Capítulo CXXVI - SARA
Eram raros os momentos em que eu e o Tonho podíamos ficar sozinhos e aproveitar o nosso namoro de uma forma mais intensa. Após alguns olhares e cochichos, decidimos que essa seria uma boa noite para desfrutar de um pouco de privacidade. Depois de inventar uma desculpinha esfarrapada explicando porque não iríamos embora com o grupo, o Tonho me arrastou para um lugar ermo e pouco iluminado que não ficava muito longe da casa da Suzana.
O beco era úmido e estreito, mas não pretendíamos passar muito tempo lá mesmo. Assim que chegamos, o Tonho me puxou para perto dele, então me encarou sério e disse:
– Enfim sós.
Antes que eu pudesse processar o que ele acabara de dizer, ele caiu na gargalhada. Ele ria tanto, que cheguei a ver algumas lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
– Eu vi isso em um filme quando ainda era criança – contou, entre risos. - Eu sempre sonhei em dizer isso.
– Nossa, que sonho legal – disse, sarcástica, zangada por ele ter acabado com o clima.
– Desculpa, eu... – tentou, falhando por causa das gargalhadas.
– Você é muito idiota mesmo – resmunguei, livrando-me dos seus braços e o deixando para trás.
– Calma, Sara – pediu, vindo atrás de mim.
Eu já estava brava mesmo, só queria poder ir para casa e dormir, mas antes que eu pudesse chegar ao fim do estreito corredor, senti suas mãos puxarem minha cintura. Parei de caminhar imediatamente, mesmo que ainda estivesse muito descontente com o seu comportamento infantil. Ele apoiou a cabeça no meu ombro e mordeu de leve o lóbulo da minha orelha, o que fez um arrepio percorrer todo o meu corpo.
– Desculpa, vai – disse, num sussurro, de forma tão provocante que, mesmo que eu quisesse dizer não, eu jamais conseguiria.
Virei-me de frente para ele e entrelacei minhas mãos ao redor do seu pescoço, então aproximei minha boca da dele e disse:
– Só porque você é muito bonitão.
Ele riu e depois me beijou. E quando os nossos lábios se tocaram o inesperado aconteceu: uma chuva torrencial caiu sobre as nossas cabeças sem nenhum aviso prévio. Foi impossível manter qualquer intenção de continuar nosso beijo, porque estava frio para caramba.
Segurei sua mão e saímos de lá, até a marquise mais próxima, que ficava um pouco depois da casa da Suzana. Ao passarmos em frente a sua casa, encontramos a Fernanda, com um guarda-chuva e trancando o portão. Ela nos reconheceu imediatamente.
– Entrem aqui – disse.
Sem saber o que fazer e porque eu já estava batendo queixo de tanto frio, acabamos aceitando.
– Esperem aqui, que eu vou chamar a tia Suze – explicou, deixando-nos na entrada coberta da casa.
– Que ideia horrível que nós tivemos – lamentou-se o Tonho, abraçando-me na tentativa de me aquecer.
Alguns minutos depois, a Suzana apareceu na porta, com cara de espanto.
– O que vocês dois ainda estavam fazendo na rua? – ralhou, entregando-me duas toalhas. – Não sabem que é perigoso?
Nós estávamos completamente encharcados e com a maior cara de culpados do mundo. Não acho que valeria a pena lhe explicar que esse tipo de perigo não vale de nada para a gente. Após nos secarmos, ela nos fez entrar e então me encaminhou para o banheiro para que eu pudesse tomar um banho quente. A Fernanda me emprestou um pijama e depois de uma boa chuveirada eu estava me sentindo muito melhor.
– Para a sua sorte eu ainda tenho uma calça velha de um ex-namorado aqui – explicou a Suzana, entregando para o Tonho. – Estava na pilha de roupas para doação, mas não está muito fedida.
Enquanto ele foi tomar o banho dele, fiquei na cozinha conversando com a Fernanda, que me serviu um chá quentinho. Logo o Tonho se juntou a nós, vestindo uma calça de moletom desbotada e uma camiseta da Suzana, que ficou meio apertada nele.
– Eu arrumei o quarto da Fernanda para você, Sara. Ela dorme no quarto comigo. O Tonho vai dormir no sofá, que já está pronto também – explicou a Suzana.
– De jeito nenhum, Suzana. Nós não queremos incomodar – disse o Tonho.
– Não é incômodo, é preocupação. Eu sei que vocês vivem sozinhos e por isso acham que já são adultos, mas vocês não são – disse, muito séria. – Vocês vão ficar aqui até amanhã e eu espero que isso não volte a se repetir.
Engoli em seco e segui para o quarto. Reparei em cada detalhe daquele quarto para poder usá-los nas minhas decorações imaginárias. Havia várias prateleiras na parede, cheia de livros e bibelôs esquisitos. Tinha uma cômoda com uma televisão pequena em cima dela e uma cama estreita em um dos cantos.
Apaguei a luz e deitei na cama de barriga para cima. Eu sempre ficava sonhando em dormir numa cama normal e, agora que isso finalmente tinha acontecido, eu não conseguia pregar o olho. Não sei ao certo quanto tempo eu passei rolando de um lado para o outro, mas a certa altura desisti de tentar dormir. Levantei o mais silenciosamente possível e dei de cara com o Tonho, sentado no sofá. A cortina da sala estava aberta e a pouca luminosidade que vinha da rua permitia que eu o enxergasse.
