ângela? — Luciana quis saber.
— Uma amiga. Na verdade, é minha cunhada. Não sei, mas foi a primeira pessoa com quem eu gostaria de dividir esse momento.
— Liga para ela, chama para cá.
— Não. Ela não viria.
— Luci, vamos começar o concurso — chamou uma moça atrás das duas.
— Estamos indo. Ah, essa é a Fabí. Fabí, essa é a Ana Paula, mora aqui perto, no Leblon.
Trocaram beijos no rosto.
— Tudo bom, Fabí?
— Tudo. Você é linda, sabia? Aliás, Rio de Janeiro está me surpreendendo com tanta mulher bonita.
Ana Paula sorriu e olhou para Luciana.
— Concurso de funk, Fabí, está dentro? — Ana Paula perguntou, empolgada.
— Hoje não. Depois de treinar um pouco, talvez.
— Ana, ela vai morar aqui. Vamos poder fazer muitas festinhas.
As duas vibraram fazendo Fabí se divertir com aquela energia.
— Vem, vou te apresentar para o pessoal — Luciana disse e puxou Fabí pela mão.
Na saída encontraram um jovem casal de duas meninas. Uma delas morena alta, olhos azuis, magra e sorridente. Fabí a observou e deduziu que não tivesse nem vinte anos ainda. A outra de cabelo curto platinado, muito bem vestida em estilo tomboy e ostentando várias tatuagens.
— Meninas, essa é a Fabí. Vai morar aqui, então vão vê-la com frequência. Fabí, essas são Paola e Taís. — Apontou a morena alta e depois a jovem de cabelo platinado. — Moram aqui perto também.
— Que lindas vocês! — Fabí elogiou e trocaram beijos.
— Seja bem-vinda, Fabí! — Paola disse, sorrindo.
— Depois aparece lá em casa. Sempre rola social com a galera. — Taís convidou, simpática.
Luciana levou Fabí para continuar as apresentações.
∞
Ângela chegou em casa e ligou para a irmã, Denise.
— Onde você está?
— No bar. Estou preparando uns detalhes para a noite. Chegou bem?
— Sim, estou indo aí. Passadinha rápida para um abraço, depois conversamos com calma — dizendo isso, pegou a chave do carro e saiu. Quando chegou ao bar da irmã, abraçou-a com força sorrindo, e a beijou.
— O que houve? Você está muito bem. Bahia é santa, mesmo. Olha esse sorriso — disse, analisando a irmã. — E o Anselmo, como está?
— Está aqui. Foi se apresentar à delegacia. Mas adorei tudo lá.
— Estou vendo. Olha essa pele. — Tocou no rosto da irmã. — Ernesto, estou indo para a Bahia. — Brincou falando com o marido que estava no escritório. Olhou para a irmã. — E então, conta, conheceu alguém especial por lá?
— Não, Denise, você só pensa nisso?
— Há coisa melhor? E quero vê-la feliz assim mais vezes.
— Consegui a fórmula da rosa azul com a mãe da Fabí, noiva do Anselmo.
— Sério? Mas você já tinha essa fórmula, não?
— Tinha, mas eu vi a plantação dela, vou fazer dar certo. O Anselmo quer dar um jantar para apresentar a noiva, no sábado, na casa do papai.
— E ela, como é?
— Legal, mas vocês vão ter uma grande surpresa. — Abraçou-a novamente e a beijou no rosto — Preciso ver o Fernando.
— Por que vocês não reatam logo?
— Porque somos amigos, Denise. Só isso.
— Você sabe o que eu acho da separação boba de vocês, não sabe?
— Sei, você já me disse isso muitas vezes, mas é melhor assim. Amo o Fernando, como amigo, apenas. Vou indo, depois nos falamos. — Saiu, sendo observada pela irmã.
— Aí tem, se ela não quis me contar, é porque tem. Ninguém volta com esse brilho pelo simples fato de ter visto uma cidade.
— Falando sozinha? — Ernesto falou atrás dela.
— Ângela está apaixonada!
— Sério? Que maravilha, quem sabe assim ela melhore aquele humor do cão que ela tem.
— Não seja maldoso, Ernesto.
∞
Ângela chegou ao hospital para falar com Fernando e foi recebida pelo pai. Trocaram um abraço caloroso.
— Meu tesouro! Que saudade!
— Que exagero, papai, foram apenas cinco dias. — Olhou para Fernando. — Preciso falar com você.
— Sabe qual é o meu sonho? — Clovis indagou aos dois. — Ver vocês dois juntos novamente.
— Papai, achei que o seu sonho fosse me ver feliz! — Ângela disse, sorrindo, e beijou Fernando no rosto.
— Ela não me ama, Clovis.
— Fernando, não somos bons um para o outro. Somos amigos. Venha, preciso conversar com você.
Levou o ex-marido para fora da sala de refeição.
— O que houve? Você parece muito bem. Está feliz. Antes de sair estava...
— Você pode ir jantar na minha casa amanhã? — indagou interrompendo-o. — Tenho uma surpresa para você.
— Claro. Você está mais bonita. Como foi possível? — disse com os olhos brilhando, sorrindo. Não resistiu e pediu: — Volta para mim.
— De novo com isso, Fernando? Já conversamos. Eu não posso... — interrompeu-se e suspirou pesadamente.
— Não me importo — aproximou-se dela e a abraçou, beijando-a suavemente nos lábios —, aliás, isso nunca foi imprescindível para mim. Amo você, e estar ao seu lado é o que mais importa — disse e a beijou novamente. Ela correspondeu ao beijo dele, mas se afastou em seguida.
— Não, Fernando, por favor.
— Você me corresponde, ainda sente.
— Eu estou carente, Fernando, só isso, não confunda as coisas. Amanhã, às oito, na minha casa, está bem? — Afastou-se.
Fernando apertou os olhos com os dedos. Amava aquela mulher mais que tudo na vida.
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