Capítulo CXL - HELÔ
Eu achava que a gente desse hospital era desprezível só pelo que eles fizeram comigo, mas eu estava enganada. Eu não sofrera nada na mão deles. Eles eram capazes de fazer coisas muito piores.
E o que me assustava ainda mais era saber que o Bruno estava entre essas vítimas. Como eles já sabiam que ele era da segunda geração desde bebê, ele passou por todo tipo de tortura – pois não existe outra palavra que defina essas coisas horríveis que fizeram com ele.
Através daqueles arquivos descobri qual a temperatura mínima que ele aguentava até seu corpo chegar ao limite da hipotermia, quanto tempo ele suportava ficar ser respirar antes de desmaiar e outras coisas mais perturbadoras. Eles queriam saber se o aperfeiçoamento genético tinha afetado sua resistência e, pelos resultados, ele sofreu à toa.
– Caramba! Aqui está escrito que ele entortou uma viga de aço maciço com a força da mente. – Choramingou o Tião, apavorado. – Você viu a cara que ele olhou para mim? Ele pode arrancar o meu coração sem usar as mãos, Helô!
– Ele não vai fazer isso – respondi, sem dar muita atenção para suas reclamações.
O pior é que o Bruno não foi o único a sofrer com essa tortura. A Malu também teve sua parcela de sofrimento também, assim como outros internos. Nenhum deles se comparava com o Bruno, que sofreu por quase dezesseis anos, mas ainda era bem ruim.
– Você vai resolver esse problema, porque eu não quero morrer – insistiu o Tião. – Especialmente por uma coisa que eu não fiz! Eu sou jovem demais para morrer nas garras de um telecinético ciumento. Ele pode explodir a minha cabeça!
Ignorei suas queixas e continuei procurando mais arquivos. Puxa! Eram tantos que eu não sabia se conseguiria espaço suficiente para armazená-los. Procurei nas gavetas por algum dispositivo que suportasse o tamanho daqueles arquivos, que serviriam muito bem como provas.
Gelei quando ouvi vozes discutindo do outro lado da porta. O Joca e a Nice estavam lá fora, fazendo a segurança da sala para que eu e o Tião pudéssemos procurar provas. Agora que o som ensurdecedor do alarme finalmente cessara, consegui ouvir muito bem as vozes alteradas do outro lado.
Antes que eu pudesse mandar o Tião resolver a situação, a porta foi escancarada com força e vi um Bruno nada satisfeito na porta.
– Eu juro que eu não fiz nada com a sua namorada – explicou-se o Tião, quase chorando. – Foi tudo ideia dela!
Revirei os olhos, revoltada. Que bunda mole! O Bruno jamais teria coragem de fazer uma coisa dessas com o Tião. Se tinha alguém que merecia ter a cabeça explodida, esse alguém era eu, por ter tido aquela ideia idiota.
– Eu posso conversar com você? – perguntou o Bruno, aproximando-se de mim.
Eu não queria conversar com ele, especialmente depois de ter visto os seus arquivos e o tanto que ele sofreu todos esses anos nesse lugar. Eu não estava psicologicamente preparada para mostrar toda a minha raiva. Mas o Tião não teve nem a decência de permanecer na sala, o que acabou dando abertura para o Bruno.
Não respondi sua pergunta e continuei procurando em todos os armários.
– Eu sei que você está chateada comigo – começou, sem graça. – E eu sei que eu pisei na bola também.
Minha intenção não era discutir nossa briga no meio da execução de um plano tão complexo e cheio de chances de a gente se dar mal, mas o que eu poderia fazer?
– Por que você parou de me responder? – indaguei, sem conseguir olhá-lo nos olhos. – Eu passei quatro longos meses me sentindo um lixo e me culpando por tudo o que aconteceu. Quando eu recebi o seu bilhete, eu voltei a viver. E para quê? Para depois ser trocada como uma roupa velha sem nem ao menos receber uma satisfação?
Caí na burrice de olhar em seus olhos e foi aí que minha mente me traiu. Aquelas informações perturbadoras vieram sem pedir licença. E o pior era saber que eu mesma me sabotara, porque a iniciativa de procurar pelos seus arquivos foi minha. Acho que no fundo eu só estava querendo me punir mais um pouco.
Não prestei atenção no que ele disse, porque tudo o que eu ouvia era um pedido de socorro por todos os testes grotescos que ele suportou nesse lugar. Duzentas e vinte horas sem dormir, dois minutos e quinze segundos sem respirar, quarenta e cinco minutos em água congelante...
Tentei focar minha mente no que ele tinha feito para mim. Ele ignorou meus contatos e me trocou por aquela esquisita!
– Eu não estou chateada por você ter preferido ficar com ela, afinal você tem o direito de ficar com quem você quiser – comecei, sentindo a raiva regressando aos poucos. – Eu só estou chateada por...