– Também perdeu o sono? – perguntou ele, assim que me sentei ao seu lado.
A casa estava tão silenciosa que, mesmo que estivéssemos falando aos sussurros, tive a impressão de que poderia acordar as duas.
– Acho que meu corpo não está habituado a camas confortáveis. – Sorri.
Ele sorriu de volta e me deu um abraço apertado, chegou pertinho do meu ouvido e sussurrou:
– O que você acha de a gente continuar o que a chuva atrapalhou?
– Eu acho que a Suzana nos deixou em quartos separados para evitar que isso acontecesse – tornei, achando graça da situação.
– É uma pena que não deu certo, né?
– É. Uma pena mesmo.
A sensação de estar fazendo algo proibido tornou nosso beijo muito mais gostoso. É claro que eu sempre estava de olho no quarto para ver se alguém aparecia, mas conforme ele foi me deitando no sofá, a posição não ficou muito favorável para que eu continuasse observando e, para ser bem honesta, eu nem estava mais ligando para isso.
Devido à higiene precária da nossa rotina na casa, nunca foi possível que passássemos muito além de alguns beijos, mas agora era diferente. Nós estávamos limpos e meus cabelos estavam tão brilhantes e cheirosos que eu quase não conseguia acreditar.
Ele cessou o beijo e cheirou meu pescoço, o que francamente, eu achei meio engraçado.
– O que você está fazendo? – indaguei, entre risinhos, porque a maneira como seu nariz tocava na pele sensível do meu pescoço fazia cócegas.
– Eu podia passar o resto da minha vida aqui, sabia? – perguntou, enquanto beijava o meu pescoço. – Sentindo o seu cheiro, a sua pele, o seu gosto.
Afastei-o de perto de mim imediatamente, estupefata com o que ele acabara de dizer.
– Você está falando sério? – indaguei, muito séria. – Você realmente sente isso?
Ele concordou com um movimento de cabeça, encarando-me com estranheza. Então ele voltou a se sentar e eu o imitei.
– Por quê? – insisti. – O que você viu em mim?
Ao mesmo tempo em que eu estava me odiando por aquele ataque de insegurança em um momento completamente inoportuno, eu queria entender o que um cara com o Tonho estava fazendo com uma garota como eu. Por mais que eu tentasse compreender, não fazia o menor sentido.
– Você quer saber por que eu gosto de você? – perguntou, franzindo o cenho.
Concordei com um aceno.
– Você é meu contraponto, Sara. Quando eu quero me puxar para baixo, você me puxa para cima. Quando eu quero jogar tudo para o alto, você quer continuar. Quando eu sou só tristeza, você é só alegria. Quando eu estou inseguro, você está autossuficiente. Quando eu sou cinza, você é rosa neon – começou, entrelaçando os dedos dele nos meus. – Você é a parte de mim que eu mais gosto.
Abri a boca, tentando encontrar palavras para responder o que ele dissera, mas não consegui. Ele me pegou de surpresa. Era a coisa mais linda que alguém já tinha me dito.
– Você é divertida, é linda e responsável por esse tanto de sorrisos bobos que você vê estampado na minha cara – continuou, beijando a minha mão e depois sorrindo. – E eu cheguei a dizer para o Zeca que ele nunca ia me ver desse jeito. Mas agora sou eu quem pergunto, o que você viu em mim?
– E você ainda me pergunta? – tornei, arregalada. – Você é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida.
– Só isso? – zombou, com um meio sorriso.
Com esse mesmo sorriso, montei no seu colo.
– Eu não sei falar essas coisas bonitas. – Defendi-me. – Eu nunca disse isso para ninguém, nem para o Tião que é o meu irmão, mas, Tonho, eu te amo.
E era a mais pura verdade. Eu nunca tinha amado ninguém para saber, mas o jeito como o meu coração batia descompassado quando estava perto dele, a necessidade da sua companhia, do seu abraço, do seu beijo era tão intenso e tão assustador que eu não conseguia achar outra palavra que traduzisse esse monte de sentimentos inesperados.
– Eu também te amo, Sara – respondeu, segurando o meu rosto e olhando fixamente nos meus olhos. – Mais do que você imagina.
Sem conter um sorriso, fechei os olhos e encostei minha testa na dele e quando os nossos lábios se tocaram foi diferente de tudo o que eu já tinha sentido antes. Eu não conseguia pensar em nada naquele momento. Era como se só houvesse nós dois e os nossos sentimentos e aquela era a melhor sensação que eu já sentira. Meu coração batia tão forte, que cheguei a pensar que pudesse acordá-las.
– Me leva pro quarto, por favor – pedi, com os lábios encostados nos dele.
– Tem certeza?
– Toda a certeza do mundo – respondi, confiante.
Entrelacei minhas pernas ao redor da sua cintura e ele se levantou, sem cessar o beijo. Não sei como conseguimos chegar ao quarto sem esbarrar em nada, mas me senti grata por isso, porque se a Suzana nos pegasse ali, teríamos sérios problemas.
Por mais que eu estivesse apavorada, eu estava transbordando felicidade, porque nada naquele momento me parecia mais certo. Eu era obrigada a concordar com o Tonho. Eu poderia passar o resto da minha vida ali.
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Só digo uma coisa: Ah, se a Suzana sonha que esses dois estão aprontando!!
Não esqueçam do voto e dos comentários.
Beijão e até amanhã
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