– Você realmente acreditou nisso? Você acha mesmo que eu te trocaria pela Flávia? - indagou, com um sorriso de lado, usando um tom de deboche quando falou o nome dela.
– Então por que você não respondeu as drogas dos bilhetes, caramba!? – explodi, furiosa.
Virei-lhe as costas e voltei a vasculhar os armários. Antes de mais nada, eu tinha uma missão importante a cumprir e não ia deixar que um assunto besta como esse me atrapalhasse.
– Porque eu pensei que nunca mais fosse sair daqui – admitiu, quase num sussurro.
Conforme eu tentava fingir que não estava nem aí para o que ele dizia, senti as lágrima embaçando a minha visão e aquele formigamento característico. Duzentas e vinte horas sem dormir, dois minutos e quinze segundos sem respirar, quarenta e cinco minutos em água congelante.
Eu não queria chorar, ainda mais na frente dele, mas eu estava abalada demais para isso. O Bruno não poderia ter escolhido um momento melhor para se explicar? Disfarçadamente, tentei secar a lágrima que insistiu em cair, mesmo contra a minha vontade.
– Eu espero que mais ninguém ouça o que eu vou dizer agora, porque isso é embaraçoso demais – começou, nitidamente sem graça. – Quando eu te vi pela primeira vez, eu já sabia que valeria a pena lutar por você, porque você é diferente de todas as garotas que eu já conheci. Você é destemida e fala o que pensa, sem se importar se os outros vão gostar ou não e é por isso que eu gosto de você. Puxa, Helô, eu gosto pra caramba de você! E você não faz ideia de quanta saudade eu senti nesse tempo todo.
Fiquei em silêncio, enquanto tentava absorver cada palavra do que ele dizia. Eu ainda estava de costas, evitando a todo custo olhar nos seus olhos.
– Conforme o tempo foi passando, minhas esperanças de saírem desse lugar foram diminuindo, até chegar ao ponto em que eu comecei a me conformar com isso. Eu pensava que mais alguns anos não seria um grande problema perto dos dezesseis anos que eu passei aqui. E mais do que isso, que não seria justo continuar te dando esperanças. Era como se eu estivesse te enganando e isso me fazia sentir péssimo.
Eu estava dividida. Se por um lado eu queria continuar sentindo raiva, porque dessa forma eu não me deixaria ser idiota novamente, por outro, eu estava quase derretendo e isso só piorava a minha situação.
– Eu sei que eu deveria ter te explicado tudo isso, mas se já é muito difícil falar sobre isso, imagine só escrever – continuou.
Finalmente me rendi e o encarei. Ele ainda exibia aquela postura constrangida e enfim percebi que a raiva que eu sentia não era dele, mas das pessoas que o fizeram sofrer tanto por todo esse tempo. Ele tinha todos os motivos para odiar o mundo e ainda assim, estava ali, pedindo desculpas e se declarando para mim.
Sem contar tempo, aproximei-me dele e o abracei com força. Eu nem estava mais preocupada em manter as lágrimas sob controle, porque eu já não tinha mais nenhum necessidade de parecer forte perto dele.
– Eu senti tanto a sua falta – disse, com a voz embargada.
– Não teve um único dia que eu não pensei em você, Helô – tornou, apertando-me ainda mais no seu abraço. – Só se eu fosse o maior imbecil do mundo para preferir aquela maluca a você.
Mesmo chorando, não contive um sorriso. Afastei-me levemente dele, enquanto enxugava as lágrimas.
– Quando a gente sair daqui, eu prometo que nunca mais vou largar do seu pé. – Sorriu.
Segurei no seu rosto e fiquei na ponta dos pés, a ponta do meu nariz tocando na ponta do dele.
– Eu vou cobrar, viu? – tornei, beijando-o de leve.
Ele bem que tentou prolongar o nosso beijo, mas eu não deixei. Eu ainda tinha que copiar os arquivos o mais rápido possível e, depois que tudo acabasse, nós teríamos bastante tempo para nós.
– Eu realmente preciso encontrar algum dispositivo para poder copiar esses dados – expliquei, soltando-me do seu abraço.
- Tudo bem. Eu também preciso encontrar a Malu – tornou.
Vi ele indo em direção a porta, mas parou com a mão na maçaneta, como se tivesse esquecido de dizer alguma coisa.
– Conheci sua melhor amiga. Eu sempre ouvi falar que o seu irmão era o cara assustador, mas ela me botou medo de verdade – disse, sorrindo.
Não consegui segurar uma risada, enquanto imaginava o que a Sara tinha dito para ela.
– Você não viu nada!
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As coisas estão dando muito certo, não acham? :P
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Beijos ;*
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